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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

Print version ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.38 no.4 Lisboa Aug. 2022  Epub Aug 31, 2022

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v38i4.13167 

Estudos originais

Sistemas de nebulização em idade pediátrica: uso domiciliário em São Miguel

Nebulizers in pediatric age: domiciliary use in São Miguel

Augusta Arruda1  , Conceptualização, metodologia, análise formal, redação do draft original

Francisco Caldeira2  , Conceptualização, metodologia, análise formal, curadoria de dados, redação do draft original, redação, revisão, validação do texto final

Ana Machado2  , Metodologia, curadoria de dados, redação, revisão, validação do texto final

Carolina Eloi2  , Metodologia, análise formal, curadoria de dados

Carolina Resendes2  , Metodologia, análise formal, curadoria de dados

Joana Fechado2  , Conceptualização, metodologia, validação, análise formal, redação, revisão, validação do texto final
http://orcid.org/0000-0003-2212-4875

Beatriz Amaral3  , Investigação, recursos, redação, revisão, validação do texto final

Ana Ventura3  , Conceptualização, redação, revisão, validação do texto final

1. Interna de Formação Específica de Pediatria Médica do Serviço de Pediatria do Hospital Divino Espirito Santo de Ponta Delgada, EPER. Portugal.

2. Interno de Formação Específica de Medicina Geral e Familiar da Unidade de Saúde da Ilha de São Miguel. Portugal.

3. Assistente em Medicina Geral e Familiar da Unidade de Saúde da Ilha de São Miguel. Portugal.


Resumo

Introdução:

As doenças respiratórias são uma causa major de morbilidade em idade pediátrica. Os sistemas de nebulização, durante anos os dispositivos mais indicados para administração de aerossolterapia em crianças, foram suplantados pelos dispositivos simples de inalação. As linhas de orientação clínica atuais restringem a prescrição e utilização de nebulizadores. O objetivo do estudo é investigar a utilização domiciliária de sistemas de nebulização em idade pediátrica na Unidade de Saúde da Ilha de São Miguel.

Método:

Estudo observacional, transversal e analítico. Inclusão de crianças dos zero aos sete anos e 365 dias de idade, inscritos na Unidade de Saúde da Ilha de São Miguel. Aplicação de inquérito sob a forma de questionário aos acompanhantes da população-alvo para avaliação do contexto de aquisição, utilização e manutenção dos sistemas de nebulização. Calculada uma amostra significativa de 380 utentes (intervalo de confiança de 95%).

Resultados:

Participação de 387 utentes. Média de idades de 2,5 anos. 45,7% dos inquiridos afirmou possuir um nebulizador, enquanto 18,9% referiu possuir um dispositivo de inalação simples. A taxa de aquisição e utilização dos sistemas de nebulização sem prescrição médica foi de 67,8% e 79,7%, respetivamente. O custo da aquisição do sistema de nebulização foi entre 80 e 150 euros em 38,4%. A maioria da utilização não supervisionada ocorreu com soro fisiológico e no contexto de obstrução nasal (41,1%) e tosse (24,9%).

Conclusão:

O presente estudo evidencia a aquisição e utilização excessiva, não supervisionada e inapropriada dos sistemas de nebulização. A presente investigação deverá motivar a promoção da utilização dos dispositivos simples através da educação dos utentes, cuidadores e profissionais de saúde, visando melhorar a prática de saúde local.

Palavras-chave: Nebulizadores e vaporizadores; Domicílio; Pediatria

Abstract

Introduction:

Respiratory diseases are a major cause of morbidity in the pediatric population. Nebulizers, for years the most suitable devices for administering aerosol therapy in children, have been superseded by simple inhalation devices. Current clinical guidelines restrict the prescription and use of nebulizers. The study aims to investigate the reality of domiciliary use of nebulizing systems in the pediatric age in the São Miguel Island Health Unit.

Methods:

Observational, analytical, and cross-sectional study. Inclusion criteria: children from zero to seven years and 365 days of age. A face-to-face survey was performed on caregivers of the target population to assess the context of the acquisition, use, and maintenance of nebulizers. A significant sample of 380 users was calculated (95% confidence interval).

Results:

Participation of 387 caregivers. The average age of children included 2.5 years. 45,7% of participants had a nebulizer and 18,9% reported having a simple inhaler device. The rate of acquisition and use of nebulizers without medical prescription was 67.8% and 79.7%, respectively. The cost of acquiring the nebulization system was between 80 and 150 euros for 38.4% of the participants. Most of the unsupervised use occurred with saline and in the context of nasal obstruction (41.1%) and cough (24.9%).

Discussion:

The present study reveals an excessive, unsupervised and inappropriate use of nebulizers in pediatric age. The present investigation should encourage the promotion of the use of simple inhaler devices, by educating users, caregivers, and health professionals, aiming to improve local health practice.

Keywords: Nebulizers and vaporizers; Domicile; Pediatrics

Introdução

As doenças respiratórias impõem um elevado custo na saúde global e são causa major de morbilidade na idade pediátrica.1 De entre as doenças respiratórias, as do trato respiratório inferior são responsáveis pela maioria das patologias graves, destacando-se nos países desenvolvidos a pneumonia viral e a bronquiolite entre as patologias agudas e a asma entre as crónicas. 1-2

A via inalatória constitui o método preferencial de administração terapêutica no tratamento de doenças respiratórias. Esta via de administração permite que os fármacos sejam depositados diretamente no órgão-alvo, o que possibilita um rápido início de ação, necessidade de doses terapêuticas menores e, consequentemente, redução da ocorrência de efeitos secundários possíveis. 3

A administração de fármacos em idade pediátrica impõe desafios, incluindo na administração de fármacos inalados. Durante muitos anos, os sistemas de nebulização foram considerados o método de eleição para terapia inalatória em pediatria. No entanto, com o surgimento de dispositivos simples de inalação, e as suas inerentes vantagens, alterou-se o paradigma e os nebulizadores foram remetidos para situações específicas. 4-5

Quando comparados com os dispositivos simples de inalação, os sistemas de nebulização são menos eficazes e práticos, mais dispendiosos e consumidores de tempo. Acresce a dificuldade provocada pela exigência de conhecimento específico respeitante às características técnicas dos diferentes aparelhos, e respetivas interfaces, e à manutenção dos mesmos. Além disso, a contaminação dos componentes dos sistemas de nebulização parece condicionar um risco acrescido aos doentes com patologia respiratória. 6 Neste sentido, têm surgido linhas orientadoras para a prescrição preferencial de aerossolterapia por dispositivos simples em todas as idades. 6 Durante a pandemia SARS-CoV-2 foi reforçada a importância de evitar a utilização dos sistemas de nebulização. 7

Não obstante, alguns estudos têm vindo a demonstrar elevadas taxas de utilização e manutenção incorreta dos sistemas de nebulização. 8-10

Assim, atendendo às linhas de orientação clínica vigentes4-5 e às desvantagens e potenciais perigos associados ao uso excessivo e incorreto de nebulizadores, o presente estudo tem como objetivo investigar a realidade da utilização domiciliária de sistemas de nebulização em idade pediátrica na Unidade de Saúde da Ilha de São Miguel (USISM).

Método

Desenvolveu-se um estudo observacional, transversal e analítico. Cumpriam critérios de inclusão os utentes em idade pediátrica dos zero aos sete anos de idade (inclusive) observados em consulta médica/enfermagem da Unidade de Saúde da Ilha de São Miguel. A população-alvo foi definida de acordo com a norma de atuação clínica nacional vigente à data de início do estudo. 4 O único critério de exclusão foi a idade superior a sete anos.

Calculou-se a amostra significativa através do software OpenEpi®, disponível online. Admitiu-se uma população de 33.361 crianças dos zero aos sete anos (Censos 2011). Considerando uma prevalência antecipada esperada de 50% (por ser desconhecida), um erro de 5% e um intervalo de confiança de 95%, obteve-se uma amostra significativa de 380 utentes.

O estudo envolveu a aplicação de inquérito a uma amostra de conveniência, sob a forma de questionário aos acompanhantes da população-alvo, no âmbito da consulta de saúde infanto-juvenil (enfermagem ou médica), de forma voluntária, confidencial e mediante assinatura de consentimento informado, livre e esclarecido. O questionário original utilizado foi previamente testado numa pequena amostra da população, tendo sido considerado válido para o objetivo em estudo. O questionário é composto por quinze questões, onde se avalia a existência de antecedentes pessoais de doenças do foro respiratório e o contexto de aquisição, utilização e manutenção dos sistemas de nebulização (Anexo 1). Foram ainda colhidos dados sociodemográficos. Foi pedida colaboração voluntária de enfermeiros e médicos da USISM na aplicação dos questionários, sendo explicado brevemente como se preenchia. O questionário foi aplicado de forma presencial pelo médico(a) ou enfermeiro(a) durante um período de dez meses - entre abril de 2019 e janeiro de 2020.

Efetuou-se o registo e a análise dos dados utilizando o programa Statistical Package for the Social Sciences® (SPSS) v. 23. Realizou-se uma análise estatística descritiva e, em algumas das variáveis, a análise comparativa entre grupos com recurso ao teste qui-quadrado.

Nenhum questionário foi excluído, mas em alguns constatou-se a ausência de resposta e/ou respostas que foram consideradas inválidas (mais do que uma opção selecionada em questões de resposta única) e, nesses casos, assumiu-se como um missing data.

O estudo obteve parecer favorável do Conselho de Administração da USISM e da Comissão de Ética para a Saúde do Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada, EPER (Refª 910/CES/2018).

Resultados

O questionário foi aplicado a 387 pais ou cuidadores da população-alvo.

Caracterização sociodemográfica da população

A maioria dos questionários foi aplicada à mãe ou pai acompanhante da criança (95,9%; n=372) (Tabela 1). Em apenas 4,1% (n=16) dos casos o questionário foi aplicado a outro cuidador. A maioria das crianças incluídas estava inscrita na USISM (92,5%; n=358). A idade das crianças incluídas no estudo variou de 15 dias a sete anos, com uma média de idades de 2,5 anos. Quase metade das crianças (48,3%; n=187) apresentava menos de dois anos de idade à data do questionário. Ambos os sexos foram igualmente representados (sexo masculino [48,3%; n=187] e sexo feminino [50,6%; n=196]). Todos os concelhos da Ilha de São Miguel foram incluídos, pertencendo a maioria (55,3%) a Ponta Delgada.

Tabela 1 Dados demográficos dos utentes incluídos no estudo 

História pessoal de doença do foro respiratório

A maioria dos inquiridos negou a existência de antecedentes de patologia do foro respiratório (57,1%, n=221). Os que afirmaram a existência de antecedentes de patologia do foro respiratório (42,9%; n=166) negaram a necessidade de seguimento em consulta especializada em 86,1% dos casos (n=143). A maioria das doenças do foro respiratório correspondeu a patologia aguda: bronquiolite (80,6%; n=137); pneumonia (2,9%; n=5); nasofaringite aguda (2,4%; n=4); e adenoidite (0,6%; n=1). As doenças crónicas mencionadas foram a sibilância recorrente/asma (12,4%; n=21) e a rinite alérgica (1,2%; n=2).

Aquisição de sistema de nebulização

Quase metade dos inquiridos (45,7%; n=177) afirmou possuir um sistema de nebulização. Não se verificou diferença estatisticamente significativa na idade das crianças com e sem sistema nebulização (p-value 0,156) (Tabela 2). Das crianças com antecedentes do foro respiratório, 65,1% (n=108) tinham sistema de nebulização. Das crianças sem antecedentes de patologia do foro respiratório, 31,2% (n=69) tinham um sistema de nebulização. Esta diferença entre grupos (com e sem doença prévia/atual do foro respiratório) foi estatisticamente significativa (p-value <0,001).

Tabela 2 Questões relacionadas com a aquisição e custo do sistema nebulização 

Quando questionados sobre possuírem outros dispositivos de terapia inalatória/aerossóis apenas 18,9% (n=73) dos inquiridos apresentaram uma resposta afirmativa, sendo que o dispositivo mais comum (81,7%; n=58) foi o inalador pressurizado com câmara expansora. Das crianças com doença prévia/atual do foro respiratório, 42,2% (n=68) dispunham de outros dispositivos. Das crianças sem doença prévia/atual do foro respiratório, 2,0% (n=4) dispunham de outros dispositivos. Esta diferença entre grupos (com e sem doença prévia/atual do foro respiratório) foi estatisticamente significativa (p-value <0,001).

Relativamente à aquisição dos sistemas de nebulização, cerca de um terço (31,1%; n=55) dos inquiridos referiu tê-lo feito durante o ano anterior à data da aplicação do questionário. O custo de aquisição do sistema de nebulização em 38,4% (n= 68) dos casos variou entre 80 e 150 euros. Em 19,8% (n=35) dos casos não houve custo associado à aquisição, uma vez que este foi emprestado ou oferecido. A maioria dos inquiridos (67,8%; n=120) referiu que obteve o sistema de nebulização sem prescrição médica. Destes, 55,8% (n=67) adquiriram-no por iniciativa própria e 16,7% (n=20) por aconselhamento de um profissional de saúde não médico (enfermeiro, farmacêutico e/ou outros). A maioria dos nebulizadores adquiridos após indicação médica foi prescrita no contexto de uma bronquiolite (66,1%, n=39).

Utilização de sistema de nebulização

Os fármacos mais utilizados pelos inquiridos foram: o soro fisiológico simples (60,2%; n=127) e o soro fisiológico com salbutamol (30,3%; n=64) (Tabela 3). Quando questionados sobre o período de utilização habitual consecutivo do sistema de nebulização, 89,3% (n=158) dos inquiridos referiu utilizá-lo durante cinco a sete dias. Cerca de 7,9% (n=14) dos inquiridos afirmou utilizar o nebulizador por um período consecutivo superior a sete dias. Relativamente à utilização da máscara facial com o nebulizador, 59,9% (n=106) dos inquiridos referiu a não utilização da mesma em algum momento. A maioria dos inquiridos (79,7%; n=141) admitiu utilizar o sistema de nebulização sem prescrição médica. A maioria da utilização não supervisionada ocorreu com soro fisiológico (80,4%; n=123) e no contexto de obstrução nasal (41,1%; n=99) e tosse (24,9%; n=60). O tempo médio desde a última utilização do sistema de nebulização pelos inquiridos foi de 12 meses. Mais de um terço dos inquiridos (34,5%; n=61) assumiu partilhar o nebulizador com outras pessoas, nomeadamente mãe/pai (9,8%; n=6), irmãos (70,5%; n=43), primos (16,4%; n=10), amigos ou vizinhos (3,3%, n=2).

Tabela 3 Questões relacionadas com a utilização do sistema nebulização 

Manutenção dos sistemas de nebulização

A maioria dos inquiridos (68,9%; n=122) referiu limpar o tubo de ar, a máscara e o bucal a cada utilização (Tabela 4). Cerca de 8,5% (n=15) dos inquiridos referiu nunca ter procedido à limpeza dos constituintes. O método preferencial da limpeza envolveu água morna e sabão neutro, seguido de secagem ao natural (26,0%; n=46) ou apenas água seguido de secagem ao natural (24,9%; n=44). Mais de dois terços dos inquiridos (70,1%; n=124) afirmaram nunca ter substituído os constituintes do nebulizador.

Tabela 4 Questões relacionadas com manutenção do sistema nebulização 

Discussão

A administração de broncodilatadores e corticosteroides inalados deve ser realizada através de dispositivos simples, independentemente da idade do utente ou do contexto de atuação clínica (ambulatório, internamento ou urgência). 6 Nas crianças, o uso concomitante de câmara expansora permite ultrapassar o problema de coordenação mão-pulmão, com eficácia terapêutica igual ou superior à dos sistemas de nebulização. 6 De facto, segundo as Normas de Orientação Clínica nacionais vigentes e de acordo com as boas práticas clínicas, o uso de sistemas de nebulização não é a primeira opção para a administração de terapêutica inalatória, estando estes reservados para situações concretas. 4

Neste trabalho verifica-se uma elevada percentagem de inquiridos (45,7%) que assumiu possuir um nebulizador para uso domiciliário pediátrico em comparação com aqueles que referiram possuir um dispositivo simples (18,9%). A constatação de que a maioria das crianças incluídas no estudo tinha menos de dois anos de idade e não tinha patologia pulmonar crónica que justificasse, de acordo com as Normas de Orientação Clínica nacionais, a utilização de sistemas de nebulização deve alertar para a necessidade de melhorar a prática clínica neste contexto. 4 A patologia respiratória prévia mais mencionada, e aquela que levou mais frequentemente à prescrição médica de nebulizadores, foi a bronquiolite. Esta patologia, segundo as Normas de Orientação Clínica vigentes, não tem indicação para terapêutica inalatória em ambulatório. 11 Além disso, a maioria dos inquiridos adquiriu os nebulizadores sem prescrição médica (67,8%), por iniciativa própria (55,8%) e por aconselhamento de um profissional de saúde não médico (16,7%), o que demonstra que é importante investir na informação da população e na formação dos profissionais de saúde não médicos. Seria ainda importante, no futuro, tentar perceber o motivo que levou à aquisição do nebulizador nos cuidadores que o fizeram por iniciativa própria.

As taxas de aquisição e utilização sem prescrição médica dos sistemas de nebulização foram de 67,8% e 79,8%, respetivamente. A liberalização na aquisição dos sistemas de nebulização pode comprometer os objetivos das Normas de Orientação Clínica vigentes. De ressalvar que o fármaco mais utilizado sem prescrição médica prévia foi o soro fisiológico, o que segundo as Norma de Orientação Clínica atuais, está indicado apenas em doentes domiciliários ventilados com vias aéreas artificiais ou com dificuldade nos mecanismos de tosse. 4 Por fim, o custo associado à aquisição do sistema de nebulização foi mais elevado do que aquele associado à aquisição de um dispositivo simples com câmara expansora, como previamente estimado por Oliveira e colaboradores. 10 Estes resultados reforçam a necessidade da discussão em torno dos moldes atuais de aquisição dos sistemas de nebulização, uma vez que um dispositivo de administração de fármacos inalatórios continua a ser de venda livre e de fácil acesso aos cuidadores das crianças.

Este estudo também revelou elevadas taxas de utilização indevida dos sistemas de nebulização. Concretamente, 7,9% dos inquiridos assumiu utilizar o nebulizador por mais do que sete dias, período máximo estipulado pelas Normas de Orientação Clínica vigentes. 4 Ademais, 59,9% dos inquiridos referiu não utilizar a interface corretamente, valor superior ao documentado no estudo de Oliveira e colaboradores (59,9% vs 40%). 10 Além disso, em 39,8% dos casos, o sistema de nebulização foi partilhado com outros utilizadores, o que representa mais do dobro do valor documentado no mesmo estudo (39,8%% vs 18,1%).10

Quanto à manutenção dos sistemas de nebulização, o estudo revelou uma conduta heterogénea na limpeza dos mesmos. A maioria dos inquiridos revelou limpar o tubo de ar, a máscara e o bucal do sistema de nebulização a cada utilização, uma percentagem superior à documentada na literatura (68,9% vs 48,7%). 12 A maioria dos inquiridos (50,9%) referiu como método de limpeza a lavagem com ou sem sabão neutro, seguido de enxaguamento com água morna e secagem ao natural. Este método de limpeza é o recomendado pela maioria dos fabricantes de nebulizadores. 13 A secagem natural, em comparação com a secagem com pano, parece estar associada a menores taxas de contaminação. 12 Não obstante, 70,1% dos inquiridos nunca substituíram a máscara, bucal e o tubo de ar do sistema de nebulização.

Após uma revisão sistemática da literatura, os autores constataram que a realidade da utilização domiciliária de sistemas de nebulização nunca tinha sido estudada na ilha de São Miguel. Foi possível atingir uma amostra representativa da população-alvo e abranger todos os concelhos da ilha. A aplicação dos questionários por entrevista pessoal, com possibilidade de esclarecimento de questões mais técnicas, é também considerada uma mais valia. Por outro lado, o estudo apresenta as limitações inerentes à aplicação de questionários (e.g., respostas não registadas com missing data ou heterogeneidade da colheita entre profissionais) e ao tipo de amostra (de conveniência e não representativa de todos os concelhos).

Conclusão

O presente estudo evidencia aquisição e utilização excessiva, não supervisionada e inapropriada dos sistemas de nebulização pelos cuidadores.

A maioria dos cuidadores adquiriu os nebulizadores sem prescrição médica, por sua iniciativa ou por indicação de outros profissionais de saúde não médicos. Acredita-se que deviam ser alvo de estudo as causas que levam à aquisição voluntária e frequente deste dispositivo. A informação da população sobre os riscos inerentes ao uso dos nebulizadores e a venda condicionada a prescrição médica poderiam ser algumas das formas para diminuir drasticamente a aquisição. A formação de profissionais de saúde, como médicos, farmacêuticos e enfermeiros, pode também contribuir para diminuir a aquisição excessiva.

Quanto ao uso inapropriado dos sistemas de nebulização, a educação dos cuidadores e profissionais de saúde sobre a correta utilização e manutenção dos nebulizadores parece ser fundamental para combater a mesma.

A promoção da utilização dos dispositivos simples através da educação dos utentes, cuidadores e profissionais de saúde, como médicos, farmacêuticos e enfermeiros, é fundamental. A maior eficácia e conveniência de utilização e o menor custo e risco de contaminação, em comparação com os nebulizadores, devem ser reforçados, principalmente no contexto da pandemia SARS-CoV-2.

Agradecimentos

Os autores agradecem a todos os médicos e enfermeiros da USISM que participaram ativamente na aplicação dos questionários aos utentes. O seu contributo foi fundamental para esta investigação.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

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ANEXO 1

Anexo: Questionário sobre a utilização, em idade pediátrica, de sistemas de nebulização para aerossolterapia 

Recebido: 01 de Março de 2021; Aceito: 22 de Dezembro de 2021

Endereço para correspondência Joana Fechado E-mail: joanafechado@gmail.com

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