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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.37 no.2 Lisboa abr. 2021  Epub 30-Abr-2021

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v37i2.12071 

Relatos de caso

Episódio hipotónico-hiporresponsivo pós-vacinação: a propósito de um caso clínico.

Hypotonic-hyporesponsive episode after vaccination: about a case report.

Cátia Alves1  , Médica Especialista de Imunoalergologia
http://orcid.org/0000-0001-8821-7797

Ana Margarida Romeira2  , Médica Assistente Hospitalar Graduada de Imunoalergologia

Raquel Ferreira3  , Médica Assistente Hospitalar de Pediatria

Teresa Almeida4  , Médica Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria

Paula Leiria Pinto5  , Médica Assistente Hospitalar Graduada Sénior de Imunoalergologia

1. Médica Especialista de Imunoalergologia. Serviço de Imunoalergologia, Hospital Dona Estefânia, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central. Lisboa, Portugal.

2. Médica Assistente Hospitalar Graduada de Imunoalergologia. Serviço de Imunoalergologia, Hospital Dona Estefânia, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central. Lisboa, Portugal.

3. Médica Assistente Hospitalar de Pediatria. Serviço de Pediatria Médica, Hospital Dona Estefânia, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central. Lisboa, Portugal.

4. Médica Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria. Serviço de Pediatria Médica, Hospital Dona Estefânia, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central. Lisboa, Portugal.

5. Médica Assistente Hospitalar Graduada Sénior de Imunoalergologia. Serviço de Imunoalergologia, Hospital Dona Estefânia, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central. Lisboa, Portugal.


Resumo

Introdução:

O episódio hipotónico-hiporresponsivo (EHH) pós-vacinação caracteriza-se pela súbita diminuição do tónus muscular, hiporresponsividade e alteração da coloração cutânea (palidez ou cianose), com início imediato ou até 48 horas pós-imunização e em que não é identificável outra causa.

Descrição do caso:

Descreve-se o caso clínico de uma lactente referenciada à consulta por suspeita de anafilaxia após vacinação e em que a investigação imunoalergológica permitiu excluir o diagnóstico, demonstrar a tolerância à vacina pentavalente e confirmar o EHH.

Comentário:

Este caso reforça a importância da referenciação destas crianças para a consulta de imunoalergologia para exclusão/confirmação de alergia às vacinas. O EHH é uma entidade rara, pouco descrita na literatura e que pode acometer qualquer criança que seja vacinada. Não deve ser contraindicação para futuras imunizações, sendo, no entanto, recomendável que a dose de vacina pós-episódio seja feita em ambiente hospitalar.

Palavras-chave: Vacinação; Episódio hipotónico-hiporresponsivo

Abstract

Introduction:

The hypotonic-hyporesponsive episode (HHE) is defined by the sudden decrease in muscle tone, hyporesponsiveness, and skin discoloration (pallor or cyanosis), which may begin immediately or within 48 hours after immunization, where no other cause is known.

Case report:

The authors describe a case of a lactent, referred to the allergy and clinical immunology department due to an anaphylaxis suspicion post-vaccination in which the allergological workout excluded this diagnosis, proved tolerance to the pentavalent vaccine, and confirmed the HHE diagnosis.

Comment:

This case reinforces the importance of sending these children to an allergy clinic, to perform a correct diagnosis and confirm/exclude a vaccine allergy. HHE is rare, not very often described in the literature, and can occur in any children vaccinated. It should not be considered a contraindication for future immunizations, but the vaccination after the episode should be carried in a hospital setting, under supervision.

Keywords: Vaccination; Hypotonic-hyporesponsive episode

Introdução

A vacinação, como se tem vindo a verificar ao longo dos anos, é eficaz e aporta benefícios significativos para a saúde pública.1 No entanto, para além da eficácia da vacina, a sua segurança é uma das principais preocupações dos profissionais de saúde e dos pais.

O episódio hipotónico-hiporresponsivo (EHH) pode surgir em qualquer criança que seja vacinada, sendo uma entidade rara e pouco conhecida. É um diagnóstico de exclusão, pelo que poderá ser difícil o estabelecimento do mesmo. Importa, por isso, sensibilizar os profissionais de saúde para a importância do reconhecimento desta entidade.

O termo EHH foi usado no final dos anos 70 para descrever um quadro de palidez, debilidade, hiporresponsividade, letargia e irritabilidade que ocorria em oito de mais de 1.500 crianças vacinadas com a vacina celular completa da difteria, tétano e tosse convulsa/pertussis (DTPw).2 A incidência reportada deste episódio após a vacinação é maior com a vacina pertussis celular, quando comparada com a vacina DTP acelular (DTPa), variando a incidência na primeira entre 57 a 250 episódios por 100.000 doses e na segunda entre quatro a 140 episódios por 100.000 administrações.2

Caracteriza-se pelo aparecimento súbito da tríade hipotonia, hiporresponsividade e alteração da coloração cutânea (palidez e/ou cianose) até 48 horas pós-imunização e em que não é identificável uma outra causa.

Os estudos de follow up publicados, baseados nos relatos dos pais e na avaliação neurológica e do desenvolvimento, demonstraram que o EHH é autolimitado e sem sequelas a longo prazo.3

Descrição do caso

Descreve-se o caso clínico de uma lactente, com antecedentes de parto eutócico pré-termo (35 semanas e cinco dias), com um peso à nascença de 2740g, perímetro cefálico de 32cm e estatura de 47,5cm. Sem antecedentes familiares de relevo, nomeadamente patologia alérgica. O período neonatal decorreu sem intercorrências, tendo cumprido o Plano Nacional de Vacinação (PNV) em vigor até aos quatro meses: à nascença, vacina contra a tuberculose (BCG) e primeira dose contra o vírus da hepatite B (VHB); aos dois meses, primeira dose da vacina pentavalente Pentavac® (DTPaHibVIP) - vacina contra a difteria, tétano e tosse convulsa/pertussis (DTPa), vacina contra a poliomielite (VIP) e Haemophilus influenzae do serótipo b (Hib) - e a segunda dose da VHB e, extra plano, a primeira dose da vacina contra o rotavírus. Todas as administrações decorreram sem intercorrências.

Aos quatro meses, cerca de seis minutos após a administração da vacina DTPaHibVIP e da vacina Prevenar® (vacina pneumocócica 13-valente), iniciou quadro de palidez cutânea acentuada, interrupção do choro, cianose labial, hipotonia e paragem respiratória. O quadro reverteu em poucos minutos após massagem cardíaca, administração de adrenalina, hidrocortisona e oxigenoterapia, tendo permanecido em vigilância sem aparecimento de novos sintomas. Posteriormente foi observada em consulta de cardiologia, onde fez ecocardiograma, tendo-se excluído patologia cardíaca.

Aos cinco meses de idade foi referenciada à consulta de imunoalergologia do Hospital D. Estefânia, com a hipótese diagnóstica de reação anafilática à vacina DTPaHibVIP e/ou à vacina pneumocócica 13-valente. Atendendo à suspeita de reação de hipersensibilidade às vacinas efetuou testes cutâneos por picada (concentrações de 1/10 e 1/1) e intradérmicos (concentração de 1/100) com as mesmas, que foram negativos.

Foi-lhe administrada a vacina DTPaHibVIP em ambiente hospitalar sem intercorrências, tendo ficado internada para vigilância durante 48 horas, pelo facto de este tipo de reação poder ocorrer até às 48h pós-administração.

Os pais recusaram a administração da vacina pneumocócica 13-valente.

A criança sempre apresentou um desenvolvimento normal, de acordo com a idade, tendo retomado o PNV, nomeadamente a terceira dose da VHB, a primeira dose da VASPR, a vacina da meningite C e a Infanrix Hib® (DPTa, Hib), sem reações adversas. As administrações foram realizadas no local habitual (hospital privado, onde era acompanhada por pediatra), com um período de vigilância de 30 minutos, como está preconizado, e sem necessidade de vigilância adicional.

Comentário

Na literatura existem poucos estudos ou relatos de casos clínicos de EHH, quer devido à sua baixa ocorrência quer pelo facto de provavelmente não serem reportados de forma sistemática.

Os autores basearam o seu diagnóstico na tríade de sinais referida previamente e na exclusão de outras causas. Não foi realizada investigação adicional, nomeadamente laboratorial, pois esta não é habitualmente útil na confirmação do diagnóstico.

A relação de causalidade entre o aparecimento dos sintomas e a administração da vacina tem por suporte a proximidade temporal entre o início da reação e a administração da mesma, ou seja, o quadro desenvolveu-se imediatamente após a vacina ter sido administrada. Na literatura está descrito que os sintomas ocorrem habitualmente cerca de três a quatro horas após a imunização, podendo, no entanto, ser imediatos, como o que ocorreu no presente caso, ou mais tardios (até um período de 48h pós-vacinação).3-5

Relativamente à persistência dos sintomas, a resolução do quadro ocorreu após alguns minutos, não sendo possível assegurar que a recuperação teria sido espontânea,3-4,6 pois ocorreu intervenção terapêutica com administração de fármacos para o tratamento de uma possível anafilaxia, para além da execução de massagem cardíaca.

A maioria dos casos conhecidos ocorrem até aos dois anos, tal como no presente caso, embora estejam descritas ocorrências em crianças mais velhas.3 O EHH também tem sido associado à febre, sendo esta reportada apenas em cerca de um terço dos casos,3 pelo que a ausência de febre nesta criança não permite excluir o diagnóstico.

De facto, o diagnóstico diferencial com outras entidades é importante, nomeadamente com o episódio sincopal, o estado ictal ou pós-ictal, a patologia cardíaca com débito cardíaco reduzido (arritmia, doença cardíaca congénita), intoxicação, patologia endócrina ou metabólica e a anafilaxia,1,5 em particular nas crianças mais velhas.

O mecanismo fisiopatológico ou a patogénese implicada no EHH permanecem desconhecidos, podendo ter uma etiologia multifatorial com fatores associados à criança, assim como à própria vacina.1-3 Num estudo publicado sobre o risco de EHH após a vacinação por pertússis,7 este último é considerado como um episódio vasomotor, sendo desconhecidos os fatores responsáveis pelo seu desencadear. No mesmo estudo é referido que a vacinação nos membros inferiores pode favorecer o EHH comparativamente com a administração nos membros superiores, uma vez que nos primeiros está implicada uma resposta imune ao nível dos nódulos linfáticos para-aórticos e retro-abdominais, podendo conduzir a uma vasodilatação da circulação abdominal através de mediadores vasoativos.7

Os episódios reportados têm sido associados a diversas vacinas, nomeadamente à vacina da difteria, do tétano, Hib e VHB. No entanto, mais de 90% dos casos reportados foram associados às vacinas que contêm pertussis, em particular, à vacina celular completa.1-3,5 Após 2005, com a introdução da vacina DPTa, que contém menos toxina, a percentagem de reações locais e sistémicas e o número de eventos adversos reportados diminuiu.7-8

No presente caso clínico, o EHH foi associado à administração das vacinas DTPaHibVIP e pneumocócica 13-valente. Apesar de existir na literatura, tanto quanto seja do conhecimento dos autores, apenas um caso clínico associado à vacina pneumocócica 13-valente,5 ambas as vacinas devem ser consideradas como potenciais agentes implicados.

Em relação aos fatores de risco, existe uma tendência para o EHH ocorrer após as primeiras doses,1,3 não parecendo existir associação com a idade gestacional4 ou o sexo.3 Nos Estados Unidos, o Vaccine Adverse Event Reporting System encontrou um discreto predomínio do sexo feminino (53%) associado a EHH. Em contrapartida, na Holanda foi encontrado um predomínio do sexo masculino.3

A American Academy of Pediatrics e o Advisory Committee for Immunization Practices consideravam inicialmente o EHH como uma contraindicação para a administração de futuras vacinas com o antigénio pertussis. Desde 1991, o EHH é considerado uma precaução e não contraindicação para futuras imunizações.4 No presente caso clínico, e em concordância com outros descritos, as subsequentes administrações das vacinas decorreram sem intercorrências.

Apesar da gravidade da reação, o prognóstico é bom, ocorrendo recuperação completa em todos os episódios reportados até ao momento, sem sequelas a longo prazo. Num estudo de caso-controlo na Holanda, que incluiu 101 crianças com EHH, verificou-se uma taxa baixa de recorrência deste após doses subsequentes da vacina pertussis e um crescimento e desenvolvimento normais no período de follow up após o episódio.2,5,9 Um estudo na Suécia obteve resultados semelhantes após 18 meses de avaliação.2,5

O presente caso clínico evidencia conformidade com a literatura publicada relativamente à duração e benignidade dos episódios e ao facto de se retomar o esquema de vacinação sem intercorrências.

Atendendo à escassez de dados publicados, os autores propõem que a vacinação destas crianças, após o EHH, decorra com as seguintes precauções: a administração da dose subsequente da vacina implicada deverá ser feita em ambiente hospitalar, com um período de vigilância sobreponível ao período de tempo que decorreu entre a administração da vacina e a sintomatologia, após o EHH, respeitando um mínimo de 12 horas, pois a maioria destas reações tende a ocorrer neste espaço de tempo;4 a administração de qualquer outra vacina imediatamente após o EHH também deve ser feita em ambiente hospitalar, com um período de vigilância um pouco superior ao habitual, de uma hora. Após a administração, e confirmada a tolerância às vacinas, dever-se-á retoma o esquema de vacinação no local usual e com as medidas de vigilância de 30 minutos.

Em conclusão, é importante que todos os profissionais de saúde estejam atentos para o reconhecimento desta entidade e a reportem, não devendo a mesma ser considerada contraindicação para futuras imunizações, mas conduzir à adoção de uma conduta ponderada que permita prosseguir o esquema de imunização recomendado, com o maior grau de cumprimento e sucesso.

Agradecimentos

Os autores manifestam o seu agradecimento ao Dr. António Marques, pelo apoio prestado aquando da realização da investigação da doente.

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

Referências bibliográficas

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Recebido: 08 de Abril de 2017; Aceito: 08 de Outubro de 2020

Endereço para correspondência Cátia Alves E-mail: mail@catia-alves.net

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