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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.36 no.3 Lisboa jun. 2020

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v36i3.12641 

ESTUDOS ORIGINAIS

Critérios de qualidade em exames endoscópicos: qual a relevância para os médicos de medicina geral e familiar?

Quality criteria in endoscopic exams: relevance for general practitioners

Mariana Barreto,1
https://orcid.org/0000-0003-0616-8018

Nuno Almeida,2-3

Joana Sousa,1

Rafael Henriques,1

Rui Grandão,1

Ana Maria Fagundo,4

Beatriz Rosendo Silva,5

Pedro Augusto Simões,5

Catarina Correia6

1 Médico Interno de Medicina Geral e Familiar. USF Briosa, Centro de Saúde Norton de Matos.

2 Médico Assistente Graduado de Gastroenterologia. Serviço de Gastroenterologia, Centro Hospitalar de Coimbra.

3 Professor Auxiliar Convidado. Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Serviço de Gastroenterologia, Centro Hospitalar de Coimbra.

4 Médico Especialista de Medicina Geral e Familiar. USF Progresso e Saúde.

5 Médico Interno de Medicina Geral e Familiar. USF Pulsar, Centro de Saúde Norton de Matos.

6 Médico Interno de Gastroenterologia. Serviço de Gastroenterologia, Centro Hospitalar de Coimbra.

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

RESUMO

Introdução: A sintomatologia gastrointestinal é motivo frequente de consulta nos cuidados de saúde primários. Para melhor esclarecimento pode ser necessário o pedido de exames endoscópicos. Os seus relatórios devem cumprir critérios de qualidade definidos em recomendações nacionais e internacionais. Estudos anteriores concluíram que muitos relatórios são ainda redigidos de forma incompleta.

Objetivos: Avaliar qual a relevância que os médicos de medicina geral e familiar (MGF) atribuem aos critérios de qualidade exigidos em relatórios de exames endoscópicos.

Métodos: Estudo multicêntrico, transversal, envolvendo médicos especialistas e internos de MGF de Portugal que aceitaram participar no estudo. Dados recolhidos através do preenchimento de um questionário em plataforma digital (googleforms®), de 1 de dezembro de 2018 a 28 de fevereiro de 2019. Variáveis: idade, sexo, local de trabalho, região onde trabalham, categoria profissional, local de realização do exame, critérios de qualidade de endoscopia digestiva alta e colonoscopia. Utilizado SPSS®, estatística descritiva e inferencial (Mann-Whitney, Kruskal-Wallis). Aprovado pela Comissão de Ética da ARS Centro.

Resultados: Foram obtidas 110 respostas válidas: 74,5% do sexo feminino, média etária de 32,4±7,4 anos; 77,0% de internos de MGF, 76,4% trabalhavam numa unidade de saúde familiar, com participantes de cinco ARS e Açores. Em 95,5% dos casos os exames foram realizados em entidades privadas, sendo a opinião sobre a oferta aceitável [3,7±1,0 (escala 1-5)]. Existe diferença estatisticamente significativa entre o grupo profissional e: referência ao endoscópio (p=0,015); ao colonoscópio (p=0,021) e à qualidade dos relatórios de endoscopia (p=0,010).

Conclusões: Como participante ativo no processo diagnóstico dos doentes cabe também ao médico de família analisar a qualidade do relatório de um exame endoscópico. A amostra de pequena dimensão, não representativa da população de médicos de MGF, limita a robustez das conclusões. Os participantes consideram muito relevante a presença da maioria dos critérios de qualidade recomendados e a uniformização do conteúdo dos relatórios.

Palavras-chave: Cuidados de saúde primários; Endoscopia; Sistema digestivo.


 

ABSTRACT

Introduction: Gastrointestinal complaints are common reasons for visits to primary care settings. In some cases, endoscopic examinations are deemed necessary. Reports of such procedures must contain various items classified as quality indicators, recommended by national and international guidelines. However, studies developed in other countries concluded that most reports are written incompletely.

Aim: To assess the relevance given to the recommended quality criteria in endoscopic exams reports by general practitioners (GP).

Methods: A multicentric and transversal study, including Portuguese general practice specialists and residents who accepted to participate in the present study. Data was collected by a digital questionnaire (googleforms®) between December 1st and

February 28th, 2019. Variables included: age, gender, workplace, regional health association, professional category, site of exam execution, endoscopy, and colonoscopy quality criteria. We used SPSS® for the statistical analysis - descriptive and inferential (Mann-Whitney, Kruskal-Wallis). Ethical approval for this study was obtained from ARS Centro.

Results: One hundred ten valid answers were obtained from the questionnaire: 74.5% were female, the median age of 32.4±7.4 years, 77.0% were residents, 76.4% worked in a family health unit. Participants belonged to the five health administrative regions and the Azores. The majority (95.5%) of responders sent patients to private endoscopy units and considered the offer acceptable [3.7 +/- 1.0 (scale 1-5)]. There was a significant difference between the professional category and: description of the endoscope (p=0.010); of the colonoscope (p=0.021) and of the quality of the endoscopic reports (p=0.010).

Conclusions: General practitioners should analyze the quality of the reports as an active participant in the diagnostic process. The existence of a small sample size not representative of the Portuguese GP population, is a study limitation. Participants considered highly relevant to the presence of the majority of the recommended quality indicators and the uniformization of the report content.

Keywords: Primary health care; Endoscopy; Digestive system.


 

Introdução

As queixas gastrointestinais constituem um motivo comum de consulta em cuidados de saúde primários (CSP). Para melhor esclarecimento de determinadas situações clínicas deste foro pode ser necessário o pedido de exames endoscópicos em regime eletivo (endoscopia digestiva alta e/ou colonoscopia). O seguimento ou não da investigação diagnóstica pelo médico de família é muitas vezes orientado com base nos relatórios disponibilizados, o que demonstra a importância dos conteúdos relatados. Os relatórios destes exames devem cumprir critérios de qualidade recomendados, sendo estes essenciais para corroborar a validade do exame realizado e reduzir as variações no modo de procedimento (Tabela 1).

 

 

Um estudo realizado pela Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva (SPED), em que se avaliava a qualidade da prática de exames endoscópicos em Portugal, obteve respostas de 20 centros de realização de exames endoscópicos. Cerca de 90% usavam softwares específicos para realização de relatórios destes exames, com variabilidade das marcas comerciais. Verificou-se que em pelo menos metade dos casos esse software não tinha um campo específico para incluir a adequação da indicação clínica, a confirmação do consentimento informado, a duração do exame, a qualidade da preparação intestinal, classificações padronizadas para as diferentes patologias e o registo das complicações ocorridas após o procedimento, o que poderia prejudicar a qualidade do relatório.1 É importante avaliar também se os relatórios de exames redigidos, que servem de base para a restante investigação diagnóstica e seguimento de utentes nos CSP, cumprem os critérios de qualidade exigidos. Estudos realizados noutros países concluíram que muitos relatórios ainda são redigidos de forma incompleta e que, utilizando softwares com possibilidade de registo mais completo, pode haver melhoria da qualidade dos mesmos.2-3 Um estudo realizado em 2015 no Canadá avaliou a qualidade de relatórios de colonoscopia de 73 serviços, revelando que um em cada cinco relatórios falhava na redação de algum critério de qualidade. Adicionalmente, relacionaram algumas características dos profissionais que realizam e relatam os exames com a melhoria da qualidade do mesmo, como terem a especialidade de gastroenterologia (em comparação com os de cirurgia e medicina interna), terem menos anos de prática e terem menor volume de exames anuais.4 Os médicos de medicina geral e familiar (MGF) analisam regularmente os relatórios, sendo importante o cumprimento desses mesmos critérios de qualidade, por forma a prestarem os melhores cuidados aos seus utentes. O objetivo deste estudo foi avaliar qual a relevância que os médicos de MGF atribuem aos critérios de qualidade exigidos em relatórios de exames endoscópicos.

Métodos

Trata-se de um estudo multicêntrico e transversal, com componente analítica.

A população em estudo era caracterizada pela totalidade de médicos especialistas e internos de MGF em Portugal (dados de 14 de novembro de 2019: 5.762 médicos de família e 1.890 internos), considerando como amostra representativa um total de 366 participantes [intervalo de confiança (IC) de 95%; margem de erro de 5%; taxa de resposta de 50%],5 tendo sido a amostra composta por todos os médicos que responderam e assinaram o consentimento informado digital no período de estudo. O estudo foi divulgado por vários grupos de discussão dos médicos de MGF (mailing list, reuniões de internos e especialistas, grupos médicos em redes sociais) a solicitar a sua participação e divulgação pelos colegas (estratégia de recolha por efeito de bola de neve). Os dados foram recolhidos através do autopreenchimento de um questionário online elaborado pelos investigadores em plataforma digital (googleforms®), estando disponível no período de 1 de dezembro de 2018 a 28 de fevereiro de 2019.

As variáveis recolhidas foram: idade (em anos); sexo (masculino, feminino); local de trabalho [Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP) ou Unidade de Saúde Familiar (USF)]; região de saúde a que pertence [Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte, do Centro, de Lisboa e Vale do Tejo, do Alentejo e do Algarve, Serviços Regionais de Saúde (SRS) da Madeira e dos Açores]; categoria profissional (interno de MGF, recém-especialista de MGF e especialista de MGF); local de realização de exame endoscópico (hospital público ou entidade privada); questões de opinião sobre relevância da presença de alguns dados no relatório de endoscopia digestiva alta e colonoscopia para a qualidade do mesmo [variável escalar graduada de um (nada relevante) a cinco (muito relevante)].6-11 A última questão do questionário informático permitia uma resposta aberta e consistia em: “Na sua opinião, o que poderia ser feito para melhorar a qualidade dos relatórios de exames endoscópicos recebidos?”.

Este estudo foi autorizado pela Comissão de Ética da ARS Centro no dia 21 de novembro de 2018.

Os resultados dos questionários foram organizados em Microsoft Excel®. A análise de dados foi executada com recurso ao programa Statistical Package for the Social Science versão 25® (SPSS), usando estatística descritiva e inferencial. Foram utilizados testes não paramétricos (Mann-Whitney, Kruskal-Wallis), visto que nenhuma variável apresentou uma distribuição normal. Foi considerado existir nível de significância se p<0,05, com um IC de 95%. Os autores adotaram as normas STROBE para a redação do presente estudo.

Resultados

Características dos profissionais

Após os convites iniciais foram obtidas 110 respostas válidas ao questionário. O número de participantes representa 1,44% da totalidade de internos e especialistas de MGF em Portugal, sendo inferior ao valor necessário para se considerar a amostra representativa. Foram obtidas respostas das cinco ARS e dos Açores, não tendo sido obtidas respostas ao questionário por parte dos profissionais de saúde a exercer na Madeira. Registou-se uma maior prevalência de respostas de profissionais a exercer na ARS Centro (62,7%).

Na amostra estudada, 74,54% (n=82) dos médicos eram do sexo feminino, com média etária de 32,4±7,4 anos e idades compreendidas entre os 25 e os 66 anos. Dos respondentes, 70,0% (n=77) eram internos de MGF e 76,36% (n=84) trabalhavam numa unidade de saúde familiar (USF). A caracterização sociodemográfica encontra-se descrita na Tabela 2.

 

 

Local de realização dos exames

A maioria dos profissionais (95,45%) refere que solicita a realização dos exames endoscópicos em entidades privadas. Destes, 98,10% (n=103) responderam à questão que analisava a oferta de locais para a realização destes exames e consideraram esta oferta como aceitável [3,7±1,0 (escala 1-5)]. Ressalva-se que apenas 10,48% (n=11) consideraram a oferta como fraca (pontuando 1 e 2).

Critérios de qualidade em avaliação

Nestas perguntas a taxa de respostas foi de 100% (n=110), estando os resultados obtidos descritos na Tabela 3. A maioria dos critérios obteve uma média de relevância aproximada ou superior a 4 (escala de 1-5), tendo os itens «Haver referência ao endoscópio utilizado (na endoscopia digestiva alta)», «Haver referência ao endoscópio utilizado (na colonoscopia)» e «O tempo de duração da colonoscopia constar no relatório» obtido as classificações inferiores (2,68±1,08; 2,82±1,10; 3,23±1,08, respetivamente). Nos dois itens referentes à perceção dos médicos sobre a presença da globalidade dos critérios nos relatórios recebidos, os resultados foram aceitáveis (3,22±1,03 na endoscopia e 3,49±1,00 na colonoscopia).

 

 

Através do teste não paramétrico Kruskal-Wallis foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre o grupo profissional e a relevância atribuída à descrição do endoscópio (p=0,015) no relatório do exame (Tabela 4). Os internos de MGF consideraram menos relevante a existência deste dado no relatório comparativamente aos especialistas (internos: média de 2,51; recém-especialista: média de 3,00; especialista: média de 3,12). Igualmente, houve diferenças estatisticamente significativas na relevância atribuída à descrição do colonoscópio (p=0,021), sendo o grupo de internos o que considera menos relevante este dado (internos: média de 2,64; recém-especialista: média de 3,13; especialista: média de 3,28).

 

 

Foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre grupos profissionais relativamente à apresentação de uma conclusão com as principais recomendações do relatório de endoscopia (p=0,047); contudo, a variação das respostas é limitada e todos os grupos consideram este fator como importante (> 4,5 numa escala de 4-5). Não foram encontradas outras relações estatisticamente significativas entre as variáveis.

Da população respondente 46,36% (n=51) deixaram sugestões ou opiniões para a melhoria da qualidade dos relatórios, sendo a opinião mais comum a uniformização dos critérios de qualidade e da estrutura do relatório (Tabela 5).

 

 

Discussão

Pela pesquisa efetuada pelos autores trata-se de um estudo original em Portugal. Pretende-se sensibilizar os médicos para a importância da disponibilização de informação clínica no pedido de exames endoscópicos, a fim de permitir a elaboração de um relatório mais completo e assim melhorar o seguimento posterior do utente. Relativamente aos médicos que realizam estes exames, este estudo visa consciencializar para o desenvolvimento de relatórios mais completos, considerando os critérios de qualidade dos mesmos.

Apesar de o estudo promovido pela SPED considerar que a informatização dos relatórios endoscópicos em Portugal foi um passo importante na implementação de critérios de qualidade, ainda existem lacunas importantes nos softwares utilizados.1

Um estudo realizado no Instituto Português de Oncologia do Porto2 ressalva que a elaboração de uma conclusão no relatório seria um critério pertinente a incluir em futuras guidelines, apesar das mais recentes recomendações europeias não o considerarem como parâmetro de qualidade. Este facto vai ao encontro da opinião dos participantes do presente estudo, tendo sido obtida uma média de 4,85 (IC95%, 4,77-4,92) como resposta à pergunta se consideravam relevante «O relatório da endoscopia digestiva alta apresentar uma conclusão com as principais considerações» e de 4,82 (IC95%, 4,73-4,91) na pergunta «O relatório da colonoscopia apresentar uma conclusão com as principais considerações».

No presente estudo, os participantes consideraram muito relevante a descrição no relatório da indicação para realização do exame e de esta ser adequada

(endoscopia - média 4,46 (IC95%, 4,3-4,6); colonoscopia - média 4,52 (IC95%, 4,4-4,6). Vários estudos de avaliação da qualidade de endoscopia e colonoscopia consideraram também este fator como um critério de qualidade fundamental,4,12 estando presente em 90% dos relatórios analisados num estudo realizado na Holanda em 2012,12 88,9% num estudo no Canadá de 20164 e em 92,8% numa amostra de 2017 de um estudo realizado no Porto.2 Os médicos de CSP têm aqui um papel fundamental, sendo relevante a completa descrição do motivo que levou ao pedido do exame endoscópico em questão para um melhor conhecimento da situação clínica por parte do médico executante e maior compreensão dos resultados por parte do médico dos CSP que vai ler o relatório (pode não ser o mesmo que pediu a realização do exame). Os investigadores do presente estudo elencam também a importância de identificar, no pedido de exame, fatores de risco importantes da história clínica do doente em questão, permitindo aos médicos executantes uma melhor avaliação do cálculo do risco do procedimento. Fica por estudar qual o conhecimento dos médicos de família sobre as indicações para realização de exames endoscópicos.

No grupo de critérios de qualidade em colonoscopia considerados mais relevantes pelos participantes neste estudo encontra-se «A qualidade da preparação ter sido adequada» (média 4,91 (IC95%, 4,85-4,96), item considerado importante em vários estudos, mas frequentemente ausente. No estudo de Hadlock e colaboradores,4 a qualidade da preparação era apenas descrita em 34,5% dos relatórios, no de Lierberman13 em 86,1% dos casos e no de Singh14 apenas em 20% dos casos. O médico de família deve incentivar o utente a cumprir as recomendações de preparação intestinal,15-16 com vista à melhoria da qualidade dos resultados e evitar repetições desnecessárias do exame endoscópico.

Na questão E12, «Na sua experiência os relatórios de endoscopias que recebe costumam cumprir os critérios de qualidade que referiu?», foi identificada diferença estatística entre os grupos profissionais, sendo os internos e os recém-especialistas aqueles que pontuam mais negativamente esta pergunta (internos: média de 3,05; recém-especialista: média de 3,13; especialista: média de 3,76). Os autores do presente estudo questionam se este resultado poderá estar relacionado com o facto dos internos de MGF terem mais oportunidades de formação e renovação de conhecimentos durante o seu internato de formação complementar, podendo, assim, tornar-se mais exigentes na qualidade dos exames.

Interessa ressalvar que 25,49% (n=13) das sugestões em resposta aberta solicitavam a apresentação de sugestões de terapêutica ou data de realização do próximo exame endoscópico, critérios estes que não se encontram recomendados nos critérios de qualidade avançados pelas sociedades europeias e americanas, mas estão presentes nas recomendações portuguesas.8 Considera-se importante refletir sobre o facto de 15,69% (n=8) das respostas abertas sugerirem a auditoria e avaliação da qualidade dos locais onde são realizados estes exames. Estes processos de certificação poderiam ajudar a manter e fazer cumprir a qualidade esperada na realização dos exames, evitar a repetição precoce ou desnecessária e melhorar o seguimento dos utentes. A necessidade de realização de uma endoscopia ou colonoscopia pode ser um fator stressante para o utente e para a própria família, dado tratar-se de um exame invasivo associado a muitos mitos, medos e riscos não desprezíveis.17-19 Assim, cabe aos profissionais de saúde garantir que a realização dos mesmos é útil e o resultado o mais completo possível para esclarecer a situação clínica e evitar repetições desnecessárias.

Não foi possível estudar a diferença de opinião dos colegas sobre a qualidade dos relatórios realizados em entidade privada e em sistema público e a sua opinião sobre a oferta de locais de realização de exames, consoante a região onde exercem a atividade laboral, devido à existência de uma amostra reduzida, sem participantes de todas as áreas geográficas, nomeadamente da SRS da Madeira, o que configura uma limitação deste estudo. Uma vez que não se atingiu o tamanho amostral necessário para que a amostra fosse representativa da população, os resultados não podem ser generalizados à população. São precisos mais estudos com amostras representativas da população de médicos de MGF e com representantes de todas as regiões, para obter conclusões mais robustas e reprodutíveis.

Para além da avaliação sobre diferenças entre regiões, seria igualmente interessante avaliar se existiriam diferenças dentro da mesma ARS, com estudo das respostas entre os diferentes agrupamentos de centros de saúde.

Considera-se igualmente uma limitação a utilização de um questionário não validado, o que limita as conclusões e dificulta a comparação com outros estudos na literatura ou em estudos futuros.

Conclusões

Os resultados deste estudo sugerem que os médicos de MGF estão atentos à implementação e aplicação de critérios de qualidade na redação dos relatórios de endoscopias digestivas altas e colonoscopias. O conhecimento e a capacidade de avaliação da presença destes critérios nos exames permitem aos médicos distinguir a qualidade de alguns exames e, assim, aumentar ou diminuir a confiança nos mesmos. Contudo, é necessária formação adicional para que ocorra uniformização na aplicação e interpretação dos mesmos.

A parceria e reuniões de trabalho entre médicos de família e gastrenterologistas que realizam os exames endoscópicos pode ser importante para melhorar o conhecimento dos profissionais de ambas as especialidades.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Mariana Barreto

E-mail: marianabarreto17@gmail.com

 

Conflito de interesses

Os autores declaram não ter quaisquer conflitos de interesse.

 

Recebido em 17-07-2019. Aceite para publicação em 16-01-2020

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