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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.35 no.2 Lisboa abr. 2019

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v35i2.12126 

ESTUDOS ORIGINAIS

Como se veem os nossos adolescentes? Avaliação da perceção da imagem corporal numa população escolar

How do our adolescents see themselves? assessment of body image perception in a school population

Carolina Guimarães1, Ana Teresa Maria1, Inês Candeias2, Sofia Almeida2, Carina Cardoso2, Sofia Moura Antunes1, Rita Calado1, Raquel Firme1, Sara Martins3

1 Assistente Hospitalar de Pediatria Unidade Funcional de Pediatria - Hospital de Cascais Dr. José de Almeida, Cascais, Portugal.

2 Interna da formação específica de Pediatria Unidade Funcional de Pediatria - Hospital de Cascais Dr. José de Almeida, Cascais, Portugal.

3 Sara Martins - Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria Unidade Funcional de Pediatria - Hospital de Cascais Dr. José de Almeida, Cascais, Portugal.

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

RESUMO

Objetivos: O objetivo deste estudo foi avaliar a perceção corporal numa população escolar e identificar fatores de risco para a insatisfação corporal.

Tipo de estudo: Estudo observacional transversal.

População: Adolescentes a frequentar o 2º e o 3º terceiro ciclo do ensino obrigatório, na área de influência do Hospital de Cascais.

Métodos: Realizado inquérito sociodemográfico, aplicada escala pictórica de Collins (silhuetas de 1 - extremamente magro a 7 - obeso) e avaliação antropométrica. Significância estatística p<0,05.

Resultados: Incluídos 431 adolescentes, idade média de 12,8 anos, 52,7% do sexo feminino, doença crónica reportada em 14%, excesso de peso em 18,3% e obesidade em 13,2%. Perceção corporal: discrepância entre a figura real e a desejada em 47,9% (37,7% ideais mais magros, 10,2% ideais mais pesados). Comparação feminino vs masculino: figuras mais pesadas no Eu (p<0,001), maior insatisfação corporal (56,8% vs 37,9%), discrepância Eu-Eu ideal e Eu-Adulto ideal mais elevadas (p=0,002; p<0,001) e maior desejo em perder peso (52,9% vs 27,4%; p<0,001). Sobrepeso vs normoponderais: figuras mais pesadas no Eu (p<0,001) e Eu ideal (p<0,001), insatisfação corporal em 75,7% vs 35%, maior discrepância Eu-Eu ideal e Eu-Adulto ideal (p<0,001). Idade e doença crónica sem significância estatística.

Conclusões: Encontrada uma elevada prevalência de insatisfação corporal e identificados como fatores de risco o sexo feminino e o excesso de peso/obesidade.

Palavras-chave: Imagem corporal; Adolescentes; Obesidade.


 

ABSTRACT

Objectives: The aim of this study was to evaluate body image perception in a school population and to identify risk factors for body dissatisfaction.

Study type: Cross-sectional, observational study.

Setting: Three randomly selected schools.

Population: Adolescents in 5th-8th grade.

Methods: A socio-demographic survey was performed, the Collins pictorial scale (silhouettes 1 - extremely thin to 7 - obese) was applied, as well as an anthropometric evaluation. Significance level was defined as p<0.05.

Results: 431 adolescents were included, mean age 12.8 years, 52.7% female, 14% reported chronic disease, 18.3% overweight, and 13.2% obese. Body image perception: discrepancy between the actual and ideal figure in 479% of the subjects (37.7% had leaner ideals, 10.2% heavier ideals). Comparison between female and male: heavier figures in Self (p<0.001), higher body dissatisfaction (56.8% vs 37.9%), greater Self-Ideal self and Self-Ideal adult discrepancy (p=0.002; p<0.001), and greater desire to lose weight (52.9% vs 27.4%, p<0.001). Obesity/overweight vs normal weight: heavier figures in Self (p<0.001) and Ideal self (p<0.001), body dissatisfaction in 75.7% vs 35%, higher discrepancy in Self-Ideal self and Self-Ideal adult (p<0.001). Associations with age and chronic disease were not statistically significant.

Conclusions: We found a high prevalence of body dissatisfaction and identified female sex and overweight/obesity as risk factors.

Keywords: Body image; Adolescents; Obesity.


 

Introdução

A perceção corporal é o modo como o indivíduo consciente ou inconscientemente estrutura a sua imagem corporal.1 Traduz a representação mental do corpo e aparência física, em relação ao próprio e aos outros.2 Estas representações alteram-se ao longo da vida, acompanhando o crescimento, desenvolvimento e modificação do corpo. Este conceito inclui as dimensões percetiva (compreensão do tamanho e forma do corpo relativamente às proporções reais), afetiva (sentimentos acerca da própria imagem), cognitiva (pensamentos e crenças relativos à imagem corporal) e comportamental (atitudes tomadas para alterar algo em si).3

Existem vários fatores que influenciam a autoavaliação corporal, como a idade, género, etnia, nível socioeconómico, índice de massa corporal (IMC), meios de comunicação, fatores socioculturais, a família e os pares.4-5

A criança desenvolve a imagem corporal precocemente, através das perceções das várias zonas do corpo a partir das suas experiências sensoriomotoras. Com a idade verifica-se uma maior diferenciação do conceito de imagem corporal:6 aos dois anos reconhece a sua imagem no espelho e na idade pré-escolar apercebe-se das características físicas preferenciais, influenciadas pela sociedade.7 Na adolescência aumenta a preocupação com o socialmente aceite e com a aparência física e a insatisfação com a imagem corporal é mais prevalente.8

Existem vários instrumentos de avaliação da perceção corporal construídos ou adaptados para crianças e adolescentes desde 1983.2 São utilizadas escalas ou figuras para medição de tamanho e forma corporal, que ilustram desde a magreza à obesidade extrema. É solicitado ao indivíduo que indique a figura do corpo percebido como o real e o seu ideal ou desejado. O índice de satisfação corporal é obtido através da diferença entre o tamanho ideal e o tamanho real.

Torna-se importante reconhecer os fatores relacionados com a insatisfação corporal nos adolescentes, dado tratar-se de uma situação prevalente e um dos principais fatores de risco para o aparecimento de perturbações do comportamento alimentar,9 estando ainda associada a sintomas depressivos.10-11

Ao sexo feminino tem sido atribuída uma maior preocupação com a imagem corporal, o desejo de uma figura mais magra e maior prevalência de insatisfação corporal.12-14 A insatisfação com a imagem corporal parece acentuar-se com a idade, principalmente no sexo feminino.14-15

A presença de doença crónica como asma, fibrose quística, escoliose, défice de hormona de crescimento, spina bífida, cancro e diabetes mellitus, parece associar-se a uma maior insatisfação corporal em alguns estudos.16-17

Também os adolescentes com maior IMC parecem desenvolver maior preocupação com a imagem corporal e maior insatisfação corporal.18-19

Os estudos portugueses sobre a perceção corporal em idade pediátrica são escassos e focam-se essencialmente na sua associação com o estado nutricional. Estes estudos encontraram nas crianças com obesidade o desejo de figuras mais magras20-21 e maior insatisfação com a imagem corporal.22

Assim, os objetivos do presente estudo foram caracterizar a perceção da imagem corporal numa população escolar e avaliar a relação com diversos fatores, nomeadamente o sexo, idade, presença de doença crónica e estado nutricional.

Métodos

Estudo observacional, transversal, realizado em meio escolar, nos anos letivos 2012-2013 e 2013-2014, aprovado pela Comissão de Ética do Hospital e pela Direção-Geral da Educação.

População/Participantes: Incluíram-se adolescentes do quinto ao oitavo ano de escolaridade de escolas da área de influência de um hospital de nível II (Cascais). Realizou-se a seleção aleatória de três escolas do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e em cada escola foram selecionadas aleatoriamente turmas do quinto ao oitavo ano.

A dimensão da amostra foi calculada com o objetivo de estimar a proporção na população com uma precisão relativa especificada.23-24 Para uma significância de 5%, uma estimativa de prevalência de excesso de peso e obesidade de cerca de 0,30 (30%)25 e assumindo uma precisão de 0,05 (5%), a dimensão da amostra estimada foi de 323 crianças.

Foram adotados, como critérios de exclusão, a ausência de consentimento informado dos pais ou do próprio, a não comparência no dia da avaliação da somatometria e a entrega de questionários não preenchidos.

Procedimento: Inicialmente foi distribuído a cada aluno da amostra selecionada o consentimento informado para pais e um questionário sociodemográfico. Num segundo tempo foi realizado em cada escola a recolha dos questionários, o preenchimento pelo adolescente do consentimento informado e da escala pictórica de Collins e a avaliação antropométrica dos participantes.

Foi distribuído um total de 973 inquéritos, dos quais 542 foram devolvidos não preenchidos ou incompletos. Obteve-se, assim, uma amostra final de 431 indivíduos elegíveis para inclusão no estudo (taxa de retorno de 44,3%).

Instrumentos de recolha de dados: O questionário sociodemográfico e de saúde incluíu itens em relação ao adolescente (idade, sexo, naturalidade, ano de escolaridade e existência de doença crónica a especificar pelos pais) e aos pais (idade, naturalidade, escolaridade e profissão).

Para a avaliação da perceção corporal utilizou-se a escala pictórica de Collins26 que se encontra validada para crianças e adolescentes portugueses.27

Esta escala, com versões adaptadas a cada género, consiste em cinco questões acerca da perceção corporal que avaliam o Eu (Qual a figura que se parece mais contigo?), Eu ideal (Qual a figura que gostavas de ter?), Outro sexo ideal (Qual a figura que achas que os rapazes/meninas devem ter?), Adulto ideal (Qual a figura que gostarias de ter quando fosses adulto/a?), Adulto outro sexo ideal (Qual a figura que achas que os adultos do sexo masculino/feminino devem ter?). As figuras ilustram indivíduos desde o 1 (extremamente magro) ao 7 (obeso), numeração não visível para os inquiridos. Completam o questionário duas questões de escolha múltipla sobre o Eu: «Achas-te gordo, magro ou no meio?» e o Eu ideal: «Gostarias de perder peso, ganhar peso ou ficar igual?».

Antropometria: Foi medido o peso e estatura e calculado o IMC por um profissional de saúde. O peso foi medido com uma balança eletrónica portátil (SECA®), expresso em quilogramas até às décimas. A estatura foi determinada num estadiómetro rígido, extensível (SECA®) com precisão de 1mm. Para a definição de excesso de peso e obesidade foram utilizados os pontos de corte da Organização Mundial da Saúde (excesso de peso: IMC superior ou igual ao P85 e inferior ao P97 para sexo e idade; obesidade: IMC superior ou igual ao P97 para sexo e idade).

Variáveis de estudo: Sexo, idade (dicotomizada em < 12 e ≥ 12 anos), existência de doença crónica reportada e estado nutricional (normoponderal, excesso de peso e obesidade).

Análise dos dados: Foi calculada a discrepância entre a figura real e a figura desejada através da subtração Eu - Eu ideal. Quando as figuras escolhidas são as mesmas, o valor da diferença é zero: adolescente satisfeito com a sua imagem corporal. Quando a figura ideal é diferente da figura real, considera-se que apresenta insatisfação corporal: se Eu > Eu ideal obtém-se um valor positivo que traduz o desejo em ser mais magro; se Eu < Eu ideal obtém-se um valor negativo que traduz o desejo em ser mais pesado. Foi calculada da mesma forma a discrepância Eu-Adulto ideal.

Para a análise estatística dos dados utilizou-se o SPSS 22®. Os resultados foram comparados utilizando os testes t de Student e Qui-quadrado de Pearson. O nível de significância foi definido como p<0,05.

Resultados

Foram incluídos no estudo 431 adolescentes. As características demográficas da amostra estão sistematizadas no Quadro I. A média de idades foi de 12,75 anos e 52,7% dos participantes eram do sexo feminino. Cerca de 14% (n=62) reportaram doença crónica, mais frequentemente asma (n=29; 7%), rinite alérgica ou outras alergias (n=14; 3,2%) e doenças do foro neurológico ou comportamental, sobretudo perturbação de hiperatividade e défice de atenção (n=9; 2,1%). A prevalência do sobrepeso foi de 31,5%, sem predomínio de género (feminino 33,5% e masculino 29,4%; p=0,364) ou de grupo etário (< 12 anos 31,6% e ≥ 12 anos 31,5%; p=0,994).

 

 

Os resultados globais da avaliação da perceção corporal encontram-se sistematizados no Quadro II. Em todas as dimensões a figura mais escolhida foi a figura 4. A figura desejada (Eu ideal) foi em média mais magra que o Eu (Eu 4,06 ± 0,91 vs Eu ideal 3,71 ± 0,63) e a figura escolhida para Adulto ideal foi em média a mais magra (3,54 ± 0,57) de todas as dimensões.

 

 

Em 47,9% foram selecionadas figuras ideais diferentes das reais, traduzindo insatisfação corporal; em 37,7% o valor da diferença foi positivo correlacionando-se com a vontade de ser mais magro e em 10,2% negativo correspondendo ao desejo em ser mais pesado. O valor médio da discrepância foi de 0,35.

Analisando a diferença entre o Eu e o Adulto ideal, 46,5% desejaram uma figura mais magra no futuro e 10,5% uma figura mais pesada. A média da discrepância foi de 0,53.

As figuras escolhidas para o sexo oposto, Outro sexo ideal e Adulto outro sexo ideal, foram em média mais pesadas que para o Eu ideal e Adulto ideal.

Perceção da imagem corporal de acordo com o sexo, idade e existência de doença crónica

As adolescentes do sexo feminino escolheram, com diferença estatisticamente significativa, figuras mais pesadas no Eu (4,21 vs 3,90; p<0,001) e figuras mais magras no Adulto ideal (3,43 vs 3,67; p<0,001) (Quadro II). Consideraram-se mais frequentemente gordas (13,3% vs 8,1%; p=0,137), embora sem significado estatístico e referiram maior desejo de perder peso (52,9% vs 27,4%; p<0,001).

Comparativamente com o sexo masculino revelaram maior insatisfação corporal: 56,8% escolheram figuras ideais diferentes das reais (vs 37,9% dos rapazes) e as médias das discrepâncias Eu-Eu ideal e Eu-Adulto ideal foram mais elevadas (0,46 vs 0,23; p=0,002; 0,78 vs 0,23; p<0,001, respetivamente).

Em relação à idade não se observaram diferenças significativas nas figuras escolhidas, embora os participantes ≥ 12 anos tenham selecionado figuras de Eu mais pesadas e figuras adultas mais magras. Não se verificaram diferenças significativas na média da discrepância Eu-Eu ideal e Eu-Adulto ideal consoante a idade.

Os adolescentes com doença crónica escolheram figuras mais magras em todas as dimensões, sem significância estatística e não apresentaram diferenças significativas na satisfação corporal.

 


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Perceção da imagem corporal de acordo com o estado nutricional

Relativamente à categorização por IMC, os adolescentes com sobrepeso escolheram figuras reais e ideais mais pesadas que os normoponderais (4,79 vs 3,73; p<0,001; 3,89 vs 3,63; p<0,001), enquanto que as opções nas figuras adultas foram semelhantes (Quadro IV).

 

 

Os adolescentes com sobrepeso apresentaram significativamente maior insatisfação corporal; apenas 31,6% dos inquiridos com excesso de peso e 14% dos obesos escolheram a mesma figura mesma figura real e ideal, comparativamente com 65% dos normoponderais.

Em relação à análise da discrepância entre as figuras reais e as desejadas, os valores foram significativamente superiores nos participantes com sobrepeso do que tanto para o Eu-Eu ideal (0,90 vs 0,09; p<0,001) como para o Eu-Adulto ideal (1,20 vs 0,22; p<0,001).

Os adolescentes com obesidade identificaram-se mais frequentemente como gordos relativamente aos com excesso de peso e peso adequado, respetivamente (40,7% vs 17,1% vs 3,6%), mas 57,4% das crianças com obesidade considerou estar «no meio». Referiram que queriam perder peso 77% dos participantes com sobrepeso (versus 24,6% dos normoponderais; p<0,001).

Discussão

Neste estudo as figuras mais escolhidas em todas as dimensões foram as intermédias (figuras 3, 4 e 5), que correspondem a figuras normoponderais, como ocorreu noutros estudos que utilizaram esta escala.26,28 Nas dimensões que avaliam os ideais raramente foram escolhidas figuras superiores à intermédia.

Na presente amostra a prevalência da insatisfação corporal foi de 47,9%, um valor inferior ao encontrado noutros estudos, que varia entre os 53,4% em adolescentes italianos,29 62,2% em adolescentes portugueses21 e até 82% no Brasil.30 Esta diferença poderá ser influenciada pela variedade de instrumentos de avaliação utilizados.

No total, a amostra apresentou uma discrepância média positiva, traduzindo uma tendência para o desejo de ser mais magro. Estes resultados são concordantes com as questões em que apenas 10,9% se consideraram gordos, mas 41,4% desejaram perder peso.

O valor da discrepância é superior para o Adulto ideal, que foi a figura mais magra selecionada, o que pode espelhar tanto a preocupação com o tamanho corporal adulto como a expectativa da sociedade para a magreza na idade adulta.

A maioria das raparigas (56,8%) e mais de um terço (37,9%) dos rapazes apresentaram insatisfação corporal, valores preocupantemente elevados, embora menores que os reportados por outros autores, entre 56 a 66% para o sexo feminino e 49 a 54% para o masculino.12-13,21,29

Apesar de a literatura descrever que habitualmente os rapazes desejam corpos maiores e musculados,5,12 no presente estudo apenas 10,8% pretendia uma figura mais pesada e 9,1% afirmavam querer ganhar peso. Na escala de figuras de Collins a variabilidade entre silhuetas baseia-se no maior ou menor volume corporal total sem particularizar a massa muscular, pelo que pode não ser uma boa medida para avaliar o desejo por um corpo musculado.

Ambos os sexos escolheram figuras ideais mais magras para o próprio do que para o sexo oposto, o que pode demonstrar uma maior preocupação e exigência com a própria imagem corporal comparativamente ao que consideram como ideal para os pares e para a sociedade.

Apesar do descrito na literatura,14-15,31 no presente estudo a maior idade não se associou com maior insatisfação corporal. No entanto, este estudo focou-se em adolescentes maioritariamente entre os 10 e os 14 anos, pelo que não incluiu os anos de adolescência mais tardia (15-18 anos), altura em que a influência da sociedade e dos pares sobre o adolescente aumenta, o que poderá influenciar adicionalmente a perceção da imagem corporal.

Neste estudo não se observou uma relação entre a presença de doença crónica e a perceção da imagem corporal. Provavelmente por se tratar de uma população escolar, maioritariamente saudável, cuja gravidade da doença crónica autorreportada não foi estabelecida.

Também neste estudo, os adolescentes com sobrepeso reconheceram-se como mais pesados e a figura ideal foi também significativamente mais pesada relativamente aos normoponderais, embora mais magra que a real. Encontrou-se uma percentagem elevada de insatisfação corporal, em que 72,8% dos indivíduos com sobrepeso escolheram uma figura ideal mais magra e 77,1% desejam perder peso. Esta prevalência é, ainda assim, inferior à descrita noutros estudos que reportam valores entre os 86 a 96%.18,30 A magnitude da insatisfação corporal, medida pela discrepância entre as figuras real e ideal, é significativamente superior neste grupo (0,90 vs 0,09; p<0,001).

As figuras adultas escolhidas pelos adolescentes com sobrepeso não diferiram das dos restantes, traduzindo a influência da sociedade e dos pares sobre a imagem corporal considerada adequada. Esta disparidade traduziu-se numa discrepância Eu-Adulto ideal muito elevada neste grupo (1,20 vs 0,22; p<0,001), contribuindo provavelmente para a manutenção e agravamento da insatisfação corporal à medida que crescem e que a sua figura real se afasta da figura desejada para a idade adulta.

Nos adolescentes com sobrepeso é importante a correta perceção corporal de forma a facilitar a identificação de um problema e permitir a intervenção terapêutica. Por outro lado, a insatisfação corporal pode ser um dos determinantes para o desenvolvimento de sintomas depressivos.10-11

Saliente-se que, apesar da noção de serem mais pesados e da marcada insatisfação corporal, nenhum dos adolescentes ou dos seus pais reportou nos questionários a obesidade como doença crónica. A não identificação da obesidade como doença pode contribuir para a dificuldade na consciencialização do problema pelo próprio e pela família, falta de motivação para a mudança e menor probabilidade de sucesso de intervenção pelos profissionais de saúde.

Mais de um terço dos adolescentes normoponderais revelou-se também insatisfeito com o seu corpo: 13,6% selecionaram figuras desejadas mais pesadas e 21,4% figuras mais leves. Nas questões de escolha múltipla, apesar de apenas 3,6% referiram estar gordos, 24,6% desejam perder peso. Estes dados são concordantes com outros estudos que revelam a presença da insatisfação corporal, caracterizada principalmente pelo desejo em emagrecer, mesmo em crianças com peso adequado.28 A magreza é valorizada na sociedade atual, estando associada a ideais de beleza e atração física. O receio da obesidade pode levar a distorções na avaliação da imagem corporal, podendo estar na origem de comportamentos possivelmente nocivos com o objetivo de perder peso, como dietas restritivas ou exercício físico em excesso.32

Neste contexto, os autores propõem que a avaliação da perceção corporal seja realizada como complemento à abordagem integrada clínica, nutricional e psicológica em todos os adolescentes, especialmente nos grupos de risco (sexo feminino e sobrepeso). Nas situações de sobrepeso, a avaliação da perceção corporal poderá ajudar na consciencialização da existência de uma doença crónica e permitir uma melhor adesão ao programa de intervenção. A utilização sistemática de uma ferramenta de avaliação da perceção corporal permite identificar adolescentes com insatisfação corporal, o que poderá permitir a intervenção atempada e a prevenção de perturbações do comportamento alimentar e depressão.

Limitações do estudo: A ferramenta utilizada avalia a dimensão e forma do corpo, excluindo outras particularidades que interferem na perceção da imagem corporal. A realização dos questionários em ambiente escolar pode influenciar a escolha das respostas devido à pressão e inibição causada pela presença dos colegas.

Conclusões

Com este estudo pretendeu-se avaliar a perceção da imagem corporal numa população escolar, permitindo caracterizar melhor este conceito complexo em adolescentes portugueses.

Conclui-se que, e como descrito noutros estudos, a insatisfação corporal é prevalente nesta faixa etária e que o sexo feminino e o sobrepeso correlacionam-se com maior insatisfação corporal e maior desejo de perder peso. Neste estudo, a idade e a doença crónica não tiveram impacto significativo na avaliação da perceção corporal.

A satisfação corporal é central para a saúde e o bem-estar dos adolescentes. O desenvolvimento de uma imagem corporal negativa deve ser alvo de maior atenção, nomeadamente no contexto da prevenção e tratamento da obesidade. Os profissionais de saúde têm um papel fundamental ao aumentar a consciencialização corporal, promover estilos de vida saudáveis e desenvolver estratégias que visem a maior satisfação dos adolescentes com o seu corpo.

 

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Carolina Guimarães

E-mail: carolinavguimaraes@gmail.com

 

Agradecimentos

À restante equipa de investigação: Margarida Chaves, Ana Pinheiro, Cristina Silvério, Helena Pedroso, Catarina Figueiredo, Sofia Deuchande, Rita Antão, Hugo Dias, Maria Inês Lima, Tânia Martins, Catarina Lopes e Rita Monteiro.

 

Conflito de interesses

Os autores declaram não possuir quaisquer conflitos de interesse.

 

Financiamentos

Este trabalho não recebeu qualquer contribuição financeira, subsídio ou bolsa para a sua realização.

 

Recebido em 08-06-2017

Aceite para publicação em 06-02-2019

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