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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.35 no.1 Lisboa fev. 2019

https://doi.org/10.32385/rpmgf.v35i1.11895 

REVISÕES

Qual a evidência da restrição do consumo de açúcar nas crianças com PHDA?

What is the evidence of sugar consumption restriction in children with ADHD?

Teresa Pereira Martins,1 Carla Costa,2 Carla Pereira,3 Catarina Marques Pinho,4 Cláudia Teixeira,5 Helena Ribeiro,6 Maria João Abreu,7 Nuno Namora8

1 USF Novos Rumos - ACeS Alto Ave.

2 USF S.Nicolau - ACeS Alto Ave.

3 USF Fafe Sentinela - ACeS Alto Ave.

4 USF Pevidém - ACeS Alto Ave.

5 USF S.Nicolau - ACeS Alto Ave.

6 USF Novos Rumos - ACeS Alto Ave.

7 USF Duovida - ACeS Alto Ave.

8 USF Duovida - ACeS Alto Ave.

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

RESUMO

Introdução: A Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) é considerada a patologia neurocomportamental mais prevalente na infância, atingindo cerca de 3 a 7% das crianças em idade escolar. A intervenção terapêutica tem por objetivo principal o desenvolvimento de um equilíbrio emocional e a otimização do desempenho académico, ocupacional e relacional. Preconiza-se uma abordagem terapêutica multimodal, incluindo intervenções psicológicas e pedagógicas, farmacológicas e nutricionais. O papel da dieta como tratamento da PHDA é controverso, mas o tópico continua a interessar aos pais e profissionais de saúde, que preferem uma alternativa/complementaridade à medicação instituída.

Objetivo: Esclarecer se existe evidência acerca da restrição dietética de açúcares no controlo da sintomatologia da PHDA.

Metodologia: Em março de 2016 foi efetuada uma pesquisa bibliográfica utilizando os termos MESH “Attention Deficit Disorder with Hyperactivity” e “Dietary Carbohydrates” em diversas bases de dados, de artigos escritos em inglês, português ou espanhol, e publicados nos últimos 15 anos. Como critérios de inclusão foi definida uma população de crianças e adolescentes (<18 anos) com PHDA, cuja intervenção avaliasse a restrição de açúcares simples na alimentação em comparação com placebo ou metilfenidato, e um outcome na melhoria da sintomatologia. Para avaliar a qualidade dos estudos e a força de recomendação foi utilizada a escala Strength of Recommendation Taxonomy (SORT), da American Family Physician.

Resultados: A pesquisa efetuada resultou na identificação de um total de 54 artigos. Foram excluídos os artigos repetidos, aqueles em que se verificou discordância com o objetivo da revisão e aqueles que não cumpriam a totalidade dos critérios de inclusão. Deste modo, foram incluídos e analisados três artigos: um estudo observacional e duas revisões não sistemáticas.

Discussão: Verificou-se uma grande heterogeneidade nos estudos apresentados, assim como uma fragilidade no desenho dos trabalhos. Reconhece-se a dificuldade em conduzir ensaios clínicos bem estruturados, relativos à alimentação, pela necessidade de ter em conta múltiplos fatores passíveis de interferência. Atualmente a evidência disponível é insuficiente para sugerir que a restrição do consumo de açúcares refinados poderá melhorar os sintomas da PHDA (SORT C).

Palavras-Chave: Perturbação de hiperatividade e défice de atenção; açúcar; metilfenidato.


 

ABSTRACT

Introduction: Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) is considered the most prevalent neurobehavioral pathology in infancy, affecting about 3 to 7 % of children in school age. The main goal of therapeutic intervention is the development of an emotional equilibrium and the optimization of the academic, occupational and relational performance. A multimodal therapeutic approach is favoured, including psychological and pedagogical interventions, as well as pharmacological and nutriti-onal. The role of diet as a treatment for ADHD is still controversial, but the topic continues to interest parents and health professionals that prefer an alternative or a complement to the given medication.

Goal: To elucidate if there is evidence to support the dietary restriction to sugars in the control of the symptomatology of ADHD.

Methodology: In March 2016 a literature search was done using the MESH terms “Attention Deficit Disorder with Hyperactivity” and “Dietary Carbohydrates” in different databases, for articles written in English, Portuguese or Spanish, and published in the last 15 years. The following inclusion criteria were defined: a population of children and teenagers (< 18 years old) with ADHD; an intervention that would evaluate the restriction of simple sugars in the diet of this group, in comparison to a placebo or methylphenidate; and an outcome in the improvement of the symptomology. In order to evaluate the quality of the studies and the strength of the recommendation for the dietary restriction of sugars, the Strength of Recommendation Taxonomy (SORT) scale, from the American Family Physician, was used.

Results: The search resulted in a total of 54 articles. The repeated articles, those that disagreed with the goal of the revision and those that did not fulfil all the inclusion criteria, were excluded. Thus, three articles were included and analysed: an observational study and two non-systematic revisions.

Discussion: A great heterogeneity in the presented studies was verified, as well as a fragility in the design of the studies. The challenge of conducting well-structured clinical trials with dietary interventions is acknowledged, as multiple factors susceptible to interference need to be taken into account. Currently, the available evidence is insufficient to suggest that a restriction to the consumption of refined sugars can lead to improvements in the symptoms of ADHD (Sort C).

Keywords: Attention Deficit Hyperactivity Disorder; sugar; methylphenidate.


 

INTRODUÇÃO

A Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA) é considerada a patologia neurocomportamental mais prevalente na infância, atingindo cerca de 3 a 7% das crianças em idade escolar, sendo mais comum no género masculino.1

O quadro clínico da PHDA caracteriza-se por três grupos de sintomas: hiperatividade, défice de atenção e impulsividade. Estes sintomas, frequentes na infância e em outros quadros psiquiátricos, para serem critérios diagnósticos de PHDA devem ser crónicos, de intensidade e frequência elevadas para a idade da criança, constatados por diferentes observadores (pais, professores ou outros) e estar presentes em todos os locais/situações, provocando disfunção escolar, familiar e social.2

A intervenção terapêutica tem por objetivo principal o desenvolvimento de um equilíbrio emocional e a otimização do desempenho académico, ocupacional e relacional. Tendo em conta as características inerentes à PHDA, preconiza-se uma abordagem terapêutica multimodal, incluindo intervenções psicológicas e pedagógicas (dirigidas à criança/adolescente, aos pais e professores), farmacológicas e nutricionais.1,3

A ideia de que os alimentos que contêm açúcar, principalmente sacarose, podem ter um efeito adverso sobre o comportamento das crianças com PHDA surge pela primeira vez por Shannon (1922) e foi revista por Randolph em 1947.4

Os pais de crianças com PHDA relatam frequentemente um agravamento da hiperatividade após ingestão excessiva de doces. Em 1995, Wolraich e colaboradores realizaram uma meta-análise, com inclusão 16 estudos aleatorizados, duplo-cego, com placebo, avaliando os efeitos do açúcar no comportamento das crianças, tendo concluído que os achados não suportam a hipótese de que o açúcar refinado afetasse a hiperatividade, atenção ou desempenho cognitivo das crianças, embora a possibilidade de um efeito sobre um subconjunto de crianças não pudesse ser descartada.5

O papel da dieta como tratamento da PHDA é controverso, mas o tópico continua a interessar aos pais e profissionais de saúde, que preferem uma alternativa/complementaridade à medicação instituída. A adoção de alterações dietéticas para controlo da sintomatologia insere-se na necessidade de controlo por parte dos pais e no desejo de promover um estilo de vida saudável para os filhos.4

Os hidratos de carbono, importantes nutrientes da nossa alimentação e principal fonte de energia da nossa dieta, são o alvo de interesse neste papel da dieta na PHDA. Os hidratos de carbono podem dividir-se em dois tipos, com base na sua estrutura molecular: simples e complexos. Os hidratos de carbono simples são absorvidos de forma rápida devido à sua estrutura simples e circulam no sangue em forma de glucose, promovendo energia de forma imediata. Os principais alimentos que se inserem nesta categoria são os bolos, sobremesas e refrigerantes. Os hidratos de carbono complexos, pela sua absorção gradual, permitem um aporte de energia constante ao nosso organismo, e estão presentes nas leguminosas, massas, arroz, pão, batata entre outros.

OBJETIVO

Esclarecer se existe evidência acerca da restrição dietética de açúcares no controlo da sintomatologia da PHDA.

MÉTODOS

Em março de 2016 foi efetuada uma pesquisa bibliográfica utilizando os termos MESH “Attention Deficit Disorder with Hyperactivity” e “Dietary Carbohydrates” nas bases de dados National Guideline Clearinghouse, Guidelines Finder da National Electronic Library for Health do NHS Britânico, Canadian Medical Association Infobase, The Cochrane Library, DARE, American Academy of Pediatrics e Pubmed, de artigos escritos em inglês, português ou espanhol, e publicados nos últimos 15 anos.

Como critérios de inclusão foi definida uma população de crianças e adolescentes (<18 anos) com PHDA, cuja intervenção avaliasse a restrição de açúcares simples na alimentação em comparação com placebo ou metilfenidato, e um outcome na melhoria da sintomatologia, nomeadamente hiperatividade, défice de atenção ou impulsividade (Quadro I).

 

 

Para a avaliação dos níveis de evidência e atribuição de forças de recomendação foi utilizada a escala Strength of Recommendation Taxonomy (SORT) da American Family Physician.

RESULTADOS

A pesquisa efetuada resultou na identificação de um total de 54 artigos. Foram excluídos os artigos repetidos, aqueles em que se verificou discordância com o objetivo da revisão e aqueles que não cumpriam a totalidade dos critérios de inclusão. Deste modo, foram incluídos e analisados três artigos: um estudo observacional e duas revisões não sistemáticas.

Os Quadros II e III resumem os principais resultados dos artigos selecionados, com referência aos níveis de evidência.

 

 

 

O estudo de Millichap J.G. pretendeu avaliar o impacto na função cognitiva e comportamental das crianças, com base em dietas com adição ou restrição de açúcares. Avaliaram uma revisão sistemática que incluiu 8 estudos, realizados entre 1984 e 1995, com crianças em idade pré-escolar e escolar, e que não demonstrou diferenças estatisticamente significas na função cognitiva e comportamental entre o grupo com dieta rica em açúcares e o grupo com restrição. Outra revisão sistemática, com 16 estudos incluídos, concluiu que os açúcares não afetavam o comportamento ou a função cognitiva das crianças analisadas. No estudo observacional com crianças entre os 2 e os 6 anos, a dieta com açúcares não mostrou alterar os níveis de atividade ou agressividade, mas a dose total de açúcares ingerida relacionou-se com a duração da agressividade, assim como com o nível de desatenção.6

Cornier E. e Elder J. realizaram uma avaliação das modificações dietéticas em crianças com autismo e PHDA. No seu estudo analisaram uma revisão sistemática com 16 ensaios clínicos randomizados, controlados com placebo, duplo-cego, que incluiu crianças saudáveis, crianças identificadas pelos pais como exibindo mau comportamento após ingestão de açúcares, crianças com diagnóstico de PHDA e crianças agressivas e delinquentes, concluindo que a evidência não suporta a hipótese de que o açúcar refinado se relacione com hiperatividade, atenção ou desempenho cognitivo.4

O estudo observacional realizado por Blunden et al, 2011, pretendeu analisar a existência de relação entre dieta, sono e comportamento da criança com PHDA. Foram incluídas 91 crianças entre os 6-13 anos, com diagnóstico de PHDA ou sintomas acima do percentil 90 na escala de Conners, e excluídas aquelas sob tratamento com estimulantes. As crianças realizaram avaliações cognitivas e os pais realizaram questionários de frequência alimentar (com posterior análise de macronutrientes) e a escala de Conners. O sono foi avaliado através de “Sleep Disturbance Scale for Children”. Os problemas de sono foram frequentes nesta amostra, encontrando-se estes significativamente relacionados com hiperatividade/impulsividade reportada pelos pais. Verificou-se uma associação entre os distúrbios do sono e o consumo de açúcares simples, outros hidratos de carbono e gorduras mono e polinsaturadas.7

DISCUSSÃO

Os autores gostariam de realçar o número reduzido de estudos com esta temática, sobretudo recentes, uma vez que os principais trabalhos que levaram à formulação desta hipótese foram realizados há vários anos e talvez com pouca representação nos dias atuais. A alimentação atual tem vindo a alterar-se com um aparente maior consumo de açúcares presente na dieta da maioria das crianças. Por outro lado, existe mais consciencialização para perturbações mentais como a PHDA.

Verificou-se uma grande heterogeneidade nos estudos apresentados, assim como uma fragilidade no desenho destes trabalhos (2 revisões não sistemáticas).

No estudo observacional realizado por Blunden e colaboradores (2011) as alterações do sono foram significativamente relacionadas com hiperatividade/impulsividade e verificou-se uma correlação entre os distúrbios do sono e o consumo de açúcares e gorduras. Mas a avaliação conjunta do consumo de açúcares e gorduras impossibilita realçar o efeito dos açúcares isoladamente.

Outra limitação encontrada é o método utilizado para avaliação dos outcomes, existindo uma elevada heterogeneidade nos questionários aplicados, sendo que em alguns estudos os questionários não eram estandardizados.

CONCLUSÃO

Atualmente a evidência disponível é insuficiente para sugerir que a restrição do consumo de açúcares refinados poderá melhorar os sintomas da PHDA (SORT C).

Reconhece-se a dificuldade em conduzir ensaios clínicos bem estruturados relativos à alimentação, pela necessidade de ter em conta múltiplos fatores passíveis de interferência. Contudo, apesar da escassez de suporte científico, é interessante verificar que na prática clínica se mantém uma noção subjetiva por parte dos pais de que o consumo de açúcar influencia os comportamentos de hiperatividade nas crianças com PHDA4. Neste contexto, é importante efetuar estudos mais recentes, com metodologia sólida e rigorosa, para avaliar a utilidade destas terapêuticas não farmacológicas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Monteiro P et al. Psicologia e Psiquiatria da Infância e Adolescência. Lisboa, 2014 Set. Cap. 10 (p.115-135).         [ Links ]

2. Protocolos da Sociedade Espanhola de Psiquiatria Infantil: Perturbação Défice de Atenção e Hiperatividade; Associação Espanhola de Pediatria; 2008.         [ Links ]

3. Canadian Attention Deficit Hyperactivity Disorder Resource Alliance (CADDRA): Canadian ADHD Practice Guidelines, Third Edition, Toronto ON; CADDRA, 2011.         [ Links ]

4. Cornier E, Elder JH, Diet and Child Behavior Problems: Fact or Fiction? Pediatr Nurs. 2007.         [ Links ]

5. Wolraich ML, Wilson DB, White JW; The effect of sugar on behavior or cognition in children. A meta-analysis; JAMA; Nov 1995.         [ Links ]

6. Millichap JG, Yee MM; The Diet Factor in Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder; Pediatrics, Volume 129, Number 2, February 2012.

7. Blunden SL, Milte SM, Sinn N; Diet and sleep in children with attention deficit hyperactivity disorder: preliminary data in Australian children; J Child Health Care 2011 15: 14.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Teresa Pereira Martins

E-mail: teresa.mp.martins@gmail.com

 

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não ter conflitos de interesses.

 

Recebido em 05-10-2016

Aceite para publicação em 07-09-2018

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