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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.32 no.3 Lisboa jun. 2016

 

ARTIGOS BREVES

Um caso de fagofobia: quando o medo nos consome

A case of phagophobia: when fear consumes us

Estela Rita Loureiro,1 António Cruz Ferreira,2 Joana Carvalho,3 Maria João Xará,4 Iva Pimentel5

1Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. ACES Baixo Mondego. UCSP Mealhada, Mealhada, Portugal

2Médico Especialista de Medicina Geral e Familiar. UCSP da Mealhada, ACES Baixo Mondego. Doutorando na Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior

3Médica Interna de Medicina Geral e Familiar. ACES Baixo Mondego. USF Buarcos, Figueira da Foz, Portugal

4Médica interna de Medicina Geral e Familiar. UCSP Sul - Pinheiro da Bemposta, ACES entre Douro e Vouga II - Aveiro Norte

5Médica Especialista de Medicina Geral e Familiar. ACES Baixo Mondego. UCSP Mealhada, Mealhada, Portugal

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

RESUMO

Introdução: A fagofobia ou choking phobia é uma condição psiquiátrica caracterizada pelo medo de sufocar ou engasgar ao engolir alimentos ou comprimidos, associado a um estado de ansiedade que leva à recusa alimentar, com prejuízos potencialmente graves para a saúde. Pouco se sabe sobre a prevalência desta doença, mas o diagnóstico é frequentemente tardio, o que aumenta o risco de complicações. Deve ser excluída patologia orgânica e as perturbações do comportamento alimentar. A terapêutica é multidisciplinar e o papel do médico de família preponderante em todo o processo.

Descrição: Apresenta-se o caso clínico de uma pré-adolescente de 10 anos. Recorreu à consulta por disfagia permanente e não progressiva para sólidos com duas semanas de evolução e que, durante o seguimento em consulta, perdeu 22% do peso corporal em dois meses. Não se observaram alterações ao exame físico nem nos exames complementares de diagnóstico requisitados. Foi pedida consulta de pediatria geral e, em consulta, utilizando uma abordagem biopsicossocial, a doente referiu “medo de se engasgar a comer”. Foi, assim, encaminhada para o serviço de pedopsiquiatria do Hospital Pediátrico por suspeita de anorexia nervosa/disfagia de causa orgânica ou funcional. Por manutenção da progressiva perda ponderal foi internada e, posteriormente, transferida para o Hospital Magalhães Lemos por manter alimentação seletiva e restritiva e uma perda ponderal que atingiu os 26%. Foi feito o diagnóstico de fagofobia e medicada com antidepressivo, ansiolítico e antipsicótico; iniciou também terapia cognitivo-comportamental, apresentando melhoria clínica e tendo tido alta ao fim de um mês. Atualmente mantém seguimento na consulta de pedopsiquiatria.

Comentário: É imprescindível a familiaridade dos médicos de família com a deteção precoce e abordagem apropriada da fagofobia. O conhecimento dos vários diagnósticos diferenciais, assim como a referenciação e o conhecimento da terapêutica, são de extrema importância. A relação de confiança entre o médico e o adolescente coloca o médico de família na primeira linha de deteção dos sinais de alarme. A articulação com os cuidados de saúde secundários reveste-se de particular interesse, o que permite um acompanhamento mais próximo destas patologias.

Palavras-chave: Fagofobia; Choking phobia; Ansiedade; Fobia Alimentar; Perturbação do Comportamento Alimentar.


 

ABSTRACT

Introduction: Phagophobia or choking phobia is a psychiatric disorder characterized by the fear of suffocating or choking when swallowing food or tablets. It may lead to a refusal to eat. Little is known about the prevalence of this disease, but the diagnosis is often delayed and this may increase the risk of complications. Organic pathology and other eating disorders must be excluded. The therapy is multidisciplinary and the general practitioner has an important role in management.

Case presentation: We report the case of a 10 year-old girl who was seen by her family doctor due to the sudden onset of dysphagia with solid food over a two-week period. She lost 22% of her body weight over the next two months. Physical examination and laboratory tests were normal. A pediatric consultant using a bio-psycho-social approach found ‘a fear of choking while eating’. She was referred to the child-psychiatry service of the local children's hospital with suspected anorexia nervosa and functional or organic dysphagia. With worsening of her clinical status with selective and restrictive feeding, including severe weight loss (26% of her previous body weight), she was hospitalized and later transferred to Magalhães Lemos psychiatric hospital. The diagnosis of phagophobia (choking phobia) was made and she was treated with antidepressant, anxiolytic, and antipsychotic medications. She also received cognitive behavioral therapy and clinical improvement was observed. Currently, she is receiving ongoing psychiatric treatment to help her to deal with her fear and to regain the weight she lost.

Commentary: Early identification and referral of patients with this problem are essential. Knowledge of the differential diagnosis and available therapy are important. A trusting relationship between the family doctor and teenage patients is helpful for early detection of important signs. Coordination with secondary care services is necessary for close monitoring of these patients.

Keywords: Phagophobia; Choking phobia; Anxiety; Food Phobia; Eating Disorders; Dietary Restriction.


 

Introdução

A fagofobia ou choking phobia é uma entidade clínica pouco frequente e que se caracteriza pela evicção de engolir alimentos sólidos, líquidos ou comprimidos, levando à recusa alimentar, condicionada pelo medo de asfixiar, engasgar ou sufocar.1-3 Muitas vezes é também chamada de fobia alimentar, mas este termo pode levar a confusões de diagnóstico.

O conhecimento que se tem desta patologia baseia-se essencialmente nos poucos casos descritos na literatura. Segundo De Lucas-Taracena e colaboradores,4 existem 41 casos descritos na literatura entre 1978 e 2005. A prevalência é ainda desconhecida; no entanto, parece ser mais frequente no sexo feminino e, apesar da grande variabilidade etária (entre os 5 e os 78 anos), é mais comum no início da infância/adolescência, verificando-se os casos mais graves nos doentes do sexo masculino.1-2,4

Têm sido várias as dificuldades encontradas para a classificação desta doença. Na DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 4th edition),5 a fagofobia enquadrou-se na categoria das fobias específicas (anteriormente chamadas de fobias simples) no capítulo das perturbações da ansiedade, respeitando, assim, os critérios de diagnóstico de uma fobia específica - outros tipos. Isto levou à confusão com outros termos que se enquadravam também nesta categoria, como a recusa alimentar, fobia alimentar, aversão pela comida, os comedores seletivos, transtorno alimentar de separação, medo de comer.2,4-5

Mais recentemente, na DSM-V (5th edition), a fagofobia aparece já no capítulo dos distúrbios alimentares do tipo evitador/restritivo, definindo-se como uma dificuldade persistente em suprir as necessidades nutricionais devido a uma experiência traumática (e.g., se existir um episódio de engasgamento).1,6 Com esta nova categoria pretende-se alargar os distúrbios alimentares além da infância e adolescência e incluir todos os doentes que fazem restrição da ingestão alimentar, em associação com sinais fisiológicos de perda de peso, défice nutricional, alimentação entérica ou por suplementação e/ou problemas psicossociais, excluindo as situações de anorexia nervosa e bulimia nervosa.

A fagofobia tem início normalmente num mecanismo desencadeante: geralmente um evento traumático em que o doente se engasga com um osso, batatas, frutos secos, uma espinha, com carne ou até durante um episódio de vómito. Este evento pode ser acompanhado de ataques de pânico que se manifestam por dificuldade respiratória, sensação de asfixia, tensão muscular durante as refeições. No entanto, tudo isto pode ocorrer sem que ocorra qualquer incidente traumático. A existência de comorbilidades concomitantes, como ansiedade, é também muito frequente.1,3-4 A evicção em deglutir alimentos fundamentalmente sólidos pelo medo de sufocar ou asfixiar evolui para a recusa alimentar praticamente total.7 Esta situação ocorre sem que haja qualquer alteração ao exame físico e com exames complementares de diagnóstico (ECD’s) normais, que devem ser feitos para ajudar a excluir uma patologia de causa orgânica. O diagnóstico é feito, por isso, muitas vezes tardiamente.

A descrição deste caso mostra-se especialmente relevante pelo facto de o diagnóstico de fagofobia na prática clínica ser desafiante e difícil. É essencial a exclusão de patologia orgânica e, uma vez excluída, é frequente o erro diagnóstico por confusão com outras patologias psiquiátricas, essencialmente com perturbações do comportamento alimentar como anorexia nervosa. No entanto, nestes doentes não se consegue apurar preocupação excessiva com o ganho ponderal ou distorção da autoimagem corporal.7

A apresentação deste caso clínico tem como objetivo alertar os médicos de família para esta entidade que deve ser diagnosticada o mais célere possível para se instituir um tratamento adequado e precoce, evitando, assim, a perda de peso excessiva associada à restrição alimentar. Torna-se fundamental alertar os médicos de família para a necessidade de uma intervenção multidisciplinar e reforçar a vertente dos cuidados continuados para prevenção de recaídas e orientação do agregado familiar.

Descrição de caso

Identificação

Doente do sexo feminino, 10 anos, de nacionalidade portuguesa, a frequentar o 5.o ano de escolaridade sem dificuldades de aprendizagem até à data, vive com os pais, pertencendo, assim, a uma família nuclear constituída atualmente por três elementos. A família encontra-se na fase VI do ciclo de Duvall e é, segundo a escala de Graffar, uma família de classe média com um Apgar altamente funcional e apresenta critérios de risco familiar baixo, segundo as escalas de Segóvia-Dreyer.

Na figura 1 representa-se o genograma da família. Na história familiar não se verifica nenhum padrão de repetição de doenças, embora não se tenha conseguido apurar a causa de morte dos avós paternos e da tia paterna. Em relação à psicofigura de Mitchell, a doente tem uma excelente relação com o pai e com a mãe, uma relação forte com o irmão e avó materna e uma boa relação com os tios maternos e namorada do irmão. No que se refere à família paterna tem muito pouco contacto, pelo que não foram registadas graficamente as relações.

 

 

História pessoal e familiar

Trata-se de uma utente seguida no médico de família desde o nascimento, com bom desenvolvimento estato-ponderal, regular e paralelo ao P75-90 no peso e P50-75 em estatura, com bom desenvolvimento psicomotor: boa adaptação social, com desenvolvimento intelectual adaptado às diferentes fases do desenvolvimento, sem revelar alterações da linguagem, audição ou visuais ou alterações do comportamento durante toda a infância. Cumpriu o PNV até à idade atual sem vacinas extracalendário. A diversificação alimentar decorreu sem intercorrências, à exceção de alguma dificuldade na introdução dos alimentos sólidos durante a infância, que ocorreu mais lentamente, mantendo alimentação predominantemente com comida passada até cerca dos cinco anos. Cumpre atualmente cerca de cinco refeições/dia, com uma alimentação muito condicionada pelo seu gosto pessoal (prefere a carne ao peixe, consumo de vegetais apenas esporádicos, alguns excessos em doces e bolos). Sem antecedentes pessoais patológicos, incluindo antecedentes de patologia psiquiátrica.

O pai, com 48 anos, é fumador e a mãe, com 44 anos, é saudável. Tem ainda um irmão com 21 anos, saudável e que já se encontra fora do agregado.

Não há conhecimento da existência de antecedentes familiares de patologia do foro psiquiátrico.

Descrição de caso

A doente veio à consulta de saúde infantil no dia 14 de junho de 2010 após iniciar um quadro de disfagia para sólidos, de início súbito, com duas semanas de evolução, em que só tolerava alimentos líquidos ou pastosos. Negava odinofagia, perda de apetite, astenia, vómitos, refluxo gastroesofágico, enfartamento pós-prandial ou episódio de engasgamento prévio. Negava qualquer fator desencadeante. Apenas referia que notava alguma perda de peso, mas que não sabia quantificar. Ao exame objetivo não se verificou qualquer alteração. Apresentava um peso de 37,5Kg, estatura de 146cm, verificando-se assim um índice de massa corporal de 17,6kg/m2 (P50-75). Identificaram-se, como problemas, disfagia e perda de peso.

Foram solicitados exames complementares de diagnóstico (ECD): análises com hemograma, bioquímica, uma endoscopia digestiva alta (EDA) e ecografia da tiroide. E foi referenciada à consulta de pediatria geral do Hospital Pediátrico de Coimbra (HPC).

A doente regressou à consulta 15 dias depois e nas análises efetuadas não se encontrou qualquer alteração (hemograma normal, provas de função hepática normais, função renal e hormonas tiroideias sem alterações). A ecografia da tiroide relatava apenas algumas formações anecogénicas milimétricas, as maiores com 4mm, que não justificavam a clínica. A EDA revelou: eritema do corpo e antro gástrico, sem outras alterações. Ao exame objetivo verificou-se a perda de 2kg de peso, em 15 dias. Foi medicada com esomeprazol, 20mg uma vez por dia.

Cerca de 15 dias depois foi à consulta de pediatria geral. Mantinha o mesmo quadro de disfagia para sólidos (agora com dois meses de evolução), de início súbito, não progressivo, sem dificuldades na deglutição de alimentos líquidos ou pastosos. Pela primeira vez, a utente referiu na consulta que dias antes do início deste episodio se tinha engasgado a comer uma bolacha. Negava qualquer episódio de ansiedade prévio e que pudesse coincidir com o fim do ano letivo, pois as queixas mantiveram-se após terminar o mesmo. Não conseguiu tomar o esomeprazol por serem comprimidos. Negava sensação de corpo estranho na orofaringe, mas referia uma sensação de aperto quando engolia e por esse motivo evitava, mantendo assim uma anorexia marcada. Apresentava algum conflito alimentar com a mãe, devido à insistência desta para que se alimentasse.

Quando questionada, a utente aparentemente mantinha uma imagem corporal conservada, sem que isso lhe causasse excessiva preocupação. Nesta consulta pesava 33,5kg, o que correspondia a uma perda de peso de 11% em um mês. Neste momento colocavam-se, como hipóteses de diagnóstico, anorexia nervosa, disfagia de causa funcional ou disfagia de causa psíquica, conflito alimentar mãe-filha. A disfagia de causa mecânica conseguiu-se excluir pela ausência de alterações aos ECD efetuados.

Na segunda consulta de pediatria, um mês depois, procurou-se fazer uma abordagem biopsicossocial. A utente falava do irmão e demonstrava tristeza por ele ter saído de casa. Explicou que, após o episódio de engasgamento, ficou com medo de que voltasse acontecer e que pudesse morrer. Ficou ainda evidente a existência de um conflito alimentar com a mãe, que provavelmente já se arrastava desde a infância, na altura da introdução de alimentos sólidos. Apurou-se ainda que não apresentava distorção da imagem corporal e mantinha uma autoestima preservada. Nesta consulta, o peso era de 29,5kg, o que significava uma perda de 22% em dois meses.

A utente foi encaminhada para consulta de pedopsiquiatria e psicoterapia, duas vezes por semana, onde manteve o seguimento. Cerca de um mês depois foi internada por má evolução clínica em ambulatório, mantendo uma perda de peso acentuada, motivada pelas contínuas restrições alimentares por “medo de se engasgar”, associadas a comportamentos regressivos e sugestivos de ansiedade agravados por um conflito cada vez mais marcado com a mãe.

Durante o internamento iniciou plano alimentar rigoroso, psicoterapia e algumas restrições nas visitas. Ao 10.o dia de internamento, por não haver melhoria clínica, havendo inclusive uma perda de 1,5kg (total de 26% de perda ponderal em três meses), iniciou sertralina 25mg uma vez por dia. Ao 14.o dia foi transferida para o departamento de pedopsiquiatria no Hospital Magalhães Lemos, no Porto.

Nesse internamento foi sujeita a restrição rigorosa das visitas familiares, plano alimentar que cumpria rigorosamente e, durante o internamento, ia obtendo ganhos de acordo com o seu comportamento e colaboração. Para além do antidepressivo, que manteve, introduziu-se no internamento medicação ansiolítica e antipsicótica: diazepam 5mg 2id, antes das refeições e olanzapina 2,5mg id.

Ao longo do internamento verificou-se boa evolução clínica após introdução de terapêutica farmacológica, com diminuição dos níveis de ansiedade antes das refeições e recuperação do peso prévio a este quadro. À data de alta, um mês depois, apresentava um peso de 36kg, com um IMC no P50 para a sua idade. O diagnóstico definitivo foi de fagofobia e manteve seguimento regular em consulta de psicoterapia duas vezes por semana no HPC, tendo tido alta, medicada apenas com sertralina 25mg.

Em 2011, após uma queda de bicicleta e fratura do membro superior, teve uma recaída com repercussão no peso e aumento dos níveis de ansiedade antes das refeições, com o retorno do medo de morrer por engasgamento. No entanto, com ajuste de medicação foi possível o controlo sem necessidade de internamento.

Atualmente mantém as consultas de pedopsiquiatria e psicoterapia regular e encontra-se medicada apenas com sertralina. Apresenta, atualmente, um IMC>P97, localizando-a na faixa da obesidade.

Comentário

A escolha deste caso clínico torna-se pertinente por se tratar de uma patologia pouco frequente e de difícil diagnóstico diferencial, tanto com patologia de causa orgânica como com os distúrbios do comportamento alimentar, como a anorexia nervosa. Importa ainda salientar que, por ser uma patologia pouco reconhecida, o seu diagnóstico pode ser tardio com consequências potencialmente graves para o doente.

Nem sempre o diagnóstico é passível de ser feito numa fase inicial e, apontando este caso para uma causa mais provável do foro psiquiátrico, tornava-se, ainda assim, imprescindível a exclusão de um motivo orgânico ou funcional com recurso aos ECD. Um exame imprescindível é a realização da endoscopia digestiva alta, que nos permite ajudar a excluir patologias como a acalásia, contração difusa do esófago, úlcera gástrica ou refluxo gastroesofágico. A realização da ecografia da tiroide exclui-nos a existência de uma massa extrínseca que pudesse causar aperto ao nível da orofaringe. Exclui-se também uma disfagia funcional ou globus histérico, uma vez que se identifica o medo de engasgar ao engolir; na disfagia funcional apenas surge a dificuldade em engolir.2,4

Outros ECD a considerar seriam a realização de pHmetria e a manometria para exclusão de refluxo gastroesofágico ou alterações da motilidade esofágica e ainda exames contrastados, como a esofagografia para exclusão de corpo estranho, anomalias anatómicas, acalásia ou a existência de estenose esofágica.

A fagofobia, numa fase inicial e após a exclusão de causa orgânica, faz também diagnóstico diferencial com os distúrbios do comportamento alimentar, especialmente com a anorexia nervosa, pela clínica apresentada: predomínio no sexo feminino, evicção e recusa de certos alimentos, perda de peso secundária a restrição alimentar, situações prolongadas e muitas vezes associada a sintomas obsessivo-compulsivos.8 No entanto, não se apura na fagofobia a distorção da imagem corporal, sendo muitas vezes os próprios doentes que reconhecem o seu baixo peso e que, não se sentindo bem, procuram ajuda para tratamento.

Este caso é importante também para destacar o papel fundamental do médico de família em fazer uma referenciação atempada dos casos mais urgentes. Uma vez que se trata de uma patologia que envolve uma abordagem multidisciplinar e tendo em conta a relação médico/doente privilegiada do médico de família, este tem o dever de fazer uma integração da informação, prestando apoio e esclarecendo todas as dúvidas junto da utente e da família.

Por outro lado, ao fazermos uma interpretação retrospetiva deste caso podemos retirar algumas conclusões no sentido de melhorar a prática clínica, nomeadamente destacar a importância dos cuidados antecipatórios e da deteção precoce de erros educacionais que podem ser fulcrais no desenvolvimento futuro das crianças.

Em relação à terapêutica pouco ainda se sabe baseado na evidência, mas o que parece ter melhores resultados é a terapia cognitivo-comportamental combinada com alguns fármacos, como antidepressivos (sendo que os inibidores da recaptação da serotonina são os preferidos) e associação com benzodiazepinas, que têm um papel mais preponderante na diminuição dos níveis de ansiedade, principalmente antes das refeições.1,3-4,8

É igualmente importante a integração da família no plano de tratamento, especialmente em crianças e adolescentes, sendo este um fator essencial para o sucesso da terapêutica. Destaca-se, assim, o médico de família como essencial na integração necessária para atingir o sucesso terapêutico.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Estela Rita Lima Bandeira Loureiro

Rua Dr. José Tarroso Gomes, 17, Fraião

4715-592 Braga, Portugal

E-mail: estelaritaloureiro@hotmail.com

 

Conflito de interesses

Os autores declaram não ter conflitos de interesses.

 

Recebido em 28-07-2015

Aceite para publicação em 05-04-2016

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