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CIDADES, Comunidades e Territórios

versión On-line ISSN 2182-3030

CIDADES  no.sp23 Lisboa abr. 2023  Epub 10-Abr-2023

https://doi.org/10.15847/cct.27979 

RESENHA

Recensão de Advanced Introduction to Social Innovation

Book review of Advanced Introduction to Social Innovation

1Centro de Investigação em Turismo, Sustentabilidade e Bem-Estar - Universidade do Algarve, Portugal, jorgeguerreiro@ces.uc.pt


A inovação social nos nossos dias

O termo inovação social é ubíquo nos dias de hoje. Ouvimo-lo em discursos políticos, lemo-lo em trabalhos científicos, encontramo-lo nas atividades de instituições públicas, privadas ou do terceiro setor. Parece, até, difícil pensar num tempo em que não se falasse de inovação social, tal não é a proeminência que alcançou.

Apesar de o conceito de inovação social ter pouco mais de duas décadas de existência, a sua teorização remete para a fundação da sociologia, tendo o termo sido utilizado já no início do século XX para designar mudança social, progresso ou desenvolvimento (cf. Godin, 2012). Porém, só recentemente a academia se dedicou ao estudo da inovação social enquanto fenómeno social, em não pequena parte devido ao considerável investimento que instituições nacionais e europeias têm feito nesta linha de investigação, que se tornou num dos desígnios das políticas públicas europeias (EC, 2019).

Porém, apesar da sua jovem existência, inovação social tornou-se num dos termos mais polissémicos que podemos encontrar nas ciências sociais e políticas públicas, fruto da elasticidade conceptual do termo, da sua pluralidade disciplinar, assim como da sua utilização em contextos variados e com finalidades distintas (McGowan, Westley & Tjornbo, 2017).

Como o historiador da inovação Benoît Godin (Godin & Vinck, 2019) afirmou, o estudo inovação tornou-se uma indústria - não no sentido económico per se, mas antes no aparato criado em torno deste fenómeno. Todos os anos são publicados milhares de artigos sobre o assunto, representando o trabalho de largas centenas de investigadores e dezenas de milhões de euros de financiamento para investigação. É, hoje, impossível acompanhar todo o output científico gerado em torno da inovação social, mesmo para equipas de considerável dimensão.

Contudo, se estes esforços permitiram que a inovação social crescesse e se consolidasse num surpreendente intervalo temporal, também tiveram o efeito adverso de produzirem tanta variedade de abordagens, modelos, teorias, definições e narrativas, ao ponto de ser virtualmente impossível conciliar e sintetizar tanta diversidade. E isto somente a propósito do plano científico, para não falar do plano político e das instituições que trabalham no terreno, pois incluí-los também na discussão seria avassalador.

O porquê de a inovação social ter atingido tamanha popularidade em tão pouco tempo é uma questão central para compreendermos os esforços que vêm sendo dedicados a esta temática. A inovação social pode ser muitas coisas: um processo, um conceito, uma área de investigação, uma abordagem, uma ferramenta, etc. Porém, de todas estas facetas, aquela que mais ilustra o seu fator de atração ao setor social e às instituições públicas é a de ferramenta. A inovação social permite-nos conceber novos meios de atuar, novas formas de pensar e implementar políticas, redesenhar dinâmicas locais de cooperação em torno de fins sociais e até abordar problemas de caráter mais estrutural e que ultrapassam a escala local. Através da inovação social, podemos repensar as políticas e a sua implementação, com isso promovendo alternativas mais sustentáveis, inclusivas e capacitadoras, que nos permitem resolver problemas e reconfigurar as relações sociais.

Num contexto de crescente desinvestimento em serviços públicos, com serviços essenciais como a educação, a saúde ou os transportes a sofrerem de subfinanciamento, a inovação social afirma-se como uma ferramenta que permite abordar estes problemas e encontrar alternativas viáveis, sobretudo ao nível de soluções à escala territorial (MacCallum, Moulaert, Hillier & Haddock, 2009). Esta flexibilidade e capacidade de intervir em problemas concretos justifica muita da sua popularidade, mas também nos apresenta alguns dos seus riscos, pois a inovação social não é uma panaceia para os desafios do Estado Social, servindo por vezes até para fundamentar mais desinvestimento nestes serviços, ao demonstrar que há soluções viáveis fora da esfera do Estado e dos serviços públicos, muito à conta dos esforços, da criatividade e da resiliência das organizações locais (Moulaert, MacCallum & Hillier, 2013).

Estrutura e conteúdos

Esta apresentação permite-nos entrar na mente dos autores da obra em causa, Advanced Introdution to Social Innovation, uma vez que Frank Moulaert e Diana MacCallum, perante este estado da arte da inovação social, decidiram escrever um pequeno livro que pudesse auxiliar quem pretende familiarizar-se com o tema, sem ter de percorrer a vastíssima bibliografia que existe sobre inovação social e que continua a crescer quase exponencialmente de ano para ano.

Os autores estruturaram o livro de forma convidativa, facilitando assim o seu acesso a um público menos especializado. A sua organização relembra a de uma disciplina introdutória que poderia ser lecionada numa unidade curricular de um mestrado ou doutoramento em economia social, políticas públicas, desenvolvimento regional ou inovação, sem nunca deixarem de ser provocadores e convidar os leitores a questionar ou problematizar determinadas questões relacionadas com a aplicação da inovação social ou a sua própria meta-teorização.

O maior feito desta obra será, bem possivelmente, apresentar a sua informação de forma resumida e clara, ao mesmo tempo que fornece os dados necessários para expandir os horizontes de quem não se contenta com uma mera introdução e pretende indagar os vários assuntos e debates que o livro aborda, seguindo os trilhos que os autores meticulosamente foram assinalando para os mais curiosos. Desta forma, este livro constitui um recurso útil até para investigadores consolidados na área da inovação social pela detalhada bibliografia que inclui, tanto diretamente sobre inovação social como sobre trabalhos em ciências sociais e económicas que muito contribuíram para a sua evolução teórica e que permitiram desenvolver uma visão do todo que tão necessária é numa área cada vez mais fragmentada.

O livro começa com uma introdução que se destaca por desafiar os leitores a focarem-se não nas respostas que dá (pois proíbe-se de as dar em abundância), mas antes nas questões que deixa em aberto. A investigação em inovação social pauta-se por uma multiplicidade de respostas para toda e qualquer questão, sobretudo num quadro de financiamento comunitário cada vez mais pautado pela exigência de resultados quantificáveis e mensuráveis a curto e médio prazo, o que inevitavelmente força a própria investigação a reorganizar-se para corresponder às exigências das entidades financiadoras. Os autores quiseram deixar patente logo de início o quanto há em aberto na teorização da inovação social e o porquê de estas questões serem fundacionais para quem pretende fazer dela a sua área ou objeto de investigação.

Segue-se uma curta passagem pelas origens da inovação social, ainda no século XIX, reconstruindo sucintamente o percurso e a teorização do termo, sendo este, quiçá, o capítulo que mais poderia ter beneficiado de maior investimento de tempo pelos autores, apesar de ser já por si uma singularidade nas obras introdutórias da inovação social.

O capítulo sobre o estado atual da inovação social empreende um considerável esforço de síntese ao focar-se somente nos grandes debates e na discussão conceptual em torno da inovação social, navegando as águas turvas da teorização e conceptualização temporâneas da inovação social com mestria e guiando o leitor para terra firme.

Os capítulos seguintes são dedicados a cinco experiências de aplicação de inovação social, incluindo um caso português, assim como a notas comparativas; aos desafios e à aplicação territorial da inovação social - plano este frequentemente descrito como o ideal para a sua utilização; e, por último, às dimensões metodológicas por detrás da aplicação da inovação social, tanto numa lógica mais científica, como numa focada na investigação-ação que tão fértil tem sido na área.

A obra termina com novas reflexões em tom de conclusão, destacando-se a dimensão científica da inovação social, a dimensão ética da sua utilização e o seu papel potenciador da mudança social, dando resposta a algumas das provocações propostas no início do livro, sem que estas sejam diretas ou definitivas, mas antes novos convites à problematização dos assuntos discutidos ao longo da obra.

Considerações finais

A investigação e aplicação da inovação social tem enfrentado numerosos desafios nos últimos anos. A sua aplicação ocasionalmente carece de teorização que guie as iniciativas e infirme as suas metodologias, centrando-se em preocupações mais práticas e na procura de resultados concretos. A sua teorização, pelo contrário, sofre de uma notável fragmentação, fruto do excesso de estudos de caso que, embora úteis para o aprofundamento do conhecimento à escala local e regional, não têm produzido resultados que permitam avançar a teoria a nível de comparações interterritoriais e internacionais, sendo esta uma das prioridades da investigação europeia no momento.

Esta obra não oferece respostas a estes dois desafios, mas personifica estas preocupações, ao frisar a utilidade e necessidade de uma teorização e conceptualização rigorosas e historicamente infirmadas, antes de adotar uma metodologia que reflita estas preocupações e se foque nos resultados concretos, sem comprometer, porém, a sua cientificidade, que por vezes acaba sendo comprometida em favor de resultados fáceis.

Uma das maiores dificuldades em investigar inovação social é a quantidade avassaladora de bibliografia que existe e que vai sendo produzida a um ritmo industrial, tendo extravasado largamente as fronteiras da ciência e sendo hoje tema frequentemente abordado em revistas de gestão, congressos científicos ou de praticantes de instituições do terceiro setor, para além dos numerosos relatórios técnicos que os projetos de investigação vão produzindo.

Esta obra fornece bases sólidas para os seus leitores utilizarem como fundação do seu entendimento sobre inovação social, ao mesmo tempo que aponta possíveis caminhos para que estes entendimentos se aprofundem. Os autores não se coibiram de abordar a inovação de forma crítica e diacrónica, utilizando um considerável número de referências históricas e não se cingindo meramente ao século XXI, como a maior parte das obras do género tende a fazer.

Por estas razões, a obra em questão é particularmente útil a quem procura uma obra que guie o aprofundamento sobre inovação social. Tal será o caso de estudantes de mestrado ou doutoramento que estejam a realizar as suas investigações sobre inovação social e que possam fazer uso de um livro que sirva de guia para a construção de um objeto de investigação que associe a teoria à prática e frise os desafios éticos, as limitações e potencialidades da inovação social, ao mesmo tempo que aponta como aprofundar as questões que deixa em aberto. Assim, será igualmente útil para quem lecione sobre a temática ou quem queira uma obra que possa servir de recurso-base para a investigação na área.

Referências

European Commission (2019). Report from the Commission on the mid-term evaluation of the European Union Programme for Employment and Social Innovation (EaSI), Brussels. [ Links ]

Godin, B. (2012). Social Innovation: Utopias of Innovation from c.1830 to the Present, Project on the Intellectual History of Innovation Working Paper, 11. [ Links ]

Godin, B. & Vinck, D. (eds.) (2017). Critical Studies of Innovation: Alternative Approaches to the Pro-Innovation Bias. Cheltenham: Edward Elgar Publishing. [ Links ]

MacCallum, D., Moulaert, F., Hillier, J. & Haddock, S. (eds.) (2009). Social Innovation and Territorial Development, Surrey: Ashgate. [ Links ]

McGowan, K., Westley, F. & Tjornbo, O. (2017). The History of Social Innovation. In F. Westley, K. McGowan, & O. Tjornbo (eds.), The Evolution of Social Innovation: Building Resilience Through Transitions (pp. 1-17). Cheltenham: Edward Elgar Publishing . [ Links ]

Moulaert, F., MacCallum, D., & Hillier, J. (2013), Social innovation: intuition, precept, concept, theory and practice. In F. Moulaert, D. MacCallum, A. Mehmood, & A. Hamdouh (eds.), The International Handbook on Social Innovation (pp. 13-24). Cheltenham: Edward Elgar Publishing . [ Links ]

Moulaert, F., & MacCallum, D. (2019). Advanced introduction to social innovation. United Kingdom: Edward Elgar. [ Links ]

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