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Revista da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia

versão impressa ISSN 2182-2395versão On-line ISSN 2182-2409

Rev Soc Port Dermatol Venereol vol.78 no.3 Lisboa set. 2020  Epub 01-Set-2021

https://doi.org/10.29021/spdv.78.3.1226 

Artigo de Revisão

Infeção Genital por Chlamydia Trachomatis nos Adolescentes Portugueses

Chlamydia Trachomatis Genital Infections among Portuguese Adolescents

Francisco Vaz Pereira1 
http://orcid.org/0000-0002-5936-5480

João Borges da Costa2  3  4 
http://orcid.org/0000-0001-8903-209X

1Aluno de 6º ano, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.

2Assistente Hospitalar Graduado de Dermatologia e Venereologia/Consultant of Dermatology and Venereology, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Lisboa, Portugal

3Professor Auxiliar Convidado de Dermatologia e Venereologia/Professor of Dermatology and Venereology, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal

4Instituto de Higiene e Medicina Tropical, Lisboa, Portugal


RESUMO

Os adolescentes (entre os 10 e os 19 anos) são um grupo etário com elevada prevalência de infeções sexualmente transmissíveis (IST), devido aos seus fatores biológicos e socio-comportamentais. Em Portugal, os adolescentes revelam fraca adesão ao preservativo, têm múltiplos parceiros sexuais, deficiente educação sexual e altas taxas de reinfeção. Nesta faixa etária, a infeção genital por Chlamydia trachomatis é a IST mais prevalente, cujo curso assintomático dificulta o diagnóstico e controlo epidemiológico. Pretendeu-se rever os dados publicados de prevalência da infeção genital por Chlamydia trachomatis no grupo dos adolescentes portugueses. Nos estudos populacionais encontrados em Portugal, bastante heterogéneos entre si, verificou-se uma prevalência entre 2,23% e 18,2%. As taxas de notificação portuguesas são inferiores às dos restantes países europeus e os dados oficiais nacionais não discriminam a faixa etária dos adolescentes. Entre os 15-24 anos, foram notificados 41 casos em 2015 e 56 casos em 2016. Segundo o relatório do European Centre for Disease Control, foram notificados 116 e 167 casos na mesma faixa etária, em Portugal, em 2017 e 2018, respetivamente. A compreensão da epidemiologia da infeção genital por CT nos adolescentes portugueses é impossibilitada devido ao subdiagnóstico, à subnotificação e ao não isolamento dos adolescentes nos grupos de estudo. É assim necessário um esforço conjunto a nível clínico e político para que seja possível

delinear uma estratégia eficaz no combate a esta infeção nos adolescentes.

PALAVRAS-CHAVE: Adolescente; Chlamydia trachomatis; Infecções por Chlamydia; Portugal.

ABSTRACT

Adolescents (between 10 and 19 years old) are an age group with a high prevalence of sexually transmitted infections (STI), due to biological and socio-behavioural factors. In Portugal, adolescents show poor condom adherence, have multiple

sexual partners, poor sex education and high reinfection rates. In this age group, genital infection by Chlamydia trachomatis is the most prevalent STI, whose asymptomatic course makes diagnosis and epidemiological control difficult. The aim of this study is to review the published data on prevalence of genital infection by Chlamydia trachomatis in Portuguese adolescents. In the Portuguese population studies, which are highly heterogeneous, a prevalence of between 2.23%-18.2% was found. Portuguese notification rates are lower than in other European countries. Moreover, national official data do not discriminate adolescents in their age ranges. Between 15-24 years old, 41 cases were identified in 2015 and 56 cases in 2016. According to the European Center for Disease Control, 116 and 167 cases from this age group were reported in Portugal in 2017 and 2018, respectively. Understanding

the epidemiology of genital CT infection in Portuguese adolescents is almost impossible due to underdiagnosis, underreporting and non-isolation of adolescents in studied groups. A concerted effort at clinical and political level is therefore needed to devise an effective strategy to combat this infection in adolescents.

KEYWORDS: Adolescent; Chlamydia Infections; Chlamydia trachomatis; Portugal

INTRODUÇÃO

Os Adolescentes e as Infeções Sexualmente Transmissíveis

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a adolescência como o período de vida compreendido entre os 10 e os 19 anos (1998), constituindo cerca de 20% da população mundial. Apesar deste grupo etário ser considerado, em geral, relativamente saudável, tem-se assistido a uma crescente preocupação com a elevada prevalência de infeções sexualmente transmissíveis (IST). Os adolescentes dos 15 aos 19 anos constituem a segunda faixa etária com maiores taxas deste tipo de IST, constituindo uma preocupação global em termos de saúde pública.1

As razões da elevada prevalência nos adolescentes são várias, tendo sido já identificados vários fatores de risco na literatura.

Numa perspetiva puramente biológica, as adolescentes do sexo feminino têm um maior risco infecioso por algumas IST, como a Chlamydia trachomatis (CT), devido ao facto de o epitélio do colo, após a puberdade, se encontrar mais exposto ao ambiente vaginal, com maior ectopia cervical em cerca de 60% - 80% das adolescentes sexualmente ativas. A ausência de defesa imunológica deste tecido pode explicar um aumento da prevalência de IST’s. Concomitantemente, devido à ausência de produção cervical de muco até ao início da ovulação, o risco de complicações é maior em adolescentes imaturas, aumentando assim a frequência de infeções ascendentes e doença inflamatória pélvica (DIP) subsequente.2

Também a nível social e comportamental, cada vez mais se assiste a uma tendência de diminuição da média de idades para o início da atividade sexual a nível global.3 Segundo o Center for Disease Control and Prevention (CDC), jovens com início precoce da atividade sexual constituem um grupo de alto risco para o desenvolvimento de IST, uma vez que estão associados a um maior número de parceiros sexuais, relações de menor duração, menor adesão ao preservativo e menor recurso aos serviços de saúde perante uma questão do foro sexual.3

Associados a estes fatores de aumento do risco de IST, verifica-se também maior risco de reinfeção em adolescentes e jovens.4 Alguns estudos sugerem que a diminuição da prevalência com a idade se deve, associado às alterações comportamentais, ao desenvolvimento de imunidade parcial resultante de exposições repetidas.5,6Uma vez que a imunidade para a infeção não é duradoura, a reinfeção ou persistência da mesma é relativamente comum.4

Os Adolescentes Portugueses e as IST

Em Portugal, quase metade dos adolescentes, quando questionados, referem já ter tido relações sexuais, sendo que 27% - 29% começa a sua vida sexual pelos 15,5 anos.7,8

Os adolescentes portugueses têm, de facto, maior tendência a envolver-se com múltiplos parceiros sexuais, muitas vezes de forma casual e anónima,7 o que constitui um fator de risco para a infeção genital por CT.9 Num estudo prospetivo realizado numa consulta de adolescentes, 22% referiram terem tido 2 ou mais parceiros nos últimos 2 anos, sendo que destas, 18% aponta uma mudança recente do mesmo.10

Além disso, estima-se que apenas 45% - 61,4% dos adolescentes utilizem sistematicamente o preservativo como método contracetivo.7,10Apesar de no primeiro encontro 91,8% utilizarem o preservativo, nas relações subsequentes acabam por diminuir a sua utilização.8 Em Portugal, cerca de 9% dos adolescentes assumem ter tido relações sexuais sobre o efeito de álcool ou psicoativos, o que poderá também diminuir a utilização do preservativo.8

Por outro lado, os adolescentes portugueses referem, num estudo baseado em questionário estruturado, dificuldade em discutir os seus riscos sexuais. Apenas 47,9% dos inquiridos terá tido aulas de saúde reprodutiva e apenas 11,8% tinha conhecimento da infeção por CT.7 Por conseguinte, quando inquiridos, apenas 65% dos adolescentes mostrar-se-iam disponíveis para realizar um rastreio de CT, quando sugeridos.7

Chlamydia trachomatis e os Adolescentes

Vários estudos sugerem uma forte associação entre a alta prevalência da infeção genital por CT e os jovens, particularmente os adolescentes (com idade inferior a 20 anos) constituindo a infeção sexualmente transmissível mais prevalente nesta faixa etária.3,5,6,11Em 2018, os adolescentes entre os 15 e os 19 anos foram reportados como o segundo grupo com maior prevalência desta infeção pelo CDC.12 Esta faixa etária é de especial relevância, uma vez que está associada a um maior número de complicações (cerca de 44% de todas as complicações relacionadas com uma infeção por CT não-diagnosticada nos EUA em 2018).13

Nas mulheres, a infeção é, em 70%-90% dos casos, assintomática,3,14pelo que a sua abordagem exclusivamente semiológica é insuficiente para o diagnóstico e controlo epidemiológico.9 Desta forma, alguns estudos apontam o sexo feminino como o mais frequentemente atingido por este agente, apesar de se encontrar habitualmente em estado de portador crónico.2,12,15No entanto, poderá levar a uretrite, cervicite, coitorragias, metrorragias, aumento das secreções vaginais, podendo complicar com DIP (30%), infertilidade (20%), dor pélvica crónica (19%) e gravidez ectópica (9%).12,14

Na grávida, associa-se a conjuntivite e pneumonia neonatal, parto pré-termo e baixo peso do recém-nascido à nascença16 bem como endometrite materna no pós-parto.12

Nos homens, a infeção é assintomática em apenas 50% dos casos, estando habitualmente associado a sintomas sugestivos de uretrite e, mais raramente, epididimite e infertilidade.14

Em ambos os casos, poderá levar ao desenvolvimento de proctite e artrite reativa12 e é também importante no aumento do risco de transmissão de outras doenças sexualmente transmissíveis, como a infeção pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH), que tem um risco cerca de 2 a 5 vezes maior.9

Os fatores de risco supramencionados, inerentes ao aumento do risco de aquisição de IST pelos adolescentes, verificam-se na infeção genital por CT. Num estudo retrospetivo realizado numa consulta de Infeções Sexualmente Transmissíveis, verificou-se que a prevalência de CT era o dobro na população com mais de um parceiro sexual nos seis meses anteriores, comparativamente com os que apenas tinham tido um ou nenhum (14,6% vs 7,4%).9 A utilização pouco regular do preservativo associa-se também a maior risco de desenvolver esta infeção, tendo um estudo em Lisboa reportado o dobro da prevalência com a ausência de utilização deste método (5,2% vs 2,3%).7,17

Com este trabalho, pretendeu-se assim estudar os dados de prevalência da infeção genital por CT no grupo dos adolescentes portugueses.

MÉTODOS

No sentido de pesquisar os dados existentes publicados, recorreu-se aos motores de busca PubMed, Dynamed e Cochrane. Utilizaram-se os medical subject headings (MeSH) “chlamydia trachomatis” e “humans” e a inclusão no título ou abstract de “Europe” ou “Portugal” e “adolescents” ou “teenagers”. Utilizaram-se como critérios de inclusão estudos a partir de 2002, redigidos nas línguas inglesa ou portuguesa, em que mencionaram a prevalência da infeção genital por Chlamydia trachomatis em adolescentes. De forma a aumentar o leque de artigos, foram aceites artigos que incluíram estudos sobre a prevalência da infeção em grupos até aos 24 anos, que englobassem adolescentes.

Complementou-se a pesquisa procurando artigos disponíveis online nas publicações da Revista da Sociedade Portuguesa de Dermatovenereologia e Portuguese Journal of Pediatrics, utilizando os mesmos critérios de inclusão. Foram também procurados dados oficiais do número de casos notificados da infeção genital por CT, disponibilizados pela Direção Geral de Saúde (DGS) e European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC).

RESULTADOS

Foram encontrados 418 artigos correspondentes à pesquisa, dos quais foram excluídos 403 pela leitura do título e abstract. Dos restantes 15 artigos, foram lidos integralmente e incluídos 5 por corresponderem à pesquisa pretendida, sendo apresentados na Tabela 1.9,10,16-18Excluíram-se os restantes 10 artigos por não incluírem a prevalência da infeção nos adolescentes ou até aos 24 anos. Foram também incluídos dois relatórios de dados oficiais referentes ao número de casos notificados de infeção genital por CT, a nível nacional e europeu.19,20

Tabela 1 Estudos populacionais de prevalência de infeção genital por CT em adolescentes portugueses. 

Artigo Autores Ano da Publicação Tipo de Artigo População Estudada Prevalência Global Prevalência Jovens
Genital infection by Chlamydia trachomatis in Lisbon: prevalence and risk markers Armando Brito de Sá et a l 17 2002 Estudo Prospectivo 1108 mulheres observadas em consulta de clínica geral ou de planeamento familiar 4,6% 5,3% (mulheres com <19 anos)
Sexually transmitted infections and related sociodemographic factors in Lisbon’s major Venereology Clinic: A descriptive study of the first 4 months of 2007. J Borges da Costa, et al18 2009 Estudo Retrospectivo 743 utentes da clínica de IST da Lapa em Lisboa 7,5% 2,23% (utentes com menos de 25 anos)
Chlamydia trachomatis numa Consulta de Infecções Sexualmente Transmissíveis - Estudo Retrospectivo de Quatro anos (2006-2009) Rodrigo A. Carvalho et al9 2011 Estudo Retrospectivo 771 doentes observados na Consulta de IST do Hospital Curry Cabral 10,5% 18,2% (doentes com menos de 25 anos)
Sexually transmitted infections in pregnant adolescents: Prevalence and association with maternal and foetal morbidity J. Borges- Costa, et al16 2011 Estudo Prospectivo 204 adolescentes grávidas 11,8% 11,8%
Rastreio Oportunístico de Infeção Genital por Chlamydia trachomatis em Adolescentes C. R. Melo et al10 2014 Estudo Prospectivo 38 adolescentes sexo feminino, (10-17 anos) Sexualmente ativas 7,9% 7,9%

Em Portugal, os dados epidemiológicos da infeção genital por CT só começaram a ser registados sistematicamente em 2015, na sequência da publicação do Despacho n.º 5681-A/2014 pela Direção Geral de Saúde (DGS) em Diário da República.21

Ainda assim, alguns dados poderão ser conhecidos, baseados em estudos populacionais. Em 2002, um estudo em Lisboa apurou uma prevalência de infeção por CT de 4,9% na população estudada, sendo esta maior (5,3%) em mulheres com menos de 19 anos.17 Por outro lado, um estudo retrospetivo entre 2006 e 2009 concluiu uma prevalência de 10,5% em doentes observados na consulta de IST do Hospital Curry Cabral, reportando uma associação clinicamente significativa entre infeção genital por CT e mulheres jovens em 2007 e uma prevalência global de 18,2% em doentes com menos de 25 anos.9 Estes dados foram corroborados por um estudo descritivo dos primeiros 4 meses de 2007 numa clínica de IST de Lisboa, referindo uma prevalência de infeção por CT de 2,23% nos utentes com menos de 25 anos, com a mesma associação estatística.18

Em 2011, um estudo realizado nas consultas para adolescentes grávidas do Hospital de Santa Maria e da Maternidade Alfredo da Costa, apurou uma prevalência semelhante (11,8%), estando 67% destas assintomáticas.16

Em 2014, um estudo prospetivo de rastreio oportunístico de adolescentes sexualmente ativas, acompanhadas ao longo de dois anos, apurou uma prevalência de 7,9% casos de infeção genital por CT, sendo todos assintomáticos e com início de atividade sexual entre os 14 e 16 anos, múltiplos parceiros e relações sexuais sem método barreira.10

Após a atualização da norma das doenças de notificação obrigatória da DGS, foi possível extrapolar mais dados nacionais sobre a infeção. Em 2015, em Portugal, segundo o Relatório de Doenças de Declaração Obrigatória 2013-2016, o número total de casos de CT notificados (excluindo linfogranuloma venéreo) foi de 162 em 2015 e de 195 em 2016, perfazendo um total, nestes dois anos, de 357 casos confirmados ou prováveis. Maior parte dos casos encontram-se na região de Lisboa e Vale do Tejo (132 em 2015 e 136 em 2016, num total de 268).19No caso da faixa etária dos 15-24 anos, foram identificados 41 casos em 2015 e 56 casos em 2016 (total de 97 casos), perfazendo 25,3% e 28% dos casos respectivamente.

Em 2015, notificaram-se mais infeções no sexo masculino, com 28 casos comparativamente com 13 casos no sexo feminino.

Em 2016, não houve distinção entre os sexos, tendo ambos somado 28 casos.

O relatório epidemiológico anual de 2017 e o Surveillance Atlas of Infectious Diseases do European Center for Disease Prevention and Control (ECDC) acrescenta informação atualizada, retirada do sistema de vigilância europeu (TESSy), apresentados na Tabela 2 (número de casos entre os 15-24 anos) comparando os dados europeus, portugueses e da Noruega,um país com sistema de rastreio oportunista alargado e com boas taxas de implementação.20

Segundo o relatório do ECDC, foram notificados 718 casos por 100 000 indivíduos e 1370 casos por 100 000 indivíduos, em 2016 e 2017 respetivamente, na faixa etária dos 15 aos 19 anos, em toda a Europa, constituindo assim o segundo maior grupo de casos. O grupo com maior incidência foi o dos 20-24 anos, compreendendo 39,8% dos mesmos.

Tabela 2 Dados Epidemiológicos da infeção por CT em Portugal, na Noruega e na Europa, número de casos notificados entre os 15 e 24 anos e nº de caos por cada 100 000 habitantes. 

Artigo Europa Portugal Noruega
Nº de Casos n/100 000 Nº de Casos N /100 000 Nº de Casos n/100 000
2013 259 658 1005,36 - - 9.581 2268,18
2014 251 043 893,75 3 0.27 16.480 2468,99
2015 239 726 868,74 41 3,71 15.534 2480,04
2016 239 637 757,08 69 6,24 17.333 2591,74
2017 238 403 758,98 116 10,58 16.531 2473,50
2018 235 321 789,81 167 15,28 17.489 2632,58

DISCUSSÃO

Análise dos Resultados

A prevalência de infeção genital por CT nos adolescentes em Portugal não é clara, com base nos estudos populacionais existentes variando entre 2,23% e 18,2%. Ressalva-se que estudos epidemiológicos de infeções por CT apenas avaliam episodicamente os sujeitos, podendo detetar infeções em durações variáveis. Desta forma, colocam-se algumas limitações da utilidade destes estudos na avaliação dos fatores relacionados com a aquisição da infeção e suas estratégias de controlo.22 Deve ser também considerado o facto de os estudos supramencionados serem realizados habitualmente em clínicas de venereologia urbanas e em Lisboa, podendo não ser globalmente aplicáveis, uma vez que os utentes destas tipicamente poderão têm perfil de comportamentos de risco diferente da população geral.22

Por outro lado, os dados atuais subestimam a verdadeira prevalência devido ao curso assintomático da infeção e à pouca adesão dos clínicos à notificação, mesmo com regime de notificação obrigatória.18

Também o facto de, em vários estudos, os adolescentes não serem estudados individualmente, sendo muitas vezes agrupados com adultos jovens, dificulta a investigação nesta população específica.12 Na divisão etária, o relatório português não discrimina as divisões na faixa etária dos adolescentes, considerando um escalão dos 15-24 anos e assim, limitando a delineação de planos de saúde pública mais eficazes.19

Ainda assim, as variações da eficácia dos sistemas de notificação dos vários estados membros da União Europeia levam a que estes dados não sejam facilmente transladáveis para a realidade portuguesa.20

No entanto, as estimativas da prevalência global da infeção em estudos populacionais realizados por toda a União Europeia sugerem uma distribuição homogénea entre os países membros.20,23,24Estes dados são consistentes com estimativas de outros países não-europeus, sugerindo que as diferenças de taxas de notificação na Europa refletem principalmente a extensão de acesso a testes de diagnóstico sensíveis, diferenças na recolha de dados, e nível de implementação

das políticas nacionais.20

Portugal, por conseguinte, apresenta baixas taxas de notificação, inferiores a 10 por 100 000, à semelhança de outros países como a Bulgária, Croácia, Chipre, Hungria, Luxemburgo, Polónia e Roménia, impossibilitando a determinação real da prevalência da infeção nos adolescentes.20 Por outro lado, os estados membros com estratégias de rastreio oportunista alargado e com boas taxas de implementação das mesmas, conseguindo taxas de notificação superiores a 200 por 100 000 habitantes, como a Noruega (mas também Islândia, Dinamarca, Reino Unido, Suécia e Finlândia) possuem dados sólidos e consistentes, permitindo estimar de forma mais correta a prevalência da infeção nesse país.

Por conseguinte, destaca-se que a melhor estimativa da prevalência da infeção na população portuguesa, comparativamente com os dados epidemiológicos de toda a Europa, poderá ser a dos países com melhores taxas de notificação, pressupondo a distribuição homogénea desta infeção.20

A comparação entre os vários países na Europa é, assim, dificultada pelas diferenças em sistemas de vigilância e rastreio, bem como o seu acesso e qualidade do mesmo (generalizado ou oportunista), a proporção de casos não reportados e os métodos utilizados para diagnóstico.25 Desde a segunda metade da década de 90 que se verificaram, por toda a Europa, tendências crescentes de diagnóstico de infeção genital por CT, o que se poderá dever em parte ao incremento nos sistemas de notificação, à crescente utilização alargada dos testes de amplificação de ácidos nucleicos altamente sensíveis e à melhor promoção dos programas de rastreio e notificação de CT, em países com menores taxas de notificação.11,12No entanto, analisando apenas os países com taxas de notificação consistentemente superiores a 200 por 100 000 habitantes, estas mantém-se relativamente estáveis.20

Recomendações de Rastreio

As recomendações internacionais (CDC/United States Preventive Services Task Force, American Academy of Pediatrics, American Academy of Family Physicians) advogam o rastreio anual da infeção por CT a mulheres com idade igual ou inferior a 25 anos e na gravidez (1º e 3º trimestre), o que ainda não foi implementado de forma sistemática em Portugal.12,14O Plano Nacional de Saúde 2011-2016, recomenda uma avaliação oportunista de 2 em 2 anos de todas as mulheres vigiadas em planeamento familiar ou que solicitem uma interrupção voluntária da gravidez.12

As recomendações europeias reforçam a importância de rastrear a infeção genital por CT a todos os doentes que recorram a uma consulta de IST.9,26Ressalva-se que o rastreio de todas as mulheres revela-se custo-efetivo se a prevalência for entre 2% a 6% uma vez que poderá prevenir algumas complicações da infeção, como a doença inflamatória pélvica, causa major de infertilidade e dor pélvica crónica.26 Há evidência crescente de que, no contexto de um programa de rastreio, a oferta de um único teste de CT poderá reduzir a incidência de doença inflamatória pélvica em 36% após um ano de seguimento.20

Alguns estudos, no entanto, sugerem também o rastreio de indivíduos do sexo masculino, por constituírem veículos da infeção.27 Estudos realizados em homens assintomáticos numa clínica de IST em Lisboa revelaram uma prevalência de 5%.12 O seu custo-efetividade é, no entanto, controverso, sendo recomendado apenas em casos de alta prevalência e em países com sistemas de saúde de elevados recursos, nunca prejudicando o rastreio em mulheres jovens.27 Ainda assim, o CDC recomenda também o rastreio dos adolescentes do sexo masculino que pertençam a grupos de risco, inclusivamente o rastreio retal se praticarem sexo com homens.12 De facto, um estudo retrospetivo nacional realizado em homens que fazem sexo com homens (HSH), revelou uma prevalência de 6,5% de proctite e infeção anorretal sintomática por CT.28 Outros autores, como da United States Preventive Services Task Force, não recomendam o rastreio em jovens do sexo masculino, por baixo risco de sequelas reprodutivas a longo prazo e baixa adesão aos cuidados de saúde.12

Estratégias de Controlo

Apesar dos escassos dados epidemiológicos da infeção genital por CT nos adolescentes, esta apresenta-se como um problema de saúde pública que exige uma abordagem holística, tanto a nível local como nacional e europeu.

Do ponto de vista clínico, deve ser frisada a importância da deteção precoce das IST, por garantir uma terapêutica adequada em tempo útil, reduzindo o risco de transmissão na comunidade e complicações.12

A educação sexual é especialmente importante em jovens com antecedentes de uma IST, mesmo em ambiente de consulta, uma vez que a história prévia poderá torná-los mais conscientes dos sintomas associados a uma IST e dos seus comportamentos de risco.3 Mesmo em países com sistemas de educação sexual implementados nas escolas, muitas vezes esta é insuficiente, centrando-se maioritariamente no VIH.1

Ressalva-se também a importância da notificação e tratamento de parceiros, de forma a quebrar a cadeia de transmissão e prevenir que o doente se reinfecte.25,29Segundo um estudo efetuado em Lisboa, cerca de 38% dos parceiros estão também afetados pela infeção.17 Por outro lado, destaca-se a importância de rastrear outras doenças sexualmente transmissíveis, pela elevada frequência de co-infeção por N. Gonorrhoeae (NG)30,31e VIH.32

A nível nacional, inadvertidamente, a crescente pressão nos serviços de saúde públicos poderá levar a que seja cada vez mais difícil implementar estratégias de rastreio alargado e sua notificação.18,20O relatório da ECDC advoga a importância de estudos nacionais de estimativa da prevalência de CT, com o intuito de explorar onde seriam melhor introduzidos ou expandidos programas de rastreio.20

Outros esforços de controlo da infeção sugeridos passam pela adoção de uma estratégia nacional de controlo, com compromissos políticos e liderança estratégica, com guidelines baseadas na evidência, em coordenação com o laboratório e especialistas clínicos e de saúde pública, melhores sistemas de vigilância e mais informação da cobertura dos mesmos.11,20

CONCLUSÃO

Apesar dos esforços envidados pela DGS, a implementação do sistema de notificação obrigatória da infeção genital por CT ainda não foi eficazmente concretizada. Desta forma, as baixas taxas de notificação impedem o conhecimento epidemiológico da infeção a nível nacional. Além disso, a inclusão dos adultos jovens na mesma categoria epidemiológica dos adolescentes impede o conhecimento real das taxas de infeção nesta população, apesar de ser a IST mais frequente na faixa etária.

A incapacidade de conhecer os dados reais da prevalência da infeção genital por CT impossibilita a criação de sistemas e políticas públicas nacionais ou europeias, de forma a controlar a doença, particularmente nos adolescentes.

A otimização do sistema de notificação português, parte não só do clínico, seguindo as principais normas de orientação nacionais e internacionais, mas também dos governantes, englobando nas políticas públicas grupos com especial vulnerabilidade biológica e comportamental, como os adolescentes.

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Correspondência: Francisco Eustáquio Vaz Pereira Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte Avenida Professor Egas Moniz 1649-035 Lisboa, Portugal E-mail:pereirafrancisco@campus.ul.pt

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare. Financing support: This work has not received any contribution, grant or scholarship. Provenance and peer review: Not commissioned; externally peer reviewed

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