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GOT, Revista de Geografia e Ordenamento do Território

versão On-line ISSN 2182-1267

GOT  no.15 Porto dez. 2018

https://doi.org/10.17127/got/2018.15.010 

ARTIGO

 

Hospitalidade e hostilidade no turismo em território urbano: notícias do turismo em Lisboa, Portugal

Hospitality and hostility in tourism in urban territory: tourism news in Lisbon, Portugal

 

Guizi, Alan1; Gândara, José2

1Universidade de Aveiro, Doutoramento em Turismo, Departamento de Economia, Gestão, Engenharia Industrial e Turismo; Departamento de Economia, Gestão, Engenharia Industrial e Turismo - DEGEIT, Campus Universitário de Santigo, 3810-193. Aveiro, Portugal; alanguizi@gmail.com

2Universidade Federal do Paraná, Departamento de Turismo; Rua Doutor Faivre, 405 – 3º andar, 80060-140, Curitiba, Brasil; jmggandara@yahoo.com.br

 

RESUMO

O presente estudo adota Lisboa (Portugal) para compreensão dos principais efeitos (positivos e/ou negativos) do turismo para a cidade sob o prisma da teoria da hospitalidade. O procedimento metodológico contemplou a análise de notícias do jornal Expresso dentro de um intervalo de 1 ano (04/2017 a 04/2018) por meio de sua página web para responder à seguinte questão de investigação: “Quais foram as notícias relacionadas a ‘turismo na cidade de Lisboa’ no Jornal Expresso de 20/abril/2017 a 20/abril/2018?”. Os conteúdos obtidos foram analisados conforme Bardin (2011), e emparelhados à teoria conforme Laville e Dionne (1999). Ao final, notou-se que o jornal Expresso tratou de tópicos relacionados ao crescimento turístico português, mas também a problemas como despejos, elevações de preços de arrendamentos, massificação turística, degradação do patrimônio entre outros.

 

Palavras-chave: Turismo urbano; Hospitalidade; Hostilidade; Território; Lisboa

 

ABSTRACT

This study adopts Lisbon (Portugal) to understand the main effects (positive and/or negative) of tourism to the city, from the perspective of hospitality theory. The methodology contemplated the analysis of news in the newspaper ‘Expresso’ by its web portal, within a period of one year (04/2017 to 04/2018) to answer the following research question: "What were the news related to 'tourism in the city of Lisbon 'in the newspaper Expresso from 20/April/ 2017 to 20/April/2018?” The contents obtained were analyzed according to Bardin (2011) and pairing to the theory according to Laville and Dionne (1999). In the end, it was noted that the newspaper Expresso dealt with topics related to Portuguese tourism growth, but also to problems such as people evictions, rising of rental prices, tourist massification, property degradation and others.

 

Keywords: Urban tourism; Hospitality; Hostility; Territory; Lisbon

 

 

1. Introdução

Este estudo visa compreender os efeitos positivos e negativos do turismo em contexto massificado, especialmente os efeitos que incidem mais diretamente na vida do anfitrião e que podem influenciar a sua disposição em oferecer hospitalidade aos turistas, tendo a cidade de Lisboa (Portugal) como foco principal de estudos e, inserindo como background teórico os temas relacionados à hospitalidade e hostilidade no turismo urbano.

Esse tema é tratado pela mídia jornalística com especial atenção aos países europeus, haja vista que, segundo o portal Diário de Notícias de Portugal, por meio de Meireles (2017), 40% de todo o fluxo do turismo mundial (cerca de 500 milhões de turistas) estão concentrados em 28 países membros da União Europeia, representando uma alta de 4% em relação ao ano anterior. Em 2017, nos primeiros quatro meses, 125 milhões de turistas passaram por esses países, cerca de 8 milhões de turistas a mais que no período homólogo. (Meireles, 2017)

Meireles (2017) mostra também que, este alto número de turistas na Europa têm causado depredações de sítios históricos, populações diárias flutuantes maiores que os números de habitantes nas cidades (tal como em Veneza com 55 mil habitantes e, de 70 a 90 mil turistas diários), poluição sonora, do ar e das águas, insegurança, altos valores imobiliários entre outros, o que causam, certamente, protestos (pacíficos ou não) contra a população de turistas.

Em Portugal, o portal de notícias SAPO24 (2017) registrou o protesto de cerca de 100 moradores da cidade de Porto com gritos de “o Porto não se vende”, onde manifestaram-se contra os despejos, os altos valores de aluguel (ou arrendamento), e demais pressões sociais exercidas pelo turismo. O objetivo era redigir uma carta manifesto para que fosse enviada à Assembleia da República.

Os habitantes de Lisboa foram além em seus protestos contra os efeitos negativos da atividade turística. Os moradores da capital portuguesa criaram o portal “Lisboa does not love”[1] para abordar os efeitos negativos do turismo de massa na cidade, relatando problemas como a bolha imobiliária causada pelo Airbnb, as linhas de cruzeiros, os tuk-tuks, os GO-cars, os estabelecimentos turísticos, a falta de civismo de turistas entre outros. Mancini e Gomes (2017), por meio do portal Euronews, alertam que os residentes da cidade de Lisboa não estão contra o turismo, mas sim contra a especulação imobiliária e os despejos de seus apartamentos para que sejam utilizados como Airbnb ou alojamentos locais.

Para tanto, busca-se conhecer por meio deste estudo, os principais fatos noticiados por um dos principais jornais (em número de tiragem) portugueses, sejam eles positivos ou negativos, e que impactam na vida privada dos anfitriões lisboetas face estudo teórico em hospitalidade, estabelecendo como problemática de pesquisa: “Quais foram as notícias relacionadas a ‘turismo na cidade de Lisboa’ no Jornal Expresso de 20/Abril/2017 a 20/Abril/2018?”.

O estudo está divido em 2 seções teóricas sendo elas: A hospitalidade no território urbano turístico e; A hospitalidade a hostilidade em contexto de excesso de turismo. Em seguida ao marco teórico, apresenta-se o método de estudo, onde esclarecem-se os detalhes de pesquisa e análise do conteúdo selecionado. Os resultados são apresentados na seção ‘Análise de notícias do turismo em Lisboa, Portugal’, a qual é subdividida em subseções de acordo com cada tópico discutido nas notícias coletadas.

 

 

2. A hospitalidade no território urbano turístico

Trata-se de turismo a movimentação e a permanência de pessoas em destinos diferentes de sua origem por mais de 1 noite e menos de 1 ano, atraídos por diversos motivos sejam eles a lazer, negócios, entre outros. Bem como todas as economias necessárias para o atendimento das necessidades do turista durante seu período de deslocamento e permanência na destinação (Acerenza, 2006; Boullón 2006; Beni, 2001).

A realização da atividade turística decorre, sobretudo, em cidades haja vista a presença das diversas estruturas e infraestruturas de maior necessidade dos turistas durante a sua permanência e movimentação dentro desse território, tais como as diversas opções hoteleiras, meios de transportes, restauração entre outras ofertas. Apesar de, em muitos casos, o turismo ser ‘pouco sentido’ pelo município por estar inserido entre outras diversas atividades e setores econômicos (Maxim, 2017; Hayllar, Griffin e Edwards, 2008).

Apesar de se passar em cidades, não significa, porém, que a atividade turística ocorra de igual forma e número por todo um território urbano, mas em áreas menores e bem localizadas dentro de um município classificada por Hayllar e Griffin (2005) como precinct, ou áreas funcionais turísticas, caracterizadas sobretudo pela presença de patrimônios culturais e históricos, centros de compras, de negócios, espaços da boemia, frente mar e etc, e que, por estar em centros urbanos, não exclui do contexto a presença de habitantes locais, de excursionistas, e outras categorias de visitantes, que resultam em diversas possibilidades de contato entre ambas as partes, como representado por Burtenshaw (1991 apud Ashworth e Page, 2011) e visto neste estudo na figura 1 a seguir.

 

 

Antes de buscar compreender as relações “daquele que está dentro com aquele que vêm de fora”, importa compreender as relações dos anfitriões com seu próprio território, o que Andrade (1994) alerta que não se pode confundir com ‘espaço’ ou ‘lugar’, pois está ligado à ideia de domínio ou de gestão de uma determinada área. Portanto, é necessário ligar a ideia de território à ideia de poder, quer se faça referência ao poder público, estatal, bem como ao poder das grandes empresas, até mesmo àquelas que se estendem internacionalmente. Do mesmo modo, a formação de um território permite às pessoas que nele habitam, o sentimento de territorialidade que, de forma subjetiva, cria um sentimento de confraternização entre as mesmas por aproximação ou reconhecimento.

Conforme Haesbaert (2006), o tema território é agrupado dentro de referenciais teóricos ligados ao binômio idealismo e materialismo, levando-se à compreensão dos vínculos sociedade-natureza e das dimensões sociais, econômicas, políticas e/ou culturais. Nesta concepção, o território é entendido por meio do direito do homem aos seus meios materiais de existência, ou fonte de recursos trazendo, portanto, marcas de uma ligação com a terra no sentido físico do termo. Neste sentido, em âmbito social e cultural, o território representa o acesso, o controle e o uso tanto das realidades visíveis quanto dos poderes invisíveis (propriedade da natureza, do espaço) que se traduz nas condições de reprodução da vida dos homens.

Sob o ponto de vista do território como dimensão cultural, Bonnemaison e Cambrèzy (1996 apud Haesbaert, 2006, p.50) apontam para a perspectiva do pertencimento ao território como uma representação da identidade cultural, e portanto, um fator de diferenciação entre outros territórios e populações. Para os autores, o território está investido de valores não apenas materiais, mas também simbólicos e afetivos.

O processo de gestão e produção do território favorece o aparecimento e o desenvolvimento de economias, dentre elas o turismo que, conforme Fratucci (2000, p.121) manifesta-se de diversas formas, modalidades e escalas, subordinado tanto à iniciativa privada, quanto ao estado, assim como às pequenas comunidades organizadas. Para o autor, seu crescimento e reprodução está acima da maioria das atividades humanas, não respeitando fronteiras ou limites territoriais.

A hospitalidade transcorre, sobretudo, quando o relacionamento entre anfitrião e visitante está baseado nos princípios da ética e dos bons-costumes (Camargo, 2004). Telfer (2000) destaca as qualidades da pessoa que possui a intenção da hospitalidade (ou da hospitabilidade) dentre eles o desejo de agradar ao outro decorrente de sua simpatia, benevolência, preocupação e/ou compaixão, desejo de conhecer as necessidades do outro, o desejo de entreter ou ajudar ao outro, o desejo de ter companhia ou de fazer amigos, entre outros.

Neste sentido vale destacar o que diz Lashley (2000) em que, apesar de ser una, a hospitalidade é observada em diferentes domínios do relacionamento humano sendo eles privado/doméstico, cultural/social e comercial, no entanto apenas a combinação entre os três domínios geram, de fato, a possibilidade da gestão das experiências em hospitalidade.

A interpretação da teoria de Lashley (2000) permite compreender que, a hospitalidade em ambiente urbano e face à demanda turística é observada durante o período de relacionamento humano em que o turista está deslocado de sua origem e portanto, durante todos os ‘momentos da verdade’ em que há o relacionamento com seu anfitrião, não somente em ambiente de serviços hoteleiros, de restauração, de transporte (domínio comercial), mas também nas ruas nos momentos descontraídos da visitação turística, nos momentos em que há o encontro e o relacionamento entre anfitrião e turista.

 

 

 3. A hospitalidade e a hostilidade em contexto de excesso de turismo

Esta seção inicia-se com a questão levantada por Craik (2009), ‘existem limites culturais para o turismo?’. A autora se refere aos possíveis impactos que a atividade turística massificada possa gerar a uma comunidade receptora e que, portanto, torna-se um possível obstáculo ao desenvolvimento sustentável dessa atividade. Discussões com base nessa temática não são novas. Miossec (1976 apud Pearce, 1979, p.264) já alertava para as ‘fases finais’ do desenvolvimento de territórios turísticos que, conforme visto na figura 2 a seguir, trata-se de um contexto de total turismo e de saturação do destino, momento descrito pelo autor como de possível crise e perda de turistas, em busca de destinos menos saturados por diversos motivos, seja por excesso de turismo, seja por questões de preços de alojamentos entre outros serviços.

 

 

Medidas de mitigação de ‘total turismo’, descritos por Miossec (ibid.) prevê o desenvolvimento de planos de salvaguarda de recursos ecológicos, por outro lado, no modelo de Mathieson e Wall (1982) observam-se impactos turísticos nos campos econômicos e sociais (além de ambientais), sugerindo-se uma série de planos de controle o que, no final, pode impactar na própria procura do destino por turistas.

Tais impactos ao destino podem influenciar diretamente na própria disposição dos anfitriões em receber e oferecer hospitalidade ao turista, passando os relacionamentos entre anfitriões e turistas para o campo das hostilidades. Ainda nos anos de 1970, Doxey (1975) já explicava por meio de seu Irridex – índice de irritação com o turismo, que a aceitação do anfitrião tinha ‘algum limite’, cujos sentimentos face ao turismo estendiam-se de euforia a antagonismo, na medida em que aumentavam-se o número de turistas e os possíveis impactos na destinação.

Combinando-se Doxey (1975)[2] e Butler (1980)[3], nota-se que ambos utilizam o fator ‘tempo’ e o fator ‘número de turistas’, levando a uma possível interpretação que, necessariamente, o desenvolvimento de um destino e chegada de mais turistas, leva ao antagonismo ao turismo pelo anfitrião.

No campo da hospitalidade, o que se tem observado é que, as relações ocorridas entre anfitriões e turistas geram a possibilidade de um momento de hospitalidade, quando o turista sente-se bem recebido na destinação em que visita, ou, de hostilidade sendo este o processo contrário (Gotman, 2001) o que pode ocorrer, como visto em Haesbaert (2006), quando sentimento de pertencimento e posse de um território carregado de valores culturais, simbólicos e afetivos daqueles que nele habitam, transformam em ‘invasor’ todos aqueles que não estão inseridos ou não compartilham dos mesmos costumes e tradições, especialmente quando o anfitrião vê no turismo uma potencial atividade que gera o sentimento de ‘invasão’ por meio do que é chamado de “excesso de turismo”.

Vergara Constela (2013) destaca que um dos processos de impacto do excesso de turismo sobre um território é a gentrificação (exclusão social), que representa um estágio de renovação nos usos do território, bem como renovação populacional que inicia-se com a expulsão dos moradores tradicionais, cujo efeito a médio e longo prazo é a alteração cultural do território e, portanto, alterações no modo como o território acolhe ou recebe culturalmente o visitante ou o turista, alterando-se, ao fim, em sua hospitalidade.

Desse modo, Fistola e La Rocca (2017) alertam que o turismo é uma atividade econômica complexa e que depende de fatores endógenos para gerar efeitos exógenos, ou seja, precisa de um território, de atrações, de facilidades em transportes, alojamentos, cultura, hospitalidade e etc., para conquistar a atenção de seu público-alvo, fluxo de turistas e investimentos externos. No entanto, não é difícil ocorrer uma sobrecarga no sistema urbano, causando impactos negativos, sobrecargas no sistema de transportes, ocupação do espaço, gentrificação e, por fim, um mau funcionamento nas cidades.

Responsáveis pelo crescimento sustentável da atividade turística, bem como da própria cidade, Buhalis (2000, p.99) sugere a roda dinâmica dos stakeholders do turismo, indicando que todos os stakeholders do turismo, ao mesmo tempo em que possuem benefícios vindos da atividade, possuem também responsabilidades para o crescimento sustentável da mesma. No entanto, naturalmente, cada stakeholder buscará ampliar seus benefícios o que, inevitavelmente, em algum momento levará a conflitos com outros stakeholders, o que pode comprometer os objetivos do desenvolvimento sustentável em destinos.

O autor (ibidem) sugere quatro objetivos estratégicos de gestão, marketing e promoção da destinação sendo eles: a) Garantir a prosperidade de longo prazo para os habitantes locais; b) Agradar ao turista maximizando sua satisfação; c) Maximizar os lucros das empresas locais e maximizar seus efeitos multiplicadores; d) Otimizar os impactos do turismo, garantindo a sustentabilidade entre benefícios econômicos e custos ambientais e socioculturais (Buhalis, 2000).

Tais impactos territoriais são detalhados por Colomb e Novy (2017, p.19-20), dividindo-os em 4 campos distintos, mas complementares, sendo eles;

  • Econômico: Mudanças nas demandas de mercado por bens e serviços, perdas de pequenos negócios locais em detrimento de grandes redes internacionais, acréscimo de rendas comerciais e preços ao consumidor, acréscimo de alojamentos turísticos, entre outros;
  • Físico: Deterioração de espaços e praças públicas (vandalismo), privatização de espaços públicos, disrupção estética da aparência de comunidades, pressões ambientais, conflitos no uso do território urbano e edificações;
  • Social e Socioeconômico: Excesso de desenvolvimento, ‘grilagem de terras’, despejos forçados, gentrificação, comercialização e distorção cultural, Comportamento invasivo dos turistas, problemas de ordem pública, repreensões policiais;
  • Psicológico: Perda da diversidade cultural, homogeneização, mudanças demográficas e conflitos entre comunidade anfitriã e turistas, ou moradores de longo prazo, sentimento de alienação ou de deslocamento em espaços familiares, sentimento de frustração e perda do sentimento de pertencimento.

Partindo deste contexto, o presente estudo propõe compreender a atividade turística em uma destinação urbana, especialmente os efeitos que essa atividade possa exercer na vida do anfitrião, o que pode alterar sua disposição em receber o turista, incidindo na hospitalidade. Na seção metodologia a seguir, abordam-se detalhes de pesquisa.

 

 

4. Metodologia

O presente estudo de característica qualitativa e exploratória partiu dos conceitos de hospitalidade, do turismo urbano e de território em livros e artigos nos campos do turismo, da hospitalidade e da geografia para apoio à compreensão da atividade turística na capital portuguesa, Lisboa, classificada por World Travel Awards (2018) como uma das principais cidades do mundo para o turismo e que, ultimamente, discute-se questões relacionadas ao excesso de turismo devido ao seu desenvolvimento e crescimento turístico. Com os conceitos estudados, estabeleceram-se as duas seções teóricas apresentadas anteriormente.

Em seguida, a segunda etapa de pesquisa previu a compreensão dos efeitos do turismo na cidade de Lisboa (Portugal), por meio de análise de materiais de mídia jornalística cuja pesquisa iniciou-se em 21 de abril de 2018, selecionando-se o jornal português ‘Expresso’, classificado pela Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT, 2018) como o segundo jornal de notícias com maior tiragem de Portugal (atrás do jornal Correio da Manhã) porém, o jornal mais vendido no país.

No portal desse jornal buscou-se, no campo de pesquisa, as palavras-chave ‘turismo’ e ‘Lisboa’, com intervalo temporal de 1 ano estendendo-se de 20/04/2018 até 20/04/2017, obtendo-se um total de 352 notícias. No entanto, notou-se que nem todas as notícias tratavam necessariamente de turismo e, em Lisboa. Sendo necessária uma seleção das notícias que estivessem dentro do escopo proposto de estudo, restando um total de 62 notícias que correspondessem ao tema, e ao local estudado.

A análise dos conteúdos obtidos nessa etapa pautou-se na teoria de Bardin (2011), que contemplou a exploração dos resultados obtidos e a categorização dos conteúdos coletados, organizando-se entre si os temas que apresentassem semelhanças e resultando nas categorias: a) Assuntos imobiliários; b) Atrações turísticas e (infra)estruturas de Lisboa; c) Turismo, empregos e renda; d) Informativo sobre desenvolvimento do turismo.

Com base na categorização dos conteúdos obtidos, estabeleceram-se, para cada categoria, subseções temáticas analisando-se os conteúdos obtidos por meio das notícias e reportagens obtidas, apontando-se os temas positivos e negativos relacionados ao turismo lisboeta, especialmente aqueles que oferecessem impactos diretos ao cotidiano do anfitrião e na qualidade do turismo e de vida de Lisboa, sendo observado como uma possível ameaça à disposição do mesmo em apoiar a atividade turística em sua cidade e consequentemente em receber o turista, revelando-se a possibilidade da inospitalidade, sendo esta a carência da hospitalidade, ou da hostilidade sendo este o processo contrário da hospitalidade (Gotman, 2001).

Para a análise e descrição dos conteúdos obtidos nas subseções temáticas a seguir, optou-se apenas por apresentar e analisar o conteúdo das notícias, indicando-se o jornalista responsável pela publicação seguida da data da publicação, para que não houvesse congestionamento ou excesso de citações nas referências bibliográficas com a mesma fonte de publicação e autoria, o jornal Expresso e seus jornalistas. Para isso, o leitor poderá, caso necessário, acompanhar o quadro ‘apêndice’ ao final deste estudo, contendo o título de cada matéria, a data de publicação, a autoria, o caderno jornalístico onde a matéria foi publicada, um breve resumo de cada notícia e, o link onde este conteúdo está disponível.

Além da análise de conteúdo de Bardin (2011), as análises das notícias coletadas do jornal Expresso se apoiarão também na teoria de Laville e Dionne (1999), onde prevê-se a validação da teoria aplicando-a face a realidade observada e reportada, nomeada pelos autores de emparelhamento. Ao final, as análises dos conteúdos obtidos, face a teoria estabelecida, levarão às considerações finais, onde apresenta-se o alcance dos objetivos propostos e resposta à problemática de pesquisa.

 

 

5. Resultados e Discussão

O turismo português que, em 2017, obteve um importante destaque como vencedor do World Travel Awards, que o classifica como melhor destino turístico daquele ano, teve também a sua capital, Lisboa, nomeada entre as World’s Leading City Break Destination 2017, como também nos anos de 2013, 2010 e 2009. Lisboa também foi nomeada em 2017 e 2016 como Europe’s Leading Cruise Port, e como Europe’s Leading Cruise Destination em 2016 (World Travel Awards, 2018)

Por conta do desenvolvimento turístico da capital portuguesa, e do destaque adquirido por órgãos de reconhecimento e premiação, Portugal e a capital, Lisboa, registraram o melhor ano de sempre no turismo, conforme aponta a publicação Observatório do Turismo de Lisboa de fevereiro de 2018. Portugal registrou taxa média de ocupação hoteleira de 71%. Lisboa, por sua vez, obteve taxa de ocupação de 80% no mesmo ano (Turismo de Lisboa, 2018).

Garrido (2018) do jornal Público de Portugal destaca que Lisboa recebe 4,5 milhões de turistas por ano, existindo cerca de 9 turistas por cada residente, e cerca de 300 turistas por km² e, figurando entre as 5 cidades europeias que mais rapidamente crescem como destino de turistas internacionais, juntamente a Hamburgo, Berlim, Istambul e Copenhagen (Lusa, 2016).

Deste modo, buscou-se reunir, num intervalo temporal de 1 ano (de 20/04/2017 a 20/04/2018), as notícias acerca da atividade turística em Lisboa no jornal Expresso, permitindo compreender quais os principais tópicos discutidos relacionados ao turismo na capital portuguesa, obtendo-se um total de 62 notícias. Na figura 3 a seguir, observa-se que os meses que obtiveram maior destaque no noticiário em turismo são maio/2017 com 10 textos, setembro/2017 com 9 matérias e, março de /2018 com 7 textos.

 

 

Os temas discutidos foram organizados e categorizados, permitindo a combinação dos conteúdos em categorias para análises. Na figura 4 a seguir, observa-se a organização das categorias e subcategorias com suas respectivas quantidades de notícias coletadas, destacando-se os assuntos imobiliários, tal como a oferta e demanda por casas e apartamentos disponíveis em aplicativos como Airbnbs, ou de alojamentos locais que recebeu, no total, 23 notícias ou textos publicados no jornal dentro do período considerado neste estudo.

 

 

Outro tópico com destaque em número de publicações no período considerado tratou sobre o desenvolvimento turístico em Portugal, tendo Lisboa não necessariamente como foco principal, mas presente entre as análises que, juntamente à cidade do Porto e a região de Algarve, são as principais destinações turísticas de Portugal.

Outros tópicos com menos publicações são atrações turísticas e (infra)estruturas turísticas lisboetas com um total de 14 notícias e, turismo, emprego e renda com um total de 4 notícias.

 

5.1. Assuntos imobiliários

Conforme visto, o tópico assuntos imobiliários recebeu o maior número de publicações e, portanto, a maior atenção por parte dos editores e jornalistas do jornal português, Expresso. Neste tópico, discutiram-se especialmente a valorização imobiliária tanto para venda quanto para aluguel (ou arrendamento, em Portugal), destacado como uma das consequências do turismo de massa, e do crescimento das ofertas de alojamentos como Airbnb e Alojamentos Locais.

As publicações feitas neste tópico, reiteram as observações de Colomb e Novy (2017), pois os efeitos do turismo de massa, especialmente a utilização do imobiliário urbano para uso como hospedagem de turistas, representa ameaça aos habitantes locais nas áreas urbanas turísticas devido aos valores praticados para o aluguel, levando os moradores tradicionais de áreas consideradas ‘turísticas’, a ver no turismo uma atividade que tem tirado de si suas residências.

De acordo com as notícias veiculadas no ano de 2018, observou-se maior arrecadamento em vendas de casas em Lisboa e, em outros 15 municípios portugueses (publicado em 16/04/2018 por Paulo Paixão e agência Lusa, e em 24/03/2018 por Ana Baptista), resultado da crescente especulação imobiliária ocasionada pelo crescimento da plataforma Airbnb em Portugal, especialmente nos meses de verão ou de calor, sendo estes nos intervalos temporais entre verão e primavera e, entre verão e outono. Por outro lado, as reservas de imóveis por Airbnb levaram 3,8 milhões de euros em taxas para Lisboa em 2017 (de 15/04/2018 por Conceição Antunes).

O fato do crescimento dos valores de vendas de imóveis e alugueis em Lisboa, tem levantado discussões com relação aos possíveis limites a serem tratados na câmara lisboeta para os investimentos para alojamentos locais e Airbnbs, como exemplo a duplicação da mensalidade do condomínio para aqueles que utilizam seus imóveis para anúncios no aplicativo de hospedagem, e o estabelecimento de cotas anuais em que o proprietário possa alugar seu imóvel nesses mesmos aplicativos (publicações em 20/03/2018, 03/03/2018 e 30/09/2017, por Ana Baião, Vitor Andrade e Conceição Antunes respectivamente).

Em 01 de novembro de 2017, no caderno de economia desse jornal, a matéria de título ‘temos uma pequena bolha nas mãos’ alertava Lisboa para o crescimento da especulação imobiliária nos principais bairros da cidade, especialmente naqueles onde observa-se o ocorrência do turismo, tais como o Chiado, cuja renda registrada está acima da inflação nacional e, a que mais valoriza-se na Europa (divulgada em 18/08/2017 por Marisa Antunes). Araújo (2017) destaca que, o investimento estrangeiro no setor imobiliário português, tem impulsionado a valorização territorial imobiliária, bem como contribuindo, muitas vezes, para os fatores que acentuam a crise de moradias em Portugal.

Destaca-se, entre as notícias deste tópico, aquela que trata a quase impossibilidade de se viver em Lisboa e Porto devido ao crescimento da especulação imobiliária, lendo-se no título da matéria “viver em Lisboa e Porto. Só para quem pode”, indicando-se um outro problema discutido não só em Lisboa, mas em todo Portugal, na linha da especulação imobiliária para venda e locação de imóveis, os despejos de moradores tradicionais de bairros centrais e históricos das maiores cidades portuguesas (publicado em 10/07/2017, por autor não identificado, tratado como ‘jornal Expresso’ no quadro em apêndice).

O fato da expulsão dos moradores tradicionais, devido aos altos valores dos imóveis nas regiões centrais de Lisboa representa um mau-funcionamento no sistema urbano, que passa a substituir suas populações tradicionais pela habitação de populações flutuantes. No entanto, os despejos de habitantes possui valor simbólico maior quando tratado sob o prisma da territorialidade e do sentimento de pertencimento ao território, especialmente aqueles que nasceram e cresceram em uma dada área urbana e, agora, vê-se obrigado a retirar-se (Fistola e La Rocca, 2017; Haesbaert, 2006).

O tópico ‘assuntos imobiliários’ é um dos principais temas que tratam da hospitalidade, pois percebe-se a desestabilização de um dos principais domínios onde é possível observar a possibilidade do oferecimento da hospitalidade, por meio do encontro do anfitrião que habita aquele espaço, com o turista (pertencente a outro território) de forma dadivosa, baseando-se nos princípios simbólicos do acolhimento ao outro em seu sentido genuíno (Lashley, 2000; Brusadin e Panosso Netto, 2016).

Colomb e Novy (2017), neste sentido, destacam impactos físicos à cidade relacionados à perda de seus moradores mais tradicionais, e a internacionalização dos bairros (ou dos moradores desses bairros), tais como a disrupção estética dos bairros e a gentrificação das cidades.

 

5.2. Atrações turísticas e (infra)estruturas de Lisboa

Neste tópico destacam-se abordagens às atrações patrimoniais entre outras atrações turísticas lisboetas, bem como abordagens às infraestruturas de acesso e mobilidade de Lisboa como aeroportos e o porto e, estruturas diretamente ligadas ao turismo como os hotéis. O assunto alojamentos locais e Airbnb também é destacado nesse contexto, haja vista que esse tópico, especialmente a hotelaria em momentos de eventos em Lisboa, recebe influência direta desses empreendimentos.

De acordo com as publicações, o desenvolvimento turístico da cidade de Lisboa reflete também no aeroporto Humberto Delgado, ou, Aeroporto da Portela devido ao qual a ANA – Aeroportos de Portugal (autoridade responsável pela gestão dos aeroportos portugueses), levando-se a uma série de ações voltadas a absorver essa ‘demanda’, tais como o aumento da capacidade de movimentos no aeroporto passando de 38 para 44 por hora e, a construção do novo aeroporto Montijo (notícia publicada por autor não identificado, destacado como ‘jornal Expresso’ em apêndice, em 16/11/2017).

Lisboa tem se destacado também em seu porto de cruzeiros noticiado pela agência de notícias, Lusa (em 30/09/2017), onde reitera o reconhecimento de melhor porto da Europa. Tal destaque refletiu-se também na hotelaria lisboeta, destacando 2017 como ‘o melhor ano de sempre’ por Joana Mateus (em 18/06/2017), prevendo-se o aumento na oferta hoteleira em Portugal na ordem de 8 mil novos quartos, em 83 novos hotéis (construções novas ou reabilitadas) até o ano de 2018, sendo 32 novos hotéis apenas em Lisboa (Por Conceição Antunes e Marisa Antunes em 05/08/2017 e Conceição Antunes em 04/06/2017 respectivamente).

A abertura de novos hotéis em Portugal e em sua capital, Lisboa, faz-se necessária se observada a notícia veiculada em 06/11/2017 pela agência de notícias, Lusa, onde se lê que os alojamentos locais foram a salvação de Lisboa durante o evento Web Summit, já que os hotéis lisboetas apresentaram 90% de ocupação durante o evento, fazendo seus participantes recorrerem aos alojamentos locais para que pudessem se hospedar na cidade.

Os bons resultados do turismo português, mais especificamente do turismo lisboeta, demonstra o resultado do relacionamento integrado entre todos os stakeholders desta atividade, apesar do desenvolvimento avançado já dar sinais de comprometimento da qualidade em serviços prestados tanto pela infraestrutura aeroportuária, quanto na hotelaria, o que reflete uma possível situação de total turismo conforme adiantado por Miossec (1976 apud Pearce, 1979), porém adaptando-se ao contexto urbano, exigindo-se o planejamento de melhorias na infraestrutura urbana de mobilidade e bem como na hotelaria sem que isso, consequentemente, torne-se um problema para o anfitrião ocasionando, como visto no tópico anterior, especulação imobiliária.

 

5.3. Turismo, empregos e renda

Contudo, o tema ‘atrações’ que também figurou no tópico anterior, teve seu maior destaque no tópico empregos e renda, haja vista que as notícias mais recorrentes abordaram greves ocorridas por baixos pagamentos, bem como pouco investimento nos patrimônios lisboetas como visto em 31/03/2018 (por agência Lusa), onde 60% dos trabalhadores de monumentos, museus e palácios decretaram greve por 2 dias.

A jornalista Ana Baião (em 27/03/2018) já alertava que é seu patrimônio que vende Portugal para o turismo e que, portanto, não estraguem seus ‘retrovisores’, fazendo alusão ao patrimônio que conta a história do país. As preocupações com relação ao elevado uso do patrimônio no turismo, face ao reduzido investimento além dos efeitos do tempo, revelam também crises relacionadas à preocupação devido à deterioração do patrimônio, impactos físicos ao patrimônio urbano ocasionado por vandalismo e superlotação de visitação (Colomb e Novy, 2017)

Apesar das boas notícias vindas do turismo, como as diversas vagas de empregos divulgadas durante o BTL – Bolsa de Turismo de Lisboa no mês de março de 2018 (por Luís Barra em 03/03/2018), e das 20 mil vagas de trabalho criadas com os alojamentos locais em Lisboa em 2016 (autor não identificado, sendo identificado como ‘jornal Expresso’, publicado em 20/09/2017), algumas matérias indicam que os salários caíram e a produtividade estagnou em Lisboa e Algarve, indicando culpa do turismo, cuja discussão são os baixos salários pagos por empresas turísticas (ou ligadas aos turismo) aos seus funcionários, apesar do crescimento do país em turismo e o consequente acréscimo em carga de trabalho (publicado por Joana Pereira Bastos e Henrique Raposo em 12/02/2018 e 03/11/2017 respectivamente).

 

5.4. Informativo sobre desenvolvimento do turismo

No tema ‘informativo sobre desenvolvimento do turismo’, destacaram-se 21 notícias com informações sobre economia do turismo em Portugal, onde buscou-se coletar informativos sobre Lisboa, matérias sobre o possível excesso de turistas em Portugal (com destaque a Lisboa), bem como notícias do desenvolvimento e do destaque português em prêmios como destinação turística e na mídia internacional.

Nesse âmbito, apresentam-se claramente reportagens relacionadas ao desenvolvimento turístico de Portugal, que faz referência ao desenvolvimento do ciclo de vida desse destino europeu, como observa-se em Butler (1980), atingindo-se níveis de maturidade devido aos sinais de massificação da capital portuguesa. No jornal Expresso do dia 20/04/2017, publicado pela agência de notícias, Lusa, com base na empresa de consultoria, PricewaterhouseCoopers – PwC, destaca que a cidade de Porto é a cidade europeia que mais cresce na atividade turística, e destaca que Lisboa segue na 5º colocação o que gerou 3,3 milhões de euros com taxas de turísticas no primeiro trimestre de 2017 para a capital portuguesa (jornalista não identificado, citado como ‘jornal Expresso’, em 22/05/2017).

O crescimento da presença portuguesa entre os destaques no assunto ‘turismo’ culminou, em 01/06/2017 por agência Lusa, no aumento da confiança no setor turístico, alcançando seu maior nível. O crescimento da atividade turística portuguesa também foi destaque na notícia publicada por Isabel Leiria e Joana Pereira Bastos (em 17/06/2017), intitulando-se ‘Turismo: O segredo do nosso sucesso’. Segundo as jornalistas, uma das atividades econômicas responsáveis por ‘tirar Portugal da crise econômica’ foi justamente o turismo.

Tais reconhecimentos foram destacados também por outras matérias publicadas neste jornal como a comparação de Lisboa à Berlim pela rede de notícias CNN (em 07/08/2017 por Conceição Antunes), o reconhecimento de Lisboa e Porto no top das preferências dos turistas europeus (em 09/12/2017 por Margarida Fiúza) e, a eleição de Portugal como o melhor destino turístico do mundo (em 10/12/2017 pela agência de notícias, Lusa), sendo este o período em que houve o reconhecimento de Lisboa e de Portugal por World Travel Awards conforme já mencionado anteriormente.

Já, no ano de 2018, tais reconhecimentos levaram à declaração de Zurab Pololikashbili, secretário-geral da Organização Mundial do Turismo, conforme notícia publicada por Conceição Antunes (em 23/01/2018), de que Portugal tornou-se exemplo para o mundo do que se deve fazer em turismo, sendo o país o escolhido para sua primeira visita oficial, cujo mandato iniciou-se no dia 1 de janeiro de 2018.

O destaque português em suas principais cidades, Lisboa e Porto, revela a possibilidade das diversas relações e encontros entre anfitriões e turistas, tendo em vista as teorias de Hayllar e Griffin (2005) e de Burtenshaw et al (1991 apud Ashworth e Page, 2011), o que eleva as possibilidades das relações de acordo com os princípios éticos da hospitalidade (Camargo, 2004).

No entanto, as reportagens destacadas neste tópico envolvem também discussões acerca do possível excesso de turistas em Lisboa, com 6 notícias em especial, o que revela a possibilidade do antagonismo ao turista segundo Doxey (1975), já que, conforme o índice de irritação ao turismo, ao passo em que a presença de turistas cresce em um dado território, mais contrário à atividade o anfitrião se tornará, alcançando níveis de antagonismo ao turismo e ao turista. Face essa teoria, considera-se a possibilidade apresentada por Vargas, Javier e Ramiro (2018) de estabelecimento de indicadores de capacidade de carga já que Lisboa, apesar de não envolver recursos ecológicos como apresentados no estudo citado, envolve patrimônios históricos e culturais (bem como arqueológicos).

A primeira é datada de 05/08/2017 publicada por Luís Faria cujo título foi: “Isto não é turismo, é uma invasão. Benditos turistas, malditos turistas”. Nesta reportagem, o jornalista Luis Faria destaca que as cidades, incluindo-se Lisboa, reagem ao fenômeno turístico que se encontra cada vez mais intenso.

A segunda e terceira notícias intituladas, “há turistas a mais em Lisboa? Não, talvez, depende...” e, “que Lisboa é esta?” (ambas publicadas por Bernardo Mendonça em 07/09/2017 e 16/07/2017 respectivamente), no período de eleições autárquicas em Portugal, trataram os principais problemas enfrentados por municípios portugueses, dentre eles o turismo massificado e a possibilidade de Lisboa e Porto passarem a ter os mesmos problemas com turismo que Barcelona e Veneza, haja vista o excesso de turistas nessas cidades e a falta de critérios e regulamentações para as visitações.

O Ministro de Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva (publicado em 16/11/2017 pela agência de notícias Lusa) e, a secretária de estado do Turismo, Ana Mendes Godinho (publicado em 03/03/2018 por Conceição Antunes) rejeitam que hajam turistas a mais em Portugal. Para o Ministro, Lisboa já se encontra na linha de frente do turismo mundial, mas, ainda há espaço para mais turismo. A secretária de estado do Turismo, por sua vez, destaca os ganhos de Lisboa com a atividade turística e ressalta a importância de ampliar esses ganhos para fortalecer a economia, recém-saída de crise.

E por fim, destacam-se também as falas de Jorge Rebelo de Almeida, presidente da rede hoteleira Vila Galé, publicado por Conceição Antunes (12/11/2017). O presidente da rede Vila Galé afirma que, cada um deveria fazer sua parte para levar os turistas para o interior português, aproveitando a boa fase do turismo lisboeta. Essa fala representa uma estratégia para ‘desafogar’ o centro histórico lisboeta, principal ponto de visitação turística, fazendo os visitantes conhecerem outros pontos de Portugal, especialmente o entorno da capital portuguesa.

 

 

6. Conclusão

Por meio deste estudo, observaram-se as principais notícias relacionadas à atividade turística na capital portuguesa, Lisboa, publicadas por um dos jornais de maior tiragem de Portugal e, portanto, presente em muita das casas das famílias portuguesas. Notou-se, portanto, a importância da atividade turística para Portugal, e os principais tópicos discutidos sejam eles positivos ou negativos relacionados à esta atividade econômica.

Conforme proposto por meio da problemática de pesquisa, observou-se que Lisboa ainda colhe os frutos do desenvolvimento turístico, com o alcance de excelentes resultados e índices turísticos, bem como ganhando o reconhecimento de órgãos turísticos internacionais, posicionando Lisboa entre as mais importantes cidades turísticas do mundo.

Com base no já citado estudo de Craik (2009), em que a autora se questiona se há limites culturais para o turismo, nota-se que a hospitalidade também apresenta limites para essa atividade, haja vista que, quanto mais impactos negativos apresentados pelo turismo, e quanto mais esses impactos são sentidos na vida privada dos anfitriões, mais a hospitalidade está comprometida nessas áreas, apresentando-se em forma de hostilidade aos turistas. Anteriormente tratado por Doxey (1975) na forma de ‘antagonismo’ ao turismo.

Esses impactos negativos à vida privada dos anfitriões, foram tratadas nos jornais especialmente sob a forma da subida de preços dos aluguéis dos imóveis em áreas ‘turísticas’ lisboetas, o que tem ocasionado frequentes despejos na capital portuguesa, para que o imóvel seja anunciado em outras plataformas de locação com foco ao turismo. Outros temas tratados nos jornais foram os aumentos de preços não só dos produtos do dia a dia, mas de imóveis para compra e aluguel.

O tema tratado neste estudo é de considerável sensibilidade, já que, atualmente, destacam-se discussões de ações para que cidades consideradas de elevado valor turístico, não se juntem à Barcelona e Veneza como cidades em que começam a se destacar efeitos negativos em detrimento dos positivos, devido ao elevado número de turistas, e os efeitos que isso ocasiona nas cidades.

O presente estudo lançou as primeiras impressões dos impactos negativos do turismo excessivo sobre a disposição do anfitrião em receber o turista em sua cidade, considerando os principais impactos sentidos no âmbito de sua vida privada e impactos em seu dia a dia. E recomenda-se, futuramente, a realização de estudos que tratem de outros destinos, especialmente aqueles que sofrem os maiores impactos vindos do turismo, como Barcelona e Veneza.

 

 

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[1] Disponível em: http://www.lisboa-does-not-love.com/pt

[2] Índice de irritação com o turismo – IRRIDEX (Doxey 1975)

[3] Modelo de ciclo de vida de destinos turísticos – TALC (Butler 1980)

 

Apêndice: Notícias coletadas no Jornal Expresso, de 20/04/2017 a 20/04/2018

 

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