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GOT, Revista de Geografia e Ordenamento do Território

versão On-line ISSN 2182-1267

GOT  no.6 Porto dez. 2014

https://doi.org/10.17127/got/2014.6.008 

ARTIGO ORIGINAL

 

Solo agrícola e agricultura em espaço urbano: dinâmicas. O exemplo de Évora[1]

 

 

Freire, Maria1; Ramos, Isabel2

1Departamento de Paisagem, Ambiente e Ordenamento (DPAO),  Escola de Ciências e Tecnologia (ECT), Centro de História de Arte e Investigação Artística (UE-CHAIA), Universidade de Évora (UE); mcmf@uevora.pt 

2Departamento de Paisagem, Ambiente e Ordenamento (DPAO),  Escola de Ciências e Tecnologia (ECT), Centro de Estudos de Sociologia (UNL-CESNOVA), Universidade de Évora (UE); iar@uevora.pt  

 

 

RESUMO

O objetivo do artigo é melhorar o entendimento sobre o significado da componente agrícola em espaço urbano para as sociedades e perspetivar estratégias no sentido de promover o património solo agrícola e a permanência e sustentabilidade do uso agrícola em espaço urbano.

A metodologia de trabalho seguida compreende a análise da dinâmica de evolução urbana, associada à presença da agricultura em espaço urbano em Évora, numa perspetiva que inclui o seu significado nos domínios históricos, sociais, económicos, ecológicos e estéticos.

Palavras-Chave: agricultura, espaço urbano, solo agrícola, paisagem global

 

ABSTRACT

The aim of the article is to improve the understanding of agriculture in urban areas for societies and to outline strategies to promote agricultural soils patrimony and the maintenance and sustainability of agricultural use in urban space.

The methodology followed includes the analysis of the urban dynamics, related with the presence of agriculture in the urban area of Évora, in a perspective that includes its significance in historical, social, economic, ecological and aesthetic domains.

Keywords: agriculture, urban space, agricultural soils, global landscape

 

 

1. Introdução

A afirmação económica da cidade foi desde sempre acompanhada por uma significativa componente agrícola, assegurada nas áreas de maior proximidade ao núcleo urbano, em situações mais baixas e assim mais frescas e em solos mais férteis. Nas paisagens mais meridionais, entre esses espaços incluíam-se as tipologias de hortas, pomares, ferragiais, olivais, vinhas e as quintas, onde se produziam os produtos fundamentais para abastecer a cidade de frescos e matérias primas, comercializados pela atividade mercantil. No presente, muitas destas tipologias ainda perduram nos nossos espaços abertos, uma presença que é ainda reforçada pela toponímia.

Mais recentemente, a agricultura em espaço urbano expressa-se com objetivos e modos de realização distintos da agricultura tradicionalmente praticada nos campos agrícolas ligados à cidade. Correspondem-lhe ocorrências espontâneas ou organizadas, em espaços públicos ou privados, individuais ou coletivos e localiza-se dentro do perímetro urbano ou na periferia, uma atividade agrícola que inclui agricultores a tempo parcial ou total e com ou sem preparação técnica e/ou científica.

O objetivo da investigação é melhorar o entendimento sobre o significado da componente agrícola em espaço urbano para as sociedades e perspetivar estratégias no sentido de promover o património solo agrícola e a permanência e sustentabilidade do uso agrícola em espaço urbano.

Se, no passado, a componente agrícola urbana estava intrinsecamente ligada aos domínios sociais e económicos, no presente relaciona-se ainda com os domínios ecológicos e pedagógicos. Esta presença traduz-se assim numa maior proximidade à natureza, como forma de procura de maior qualidade de vida urbana, combinando-se com os anteriores domínios sociais e económicos, desde sempre mais pronunciadas em tempo de crise.

Reconhecem-se que são muito diversas as dificuldades de implantação e manutenção de atividades agrícolas em espaço urbano. Desde a não integração da função produtiva agrícola no ordenamento e planeamento urbano (planos diretores, planos estratégicos, planos de urbanização e planos de pormenor), às dificuldade de acesso aos terrenos vazios (devolutos ou onde as anteriores funções/atividades entraram em processo de decadência e/ou abandono), aos obstáculos legislativos que se relacionam com a valorização dos solos com maiores potencialidades para a produção de biomassa em espaço urbano e, naturalmente ainda, aos conhecidos problemas relacionados com o acesso à água.

Argumenta-se nesta investigação a necessidade de legitimar a maior visibilidade que a agricultura urbana tem vindo a ganhar, através de um enquadramento legal que garanta maior operacionalidade desta função em espaço urbano. Assim, por um lado lança-se o desafio da ativação de políticas públicas, que não só legitimem a função produtiva na cidade, integrando-o entre as funções urbanas, como favoreçam a sua reconversão funcional, fundamental no solucionar de alguns problemas urbanos decorrentes de opções irracionais e/ou especulativas; por outro lado, esse desafio sustenta-se no pressuposto da necessidade de dinâmicas integradas, com articulação dos várias domínios que estão associados à presença da agricultura em espaço urbano – os económicos, sociais, culturais e ecológicos.

A metodologia de trabalho seguida compreende a análise da dinâmica de evolução urbana, associada à presença da agricultura em espaço urbano, numa perspetiva que inclui o seu significado nos domínios históricos, sociais, económicos, ecológicos e estéticos. Uma pesquisa que é centrada no caso-estudo de uma cidade antiga, de média dimensão, localizada no interior sul de Portugal – a cidade de Évora.

 

 

2. Conceitos

A investigação assenta em três conceitos basilares – o de agricultura, o de solo agrícola e o de urbano-rural –, noções que refletem o espaço, os recursos, as atividades e os atributos que se envolvem e aprofundam na temática tratada.

Agricultura compreende a atividade que consiste em cultivar a terra para dela se obterem vegetais úteis ao Homem (frutas, legumes, hortaliças,...) e/ou à criação de animais. Uma produção que pode ser de mercado ou de autoconsumo.

Solo agrícola é o recurso a que se associa a atividade agrícola ou a matéria prima para o cultivo de alimentos. Compreende os solos com maiores aptidões para a produção de biomassa e, simultaneamente, os solos particularmente importantes sob o ponto de vista ecológico, económico e social, dado constituírem o produto da dinâmica integrada entre agentes físicos e processos humanos.

O conceito de urbano/rural (ou de cidade/campo), traduz dicotomias, e muitas vezes oposições, relativas à paisagem, entendida enquanto espaço, cultura, economia, tradições, modos de vida, etc. No rural (ou no campo) supõe-se ser a agricultura o suporte principal da economia sendo o atributo cultural da sociedade que se inscreve no território marcado pela atividade agrícola (Domingues, 2011). Uma concepção que na atualidade é mais integrada ao verem-se-lhe valorizadas outras funções (culturais, recreativas, proteção,...). O urbano (ou a cidade) envolve outras funções principais (económicas, sociais, políticas, culturais), outras atividades dominantes (comerciais, recreativas, educativas,....) e traduz sempre o domínio do ambiente construído, inerte e do artificial, sobre as características naturais do território. Esta concepção é cada vez mais contrariada pela teoria e pela praxis, em termos de planeamento da paisagem urbanizada, ao se considerar o funcionamento dos espaços e estruturas dentro de um sistema global integrado - natural e cultural - de que são exemplificativos os trabalhos e/ou investigações de Hough (1995), Ruano (1999), Forman (2004) Waldheim (2006) e, entre nós, os de Telles (1996), Magalhães (2001) e Batista (2009). Em síntese, tratam-se de dois universos que nos remetem para a ideia de transformação – são identidades mutáveis, considere-se o rural ou o urbano (tradicional ou contemporâneo) ou o metamorfosear do rural em urbano.

Globalmente, toda a abordagem ao tema agricultura em espaço urbano aprofunda-se noutros dois conceitos – o de paisagem global e o de património – dada a perspetiva de integração de espaços, de uso e de valores que rege a leitura que fazemos. A paisagem global pressupõe a inexistência de barreiras rígidas entre espaços urbanos e rurais, reconhecendo as interdependências entre estes, com apelo à dissolução gradual da distinção cidade, periferia e campo, incentiva a interligação entre elementos vivos e inertes e resgata o retorno à ideia de continuidade da paisagem e à sua multifuncionalidade (Telles, 1996). O conceito de património é explorado na perspetiva em que se valoriza o bem-comum, associado ao recurso solo agrícola, à memória coletiva e à identidade da paisagem. É com base nestes pressupostos que se procura legitimar a presença de usos agrícolas em espaço urbano, através da integração e dinamização de uma nova função na cidade, expressa na inclusão de áreas agrícolas no modelo de desenvolvimento urbano.

 

 

3. O espaço urbano e a agricultura

As atividades agrícolas estiveram sempre presentes nas cidades e expressaram, ao longo dos tempos, um importante significado económico (Marques, 1968; Beirante, 1995; Donadieu e Fleury 2003). Correspondem-lhe produções de natureza agrícola e pecuária, decorrentes de iniciativas das comunidades urbanas e também das rurais envolventes à cidade; com efeito, nas cidades mediterrânicas a economia urbana inclui a do seu espaço em redor (Beirante, 1995; Caldas, 1994; Donadieu e Fleury 2003). A cidade vernacular envolvia assim uma relação complementar com a sua envolvente rural, onde imperaram os determinismos naturais (derivados do meio natural) e os culturais (económicos, sociais e históricos, de entre os quais se realça a disponibilidade de mão-de-obra).

Cultivavam-se então, no interior protegido da cidade bem como na sua periferia (mais rural ou de carácter mais agrário), cereais, produtos hortícolas e frutícolas e ocorria a criação de animais (bovino, ovino, suíno, equino, caprino e aves, entre outros). Os produtos resultantes dessas atividades agropecuárias – que expressam um carácter marcadamente intensivo – eram usados para autoconsumo ou eram inseridos no mercado local, uma vez que a cidade era um importante centro de consumo, consistindo o comércio desses produtos uma importante fonte de rendimentos dos habitantes (Beirante, 1995).

A essa presença produtiva associa-se um padrão paisagístico singular que evolui sob a ação conjugada de fatores naturais (topografia, solo, água, topo-clima e vegetação) e humanos (os culturais, expressos na estrutura da propriedade, na rede de caminhos/vias ou na ocupação do solo):

  • no interior da cidade integram-se espaços da tipologia horto-pomar, que asseguraram importantes funções produtivas e sociais ao longo do tempo. Esta presença acompanha diversos elementos urbanos, seja na agregação e organização dos lotes e edifícios em sistema fechado (os quarteirões) deixando livre o interior privado ou semi-público (onde ocorrem hortos, pomares e jardins), seja na construção de edifícios com logradouro (ou o designado quintal, onde está presente a horta, o pomar e/ou o pequeno jardim), ou ainda nas situações mais férteis, periféricas ao interior dos recintos muralhados (Figura 1);
  • fora do perímetro da cidade o padrão decorre das características naturais (frequentemente situações mais aplanadas e baixas, por isso mais húmidas e solos mais férteis) que se harmonizam com dois agro-sistemas singulares (o ager e o saltus) bem como com a estrutura da propriedade:
  • o primeiro, na envolvente imediata da área urbana, desenhava um aro bem delimitado de campos abertos, agrícola, compartimentado, onde se situam as hortas, as quintas, os pomares, os ferragiais mas também frequentemente a vinha e o olival. A esta área mais fértil e viçosa corresponde uma malha densa e de pequenos prédios rústicos, de exploração agrícola e pecuária, onde é comum a presença do edifício destinado à habitação. Nessa estrutura, frequentemente murada ou simplesmente vedada, de proteção, dominavam as culturas mimosas e de bom rendimento, aquelas que requeriam bastante mão de obra e vigilância constante. Correspondem-lhe assim pequenas unidades de cultura, intensivas, onde estavam presente os legumes, as frutas e também algumas vezes os cereais (Figura 2);
  • numa situação mais afastada à cidade, e imediatamente após o mencionado primeiro aro, expressa-se um espaço mais amplo de malha mais larga, onde a produção é assim extensiva e onde impera a produção de cereais, os prados e a mata (Figura 2).

 

 

 

 

Só mais recentemente, a partir do processo de industrialização, é que esse equilíbrio foi mais comprometido, resultado de um conjunto de novos valores, fenómenos e dinâmicas. É assim a partir do final do século XIX que se inicia o fenómeno de expansão contínua e mais acelerada da cidade, a que se associam quebras significativas no mencionado equilíbrio, resultado de alterações muito profundas a vários níveis (ecológicos, sociais, económicos e estéticos). Da economia agrária passou-se a uma economia industrial, com consequente alteração da paisagem, expressa nos valores, na emergência de novos fenómenos urbanos e modos de vida; crescimento e dispersão de habitação e de atividades produtivas e transformadoras, consumo em massa, explosão de serviços e de comércio, crescente significado da mobilidade e afastamento das populações urbanas da produção de alimentos e da natureza, encontram-se entre as principais dinâmicas sentidas - mudanças que configuram a passagem de uma sociedade predominantemente rural para uma outra, marcadamente urbana (Batista, 2009). Tal reorganização económica e social deu lugar a configurações espaciais e estruturais marcadas pela acentuada fragmentação, descontinuidade e mesmo destruição da estrutura ecológica, mas também da estrutura cultural, expressos numa significativa destruição dos solos e profunda alteração do seu uso, na perda da biodiversidade da paisagem e eliminação de elementos e estruturas do património urbano e rural.           

Como antes referido, ainda que haja alguma especificidade quanto ao tipo de atividades associadas à paisagem com características mais urbanas ou rurais, a construção milenar da paisagem incluiu sempre uma certa diversidade de atividades e funções, com consideração das suas especificidades e valores – ao espaço urbano atribui-se um papel político-administrativo, socioeconómico e cultural; e ao espaço rural é atribuído o papel de produção de alimentos, que abastece o espaço urbano, em conjugação com outras funções, como as de proteção e de recreio. A essas paisagens multifuncionais tradicionais associa-se assim uma estrutura, um significado e uma certa ordem e equilíbrio. Uma combinação que é resultante de processos naturais, que configuram a estrutura ecológica que caracteriza um dado espaço (referimo-nos à matriz geológica, hidrológica e biológica) e da manipulação e adaptação operada pelo Homem nesse suporte, que configura a estrutura cultural (referimo-nos à matriz histórica, arqueológica, social e económica) (McHarg, 1969; Magalhães, 2001).

Globalmente, a rápida urbanização das últimas décadas tem sido acompanhada por problemas graves ao nível da transformação do território e da construção da paisagem urbana – expressos numa artificialização antes impensável, numa fragmentação do espaço edificado e não edificado, numa forte separação da sociedade da natureza, numa quase total impermeabilização do solo, com destruição dos solos mais férteis, no desemprego e pobreza, e numa diluição (ou mesmo desvalorização) da imagem da cidade e da sua sustentabilidade.

Consequentemente, surgiram políticas de ordenamento e gestão do território que promovem a organização do espaço concelhio e espaço urbano num determinado horizonte temporal, designadamente os Planos Diretores Municipais (PDM) e os Planos de Urbanização (PU). A que acrescem outros instrumentos que visam proteger legalmente os solos de maior capacidade agrícola e outras áreas de elevada importância ecológica. Em Portugal, essas preocupações determinaram a publicação das leis relativas à Reserva Agrícola Nacional (RAN, 1982) e à Reserva Ecológica Nacional (REN, 1983).[2] Pretendia-se que, em conjunto, estas duas condicionantes ao uso do solo travassem a utilização desregrada de áreas de elevado valor natural, levando a um maior respeito pelos seus valores. Foi, no entanto, a partir de 1990 que estas condicionantes passaram a ter maior força legal, ao ser determinada a obrigatoriedade de todos os municípios aprovarem o seu PDM e integrarem nas cartas de condicionantes essas duas áreas de Reservas. Contudo, como veremos adiante, nem sempre a sua eficácia foi (é) visível, dada a imediata desafetação destas áreas daquelas reservas, sempre que integrassem áreas interiores ao perímetro urbano (portanto a sua exclusão das áreas que integram o PU).

Simultânea à mencionada urbanização das últimas décadas e às preocupações com o que consideramos o bem comum solo, têm-se vindo a observar um ganho de visibilidade (mais do que renascer do interesse) da agricultura em espaço urbano.

A agricultura urbana envolve agora uma produção predominantemente de autoconsumo, familiar e, com menor expressão, de base empresarial, mais técnica e científica. Desenvolve-se de forma espontânea ou organizada, em espaços públicos ou privados, individuais ou coletivos, com uma localização que é sobretudo interior ao perímetro urbano, mas que também pode ocorrer na periferia.[3] Praticada em áreas relativamente pequenas, realiza-se por agricultores a tempo parcial ou total, com poucos conhecimentos técnicos, uma vez que essa não é (ou não era) a sua atividade principal (Pinto, 2007). Estas áreas são, agora, cada vez mais procuradas por parte das populações de características urbanas.

Os argumentos invocados para o incentivo e incremento das práticas de agricultura urbana incluem (e muitas vezes articulam) princípios ecológicos, socioeconómicos e culturais. No essencial, decorrem das ideias que integram o ambiente natural na cidade e de preocupações sociais, relacionadas com a necessidade de obtenção de alimentos básicos a uma população específica. Demonstram-no as preocupações ou argumentos umas vezes mais centrados:

  • nos processos naturais e/ou biológicos, especialmente manifestados nas questões ecológicas ou ambientais (manutenção da área permeável, redução de combustíveis fósseis, aumento da fertilidade e biodiversidade urbana);
  • outras em questões sociais e económicas (autoconsumo, combate à pobreza);
  • e, mais pontualmente, relacionam-se com questões culturais (transmissão de um saber fazer, de um modo de ser, identidade de um povo, espaço de refúgio e de descanso, de observação dos ritmos da natureza, educação ambiental e na procura de uma vida mais saudável, muitas vezes assente na produção biológica).

 

 

4. A cidade de Évora

4.1 Agricultura e a cidade – dinâmica e evolução

Évora é uma cidade portuguesa antiga, de interior e de média dimensão, essencialmente terciária, resultado de um processo de transformação que foi ocorrendo ao longo dos séculos. O território em que se inscreve foi desde sempre privilegiado com água suficiente para a exploração agrícola e a criação de gado, reunindo assim boas condições para a criação de uma cidade. Apesar dos muitos vestígios romanos, não é possível afirmar que o território se organizava segundo uma trama ortogonal e regular romana, supondo-se que as terras se organizavam de acordo com as atividades nelas desenvolvidas e delimitadas por elementos naturais, determinando uma divisão de propriedade irregular, adaptada à paisagem e ao valor do espaço. Coexistem a grande e a pequena propriedade (esta sobretudo a norte) e a agricultura adquire particular importância (sendo os cereais e a vinha as culturas dominantes) (Ramos, Sobral e Abreu, 1997).

A partir do século XIII, Évora começa a definir com maior precisão o seu termo, respeitando os limites naturais – fluviais e orográficos. No que se refere à cidade propriamente dita, constrói-se uma cidade de plano radioconcêntrico, a partir do núcleo urbano mais antigo (Beirante, 1995). Dentro da cerca urbana existem inúmeros espaços abertos privados – almuinhas, hortas e ferragiais, espaços que “(...) constituíam parte integrante da paisagem urbana e eram o complemento natural da economia citadina. Sendo espaços de apropriação privada, não deixam de beneficiar toda a comunidade, proporcionando-lhe abundância de frutos, frescura de águas e pureza dos ares.” (idem:117). Carapinha (1995:37-40) reforça esta afirmação ao referir que “Hortas, pomares, vergéis e quintais distribuem-se aleatoriamente pelo miolo das construções, embora se note uma maior densidade de quintais e vergéis – espaços mais confinados –, no interior das cercas velhas, do que no espaço delimitado pelas cercas novas, onde um espaço mais amplo proporciona uma maior expressão dos elementos vegetais (...) Hortas e almuinhas distribuem-se sobretudo nos recintos delimitados pelas cercas novas” .

Como já mencionado, a afirmação económica da cidade é acompanhada pela componente agrícola, especialmente assegurada nas áreas de maior proximidade aos centros urbanos e complementadas por algumas áreas que lhe são interiores. Também em Évora, a circundar o recinto urbano encontrava-se uma utilização agrícola do solo que desenhava zonas agrícolas, concêntricas, de produção distinta, onde as quintas representaram, juntamente com as múltiplas hortas, ferragiais, vinhas e pomares, um importante meio de fornecimento de frutas e legumes frescos à cidade (Beirante, 1995; Carapinha, 1995). Asseguravam-lhe assim o abastecimento diário de produtos de consumo frequente e facultavam um ambiente aprazível para o recreio dos habitantes da cidade, expressos nas práticas de caça, no gozo de um espaço de refúgio no campo ou na procura de momentos de convívio e contemplação (Carapinha, 1995).

Atualmente, esta zona concêntrica constitui uma “coroa” irregular de pequenas propriedades, que se associam à agricultura, manifestada nas quintas de produção e/ou recreio e nas hortas, a que se ligam algumas construções dispersas sobretudo a norte, onde a dimensão da propriedade é menor e significativamente antiga. É aí que se conservam os velhos solares do século XVIII, onde ainda se encontram hortas, pomares, olivais, terras de sequeiro e alguma vinha (Beirante, 1995).

Nos princípios do século XIX, Moniz (1995) refere a existência de duas zonas distintas no território circundante de Évora: uma primeira zona imediata à muralha, fértil, de pequena propriedade de culturas hortícolas, frutos, legumes, vinhas e olivais, explorações destinadas quase exclusivamente ao abastecimento da população citadina; a seguir a esta zona de quintas, segue-se de imediato a área das grandes explorações, as grandes herdades (latifúndios). Entre estas duas ocorrem quartéis e courelas, parcelas de pequena dimensão de produção diferenciada.

No final do século XIX, a instalação da estação ferroviária a sul foi determinante na estruturação da organização urbana, favorecendo a expansão de novas áreas urbanas nessa direção.

Ocorrem também nesta altura algumas mudanças nos modos de exploração, distinguindo-se duas formas:

  • nas herdades localizadas na parte de relevos mais expressivos - onde predominavam o montado e a charneca - a exploração centrava-se no aproveitamento do azinho e sobro (gado, cortiça e lenha) e nas pastagens das charnecas como invernadouros para o gado, sendo o cereal uma atividade secundária;
  • nas herdades situadas nas zonas de baixa, a produção organizava-se em duas partes; uma cuja área de ocupação foi aumentando na segunda metade do século XIX, era formada por terrenos que não entravam no afolhamento e eram utilizados para hortas, pomares, e/ou vinha e olival; uma outra, de maior superfície, submetida a afolhamento, sendo a principal exploração os cereais e os legumes e onde a criação de gado era considerada uma atividade industrial auxiliar, que aproveitava as pastagens de pousio.

 

Não obstante esta diversificação, a agricultura manteve sempre uma posição de destaque durante o século XIX (Fonseca, 1996 in Ramos, Sobral e Abreu, 1997). A primeira imagem cartográfica do termo rural de Évora (segundo Daveau, 1995), assim o evidencia (Figura 3). A ocupação do solo expressa, mais a oeste e norte (na área assinalada com uma trama) o domínio das vinhas e dos olivais; mais a sul e a este, dominam as culturas extensivas.

 

 

A expansão urbana para além das muralhas fez-se de forma muito lenta até meados do século XX. É a partir daqui que a mecanização da agricultura, com a consequente diminuição de mão-de-obra no campo, determina o deslocar da população rural para a cidade, em busca de novas oportunidades de trabalho. São assim criados os primeiros bairros (clandestinos e não planificados) em redor da cidade, onde se replicam as características das povoações rurais de origem (Carvalho, 1990; Ramos, Sobral e Abreu, 1997; Simplício, 2009) mantendo-se a pequena agricultura, o cultivo de produtos hortícolas em quintais, hortas e pomares, espaços intersticiais entre moradias e espaços vazios entre bairros.

As dinâmicas dos anos ’70 do século passado levaram ao aparecimento de outro tipo de bairros clandestinos, como resposta a uma procura de pessoas da cidade e imigrantes. São criados lotes de maiores dimensões e com características e tipologias de habitação diferentes. Associada a esta dinâmica de procura, assiste-se também à compra de lotes para especulação imobiliária, numa perspectiva da sua valorização com o tempo e não para construção imediata. Verifica-se assim uma baixa densidade de construção, com a consequente criação de vazios dentro dos bairros e muitos terrenos expectantes, a par do parcelamento da propriedade na envolvente da cidade (Carvalho, 1990).

No final dos anos ’70 do século XX, a elaboração do PDM[4] e consequente elaboração do Plano Geral de Urbanização (PGU), determinaram regras concretas de ordenamento concelhio. Nomeadamente o Plano Negativo da Área Urbana (peça integrante do PGU), determina condicionantes à edificação do solo no sentido de impedir a destruição de solos agrícolas protegidos, para o que identifica “as áreas que não podem ver o seu uso alterado, as infra-estruturas existentes e propostas e os elementos da estrutura natural indispensáveis ao bom equilíbrio biológico da área urbana. Consideram-se, neste plano, (...) áreas de solos de boa qualidade que se deverão reservar para a produção agrícola; (...)” (Simplício, 2009:17). Por sua vez, o Plano de Usos dos Solos da Área Urbana (também parte integrante do PGU) tem como princípio, entre outros, a criação de uma estrutura verde penetrando até ao Centro Histórico (idem). Estas determinações revelam desde logo a necessidade de travar um processo de transformação acelerada da cidade, nomeadamente na envolvente à muralha, com a consequente impermeabilização de vastas áreas, a destruição de solos agrícolas e perdendo-se a diferenciação entre o espaço rural e o espaço urbano – uma identidade até então marcada pelo respeito pelos valores naturais e culturais.

Carvalho (2003:131-132) refere que esta diferenciação entre rural e urbano se tornou mais ambígua ao longo do século XX, mesmo quando os perímetros urbanos são definidos legalmente em Planos de Urbanização, indispensáveis à gestão e administração municipal: “(...) o plano-zonamento não se mostra suficiente. O caso de Évora demonstra-o bem. O Plano de Urbanização, elaborado nos anos 70, foi respeitado e, no entanto, a Cidade não se mostra suficientemente estruturada, exatamente porque cresceu por zonas, de forma autónoma aos eixos viários estruturantes, antigas estradas sob as quais pendiam servidões (...)”. Tal atendeu a uma lógica de definição que fica muito aquém da valorização do potencial do território e da paisagem em presença (Freire e Ramos, 2014).

Entre o início dos anos ’80 e meados da década de ’90 do século XX, o crescimento da cidade manteve a sua estrutura radioconcêntrica, ocorrendo o crescimento em áreas adjacentes aos pequenos bairros, ampliando-os ou estabelecendo continuidades urbanas com eles e entre eles, tendendo para uma maior concentração (Carvalho, 2003). Os bairros clandestinos são recuperados e o crescimento da cidade faz-se de forma planeada. No final dos anos ’80 e início dos anos ’90, assiste-se a uma expansão da cidade para sul, com os parque e zona industrial e depois com o mercado abastecedor, ocupando vastas áreas de solos férteis, para o efeito desafectados do seu estatuto de proteção (RAN).

O atual Plano de Urbanização tem como objectivo central a qualificação da cidade como um todo, articulando atividades do Centro Histórico e do espaço extramuros (com a necessária reestruturação funcional da cidade).

A partir do momento em que o município redefiniu o seu perímetro urbano e comprovou a necessidade de utilização dos solos classificados como RAN, para dar resposta à estratégia de desenvolvimento municipal, as áreas inicialmente classificadas como solo rural passaram a solo urbano, perdendo o enquadramento legal de proteção e valorização e alterando profundamente o seu uso – desaproveitando a sua vocação agrícola inicial e criando vastas áreas impermeabilizadas pela edificação.

Como corolário, atualmente Évora apresenta um núcleo urbano antigo – denso e coeso mas em processo de despovoamento – em torno do qual se desenvolve a cidade contemporânea – uma cintura descontínua, fragmentada, de bairros e áreas industriais e de terciário que se expandiram em manchas isoladas (Figura 4), onde são particularmente evidentes as áreas de reserva e as expectantes ao uso e ao investimento, áreas quase todas agrícolas, abandonadas ou pouco cultivadas. A lógica da ocupação do espaço marcada pela definição em sectores funcionais impôs-se aos factores naturais e características próprias culturais da cidade.

 

 

Durante o mais recente processo de ordenamento e gestão urbana, os sistemas tradicionais de agricultura ficaram ‘adormecidos’ ou foram claramente abandonados, resultado da conjugação de vários fenómenos:

  • por um lado, a especulação imobiliária (com os planos de ordenamento, o solo antes rural passa entretanto a ser classificado em urbano, o que constitui um investimento muito interessante para citadinos);
  • por outro, os agricultores abandonaram a atividade agrícola, de exploração de pequenas a médias explorações, pouco produtivas e muito pouco lucrativas e foram desenvolver outras atividades principais;
  • ou ainda, o conhecido fenómeno de alguns citadinos procurarem habitar um espaço com características ainda rurais, evidenciando uma procura nostálgica do campo (por exemplo no sector este da cidade, numa situação de transição para o espaço rural, onde várias propriedades foram divididas em grandes lotes, como resposta a este tipo de procura).

Não obstante as diversas e profundas transformações ocorridas em Évora ao longo dos séculos, em termos de crescimento urbano e de padrões de vida, a componente agrícola fez sempre – e continua a fazer – parte da sua evolução e dinâmica de crescimento. A confirmá-lo, surgem agora novas formas de agricultura em espaço urbano, como apresentado no subcapítulo seguinte.

 

4.2. A recente reabilitação de agricultura em espaço urbano – hortas urbanas

As várias alterações ocorridas em Évora ao longo dos séculos resultam, como vimos, das dinâmicas sociais e económicas instaladas em cada época. Às mais recentes lógicas de crescimento urbano, associadas ao aumento do edificado e de terrenos expectantes com vista à sua rentabilização, começam agora a associar-se outras, de carácter mais ecológico, ambiental, pedagógico e sociocultural, que se traduzem, entre outros, numa maior proximidade à natureza, como forma de procura de maior qualidade de vida urbana – dinâmicas de sinal contrário ao percurso seguido nas últimas décadas, procurando-se atividades mais sustentáveis relacionadas com a agricultura em espaço urbano.

Uma das mais atuais e crescentes formas de expressão do que afirmamos é a recuperação da produção agrícola em meio urbano, através das designadas hortas urbanas ou hortas sociais.

Em Évora, esta prática recente começou a ser dinamizada em 2011 pelo município, dando resposta programada a iniciativas espontâneas que ocorrem um pouco por toda a cidade, em reduzidas faixas de terreno público, na proximidade ou adjacentes à habitação ou outros espaços vazios que o permitam (Figura 5).

 

 

O programa de criação de hortas urbanas tem como objetivos: disponibilizar gratuitamente uma parcela de terreno a todos os interessados, destinado exclusivamente à produção hortícola e floricultura para consumo próprio; criar complementos ao rendimento económico das famílias; promover hábitos de alimentação saudável; fomentar práticas de consumo mais equilibradas; potenciar a convivência familiar e comunitária; contribuir para uma melhor consciência ambiental; promover a biodiversidade; sensibilizar e educar para o desenvolvimento sustentável; e potenciar o recurso compostagem, sensibilizando para a necessidade de redução de resíduos.

O terreno e a água são oferecidos, gratuitamente, por um período (renovável) de um ano cabendo à autarquia a gestão global das hortas. As suas dimensões podem variar entre os 25 e os 50 m2, tendo a autarquia optado, até agora, por talhões de 45m2, área que se tem revelado adequada – os horticultores conseguem ter sempre toda a parcela tratada e retiram produção suficiente para o consumo familiar (produção de frescos para uma família de quatro pessoas). As hortas são vedadas e dotadas de um ponto de água.

A localização das hortas não está previamente definida mas a proximidade de áreas urbanas e, sobretudo, de pontos de água, é determinante para a sua localização. Atualmente existem duas áreas agrícolas deste tipo, situadas próximas uma da outra, perto do aqueduto da Água de Prata, no sector norte da cidade (Monte e Forte de Santo António) (Figura 6), estando previsto novo espaço agrícola no bairro da Malagueira, no sector oeste da cidade (onde já se verificam ocupações espontâneas junto às habitações) (Figura 5) (Figura 7). De realçar que todas estas hortas se localizam em terrenos baldios municipais e em solos cujas características não são integráveis nas áreas de RAN. Acresce o facto de não deterem carácter permanente, podendo a autarquia determinar a sua extinção caso necessite destas áreas para outros usos.

 

 

 

 

Relativamente aos horticultores interessados, constata-se que não há uma relação direta entre a idade ou a profissão e o interesse por este projeto. Há horticultores novos, de meia-idade e alguns reformados, e de todos os sectores de atividade (primário, secundário e terciário).                

Foi atribuído um talhão a todos os munícipes inscritos nas duas primeiras hortas. De acordo com informação prestada pela autarquia, 50 munícipes aguardam porque só estão interessados caso a horta seja na sua zona de residência (freguesia da Malagueira). Os serviços municipais têm registo de outros 30 munícipes interessados caso o projeto tenha continuidade. Demonstra-se, assim, a necessidade de reforçar as áreas disponibilizadas, ainda pouco expressivas em termos absolutos mas de grande significado face a uma oferta ainda diminuta para superar a procura.

 

 

5. Uma proposta para a permanência e sustentabilidade do uso agrícola em espaço urbano

A evolução verificada nas dinâmicas urbanas ao longo dos tempos demonstram que, apesar de o crescimento urbano estar associado ao aumento do edificado, a agricultura em espaço urbano é uma constante – ainda que assumindo importância e forma diferenciadas decorrentes da evolução das dinâmicas enunciadas, confirmados no caso estudo.

Atualmente, assiste-se a um renascer do interesse da atividade agrícola em espaço urbano, onde se evidenciam preocupações ecológicas, pedagógicas e culturais, a par das socioeconómicas, como anteriormente afirmado.

A integração de áreas agrícolas no modelo de desenvolvimento urbano – constituindo uma nova função na cidade, dando resposta programada a uma procura existente e ainda insuficiente e tirando partido dos benefícios que estas áreas proporcionam no espaço urbano – tem vindo a ser equacionada e defendida por diferentes autores de diversas áreas disciplinares.

Telles (1996) defende essa integração através do conceito de paisagem global, que expressa a inexistência de barreiras rígidas entre espaços urbanos e rurais. Uma proposta que, por um lado, reconhece as interdependências entre esses espaços e, por outro, pode ser observada como estrutura fundamental ao desenho da paisagem, convocando a integração das componentes naturais e culturais. Esta ideia é também defendida por Alexander et al. (1997), simbolizando-a nos dedos urbanos e dedos rurais entrelaçados. Carvalho (2003) apresenta uma ideia análoga, ao explorar o conceito de cidade campestre, que corresponde à interpenetração cidade/campo, ideia ainda valorizada no conceito de campo urbano por Donadieu e Fleury (2003) ou por Forman (2004) no conceito de mosaico paisagístico, ensaiado para a região de Barcelona.

Matos (2010:286) considera a agricultura urbana “não apenas como um factor de produção mas também como detentora de um grande potencial para o recreio sob o ponto de vista social, económico, ecológico, cultural e estético [considerando-a] como uma estrutura fundamental na re-conceptualização do projecto do espaço urbano.”.

Numa perspetiva de concretização destas ideias, Donadieu e Fleury (2003) defendem a necessidade de legitimar política e socialmente o regresso da agricultura nos espaços urbanos. Carvalho (2003:515) concretiza-o na proposta de criação do estatuto de áreas agrícolo-florestais de cidade, referindo que “(...) elas existem, actualmente, no território urbano, quase sempre expectantes, muitas vezes em processo de degradação, espreitando a oportunidade de se tornarem urbanizáveis”. O autor refere que estas áreas seriam constituídas pelas áreas de RAN e de REN intercalares ao espaço urbano (que poderiam ser revistas), complementadas com outras áreas onde as antigas estruturas agrícolas ainda estão presentes (podendo ser consideradas património) e por outras que conferissem estrutura e coerência ao conjunto. Com um estatuto específico traduzido em regras de ocupação claras, estas áreas “e, sobretudo, os seus programas de ocupação corresponderiam à recusa de ‘vazios’, à ideia de que não basta proibir a construção, de que é necessário que todos os espaços da cidade tenham uma função, e de que é necessário, também, planear [todos os espaços da] paisagem.” (idem:516).

Nesta perspectiva, no sentido de dar resposta àquela integração, é importante criar mecanismos que a possam concretizar de forma programada. Considera-se assim que, à semelhança de outras categorias de usos e funções estabelecidos nos diferentes planos – como espaços comerciais, industriais e habitacionais, entre outros – também a agricultura seja considerada uma classe de espaços, com áreas e regras de ocupação e proteção claras e bem definidas, dentro do perímetro urbano.

Para além da criação de novas áreas para este fim, considera-se fundamental, no momento presente, reavaliar as funções existentes e os valores em presença – particularmente nas áreas que no interior do perímetro urbano inicialmente se inscreviam dentro dos solos mais aptos à agricultura (RAN) e que entretanto foram desafectados. A proposta assenta na ideia de reconverter usos existentes e espaços programados associados a funções ‘consideradas urbanas’ – outrora criados numa lógica de resposta (excessiva) a uma procura (também excessiva) por espaços edificados (habitação, comércio e indústria) – áreas fortemente impermeabilizadas e presentemente em processo de declínio ou abandono e outras que se mantêm expectantes ao longo dos anos, face à realidade atual.

A esta reconversão funcional de usos existentes e/ou previstos, acrescem valores de importância única para a manutenção da sustentabilidade das cidades – revigorar a cultura da terra, com valorização do património natural e cultural, nomeadamente o património solo agrícola.

A nossa proposta vai assim mais longe na medida em que se considera que, para além das atuais áreas acima identificadas, as áreas edificadas em solo inicialmente rural e transformado em solo urbano (muitas delas com potencialidades para ser integradas em áreas RAN e que perderam o seu estatuto de proteção), sejam reconvertidas em áreas de solo rural e integradas nesta nova classe de espaços agrícolas a integrar na cidade.

 

 

6. Referências bibliográficas

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[1] Versão adaptada do artigo apresentado no “6th International Conference on Urbanism Research (VISIIU)”, Escola de Arquitetura de Barcelona, 19-20 Junho de 2014, com o titulo “Agricultura em espaço urbano: dinâmicas antigas e recentes. O caso estudo da cidade de Évora”

[2] Enquanto a RAN integra os melhores solos agrícolas a REN integra as áreas de maior sensibilidade ecológica (cursos de água e faixas envolventes, áreas de máxima infiltração, áreas com declives muito acentuados, entre outras situações). 

[3] À agricultura periurbana, correspondem outras características e objetivos. Ao contrário da agricultura urbana, trata-se de uma agricultura comercial, decorre de um uso planeado, assumido pelos municípios ou pelo poder central, preconizada nas áreas de maior sensibilidade e valor ecológico, onde se defende que edificação seja proibida (Magalhães, 2011).

[4] Ratificado apenas em 1985.

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