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GOT, Revista de Geografia e Ordenamento do Território

versão On-line ISSN 2182-1267

GOT  no.5 Porto jun. 2014

https://doi.org/10.17127/got/2014.5.002 

ARTIGO ORIGINAL

 

Planos Regionais de Ordenamento do Território e governança territorial: do discurso às evidências da prática

 

 

Carmo, Fernanda1

1  fmr.carmo@gmail.com

 

 

RESUMO

A governança territorial é um conceito amplo, que tem vindo a ser utilizado em múltiplas situações e objetos de aplicação e que merece ser estudado do ponto de vista prático, no sentido de conhecer melhor os entendimentos, os contornos específicos e o alcance da sua adoção. Neste artigo analisamos a sua utilização nos instrumentos de desenvolvimento territorial regional.

Palavras-Chave: Governança Territorial; Planeamento Estratégico Territorial; Plano Regional de Ordenamento do Território; Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional.

 

ABSTRACT

Territorial governance is a broad concept that has been used in multiple situations and application objects and the specific contours and scope of its adoption deserves to be studied from a practical standpoint, in order to know better the understandings, the specific contours and scope of its adoption. This study analyzed its use in the instruments of regional territorial development.

Keywords: Territorial Governance; Spatial Planning; Regional Spatial Plan; Regional Coordination and Development Commission.

 

 

1. Introdução

A governança territorial é um conceito amplo, que tem vindo a ser utilizado em múltiplas situações e objetos de aplicação e que merece ser estudado do ponto de vista prático, no sentido de se conhecer melhor os entendimentos, os contornos específicos e o alcance da sua adoção. Com este trabalho pretendemos aprofundar o conhecimento da sua utilização nos processos de planeamento e desenvolvimento territorial regional.

Este artigo apresenta a metodologia e os resultados e conclusões de uma pesquisa sobre governança territorial e administração periférica que teve como caso de estudo os Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT).

 

1.1. Condições e requisitos de governança territorial

O conceito de governança territorial configura um campo concetual particular, que se individualiza em razão da natureza do seu objeto – o território - um objeto múltiplo e complexo, em si mesmo - e em razão do seu objetivo - regular, governar ou gerir dinâmicas territoriais através da condução de uma pluralidade de atores. Nos vários âmbitos espaciais, em função do território e dos objetivos dos atores, as questões chave da governança podem apontar para abordagens, significados e alcances distintos, todavia, as condições e requisitos gerais do processo são análogos e comuns.

Os processos de governança territorial emergem de uma construção política e social do território, traduzida em relacionamentos de atores nesse território, e concretizam-se segundo lógicas e esquemas de organização e coordenação (Davoudi et.al., 2008; Stocker, 2008). Nesta conceção a governança territorial pode ser assumida como um instrumento de governabilidade do território aplicado num determinado quadro ação, envolvendo governo e administração legítimos e legitimados, atores económicos e sociais pró-ativos, organizações e cidadãos envolvidos, territórios de atuação reconhecidos e instrumentos de gestão fiáveis. Concetualizando a governança enquanto forma reinventada de governar, Chamusca (2013: 42) refere que “… a questão estrutural reside na governabilidade do território – estabilidade, coerência, e eficiência institucional e política da administração e gestão dos territórios – sendo que esta está relacionada com o respeito das leis e das estruturas deliberativas, com o equilíbrio entre as reivindicações da sociedade … e os efeitos concretos da ação do governo”.

Tendo como objetivo a construção do modelo de análise empírica das estruturas de suporte e dos processos de governança territorial desenvolvidos no âmbito da implementação dos PROT e da gestão estratégica dos territórios, passamos a identificar, do ponto de vista teórico, as condições e requisitos de governança que se evidenciam como mais relevantes, recorrendo a uma sistematização efectuada num trabalho antecedente (Carmo, 2013). Nesse trabalho identificaram-se os requisitos básicos do processo de governança territorial em dois tópicos que passamos a citar.

“A governança é um processo de construção do valor público em rede. Exige: motivação e legitimidade de decisão fora dos circuitos formais e hierárquicos; equilíbrio e representatividade dos atores; e prestação de contas em moldes de responsabilização objectiva” (Carmo, 2013: 258).

Assume-se que o processo de formação do valor público é central no conceito de governança, “o valor público é construído coletivamente por meio da discussão e da deliberação, envolvendo membros eleitos e não eleitos das estruturas de governo e outros atores chave” e que “a construção de relações de sucesso é a chave para a governança em rede, para a accountabillity democrática a ela associada e é também o objetivo central da gestão necessária para a suportar” (Stocker, 2008: 32). A força do processo de governança é motivacional, sendo mais dependente do estabelecimento de redes e parcerias e de relacionamentos fundados no respeito mútuo e na aprendizagem partilhada, em função de objetivos comuns, do que de regras de funcionamento.

Reconhece-se que a construção do valor público em governança, tendo muito de motivacional e uma parte de informal, não pode preterir mecanismos que salvaguardem a legitimidade das decisões, a proporcionalidade e a equidade dos atores chamados ao processo, nem escamotear modelos de controlo que garantam a transparência e o escrutínio dos assuntos a diversos níveis de compreensão. “…a resolução de conflitos em torno de interesses legítimos mas contraditórios ou até antagónicos não pode assentar exclusivamente em análises de conformidade legal e técnica (visão moderna), e muito menos em decisões arbitrárias decorrentes exclusivamente de preferências e interesses particulares (visões individualista e neoliberal). Pressupõe convicções éticas e valores definidos de forma explícita em relação tanto aos processos e procedimentos de decisão quanto aos resultados visados.” (Ferrão, 2011: 50).

Quanto à prestação de contas e responsabilização objetiva, adota-se o conceito de accountability apresentado por Bovens (2007), que lhe imputa os sinónimos de responsabilidade, transparência e confiança, alertando para a mutabilidade do conceito em processos de deliberação e participação e dando nota de que a accountability deve alicerçar-se em mecanismos que garantam que os atores providenciam ao fórum relevante, detentor da possibilidade de lhes imputar consequências formais e informais, a informação necessária para o enquadramento e compreensão dos assuntos.

“A governança exige capacitação institucional e social e não dispensa governação na condução do processo e na coordenação das políticas” (Carmo, 2013: 259).

Neste registo relevou Kirlin (1996), ao salientar que as grandes questões da administração pública em democracia identificam-se com a necessidade de incrementar a capacidade de aprendizagem social no contexto de sistemas complexos, em que os decisores são os criadores e conformadores mas não os executantes diretos, tendo em vista a devida compreensão dos assuntos e dos valores em causa no quadro de um julgamento público dos cidadãos.

Quanto à importância da governação recorremos a Ferrão (2013), “A passagem de uma ótica de governo a uma ótica de governança não pode ser interpretada como um processo sequencial de natureza radical, em que a última substitui a primeira anulando-a” e “…a excessiva focalização nas formas de governança não tem favorecido uma análise mais dialética e normativa, centrada na relação que deve existir entre formas de governo e de governança” (Ferrão, 2013: 264). O autor desenvolve a temática no quadro do que designa por institucionalização dos modos de governança, salientando que “… as decisões tomadas no âmbito dos novos modos de governança – baseadas em relações voluntárias e não hierárquicas […] devem ter alguma tradução em instrumentos e regras democraticamente consagradas (legitimidade política), de natureza juridicamente vinculativa [...] ou enquadradora de comportamentos e práticas institucionais e individuais…”(Ferrão, 2013: 274).

Expostos os tópicos teóricos registamos que o processo de governança territorial diz respeito um conjunto de atores e a um espaço de concretização do objeto do debate e da deliberação e decisão destes, um espaço socioeconómico contextualizado pelo território nas suas múltiplas dimensões: geográficas; físico-ambientais; socioculturais; económicas; administrativas e organizativas.

Evidenciam-se, assim, como requisitos do processo de governança territorial: o equilíbrio e representatividade dos atores envolvidos; a garantia da legitimidade da decisão; a construção de mecanismos de relacionamento; a definição da territorialidade da ação; a conceção de motores de confiança e motivação; o balizamento dos objetos de deliberação; a criação de esquemas de prestação de contas; a promoção de ferramentas de aprendizagem coletiva; e a consagração de formas de participação.

 

1.2. Desafios do planeamento regional e da administração

A actividade de planeamento regional é uma função administrativa que assimila as inerências da ordem político-institucional e organizativa da administração pública portuguesa e dos processos de formação e partilha de poderes de base territorial. Os desafios do planeamento regional estão, assim, intrinsecamente ligados aos desafios que se colocam ao exercício administrativo, no reforço da coordenação das políticas e dos atores públicos e da colaboração com agentes externos e na superação de contextos adversos persistentes, nomeadamente os apontados por Ferreira (2007): persistência da tendência pesada de centralismo; existência de labirintos administrativos, radicados na segmentação e fragmentação administrativa; opacidades do sistema e falta de organização do trabalho em rede; legislação excessiva e dispersa com desconexões.

Os PROT, no quadro do sistema de gestão territorial e da política de ordenamento do território, são instrumentos recentes. A sua configuração como instrumentos de natureza estratégica surgiu com a criação do sistema de gestão territorial em 1998 / 1999 – ainda incompletos - apenas em três dos territórios regionais de planeamento foram concluídos com aprovação e entrada em vigor - e frágeis – a sua assimilação e transposição para os instrumentos de planeamento municipal, especial e setorial é muito exígua, dada a inércia da dinâmica de planeamento em Portugal. Ademais o planeamento territorial regional atravessa um período de estagnação, inerente à falta de completamento da cobertura do país com estes planos e a uma indefinição de futuro associada à reforma legislativa do sistema de gestão territorial, que perdura desde 2011.

A ainda fraca valoração deste instrumento de desenvolvimento territorial é uma consequência de problemas mais vastos intrínsecos à política de ordenamento do território, ao sistema de planeamento e à organização administrativa territorial mas, na nossa ótica, é também uma causa da não resolução de alguns desses problemas.

Ferrão (2011: 26) aborda explicitamente os problemas da política de ordenamento do território referindo-a como uma política duplamente fraca: “fraca em relação à sua missão, dada a desproporção que se verifica entre a ambição dos objetivos visados e as condições efetivas para os atingir; e fraca em relação aos efeitos indesejados decorrentes de outras políticas, dada vulnerabilidade em relação a impactes negativos à luz dos objetivos e princípios do ordenamento do território”. E, como fundamentos da fraqueza da política, aponta, por um lado, a descredibilização precoce do sistema de ordenamento do território e a existência de uma comunidade técnico-profissional e científica fragmentada e, por outro, o predomínio de uma cultura político-administrativa pouco favorável à coordenação intersectorial de base territorial e a ausência de uma cultura cívica de ordenamento do território robusta.

Também o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT) (Lei 58/2007, 04/09) identifica como problemas para o ordenamento do território: i) o défice de cultura cívica valorizadora do ordenamento do território, baseada no conhecimento rigoroso dos problemas, na participação dos cidadãos e na capacitação técnica das instituições e agentes mais diretamente envolvidos; ii) o défice de coordenação entre os principais atores institucionais, públicos e privados, responsáveis por políticas e intervenções com impacte territorial; iii) a complexidade, rigidez e centralismo e a opacidade da legislação e dos procedimentos de planeamento e gestão territorial que afetam a sua eficiência e aceitação social. O registo destes problemas fundamenta objetivos estratégicos e operacionais assumidos pelo PNPOT que determinam a promoção da participação cívica e institucional nos processos de planeamento e desenvolvimento territorial e o incentivo de comportamentos positivos e responsáveis face ao ordenamento do território.

Numa outra dimensão, o relatório ESPON (2006) aponta como principais pontos críticos para o caso de Portugal: i) em primeiro lugar, a afirmação de que a participação dos não eleitos no processo de formação das decisões ainda é vista como uma ilegítima interferência e que os processos de participação são pouco consequentes; ii) em segundo, a referência a que ainda prepondera uma visão municipalista sem assimilação da lógica regional e que, em contraponto, prepondera uma centralização de recursos. Esta referência levou a uma recomendação de melhoria das conexões regionais e locais.

Estes diagnósticos contribuem para reforçar a ideia de que os PROT, na sua atual configuração, enquanto instrumentos de desenvolvimento territorial, elaborados e dinamizados na sua implementação pelas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), na qualidade de serviços periféricos do Estado responsáveis por executar as políticas de desenvolvimento regional, ordenamento do território e ambiente e por promover a articulação intersectorial dos serviços desconcentrados de âmbito regional e a coordenação das políticas públicas com expressão territorial, têm um potencial que não deve ser subestimado ou ignorado.

Os PROT, pela sua natureza estratégica, pelo seu posicionamento vertical e horizontal entre os vários instrumentos de desenvolvimento e de planeamento territorial da competência dos vários sectores do Estado e das autarquias locais e pelos processos de governança que desencadeiam, constituem instrumentos fundamentais para a organização e funcionamento do sistema e para a atuação das entidades públicas.

O trabalho a desenvolver para a implementação dos PROT visa principalmente promover e sustentar o processo colaborativo de execução das orientações, medidas e ações do plano, no contexto das atuações das várias entidades e atores competentes em razão das matérias e domínios de ação. Este trabalho, por si da maior importância, encerra potencialidades de geração e majoração de dinâmicas colaborativas fundamentais para coordenação mais alargada de políticas públicas no espaço territorial regional e para o fortalecimento da política de ordenamento do território.

A gestão da elaboração e operacionalização destes planos pode constituir um palco abrangente para a definição de novos processos e formas de trabalho que valorizem mais o capital territorial regional e afirmem a governança territorial como um processo organizado de promoção do diálogo político e técnico fundamentado e de ponderação de interesses conflituais de forma estruturada e objetivada, assumindo-se como um veículo para uma evolução no desempenho administrativo.

A gestão da implementação dos PROT obriga a que as CCDR, enquanto serviços responsáveis pela coordenação e promoção da execução das políticas territoriais consagradas nos planos, adotem novas condutas de gestão processual, assumam a liderança e desenvolvam um conjunto de iniciativas e tarefas, em articulação com as demais entidades competentes por políticas públicas setoriais, em parceria com os municípios e envolvendo os atores privados e as organizações sociais. Este caminho passa pela motivação e mobilização dos vários interlocutores territoriais a partir de referenciais comuns e pela capacitação da sociedade civil e dos cidadãos para a criação de significados coletivos em matérias do ordenamento do território.

São ainda escassas as análises sistemáticas sobre os sistemas de governança dos PROT. As reflexões já produzidas (Carmo et.al., 2011, Marques, 2008; Pereira 2011) evidenciam as potencialidades dos mecanismos de governança desenvolvidos na elaboração dos PROT, nomeadamente o capital de relacionamento e os processos de aprendizagem colectiva construídos, mas, também, as grandes dificuldades de manutenção das dinâmicas geradas. Revelam-se, pois, essenciais as estruturas de monitorização, avaliação e gestão contínuas dos PROT que propiciem um quadro de governabilidade territorial. A análise empírica deste trabalho partiu destas expectativas sobre o papel dos PROT na melhoria da atividade administrativa e visa conhecer o desenho e desempenho destas estruturas.

 

 

2. Metodologia

Partindo do quadro concetual e do conhecimento experiencial concebemos um modelo de pesquisa orientado pela pergunta de partida: Têm os PROT contribuído para o desenvolvimento de processos de governança territorial promovidos pelas CCDR? E estarão as potencialidades desses processos a ser plenamente aproveitadas?

 

2.1. Modelo de análise

O modelo de análise traduz uma estratégia de pesquisa que assenta numa componente teórica - conhecimento adquirido no âmbito do enquadramento teórico e contextual - e numa componente empírica – identificação de unidades de observação, definição de domínios de análise e seleção dos métodos e técnicas instrumentais de recolha e sistematização dos dados.

Nesta pesquisa recorremos ao método indutivo, para chegar a inferências gerais a partir de observações, e a uma abordagem qualitativa, baseada na sistematização de informação descritiva, recolhida por análise documental.

Considerando as duas questões encadeadas da pergunta de partida, pretendeu-se responder: ao contributo dos PROT para o desenvolvimento de processos de governança territorial ao nível regional, com base na análise dos conteúdos dos planos, complementada pela análise das posições assumidas pelos atores participantes; ao aproveitamento pleno das suas potencialidades, com base na interpretação desses conteúdos à luz de requisitos do processo de governança territorial, complementada pela consulta dos relatórios de monitorização disponíveis ao público.

 

A. Objetivos da recolha dos dados

O que dizem os PROT? - Identificar no conteúdo documental dos PROT as referências a matérias do domínio da governança territorial e sistematizar as referências identificadas, segundo domínios de análise relevantes do ponto de vista concetual.

O que defenderam os atores? - Identificar os entendimentos e as posições dos atores envolvidos na elaboração dos PROT em matéria de governança territorial.

O que está a ser feito? - Identificar registos públicos da operacionalização das orientações, diretrizes, medidas e ações de governança territorial.

 

B. Unidades de observação

Os PROT do território continental, incluindo planos em vigor e propostas concluídas e submetidas a consulta pública – componentes referentes às opções estratégicas, às normas orientadoras e aos programas de execução[1]; Os pareceres finais das comissões de acompanhamento dos PROT e, complementarmente, as atas das reuniões realizadas durante o processo de elaboração; Os relatórios de monitorização e avaliação dos PROT em vigor.

 

C. Domínios de análise

A definição dos domínios de análise da informação teve por base: o enquadramento teórico e contextual relativo às condições e os requisitos dos processos de governança territorial e aos desafios do planeamento estratégico regional; o nosso conhecimento experiencial das unidades de observação - os PROT, nas componentes de plano e de processo administrativo – e o tipo de respostas pretendidas.

A análise dos dados foi estruturada em três linhas de análise, a primeira destinada a conhecer os sistemas de governança propostos, a segunda orientada para identificar as dimensões de governança presentes nesses sistemas, e a terceira visando percecionar os contextos em que os sistemas foram propostos e sistematizar as preocupações subjacentes dos atores.

C1 – Caracterização dos Sistemas de Governança Territorial dos PROT

Na primeira linha de análise partimos de uma leitura comparada do conteúdo dos planos para inferir os três domínios de análise e respectivos descritores de suporte da sistematização da informação. O sistema de governança de cada plano foi depois caracterizado em função do seu posicionamento em cada descritor.

Objetivos – caracterização do que se pretende alcançar com o sistema proposto; Estruturas – tipificação das estruturas de governança propostas nas suas vertentes, orgânica e funcional; Medidas e Ações - tipificação das realizações de suporte ao funcionamento das estruturas de governança e procedimentos inerentes, inscritos nos programas de execução.

C2 – Dimensões de Governança evidenciadas nos PROT

A sistematização das dimensões de governança presentes no conteúdo dos PROT foi efectuada a partir de uma pré-identificação de nove domínios analíticos que traduzem as condições e os requisitos de governança territorial considerados mais relevantes no âmbito da implementação dos PROT. A pré-identificação dos domínios baseou-se no quadro teórico e contextual e foi apenas afinada, na fase de recolha de dados, na sua terminologia e amplitude de conceitos.

Envolvimento de atores – atores envolvidos nos sistemas de governança;

Tipo de interlocução - tipo de relacionamento entre atores, em função dos atores envolvidos, de preocupações expressas no envolvimento e de funções específicas;

Geometrias territoriais - âmbitos territoriais em que se processa a articulação dos atores e dos relacionamentos verticais e horizontais inerentes;

Geração de motivação - fatores de motivação que levem os atores a reconhecer um interesse particular no seu envolvimento no processo de governança, nas suas componentes formais e informais;

Formação de valores comuns - objetos de discussão e de deliberação partilhada;

Legitimidade da decisão – papéis dos atores nas estruturas criadas e nos processos e procedimentos de negociação e decisão em grupo;

Prestação de contas - âmbitos e formas de prestação de contas, nas vertentes de disponibilização da informação e da efetivação do escrutínio e responsabilização;

Capacitação e aprendizagem - processos e/ou de medidas e ações de capacitação dos atores e procedimentos de fomento de aprendizagem organizacional;

Participação dos cidadãos - identificação de incentivos à participação e envolvimento dos cidadãos no escrutínio da implementação do plano.

C3 – Identificação das posições dos vários atores envolvidos na elaboração dos planos sobre o sistema de governança proposto. Registar as suas preocupações explícitas ou implícitas e inferir a sua aderência à realidade em execução.

 

D. Fontes e período de observação

Planos publicados - consultados em Diário da Republica; Planos concluídos - consultados na Direção-Geral do Território e nas plataformas colaborativas on-line; Documentos administrativos processuais (pareceres finais e atas das comissões de acompanhamento) – consultados na Direção-Geral do Território; Relatórios de monitorização e avaliação dos PROT em vigor (OVT e Algarve) - consultados nos sites das CCDR. O período de observação decorreu de junho a setembro de 2013.

 

 

3. Resultados

Decorre da leitura global da documentação que serviu de base à análise que os PROT foram, durante a sua elaboração, um móbil para a ativação de sistemas de relacionamento de atores e para a criação de sinergias de acção, entre entidades responsáveis por diferentes interesses públicos, entre os níveis central, regional e local da administração, em alguns domínios, entre representantes de interesses públicos e privados e, de uma forma geral, ainda que ténue, entre a administração e os cidadãos.

Tal traduziu-se no conteúdo dos PROT, todos propõem sistemas de governança orientados para a monitorização, avaliação e gestão do plano durante a implementação, com objetivos, não apenas de relato da sua execução, mas, sobretudo, de efetivação de esquemas de interlocução regular entre atores que representam políticas e interesses distintos. Estes conteúdos vão para além do regulamentarmente exigido e podem ser lidos como uma iniciativa interna do próprio plano, promovida pelas CCDR e partilhada pelo conjunto dos atores que participaram no processo de elaboração.

Atente-se que o regime jurídico que regula o sistema de gestão territorial apenas prevê que as entidades responsáveis pela elaboração dos instrumentos de gestão territorial devem promover a permanente avaliação da adequação e concretização da disciplina nestes consagrada e que, em matéria de regulação do conteúdo material e documental dos PROT, o regime jurídico não prevê obrigações de conteúdo quanto a esta matéria. Embora houvesse orientações da tutela para que os PROT considerassem a sua monitorização (documento orientador, de 2005), embora o PNPOT (desde 2007) referisse que a elaboração do PROT deveria ser uma oportunidade para constituir um fórum de carácter intersectorial e interinstitucional, e, pese embora, algumas das determinações de elaboração dos PROT tivessem estabelecido a obrigação de previsão de ferramentas de monitorização e avaliação, o facto é que os sistemas de monitorização, avaliação e gestão consagrados nos PROT extravasam significativamente as obrigações regulamentares que lhes são aplicáveis.

 

Sistemas de governança territorial

Todos os PROT analisados prevêem sistemas de governança territorial focados na monitorização, avaliação e gestão da sua implementação, com designações aproximadas, a que passaremos a referir-nos por SMAG. Os conteúdos referentes à governança territorial em abstrato e aos SMAG em concreto, são tratados, em geral, na parte introdutória do capítulo das normas orientadoras, segundo uma abordagem mais estratégica, contextual e discursiva, e depois, no final do plano, em pontos específicos dedicados ao SMAG, onde se apresentam e desenvolvem as suas componentes operacionais, segundo uma abordagem mais normativa. Quanto ao teor das matérias tratadas no âmbito destes sistemas, verificamos que os objetivos, os atores alvo, as áreas temáticas principais e as formas de organização da interlocução entre os atores são distintos nos vários PROT, sendo percetível que as características específicas de cada território, as experiências de gestão das CCDR e de determinados atores participantes no processo influenciaram a conceção e o desenho das soluções.

O Quadro 1 sistematiza a informação recolhida sobre os sistemas de governança dos PROT e caracteriza-os em três domínios de análise. A nível de objetivos podemos registar que em todos os casos é objetivo dos SMAG a monitorização e avaliação da execução do PROT, no sentido da aplicação das suas orientações e da realização das medidas e ações e, também, da perceção dos seus efeitos sobre a evolução dos territórios onde incidem, incluindo o estudo de dinâmicas territoriais específicas, mas apenas alguns consideram a possibilidade de utilizar estes sistemas para desenvolver componentes abertas do plano, para interpretar os seus conteúdos de natureza indicativa ou para promover a adaptação de conteúdos específicos.

 

 

A articulação institucional, entendida como uma forma de estruturação e fortalecimento do relacionamento entre as entidades mais importantes para o plano, está bem presente em todos os PROT, mas as formas como essa articulação se expressa são diferentes e traduzem-se de modo distinto no enunciar dos objectivos. Nuns casos mais centradas no reforço da própria CCDR e dos seus órgãos, dando maior enfoque às articulações internas e baseadas nos instrumentos de gestão territorial, noutros, mais ligados à continuidade dos trabalhos da comissão de acompanhamento da elaboração.

Um objetivo presente na maioria dos sistemas de governança é o de articulação dos PROT com a gestão dos programas de financiamento comunitário, manifestado na intenção de que o PROT sirva de enquadramento, quer para a definição estratégica das linhas de apoio financeiro, quer para a definição de requisitos regulamentares de acesso e de critérios de seleção de candidaturas, quer ainda para a contratualização da gestão com entidades intermunicipais.

Embora presente nos enunciados, a matéria das parcerias com atores privados, na sua componente operativa, é pouco desenvolvida e a exploração da participação e envolvimento da sociedade civil e dos cidadãos assenta apenas na disponibilização de informação, não havendo consistência de propostas que nos permitisse registá-las.

Quanto às estruturas de suporte dos SMAG, encontramos três situações distintas. No caso dos PROT Centro e Alentejo identificámos uma estrutura delineada segundo uma perspetiva de melhoria funcional, que parte da ideia de reforço da integração do trabalho desenvolvido pelos serviços e órgãos das CCDR e dos mecanismos de articulação instituídos para a interação coordenada de planos (sistema de gestão territorial) e para a coordenação intersectorial e multinível (Conselho de Coordenação Intersectorial e Conselho da Região) para dar corpo a uma estrutura de governança. A estrutura é convencional, suportada pela definição de funções de direção e gestão estratégica, protagonizadas pelo presidente da CCDR, por funções de gestão técnica, conduzidas pelos serviços da CCDR, e por funções de concertação intersectorial e de articulação local, assumidas, respetivamente pelos conselhos antes identificados.

No caso dos PROT OVT e AML, em vigor e alteração, e, parcialmente, do Norte, identificámos uma estrutura desenhada numa perspetiva de inovação organizacional, que parte da ideia de valorização da dinâmica de trabalho e da proximidade e confiança de relacionamento geradas no seio da comissão de acompanhamento da elaboração do plano, para institucionalizar uma estrutura de governança específica, não convencional, centrada na monitorização, avaliação e gestão da implementação do PROT. Esta estrutura é composta por uma comissão de acompanhamento de natureza consultiva, que dá continuidade à comissão que acompanhou a elaboração, mantendo o nível de representação e valorizando as práticas de trabalho anteriores, por um núcleo de gestão operacional, com uma parte de composição fixa, agregando a CCDR e os municípios associados, e outra de composição variável, formando comissões temáticas, e, ainda, por um observatório destinado a monitorizar a execução do plano, os seus efeitos gerais e dinâmicas territoriais específicas. O PROT Norte apresenta uma declinação desta estrutura tipo, que se traduz na redução da comissão de acompanhamento às entidades públicas e num maior enfoque na articulação interna.

No Algarve previu-se uma estrutura de acompanhamento composta pelas entidades públicas representantes dos interesses mais relevantes e pelas autarquias isoladas e em associação intermunicipal, sendo que, na sua concretização, esta estrutura foi reconduzida ao observatório do PROT Algarve, criado por RCM como entidade independente, com funções de acompanhamento, monitorização e avaliação do PROT e do sistema de turismo nele previsto. O observatório é composto pela CCDR, pela entidade nacional responsável pelo setor do turismo e pelos municípios, detendo competências de monitorização e avaliação geral do plano e dos seus efeitos e, também, competências específicas de concertação de interesses e de conciliação de posições das entidades que intervêm nos procedimentos de concretização dos núcleos de desenvolvimento turístico, pressupondo um relacionamento com o sector privado.

Embora com abordagens distintas, a previsão de observatórios regionais, articulados com o Observatório do Ordenamento do Território e do Urbanismo, previsto no Regime Jurídico, são uma componente central dos SMAG em todos os PROT.

Quanto a medidas e ações inscritas nos programas de execução dos PROT e destinadas à criação e funcionamento das estruturas ou ao desenvolvimento de componentes do SMAG, constatámos que as mesmas são exíguas. Na maioria das situações registam-se ações agregadas, sem detalhe de orçamento e prioridade, e centradas na elaboração de estudos e na produção de informação.

 

Dimensões de governança territorial

As dimensões da governança territorial, que identificámos com base nos principais requisitos do processo de governança, estão presentes no conteúdo dos vários PROT. Todos eles assumem a importância de princípios e objetivos de governança territorial no desenvolvimento dos trabalhos de implementação do plano e todos, com maior ou menor desenvolvimento, fazem referência aos domínios de análise pré-identificadas.

Importa, no entanto, registar que o tratamento das matérias em análise assume nos vários PROT uma grande amplitude, incluindo enquadramentos teóricos e declarações de princípio e de intenção abstratas, a par, e em sobreposição, com orientações e diretrizes normativas. Nesta realidade, para a sistematização registada no Quadro 2 tivemos por base uma leitura global dos pontos específicos referentes à matéria em estudo, extraindo, em primeiro lugar, as referências com natureza de orientação ou diretriz e, em segundo, complementando-as com a interpretação de referências mais amplas desde que relacionadas com o quadro de ação definido pelas orientações e diretrizes, não tendo sido consideradas referências presentes no enunciado mas para as quais não encontrámos uma ligação percetível com aquele.

Em matéria de representatividade dos atores no processo de governança territorial dos PROT verificamos que ao nível das estruturas o envolvimento é, essencialmente, de natureza institucional e cariz público, centrado nas CCDR, nas entidades da administração setorial e nos municípios associados. Apesar de serem efetuadas várias referências à importância do reforço da interação público-privado, em concreto não existem operacionalizações desenhadas e passíveis de ser caracterizadas com objetividade, com exceção do Algarve.

No caso dos planos que preconizam estruturas de continuidade com as comissões de acompanhamento da sua elaboração, os representantes dos interesses económicos, sociais, culturais e ambientais estão representados ao nível consultivo. No PROT Algarve, pode inferir-se a existência de uma participação dos agentes privados no sistema de governança, não ao nível da estrutura, mas dos trabalhos desta, no âmbito do turismo.

Este baixo nível de representação e de envolvimento dos atores privados na estrutura de governança deve ser lido tendo em conta a natureza do instrumento de planeamento que estamos a tratar. Primeiro, porque o seu posicionamento de charneira no quadro do sistema de gestão territorial, apela, como vimos nos pontos anteriores, a uma concentração de esforços na coordenação de políticas públicas e na cooperação dos atores por estas responsáveis, bem como na concretização da interação coordenada de instrumentos de planeamento da responsabilidade das entidades públicas. Segundo, porque, tratando-se de um instrumento de natureza estratégica, a concretização operativa das suas orientações e diretrizes carece, na maioria dos seus conteúdos, de desenvolvimento e materialização no âmbito dos planos reguladores da ocupação e uso do solo, ficando o PROT mais afastado da execução privada direta. Não obstante, em algumas matérias, a participação das organizações representativas dos interesses privados é importante, face aos objetivos enunciados pelos PROT, e teria sido possível prever um maior envolvimento das mesmas, atribuindo-lhes responsabilidades de monitorização e comprometendo-as com algumas esferas de decisão.

Os modelos de governança delineados no âmbito dos PROT são essencialmente modelos de governança horizontal, entre a administração do Estado, periférica e central desconcentrada, e modelos de articulação vertical, entre estas entidades e as autarquias locais, isoladas ou em associação, destinados a formalizar rotinas de articulação institucional. Os sistemas de governança de índole funcional, como os do Centro e do Alentejo, manifestam, a par das preocupações de articulação externa da CCDR, um grande enfoque na articulação interna, entre os serviços da CCDR. Noutra linha de preocupações, o PROT OVT salienta a necessidade de estabelecer uma articulação específica com as CCDR Centro e Alentejo, tendo em vista garantir a aderência entre o PROT e os Programas Operacionais Regionais. Esta referência é justificada pela descoincidência da inserção regional do território do OVT, para efeitos de planeamento e gestão territorial e de gestão de fundos comunitários

A geometria territorial predominantemente referida como base para o estabelecimento de redes de interlocução reflete os dois âmbitos territoriais administrativos existentes: o espaço regional, coincidente com o território de atuação das CCDR; e o espaço intermunicipal, coincidente com o território de atuação das áreas metropolitanas e das comunidades intermunicipais. Pese embora, nos seus conteúdos materiais de natureza técnica, os PROT apontem orientações e diretrizes para espaços de atuação específicos e diversos das circunscrições administrativas (espaços problema, espaços funcionais, unidades territoriais, etc.), estas propostas não dão origem a desenvolvimentos particulares no âmbito do sistema de governança. Esta lógica denota a forte conotação da governança territorial com os mecanismos institucionais e com os moldes formais de atuação e uma menor adesão a outros espaços de articulação mais livre. As referências a compromissos de gestão territorial de áreas funcionais, parcerias para o desenvolvimento de projetos, construções de territórios de ação durante e em função do processo são ausentes ou abstratas.

Os fatores de geração de motivação não são identificados nos PROT enquanto tal. Por isso, foram identificados a partir de uma interpretação das intenções que perpassam os enquadramentos mais teóricos e das propostas do SMAG. Considerámos como referências passíveis de incluir neste domínio de análise as realizações que possam motivar os atores a interessar-se por ter um envolvimento no processo de governança, desde a ideia de reforço do diálogo institucional, que referenciamos no PROT AML em vigor, às menções, algo vagas, de concertação estratégica e de parceria estratégica enunciadas nos PROT OVT e AML-Alteração, aos propósitos de definição de procedimentos comuns, trocas de experiências e divulgação de boas práticas, patentes nos PROT Centro e Alentejo, aos pactos territoriais/ agendas estratégicas do PROT Norte e aos mecanismos de decisão partilhada no domínio do turismo do Algarve e OVT.

O domínio de análise da formação de valores comuns está intrinsecamente ligado ao da geração de motivação, uma vez que só pontualmente conseguimos referenciar processos de construção de valor público em rede por meio de discussão e deliberação, situação aplicável no caso do setor do turismo, nos PROT Algarve e OVT, este com menor expressão. Todavia, podemos considerar que existe uma formação de valores comuns em processos menos ambiciosos do ponto de vista teórico mas de grande importância na prática, como a harmonização de procedimentos e critérios técnicos, a formação de parcerias e redes e, no geral, o próprio processo de monitorização, avaliação e gestão dos PROT na sua globalidade.

A legitimidade da decisão é um requisito central dos processos de governança que poderia considerar-se neste contexto bastante relativizado, uma vez que predominam articulações horizontais e verticais de índole institucional e que os próprios PROT remetem para a atuações gizadas pelo quadro de competências das entidades e pelo quadro legal aplicável, como está patente no Quadro 2. Todavia isto não quer dizer que não haja margem para decisão e problemas de legitimidade e legitimação da decisão uma vez que a coordenação territorial de políticas setoriais e a intervenção concorrente da administração regional e das autarquias locais em matéria de ordenamento do território apresentam margens de decisão muito amplas, com zonas de conflito e com necessidades de gestão desse conflito. As redes previstas no âmbito do SMAG e a publicitação da informação do processo de monitorização e avaliação são procedimentos que visam assegurar a legitimidade e legitimação da decisão.

A prestação de contas é exercida, essencialmente, por via dos relatórios de monitorização e avaliação, onde prepondera a apresentação do sistema de indicadores e, em alguns casos, o relato do processo de implementação. Os relatórios periódicos são bienais nos PROT, que prevêem sistemas de índole funcional, e anuais nos demais, e na generalidade pretendem-se articulados com os do Observatório do Ordenamento do Território e do Urbanismo e contribuintes dos Relatórios de Estado do Ordenamento do Território, ambos previstos no Regime Jurídico mas ainda não operacionalizados.

No segundo semestre de 2013, o PROT Algarve tinha disponível ao público um relatório (datado de 2009), mas relativo apenas ao sistema de indicadores. O PROT-OVT tinha disponíveis dois relatórios (datados de 2011 e 2012) mais completos, apresentando o sistema de indicadores e também a monitorização do programa de execução e o relato do próprio processo de gestão do PROT no âmbito do SMAG, numa ótica de aprendizagem organizacional. Os relatórios garantem as vertentes de publicitação e transparência da informação, sendo o escrutínio e a responsabilização, num primeiro nível, cometido às comissões de acompanhamento (nos casos em que estão previstas), que se pronunciam sobre os relatórios, e a um segundo nível às comunidades técnicas e científicas e aos cidadãos em geral, a partir da sua disponibilização pública on-line.

A capacitação e aprendizagem são também domínios de análise onde preponderam referências difusas, não se traduzindo em concretizações detalhadas. Todavia, é inegável que a constituição do sistema de informação e os estudos sobre as dinâmicas territoriais são ações no domínio da capacitação das instituições e das comunidades que a estes acedem. E é também inegável que as redes e esquemas de interlocução proporcionam aprendizagem organizacional.

A participação dos cidadãos é enunciada como uma componente importante da democracia participativa, mas a identificação de incentivos à participação e ao envolvimento dos cidadãos no escrutínio da implementação do plano e do processo de governança é incipiente. A participação é viabilizada pela disponibilização de relatórios de monitorização, nos sites das CCDR, e pelos sistemas de indicadores, via observatórios, sendo exígua a oferta de facilitadores adicionais, tais como, sumários executivos ou dispositivos tecnológicos facilitadores da interação (p.e. plataformas colaborativas) que melhorem a comunicação a diferentes níveis de compreensão e interesse.

 

Visões dos atores

A identificação da visão dos atores resulta da leitura dos pareceres finais e das atas das comissão de acompanhamentos, sendo que esta linha da pesquisa não revelou material assinalável, não obstante a extensa dimensão dos pareceres. Numa leitura geral constatamos apenas que no processo de elaboração dos PROT as comissões de acompanhamento demonstraram uma aceitação tácita dos SMAG e registaram algumas preocupações, sobretudo ao nível da concretização dos sistemas de governança em medidas e ações concretas a inscrever nos programas de execução e do envolvimento e participação das populações. Pode inferir-se, também, algum ceticismo sobre a efetiva operacionalidade dos SMAG na partilha de decisões.

 

 

4. Discussão e Conclusões

A situação dos vários PROT é muito diferenciada em termos de tempo de aplicação e de relato da experiência entretanto adquirida. O PROT AML, que foi o primeiro plano a ser elaborado na configuração de instrumento de natureza estratégica, apresenta um conteúdo menos desenvolvido e a estrutura nele prevista não foi operacionalizada. Os PROT Norte, Centro e AML-Alteração não estão em vigor, não existindo, portanto, condições de avaliação das virtualidades ou debilidades das estruturas previstas e dos resultados da sua operacionalização. Os PROT Algarve, OVT e Alentejo, respetivamente em vigor desde 2007, 2009 e 2010, desenvolveram as matérias da governança em moldes muito distintos e os dois primeiros apresentam já relatórios de monitorização, o do Algarve focado no sistema de indicadores e o do OVT mais abrangente.

É patente a existência de um elevado grau de discrepância entre os enunciados teóricos constantes das normas orientadoras e mesmo dos pontos específicos referentes ao SMAG e as concretizações. Os enunciados assumem um teor discursivo, declarando os princípios, as virtualidades e os objetivos da governança territorial com um grau de abrangência vasto, mas as referências a procedimentos e formas de atuação, o envolvimento de atores e as competências atribuídas são diminutos face às expetativas geradas pelo discurso. Assim, no plano retórico enunciam-se instrumentos colaborativos, de debate, de concertação e de decisão partilhada, envolvendo atores públicos e privados, mas na prática não se identificam sedes, procedimentos e ferramentas para o realizar.

Como evidências concretas de decisão partilhada, encontramos incumbências para o desenvolvimento de algumas componentes abertas do plano, para interpretar os seus conteúdos de natureza indicativa, para promover (propor) a adaptação de conteúdos específicos, ou para concertar posições em domínios concretos, como é caso do turismo, onde se inscrevem a gestão dos limiares de camas turísticas e as conferências relativas aos procedimentos concursais dos núcleos de desenvolvimento turístico do Algarve e o reconhecimento do interesse regional dos núcleos de desenvolvimento económico associados a turismo e lazer do OVT. Esta dualidade entre a ambição e a concretização é menos visível nos PROT que optaram por uma perspetiva funcional e mais alinhada com as competências das CCDR e seus órgãos.

A análise realizada tornou evidente o interesse que a matéria da governança territorial registou no contexto da elaboração e implementação dos PROT, denotando-se uma preocupação generalizada em atuar sobre a melhoria das condições do exercício administrativo, sobretudo ao nível da coordenação das políticas públicas e dos instrumentos de planeamento no território regional e, em alguns casos mais restritos, de concertar interesses públicos e privados em torno de setores ou projetos específicos.

Efetivamente a leitura conjunta dos domínios de análise relativos ao envolvimento de atores, ao tipo de interlocução e às geometrias territoriais leva-nos a inferir que os sistemas de governança dos PROT estão mais preocupados em concretizar adequados níveis de interação de planos e de políticas públicas e de interlocução entre entidades administrativas do que em partir dessa realidade para outras formas mais inovadoras de governança territorial. Esta conclusão, na nossa perspetiva, não menoriza os sistemas previstos nos PROT, antes pelo contrário, consciencializa-nos de um problema da função administrativa e da atividade de planeamento em particular, e apela à utilização destes instrumentos de planeamento para melhorar as práticas existentes.

A exiguidade da afirmação de posições por parte do fórum de atores que acompanhou a elaboração dos PROT, face a um assunto que a todos eles diz respeito, leva-nos a inferir algumas explicações cumulativas: a mais direta é a existência de uma consonância de pensamento com as abordagens do assunto apresentadas pelas CCDR, na linha de pensamento de que “só se critica quando se discorda”; a segunda é a manifestação de um alheamento face a uma matéria que ainda é pouco apreendida e que está muito mais alinhada com os discursos do que com as práticas, segundo o pensamento de que “se está mencionado está tratado”; a terceira é a de que as preocupações de coordenação, cooperação e concertação de políticas, atores e interesses são principalmente das CCDR e escapam, ainda, ao cerne das preocupações dos demais atores envolvidos, na linha de pensamento de que “a coordenação é um problema de quem coordena e não de quem tem de se coordenar”.

As abordagens dos vários PROT, sendo diferenciadas, denotam, na nossa leitura de contexto, preocupações comuns das CCDR quanto à necessidade de reforço da governança territorial, nuns casos impulsionando a ação da estrutura formal de serviços e órgãos constituídos, no sentido de dotar “velhos serviços com novas condutas” e noutros, promovendo a criação de estruturas novas, mais ou menos convencionais, no sentido de motivar “novas estruturas para velhos trabalhos”. Não tivemos, nesta pesquisa, condições para avaliar a adequação das soluções, nem tal se pretendia, mas apenas para registar as sintonias e divergências dos entendimentos de partida, as formas alternativas de concretização e alguns resultados demonstrados, considerando-se de interesse que a mesma seja continuada e desenvolvida.

A avaliação das práticas de governança territorial preconizadas nos PROT enquadra-se nas preocupações mais gerais de avaliação das políticas públicas e é uma obrigação da comunidade científica e técnica que trabalha nas áreas do ordenamento do território, não só numa perspetiva de gerar maior aderência dos discursos às práticas e de transformar o conhecimento teórico em processos operativos, mas também numa perspetiva de contributo para a formação de uma cultura administrativa e cívica mais sólida no domínio das políticas territoriais. Consideramos, aliás, que linhas de investigação da governança dos PROT são não só de interesse e utilidade evidentes, como podem criar uma maior aproximação entre as CCDR e a comunidade académica, fora dos esquemas tradicionais da consultoria próprios da elaboração dos planos, com efeitos positivos na transformação do conhecimento nos dois sentidos.

Seja por necessidades específicas ou por interesse mais geral, os PROT apresentam propostas de sistemas de governança e esquemas de interlocução horizontal e vertical com significado no panorama da atividade administrativa de planeamento no domínio do ordenamento do território. Sendo evidente das inferências da análise efetuada que estes planos contribuíram para o desenvolvimento de processos de governança territorial promovidos pelas CCDR, não podemos concluir que as potencialidades destes planos estejam a ser plenamente aproveitadas. Independentemente da modalidade e do grau de operacionalização destas estruturas justifica-se uma monitorização orientada que contribua para um melhor conhecimento e aproveitamento das mesmas.

Numa trajectória de convergência à escala europeia e mundial os instrumentos de planeamento de natureza estratégica têm vindo a afirmar-se face aos instrumentos de planeamento de natureza regulamentar, como consequência do maior alinhamento das práticas de planeamento participativo, colaborativo e deliberativo com as necessidades de flexibilidade da resposta dos planos e dos processos de planeamento em contextos sociais de grande complexidade e mutabilidade e com a nova racionalidade de partilha do poder do Estado com outros atores, no quadro dos modelos político-institucionais contemporâneos.

Nesta linha de afirmação dos instrumentos de planeamento estratégico colocam-se grandes desafios a uma organização administrativa como a portuguesa, que tem raízes profundas no funcionamento hierárquico e individualista das instituições e no planeamento racional e regulamentar do uso do solo, sendo necessário percorrer um caminho de adaptação das culturas institucionais e organizacionais que passa pela mobilização e capacitação dos atores envolvidos e pela afirmação de protagonistas, sob a forma de instituições e instrumentos, que enquadrem, promovam e dinamizem processos de transformação, assegurando a manutenção dos referenciais fundamentais da acção pública. É neste quadro que os PROT devem ser pensados e conduzidos.

 

 

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[1] PROT Norte (proposta 07/2009); PROT Centro (proposta 09/2010); PROT OVT (RCM 64-A/2009, 06/08); PROT AML (RCM 60/2002, 08/04); PROT AML (proposta alteração, 11/2010); PROT Alentejo (RCM 53/2010, 02/08); PROT Algarve (RCM 102/2007, de 03/08)

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