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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.3 no.6 Lisboa dez. 2012

 

ÚNICOS

UNIQUE

Engasgo narrativo: poética de fragmentos nos livros de artista de Pablo Mufarrej

Narrative choke: poetic of fragments in Pablo Mufarrej's artist books

 

Gil Vieira Costa*

*Brasil, artista visual. Professor de Artes Visuais na Escola Superior Madre Celeste (ESMAC). Professor de Artes na Secretaria de Educação do Estado do Pará (SEDUC/PA), Técnico em Gestão Cultural (Artes Visuais) na Fundação Curro Velho. Mestre em Artes, Universidade Federal do Pará (UFPA). Bacharelado e Licenciatura em Artes Visuais, Escola Superior Madre Celeste (ESMAC).

Endereço para correspondência

 

 

RESUMO:
Pretende-se estudar livros-objeto que compõem obras do artista Pablo Mufarrej. Abordam-se as seguintes relações desta produção: com as outras partes constitutivas das obras de que fazem parte; com as questões de tempo e espaço; e com o conceito de engasgo narrativo, elaborado neste artigo.

Palavras chave: Pablo Mufarrej; engasgo narrativo; livro-objeto.

 

ABSTRACT:
The aim is to study the book-objects that compose Pablo Mufarrej's art works. The following relationships within this production are addressed: book-objects and the other constituent elements of the art works they are part of; questions of time and space; and the concept of narrative choke, elaborated in this article.

Keywords: Pablo Mufarrej; narrative choke; book-object.

 

 

Considerações iniciais

Pablo Mufarrej (1982, Belém) é um artista contemporâneo brasileiro, formado em Educação Artística/Artes Plásticas. Atualmente faz parte do grupo Atelier do Porto, que reúne criadores interessados na experimentação da arte. Sua produção envereda por xilogravura, pintura, instalação, sessões, entre outras linguagens, tendo o artista participado de exposições individuais e coletivas, na cidade de Belém (onde reside) e em outras cidades no Brasil, Alemanha e França.

A produção artística de Pablo Mufarrej tem como uma de suas evidentes características o refinamento – técnico e conceitual. Serão investigados alguns tópicos a partir de cinco livros-objeto (chamados de álbuns ou cadernos pelo artista), que fazem parte das obras Ascese (2005), Duo (2006), Lugar-comum (2007), Creio porque é absurdo (2007) e Mecanismo imaginário para harmonia social (2010). Algumas dificuldades se impõem de imediato: a questão de tais livros de artista não existirem individualmente enquanto obra, mas constituírem instalações complexas; e a questão da quase inexistência de outras reflexões sobre a produção do artista.

De início, é necessário sublinhar uma ideia: dada a complexidade da produção em análise, duas imagens mitológicas serão levantadas. Primeiro, a obra de arte como labirinto, no qual os caminhos são muitos, mas as saídas são poucas, correndo-se o risco de se perder nos primeiros sem jamais encontrar as segundas. Segundo, a obra de arte como esfinge, guardiã e ao mesmo tempo enigma, sempre disposta a estrangular os inaptos para enfrentá-la. A produção artística de Pablo Mufarrej potencializa, aparentemente, tanto o labirinto quanto a esfinge. Traz embutida em si, como nos aponta o próprio Mufarrej (2012), uma poética de fragmentos.

 

1. O livro de artista integrado a outros elementos constitutivos da obra

Os livros-objeto aqui abordados fazem parte de agrupamentos de elementos diversos. O artista mescla variadas linguagens experimentando as possibilidades de cada uma, compondo quebra-cabeças conceituais situados na intercessão (que o artista denomina de manipulação construtiva) entre assemblagem, escultura, instalação, como no exemplo da Figura 1. Para Pablo Mufarrej (2012) "Fragmentar uma ideia era fundamental, pois, sem perceber, estava criando um dos aspectos marcantes de minha produção, que é uma espécie de 'poética de fragmentos', onde partes são apresentadas com o intuito de formar um todo conceitual." Tal como os livros-objeto, em sua produção são recorrentes caixas em madeira, pinturas (e gravura, no caso de Duo), letras e palavras espalhadas aparentemente de forma caótica, copos, frascos e demais objetos apropriados do cotidiano.

 

 

As obras em questão também evidenciam relações de tempo e espaço. Tempo que é não somente uma percepção do momento histórico, mas também diz respeito à duração necessária para que se percorra o labirinto da obra, decifre-o como um enigma, e assim se estabeleça uma narrativa entre suas páginas. A condição dessa produção é a do 'vir a ser', assim como a de 'existência incerta' (Cauquelin, 2008: 97), dada a possibilidade de não ser concluída (ou lida). Assim também o espaço: tanto o espaço tridimensional a ser percorrido nas obras, quanto o lugar chamado Amazônia, onde o artista se insere. Pablo Mufarrej foge aos signos estereotipados de uma chamada visualidade amazônica, e busca refletir sobre aquilo que lhe cerca, pinçando elementos do real, do íntimo e do subjetivo (Figura 2). O lugar (uma questão, assim como o tempo, sempre relevante em sua produção) é tanto a paisagem objetiva quanto a subjetiva, tanto o exterior quanto o interior, o macrossocial como o psicológico.

 

 

Essa relação de tempo/espaço, tanto dos livros-objeto inseridos nas obras, quanto da percepção de tempo/espaço inserida nas obras, proporciona aquilo que se identifica como narrativa. Segundo Edith Derdyk (2012: 171):

O livro-objeto, tomado pelos seus significantes, seus índices e sinais, se configura essencialmente como objeto narrativo, porém sem ter de contar coisa alguma – caso, relatos, histórias – a não ser a própria experiência ao liberar espacialidades e temporalidades a partir do instante em que ele é manuseado. Somente a partir dessa ação primeira, o livro-objeto se desata.

 

2. O engasgo narrativo ou a poética de fragmentos

A complexidade da construção das obras de Pablo Mufarrej potencializa a ideia de arte como esfinge e labirinto. As obras, em vez de contempladas, devem ser percorridas com certa dose de astúcia. Os livros-objeto que delas fazem parte necessitam ser ativados pelo manuseio do leitor. Daí é que se pode falar em narrativa e, com Derdyk (2012), em certa narrativa coreográfica própria dos livros de artista. Como se o leitor (tato, visão, olfato, audição) executasse uma dança enquanto percorre os fragmentos do labirinto, enquanto se depara com o exprimível, através do tempo (Cauquelin, 2008: 103).

Considerando a fragmentação característica da produção do artista, podemos falar de certa saturação sígnica e de certa polifonia nas obras em questão. Os livros-objeto, tais quais as instalações de que fazem parte, agregam textos compondo uma narrativa complexa e intrincada. Labiríntica. Uma narrativa visual de 'ênfase plástica', ou ainda certo 'equilíbrio narrativo entre imagem e palavra' (Silveira, 2008), que foge da experiência cotidiana e requer do leitor certa capacidade de decodificação. Levanto, portanto, a ideia de engasgo narrativo: multiplicidade de textos sígnicos transbordando na percepção da obra. Engasgo não como uma obstrução da fala, mas como uma necessidade de dizer mais do que o veículo permite. Engasgo narrativo tendo a obra como uma passagem estreita, pela qual se comprimem as diversas vozes que pulsam buscando eco. Portanto, outra espacialização, outra temporalização, que pressupõe o fragmento como parte de uma narrativa que deve ser construída (ajuntada) pelo leitor.

 

Considerações finais

Na produção aqui analisada o diálogo com as obras requer esforço do leitor-experimentador, para que o mesmo decifre os enigmas e compreenda o significado daquela fala engasgada, fragmentária. Pode-se contrapor tal característica às facilidades da informação no mundo contemporâneo, toda ela disponível para a maioria das pessoas, ao custo de alguns cliques. A saturação de signos aparece em ambos os casos, mas, enquanto nesta produção artística ela é como um quebra-cabeça a ser montado pelo leitor-investigador, nos meios de comunicação ela é geralmente como uma ração mastigada, que subtrai ao leitor-consumidor quase toda capacidade de criação e construção de conhecimento. A arte contemporânea, quando labirinto e enigma, afirma uma potência dos objetos e processos criativos em arrancar o espectador de um estado passivo, convidando-o à investigação de sentidos e significados. Os livros-objeto de Pablo Mufarrej, entesourados em gavetas que mais parecem recônditos do âmago do próprio artista, balbuciam narrativas (através de uma rede de fragmentos visuais, textuais e conceituais) que o Outro só compreenderá ao dedicar um pouco mais de atenção àquele engasgo.

 

Referências

Cauquelin, Anne (2008) Frequentar os incorporais: contribuições a uma teoria da arte contemporânea. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Martins. ISBN 9788599102749.         [ Links ]

Derdyk, Edith (2012) A narrativa nos livros de artista: por uma partitura coreográfica nas páginas de um livro. Pós: Belo Horizonte, v. 2, n. 3, p. 164-173, maio 2012. ISSN 22382046.         [ Links ]

Mufarrej, Pablo (2012) A descoberta da narrativa. [Consult. 2012-07-13] Hipertexto. Disponível em http://pablomufarrej.blogspot.com.br/2012/03/descoberta-da-narrativa.html        [ Links ]

Silveira, Paulo (2008) As existências da narrativa no livro de artista. Tese de doutorado em Artes Visuais. Porto Alegre: Instituto de Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.         [ Links ]

 

Artigo completo recebido a 9 de setembro, e aprovado a 23 de setembro, 2012.

 

 

Endereço para correspondência

Correio eletrónico: gilvieiracosta@hotmail.com (Gil Costa).

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