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Comunicações Geológicas

versão impressa ISSN 1647-581X

Comunicações Geológicas  n.97 Amadora  2010

 

Partição da deformação Varisca nos sectores de Peso da Régua e Vila Nova de Foz Côa (Autóctone da Zona Centro Ibérica)

 

N. Moreira1*; M. Búrcio**; R. Dias*** & C. Coke****

* Centro de Ciência Viva de Estremoz e LIRIO (Laboratório de Investigação de Rochas Industriais e Ornamentais da Escola de Ciências e

Tecnologia da Universidade de Évora); nmoreira@estremoz.cienciaviva.pt

** SOLICEL (Sociedade do Centro Industrial de Esteios de Lousa, Lda) e LIRIO (Laboratório de Investigação de Rochas Industriais e Ornamentais da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora); solicel@solicel.pt

*** Escola de Ciências e tecnologia da Universidade de Évora (LIRIO – Laboratório de Investigação de Rochas Industriais e Ornamentais – e Departamento de Geologia) e CGE (Centro de Geofísica de Évora); rdias@uevora.pt

**** Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Departamento de Geologia e CGE (Centro de Geofísica de Évora); ccoke@utad.pt

1 Autor responsável pela correspondência.

 

Resumo

A actuação da primeira e principal fase de deformação Varisca no eixo Marão-Vila Nova de Foz Côa (Autóctone da Zona Centro-Ibérica) induziu a formação de amplas zonas pouco deformadas com dobramentos amplos, alternando com zonas contemporâneas onde se observa uma deformação bastante mais acentuada; os critérios cinemáticos presentes levam a crer que estas zonas tenham funcionado como corredores de cisalhamento esquerdo de direcção WNW-ESE durante esta fase de deformação. A geometria e cinemática exibidas nas formações câmbricas do Grupo do Douro dos sectores de Peso da Régua e Vila Nova de Foz Côa, permite evidenciar um padrão típico de partição da deformação, lateralmente extenso, com importância regional. Esta distribuição estrutural permite uma melhor compreensão da zona axial de uma estrutura em flor que está presente nos sectores mais setentrionais do Autóctone da Zona Centro-Ibérica e que é aqui denominada como Estrutura em Flor do Douro. A continuidade lateral da estrutura regional desde o Marão a Vila Nova de Foz Côa apenas é interrompida por corredores de cisalhamento tardi-variscos esquerdos de direcção NNE-SSE, reactivados posteriormente durante o ciclo Alpino.

Palavras-chave: D1 Varisca, Autóctone Zona Centro-Ibérica, Cisalhamentos Esquerdos WNW-ESE, Estrutura em Flor.

 

Strain partitioning of Variscan deformation in the Peso da Régua and Vila Nova de Foz Côa region (Centro Iberian Zone autochthon)

Abstract

The first and main Variscan deformation phase in Marão-Vila Nova de Foz Côa axis (Centro Iberian Autochthon) induced the formation of wide zones gently folded bounded by coeval narrow bands emphasizing stronger deformation. These bands are associated with a WNW-ESE shear zones with a sinistral kinematics. In the Douro Group Cambrian formation of Peso da Régua and Vila Nova de Foz Côa sectors, is possible to see a clear relationship between the narrow bands emphasizing stronger deformation and the regional sinistral shear zones. This geometry shows an extensive area with strong strain partitioning which emphasize the presence of a regional major structure. Such structural pattern characterizes the axial zone of the flower structure, create by the sinistral transpressive regime in northern sectors of the Centro Iberian autochthon during the Variscan orogeny. This structure is here named Douro Flower Structure. The lateral continuity of this regional structure from Marão to Vila Nova de Foz Côa that was possible to put in evidence by this work is interrupted by NNE-SSE Tardi-Variscan sinistral shear-zones, that are reactivated during the Alpine Orogeny.

Keywords: D1 Variscan deformation, Centro Iberian Autochthon, WNW-ESE Sinistral Shears, Flower Structure.

 

1. INTRODUÇÃO

O Maciço Ibérico tem-se revelado de grande importância para a compreensão da evolução geodinâmica da Cadeia Varisca (Fig. 1A).

 

Fig. 1A – Divisões do Maciço Ibérico (adaptado de RIBEIRO et al., 1979; 1990; SAN JOSÉ et al., 2004): CZ – Zona Cantábrica, WALZ – Zona Oeste Astúrico-Leonesa, GTOMZ – Zona de Galiza Trás-os-Montes, CIZ – Zona Centro-Ibérica, OMZ – Zona de Ossa-Morena, SPZ – Zona Sul Portuguesa, MCS – Sequências Meso-Cenozóicas; B – Principais unidades geológicas da zona Centro-Ibérica com indicação da vergência das estruturas D1 (adaptado de DIAS, 2006 e DIAS et al., 2006); C – Corte geológico esquemático transversal à Zona Centro Ibérica (adaptado de RIBEIRO et al., 2007).

– A – Main Iberian Massif units (adapted from Ribeiro et al., 1979; 1990; San José et al., 2004): CZ – Cantabrian Zone; WALZ – West Asturian-Leonese Zone; GTOMZ – Galicia Trás-os-Montes Zone; CIZ – Centro Iberian Zone, OMZ – Ossa-Morena Zone; SPZ – South Portuguese Zone; MCS – Meso-Cenozoic sequences; B – Main geologic units of Centro Iberian Zone, with D1 structures facing (adapted from Dias, 2006 e Dias et al., 2006); C –Centro Iberian Zone geological cross-section (adapted from Ribeiro et al., 2007).

 

Estudos realizados na Serra do Marão (Coke, 2000) evidenciaram a coexistência de sectores do Paleozóico inferior onde a deformação Varisca principal (usualmente designada por D1) é incipiente, contrastando com estreitas faixas onde esta deformação é bastante acentuada. Os critérios cinemáticos existentes nestes domínios mais deformados evidenciam que eles terão funcionado essencialmente como corredores de cisalhamento esquerdo, o que é compatível com o regime transpressivo esquerdo que tem vindo a ser descrito para a generalidade dos sectores setentrionais do Autóctone da Zona Centro-Ibérica (e.g., Ribeiro et al., 1990).

Tendo em vista uma melhor compreensão da importância regional deste padrão de deformação heterogénea, procedeu-se a estudos detalhados de cartografia estrutural nas formações do Grupo do Douro no sector de Peso da Régua e de Vila Nova de Foz Côa, os quais são descritos neste trabalho.

 

2. ENQUADRAMENTO GEOLÓGICO

2.1. Enquadramento estrutural

A Zona Centro-Ibérica é um domínio bastante heterogéneo do orógeno Varisco, compreendendo áreas com diferentes graus de metamorfismo, desde baixo a alto grau e abundantes granitóides (Ribeiro et al., 1990). Para além da heterogeneidade metamórfica, é possível observar uma acentuada heterogeneidade estrutural, a que não é estranha a existência de um complexo de empilhamentos de mantos alóctones e parautóctones sobrepostos às formações autóctones (Fig. 1 B e C). Embora tenha sido possível evidenciar a sobreposição de vários eventos variscos dúcteis (e.g., Ribeiro et al., 1990; 2007) a generalidade da estrutura do autóctone é devida à actuação da primeira fase de deformação Varisca (D1). A vergência das estruturas associadas a esta fase de deformação, existente nos sectores setentrionais do autóctone, permitiram evidenciar a existência de uma Estrutura em Flor (“flower structure”) positiva à escala regional (Ribeiro et al., 1979; Dias, 1998; Dias & Ribeiro, 1998; Dias et al., 2006) a qual designamos aqui por Estrutura em Flor do Douro e que em trabalhos anteriores têm vindo por vezes a ser referida como Estrutura em Flor Setentrional. Esta estrutura em flor apresenta um ramo nordeste bem desenvolvido e vergente para NE, que passa gradualmente à zona Oeste Astúrico-Leonesa e um ramo curto sudoeste caracterizado pela presença de dobras com vergência para W a SW (Fig. 1B) evidentes, por exemplo em Valongo, Oliveira de Azeméis e Caramulo.

As dobras D1 encontram-se espacialmente associadas a corredores de cisalhamento esquerdos subparalelos aos planos axiais das mesmas, apresentando charneiras pouco inclinadas em geral inferiores a 20º (Dias & Ribeiro, 1998; Dias, 1998, Coke, 2000; Dias et al., 2006). A contemporaneidade entre dobras e cisalhamentos é expressa pela relação com a clivagem principal (S1); com efeito, nas dobras esta estrutura é de plano axial ou em leque (Fig. 2A), enquanto nos cisalhamentos a cinemática esquerda é evidenciada por diversos marcadores, como por exemplo a distorção de porfiroclastos (Fig. 2B) ou a génese de estruturas C-S (Fig. 2C).

 

Fig. 2 – Estruturas associadas à deformação D1 Varisca nos sectores setentrionais do Autóctone da Zona Centro-Ibérica desenvolvidas em quartzitos ordovícicos. (A) Dobras mesoscópicas com clivagem de plano axial na região de Torre de Moncorvo; (B) Componente de cisalhamento esquerdo marcada pela distorção de clastos de quartzo em metaconglomerados; (C) Componente de cisalhamento esquerdo marcada por fábricas do tipo C-S.

– D1 variscan structures developed in Ordovician quartzite of the northern sectors Centro Iberian Zone. (A) Mesoscopic folds with axial plane cleavage in Torre de Moncorvo region; (B) Sinistrogiral shear component affecting quartz clasts in metaconglomerates; (C) Sinistrogiral shear component with C-S fabrics.

 

No entanto, o abundante plutonismo varisco associado aos eventos tectónicos tardios, relacionados com a 3.ª fase de deformação regional, oblitera grande parte dos sectores centrais da estrutura em flor do Douro até porque, nalguns casos, as anisotropias com ela relacionada condicionaram a ascensão dos próprios batólitos graníticos; isto leva a que o conhecimento que se tem desta macroestrutura seja bastante heterogéneo, existindo áreas onde é possível acompanhar a estrutura com detalhe, adjacentes a outras caracterizadas por importantes lacunas de informação. Com efeito, embora o seu ramo N esteja relativamente bem conhecido, tendo sido objecto de alguns estudos conducentes a teses de doutoramento (e.g., Coke, 2000; Dias, 1994), nos restantes sectores o conhecimento é mais parcial.

 

2.2. Enquadramento litostratigráfico

O Autóctone Centro Ibérico em Portugal apresenta um conjunto de unidades com idades compreendidas entre o Pré-Câmbrico e o Carbónico (Fig. 3) sendo possível reconhecer duas megassêquencias (Romão et al., 2005; Dias et al., 2006):

– Super-Grupo Dúrico-Beirão (anteriormente designado por Complexo Xisto-Grauváquico ante-Ordovícico por Carrington da Costa, 1950 e Teixeira, 1955) tradicionalmente subdividido em Grupo do Douro e Grupo das Beiras (Oliveira et al., 1992a);

– Megassequência pós-Câmbrica, com fácies detríticas transitando para pelítica (da base para o topo), com conglomerado de base revelando um regime transgressivo e um regime regressivo no topo de idade ordovícica, marcado por formações glaciogénicas. No Devónico assiste-se uma transição de sedimentação dum ambiente e plataforma nerítica para uma situação de talude. Por fim o Carbónico apresenta fácies essencialmente continental (Ribeiro et al., 1979; Sousa e Wagner, 1983).

A megassequência ante-ordovícica é a única que tem expressão nos sectores estudados (Fig. 3), razão pela qual será descrita com algum detalhe. A continuidade espacial desta megassequência, que abrange grande parte do Autóctone da Zona Centro-Ibérica, é interrompida pelos granitos variscos e por manchas de sedimentos paleozóicos pós-câmbricos. A passagem do Grupo do Douro para o Grupo das Beiras é colocada numa linha que passa por S. João da Madeira, Viseu e Serra da Malcata, materializando o desaparecimento dos calci-turbiditos presentes no Grupo do Douro (Oliveira et al., 1992a). A existência de características distintas entre estas duas sequências definidas na região do Douro (a Norte) e na região das Beiras (a Sul) levou a considerar a existência de duas sub-bacias independentes, separadas por uma anisotropia crustal importante, associada ao acidente Porto-Viseu-Guarda evidenciada pelos dados gravimétricos e aeromagnéticos (Dias, 1998; Coke et al., 2000b; Dias et al., 2006). As diferenças tendem a esbater-se com a evolução das sub-bacias para uma única bacia durante o Ordovícico-Devónico inferior.

 

Fig. 3 – Mapa geológico simplificado e enquadramento geográfico das duas áreas estudadas (adaptado de OLIVEIRA et al., 1992b).

– Simplified geological map and geographic setting of both studied areas (adapted from Oliveira et al., 1992b).

 

A sequência do Grupo do Douro (onde se inserem as áreas estudadas) foi estabelecida por Sousa (1982), que distinguiu seis formações (da base para o topo): Bateiras, Ervedosa, Rio Pinhão, Pinhão, Desejosa e S. Domingos. Trabalhos posteriores (Silva & Ribeiro, 1985; Silva et al., 1995) mostraram que algumas destas formações estariam duplicadas tectonicamente devido ao carreamento gravítico sin-sedimentar da S.ª do Viso. A identificação deste acidente sin-sedimentar ocorrido durante a sedimentação da Formação da Desejosa (Silva & Ribeiro, 1985; Coke et al., 2000b), permitiu explicar a semelhança de fácies entre a Formação da Ervedosa e a Formação do Pinhão e entre a Formação Bateiras e a Formação de Rio Pinhão, pelo que actualmente se considera a existência de apenas quatro formações: Bateiras, Ervedosa, Desejosa e S. Domingos (Fig. 4).

 

Fig. 4 – Coluna estratigráfica simplificada do Grupo do Douro pondo em evidência o carreamento sin-sedimentar de Nossa Senhora do Viso e a repetição de duas das formações descritas por SOUSA (1982).

– Simplified lithostratigraphic column of Douro Group showing Nossa Senhora do Viso sin-sedimentary thrust and the duplication of two Formations described by Sousa (1982).

 

Estas formações apresentam, de um modo geral, características turbidíticas constituídas por alternâncias de filitos e metagrauvaques, sendo que a sua diferenciação se baseia na variação das percentagens relativas de areias e argilas, bem como pela natureza e importância dos turbidítos. Quanto à idade das formações do Grupo do Douro, estão balizadas superiormente pela ocorrência de trilobites mal preservadas na Formação da Desejosa e na Formação do Pinhão pela existência de icnofósseis que apontam uma idade Câmbrica (possivelmente Câmbrico inferior; Rebelo & Romano, 1986; Mc Dougall et al., 1987).

A formação da Desejosa representa o topo do Complexo Xisto-Grauváquico na área em estudo. Trata-se de uma alternância de xistos negros com espessuras centimétricas e leitos de material psamítico com cerca de 1 cm, apresentando desta forma um aspecto listrado típico (Coke, 1992; 2001). Em alguns locais os leitos siltíticos surgem convolucionados, realçando as características turbidíticas desta formação.

 

3. DEFORMAÇÃO VARISCA NOS SECTORES DE PESO DA RÉGUA E VILA NOVA DE FOZ CÔA

Estudos recentes de cartografia estrutural realizados nas formações do Grupo do Douro dos sectores de Peso da Régua e de Vila Nova de Foz Côa permitiram evidenciar um estilo de deformação que, embora heterogénea apresenta algumas características gerais que se repetem à escala regional.

 

3.1. Sector Peso da Régua

Na região de Peso da Régua (Fig. 5) a deformação evidenciada nos metassedimentos do Grupo do Douro caracteriza-se essencialmente pela actuação da primeira fase de deformação varisca (D1). Esta situação é aliás comum à generalidade do Autóctone da Zona Centro-Ibérica, embora nalguns locais as deformações associadas, quer à implantação das unidades alóctones / parautóctones, quer à intrusão dos maciços graníticos, possa ser muito importante, provocando a profunda distorção das estruturas D1 (e.g., Ribeiro et al., 1990; Dias et al., 2006).

Seguidamente, apresentar-se-á de forma sucinta a análise geométrica das principais estruturas associadas à principal fase de deformação (D1) observadas neste sector.

 

Fig. 5 – Esboço geológico e estrutural do sector de Peso da Régua (dados estruturais do Grupo do Douro sobrepostos à cartografia regional adaptada de TEIXEIRA et al., 1967; SOUSA et al., 1987; COKE, 2000).

– Structural and geological sketch of Peso da Régua sector (structural data of Douro Group are overlapping the regional cartography adapted from Teixeira et al., 1967; Sousa et al., 1987; Coke, 2000).

 

3.1.1. Estratificação (S0)

Neste sector, o dobramento é caracterizado de um modo geral por dobras amplas de orientação geral WNW-ESE caracterizadas por flancos onde as inclinações moderadas (< 20º) para SSW são claramente predominantes (Fig. 6); muito embora os planos axiais destas dobras sejam muito verticalizados, existe uma ligeira vergência para NNE. Como o dobramento apresenta normalmente um grande comprimento de onda, a medição directa dos eixos é difícil. No entanto, devido ao comportamento claramente cilíndrico dos dobramentos é fácil deduzir eixos com um comportamento muito regular mergulhando ligeiramente (< 10º) para WNW, que correspondem ao pólo do círculo máximo definido pelos pólos das medições da estratificação (Fig. 6). Este tipo de geometria é idêntico ao descrito por Coke (1992; 2000) nas formações do Ordovícico da Serra do Marão, localizadas imediatamente a W do sector estudado (Fig. 5).

 

Fig. 6 – Diagrama de densidades de pontos referentes a pólos dos planos de estratificação (S0), para o sector de Peso da Régua (rede de Schmidt, hemisfério inferior).

– Stereographic projection of S0 stratification (contoured equal area lower hemisphere), from Peso da Régua Sector.

 

Apesar da existência de uma grande homogeneidade na geometria das estruturas Variscas neste sector, esta homogeneidade não é real quando se tem em conta a sua distribuição espacial. Com efeito, em faixas, de dimensão variável (métrica a decamétrica em geral, mas atingindo por vezes uma largura quilométrica), o dobramento amplo dá lugar a dobras apertadas também com uma direcção geral WNW-ESE, onde a estratificação se apresenta muito verticalizada. Embora nestes sectores mais deformados os critérios cinemáticos não sejam muito claros devido à homogeneidade das formações do Grupo do Douro, é provável que eles correspondam às zonas de cisalhamento esquerda D1 que têm sido identificadas a nível regional (Ribeiro et al., 1990; Dias & Ribeiro, 1995), tanto mais que no sector de Ferrarias as faixas mais deformadas se encontram na continuidade de um dos principais corredores de cisalhamento esquerdos identificados na Serra do Marão (Fig. 5; Coke, 2000, Dias et al., 2006).

O comportamento anteriormente referido, onde zonas pouco deformadas com um dobramento muito amplo alternam com estreitos corredores onde a deformação é mais intensa, altera-se nos sectores mais setentrionais da região estudada; com efeito, a deformação acentua-se e as dobras apertadas passam a predominar. Nesta zona mais setentrional, a estratificação apresenta em geral uma direcção semelhante à dos restantes sectores no entanto, com pendores mais elevados. É de salientar que o dobramento, apesar de mais forte continua a apresentar características muito semelhantes no que diz respeito à vergência das estruturas e ao carácter pouco inclinado dos eixos das dobras. A transição entre estas duas áreas, exibindo dois tipos de deformação distintos, faz-se na região de Santa Marta de Penaguião – Ermida; este limite encontra-se rejeitado em esquerdo pelas falhas tardi-variscas de Peso da Régua, que fazem parte do sistema principal Penacova-Régua-Verin (Fig. 5).

 

3.1.2. Clivagem (S1)

No que se refere à clivagem (S1), no sector em causa esta apresenta uma atitude média de N74ºW, 83ºS, compatível com a ligeira vergência para NNE das estruturas (Fig. 7). No entanto, como seria espectável, existe uma ligeira variabilidade, principalmente no que se refere à inclinação desta estrutura planar, a qual pode ser explicada, tanto pela tendência para que a clivagem se desenvolva em leque, como por oscilações normais em torno de uma posição subvertical; a possibilidade da dispersão ser causada pela influência de deformações posteriores não é de prever, tendo em consideração o fraco desenvolvimento que estas apresentam na região estudada.

 

Fig. 7 – Diagrama de densidades de pontos referentes a pólos de clivagem (S1) para o sector de Peso da Régua; atitude média da clivagem N74ºW, 83ºS (rede de Schmidt, hemisfério inferior).

– Stereographic projection of S1 cleavage poles (contoured equal area lower hemisphere), from Peso da Régua Sector (main frequency around N74ºW, 83ºS).

 

No que diz respeito à dispersão espacial de S1 verifica-se que, tal como seria de esperar, esta é muito mais penetrativa ao longo dos corredores mais deformados onde a estratificação adoptava um maior pendor; em alguns destes corredores, chega a ocorrer a transposição da estratificação pela clivagem.

 

3.1.3. Lineação de Intersecção (L1)

No que diz respeito à lineação de intersecção L1, importa referir que no sector em causa esta apresenta grande homogeneidade apresentando um valor médio de 10, N74ºW (Fig. 8). É de salientar que este valor coincide com a atitude deduzida para os eixos das dobras desenvolvidas nas formações do grupo do Douro da região de Peso da Régua (Fig. 6), o que demonstra a inexistência de transecção neste sector; este comportamento é semelhante ao descrito para as formações ordovícicas da Serra do Marão (Coke, 2000; Coke et al., 2003; Dias et al., 2006).

 

Fig. 8 – Diagramas de densidades de pontos referentes a lineações de intersecção estratificação/clivagem (L1) para o sector de Peso da Régua (rede de Schmidt, hemisfério inferior).

– Stereographic projection of L1 intersection lineation (contoured equal area lower hemisphere), from Peso da Régua Sector.

 

3.1.4. Lineação de Estiramento (X1)

Devido à fraca intensidade da deformação no sector estudado, o desenvolvimento das lineações de estiramento é incipiente pelo que elas apenas se desenvolvem localmente. Os poucos valores medidos apresentam atitudes próximas de 5º, N86ºW, ou seja, fazem um ângulo pequeno com os eixos das dobras, evidenciando assim um estiramento subparalelo ao eixo das dobras, o que está de acordo com o padrão regional (Ribeiro et al., 1990; Dias et al., 2006).

 

3.2. Sector Vila Nova de Foz Côa

A região de Vila Nova de Foz Côa (Fig. 9) foi objecto de uma série de estudos nos últimos anos, quer de índole litostratigráfica (e.g., Sousa, 1979, 1981), quer estrutural (Búrcio, 2004; Búrcio et al., 2006). Tal como na região de Peso da Régua, o padrão estrutural apresentado resulta essencialmente da actuação de uma única fase de deformação (a D1) situação que, como já foi referido, é comum à generalidade do Autóctone da Zona Centro-Ibérica (e.g., Ribeiro et al., 1990; Dias et al., 2006).

 

Fig. 9 – Esboço estrutural simplificado do Sector de Vila Nova de Foz Côa (adaptado de BÚRCIO, 2004).

– Simplified structural sketch from Vila Nova de Foz Côa (adapted from Búrcio, 2004)

 

Seguidamente, apresentar-se-á de forma sucinta a análise geométrica das principais estruturas associadas à principal fase de deformação (D1) observadas neste sector.

 

3.2.1. Estratificação (S0)

O sector em causa é caracterizado pela presença de dobramento de primeira ordem com planos axiais de direcção WNW-ESE (Fig. 9), subverticais e eixos mergulhando predominantemente para ESE.

A análise geométrica dos planos de estratificação evidencia o predomínio de leitos subhorizontais suavemente ondulados definindo dobramentos com um estilo cilíndrico (Fig. 10) o que permite, tal como foi feito para a região de Peso da Régua, estimar a atitude dos eixos que se apresentam agora ligeiramente mergulhantes para ESE (8º, S56ºE), os quais se encontram separados por anticlinais estreitos e apertados nos quais a inclinação dos flancos atinge os 70º. Os eixos destes dobramentos apresentam-se por vezes ligeiramente ondulantes, originando terminações periclinais; este comportamento pode ser também evidenciado no sinclinal de Castelo Melhor, o que se torna mais evidente do ponto de vista cartográfico devido ao afloramento das formações ordovícicas. A geometria ondulante dos eixos tem sido interpretada por alguns autores (Ribeiro, 1974; Dias, 1994) como sendo resultante do achatamento diferencial perpendicular aos planos axiais. É de realçar que a homogeneidade dos eixos contrasta com uma assimetria principal a nível das dobras de 1.ª ordem. Com efeito, enquanto os sinclinais se apresentam muito abertos com charneiras amplas (Fig. 11A) e flancos muito suaves (geralmente inferiores a 10º) os anticlinais são apertados e com inclinação dos flancos que chega a atingir os 70º; uma outra característica dos anticlinais é o facto de estarem normalmente sublinhados por dobramentos de 2.ª ordem muito apertados (por vezes quase isoclinais; Fig. 11B) o que define faixas estreitas e muito deformadas que contrastam com as zonas pouco deformadas associadas aos sinclinais.

 

Fig. 10 – Diagramas de densidades de pontos referentes a pólos dos planos de estratificação (S0) para o sector de Vila Nova de Foz Côa (rede de Schmidt, hemisfério inferior).

– Stereographic projection of S0 stratification (contoured equal area lower hemisphere), from Vila Nova de Foz Côa sector.

 

Fig. 11 – Estilo de dobramentos D1 no sector de Vila Nova de Foz Côa. (A) Zona de charneira muito ampla do sinclinal de 1.ª ordem do Poio; (B) Dobramentos de 2.ª ordem muito apertados associados ao anticlinal de Vale Moinhos.

– D1 Folding style in Vila Nova de Foz Côa Sector. (A) Wide hinge zone in the Poio first order syncline; (B) Narrow second order folds associated with Vale de Moinhos anticline.

 

3.2.2. Clivagem (S1)

Em toda a área existe o desenvolvimento de uma clivagem contemporânea da génse das dobras (S1), a qual apresenta uma atitude média bastante constante e muito inclinada (N54ºW, 83º NE; Fig. 12); esta situação evidencia a inexistência de vergência acentuada nos dobramentos variscos do sector de Vila Nova de Foz Côa. Nos anticlinais de 1.ª ordem a clivagem apresenta-se muito mais penetrativa, chegando a haver transposição de S0 por S1; nestas zonas mais deformadas é frequente encontrarem-se indicadores cinemáticos de movimentação esquerda, tais como a existência de estruturas C-S (Búrcio, 2004).

 

Fig. 12 –Diagramas de densidades de pontos referentes a pólos dos planos clivagem (S1) para o sector de Vila Nova de Foz Côa (rede de Schmidt, hemisfério inferior).

– Stereographic projection of S1 cleavage poles (contoured equal area lower hemisphere), from Vila Nova de Foz Côa Sector.

 

3.2.3. Lineação de Intersecção (L1)

Na região de Vila Nova de Foz Côa a lineação de intersecção L1 apresenta uma baixa dispersão em torno de 9º, S52ºE (Fig. 13). O paralelismo entre esta lineação e a atitude geral dos eixos das dobras aqui existentes (8º, S56ºE; Fig. 10) mostra a inexistência de transecção nos dobramentos variscos na área em causa.

 

Fig. 13 –Diagramas de densidades de pontos referentes a lineações de intersecção estratificação/clivagem (L1) para o sector de Vila Nova de Foz Côa; esta lineação apresenta atitude 9º, S52ºE no sector em causa (rede de Schmidt, hemisfério inferior).

– Stereographic projection of L1 intersection lineation (contoured equal area lower hemisphere), from Vila Nova de Foz Côa Sector (main frequency around 9º, S52ºE).

 

3.2.4. Lineação de Estiramento (X1)

Nesta área, ao contrário do que acontece no sector de Peso da Régua, constata-se um desenvolvimento mais generalizado das lineações de estiramento associadas à primeira fase de deformação Varisca (D1); estas apresentam-se pouco inclinadas, com uma atitude geral a rondar 5º, S51ºE (Fig. 14), sendo subparalelas à lineação de intersecção L1. Este estiramento faz-se por isso segundo o eixo das dobras da primeira fase D1 situação, que como já foi referida, é comum nos sectores mais setentrionais do Autóctone da Zona Centro-Ibérica (Ribeiro et al., 1990; Dias, 1994; Dias & Ribeiro, 1994; Dias et al., 2006).

 

Fig. 14 –Diagramas de densidades de pontos referentes à lineações de estiramento (X1) para o sector de Vila Nova de Foz Côa; atitude média para a lineação 5º, S51ºE (rede de Schmidt, hemisfério inferior).

– Stereographic projection of X1 stretching lineation (contoured equal area lower hemisphere), from Vila Nova de Foz Côa Sector (main frequency around 5º, S51ºE).

 

3.3. Cisalhamentos Regionais WNW-ESE

Em ambos os sectores estudados destaca-se a presença de importantes cisalhamentos esquerdos de direcção WNW-ESE ao longo dos quais a deformação é muito mais intensa. Estes corredores de cisalhamento são subparalelos aos planos axiais das dobras dos domínios menos deformados. A relação de contemporaneidade entre ambos os domínios estruturais é clara, principalmente na região de Vila Nova de Foz Côa onde as zonas mais deformadas coincidem com os anticlinais de 1.ª ordem.

No sector de Peso da Régua (Fig. 5), nas regiões mais setentrionais surgem extensas áreas onde as dobras se apresentam mais apertadas, aparecendo alguns critérios cinemáticos, não muito claros, que parecem evidenciar o funcionamento de planos de direcção geral WNW-ESE (Fig. 15) como corredores de cisalhamento esquerdo. Ao caminhar para sectores mais meridionais, estes corredores de cisalhamentos passam a ter uma ocorrência mais pontual. Nos corredores de cisalhamento a estratificação apresenta-se com pendores mais elevados e a clivagem S1 torna-se muito mais penetrativa, chegando a transpor S0 em alguns locais.

 

Fig. 15 – Diagramas de densidades de pontos referentes aos planos de falha associados aos corredores de deformação para o sector de Peso da Régua – atitude média dos planos de cisalhamento N56ºW, 88ºN (rede de Schmidt, hemisfério inferior).

– Stereographic projection (contoured equal area lower hemisphere) from Peso da Régua sector  hear zones (main frequency around N56ºW, 88ºN).

 

No sector de Vila Nova de Foz Côa, o flanco sul do Sinclinal do Poio, apresenta uma deformação mais acentuada, evidenciando uma transposição da estratificação pela clivagem regional (S1 transpõe S0). Ao longo deste flanco surgem vestígios da presença de um corredor de deformação esquerdo com importância cartográfica; neste corredor de deformação tal qual como já foi referenciado anteriormente, desenvolve-se um dobramento apertado (Anticlinal de Chão de Couce). Semelhante situação surge a norte do Sinclinal do Poio, onde também se verifica a transposição de S0 por S1 no interior de um antiforma apertado (Anticlinal de Vale Moinhos) associado a um acidente dúctil, que embora com critérios cinemáticos menos claros, parece apresentar semelhanças estruturais (Búrcio, 2004).

Esta geometria tinha sido já referenciada por Sousa (1982), para a estrutura geral do Grupo do Douro, caracterizada por sinformas amplos separados por antiformas estreitos.

A existência de cisalhamentos esquerdos subparalelos aos planos axiais das dobras D1 Variscas, tem sido referenciada nos sectores setentrionais do Autóctone da Zona Centro-Ibérica (e.g., Ribeiro et al., 1990; Dias, 1994; Coke, 2000; Dias et al., 2003; Dias et al., 2006). Trabalhos anteriores têm considerado que os corredores de cisalhamento e as dobras são contemporâneos tendo resultado de um processo de partição de deformação em regime transpressivo esquerdo (e.g., Ribeiro et al., 1990; Dias, 1994; Dias & Ribeiro, 1994). Os trabalhos agora realizados nos sectores de Peso da Régua e Vila Nova de Foz Côa, são compatíveis com os modelos que têm vindo a ser sugeridos e, principalmente no último sector, mostram mais uma vez a contemporaneidade entre os corredores mais deformados e os sectores onde predominam dobramentos mais amplos.

 

4. DEFORMAÇÃO VARISCA NO EIXO MARÃO – FOZ CÔA: DISCUSSÃO

A geometria e cinemática da deformação associada à D1 varisca apresenta um comportamento bastante consistente na generalidade do Autóctone da Zona Centro-Ibérica ao longo do eixo Marão–Vila Nova de Foz Côa. Com efeito, a deformação varisca induziu aqui a formação de uma série de dobramentos que apresentam planos axiais verticais, a muito inclinados, evidenciando uma ligeira vergência para nor-nordeste.

Estas dobras encontram-se espacialmente associadas a desligamentos esquerdos subparalelos aos planos axiais das dobras com importância regional. As charneiras das dobras são quase sempre pouco inclinadas, apresentando alguma ondulação à escala regional (eixos para WNW na região de Peso da Régua–Marão e para ESE em Vila Nova de Foz Côa) que tem sido interpretada como consequência de achatamento diferencial subperpendicular aos planos axiais (Ribeiro, 1974; Dias, 1998; Dias et al., 2006). A clivagem é de plano axial e o estiramento, quando presente, expõe um paralelismo acentuado com o eixo das dobras, apresentando-se por isso sub-horizontal a pouco inclinado (Ribeiro et al., 1990; Dias, 1994; Dias & Ribeiro, 1994; Coke, 2000; Dias et al., 2006).

No que respeita à intensidade desta deformação verifica-se que a D1 apresenta uma distribuição algo heterogénea. Esta heterogeneidade expressa-se pela justaposição de sectores onde os dobramentos variscos são amplos a outros que se caracterizam por apresentarem pequenos comprimentos de onda. Tendo em vista a caracterização desta variação à escala da região, descrevem-se seguidamente (Fig. 16) as principais características estruturais dos perfis realizados em quatro sectores distintos entre os quais os dois anteriormente descritos em pormenor.

 

Fig. 16 – Cortes Geológicos realizados no Eixo Marão – Vila Nova de Foz Côa: A – sector de Seixinhos – Serra do Marão (COKE, 2000); B – sector de Peso da Régua; C – sector de Alijó (SOUSA et al., 1987); D – sector de Vila Nova de Foz Côa (BÚRCIO, 2004).

– Geological cross-sections in Marão – Vila Nova de Foz Côa axis: A – Seixinhos sector – Serra do Marão (Coke, 2000); B – Peso da Régua sector; Alijó sector (Sousa et al., 1987); D – Vila Nova de Foz Côa sector (Búrcio, 2004).

 

Serra do Marão (Fig. 16A)

Na serra do Marão a Falha de Ferrarias faz a transição entre dois sectores profundamente diferentes do ponto de vista estrutural. A norte predominam dobras apertadas e bem definidas no Quartzito Armoricano espacialmente associadas a cisalhamentos esquerdos subparalelos aos planos axiais (e.g., falhas de Ermida e do Marão), estilo que se mantém mais a N na região de Mondim de Basto (Pereira, 1987). Pelo contrário, a sul da falha de Ferrarias os dobramentos D1 são extremamente amplos, com uma clivagem S1 de plano axial mal definida intersectada por uma clivagem S3 bem vincada. As dobras D3 presentes neste sector têm uma geometria idêntica às dobras D1 devido à coaxialidade da deformação e assumem maior importância na proximidade da falha de Ferrarias, esbatendo-se para SW. Esta falha marca de forma clara o limite entre aqueles dois sectores caracterizados por intensidades de deformação diferentes (Coke et al., 2003).

 

Peso da Régua (Fig. 16B)

No sector de Peso da Régua é também possível observar duas regiões com estilos de deformação distintos (Fig. 6): a região mais setentrional com dobras apertadas WNW-ESE com uma vergência, embora ténue, para NNE e uma região mais a Sul com dobras amplas com uma direcção semelhante à anteriormente referida, com planos axiais subverticais. A passagem entre estas duas regiões é contínua mas rápida, tendo sido denominada Faixa de Transição Santa Marta de Penaguião – Ermida (FTPE; Fig. 17).

 

Fig. 17 – Modelo esquemático para a estrutura em flor do Douro na região de Peso da Régua, denotando-se na zona axial a presença de corredores de cisalhamento esquerdo e a transição através da ZTPE de um sector onde a deformação é mais incipiente, para outro onde a deformação se caracteriza pela vergência para NNE (o trapézio assinalado assinala a localização do sector de Peso da Régua).

– Schematic model proposer for the Douro flower structure in Peso da Régua sector. There are a less deformed domain in the axial zone coupled with discrete sinistral shear zones; the transition to the most deformed zone with NNE facing is made by the ZTPE – Santa Marta de Penaguião Ermida transition zone (trapezium represents Peso da Regua sector).

 

Nas áreas onde se observa um dobramento amplo, surgem estreitas faixas de dimensões variáveis, métricas a decamétricas, por vezes quilométricas, caracterizadas por dobras apertadas. A ocorrência destas zonas mais deformadas é mais comum junto à FTPE, diminuindo com o afastamento à mesma, sendo menos importantes em proporção e dimensão nos domínios mais meridionais, junto do Vale do Douro; em direcção a Lamego, estas faixas deformadas voltam a adquirir maior importância. Nas regiões mais deformadas, observa-se uma clivagem bastante penetrativa, o que não acontece nas regiões onde o dobramento é mais amplo.

 

Alijó (Fig. 16C)

O padrão tectónico e estrutural do sector de Alijó é semelhante ao descrito para os sectores anteriores. Com efeito, também aqui é possível observar-se nas zonas mais centrais, extensas áreas com uma deformação muito incipiente, caracterizada por dobras muito amplas; lateralmente passa-se de forma rápida a zonas com dobras mais apertadas, com vergência para SSW nos sectores mais meridionais e para NNE nos sectores mais setentrionais.

No que diz respeito à cinemática do falhamento, grande parte dos acidentes assinalados como cavalgamentos com uma direcção WNW-ESSE apresentarão provavelmente uma componente de desligamento esquerda associada, de acordo com o modelo descrito a nível regional (Dias & Ribeiro, 1998). Estes desligamentos são mais expressivos em determinados locais definindo corredores de cisalhamento onde a deformação é mais acentuada e que alternam com outras zonas menos deformadas.

 

Foz Côa (Fig. 16D)

A cartografia detalhada realizada nas formações câmbricas do Grupo do Douro no sector de Vila Nova de Foz Côa mostra que a principal fase de deformação varisca origina uma sucessão de dobramentos de primeira ordem, caracterizada pela formação de sinclinais muito amplos (onde se localizam as Pedreiras do Poio) separados por anticlinais muito apertados; nestes últimos, caracterizados por uma deformação mais intensa, pode evidenciar-se a existência de uma importante componente de cisalhamento esquerdo. Associado a estas faixas de cisalhamento surge um aumento na intensidade da clivagem S1, mostrando a contemporaneidade entre estas estruturas e o dobramento.

 

5. CONCLUSÕES

A estrutura varisca exibida nos sectores de Peso da Régua e de Vila Nova de Foz Côa mostra uma clara alternância de zonas pouco deformadas com dobramentos amplos e corredores, de orientação geral WNW-ESE onde esta deformação é muito mais intensa, nos quais é possível evidenciar por vezes uma cinemática esquerda predominante. Evidencia-se também que nos domínios setentrionais no sector de Peso da Régua existe um predomínio cada vez mais acentuado dos corredores onde a deformação se faz sentir com maior intensidade, fazendo a transição para os domínios claramente mais deformados que caracterizam a generalidade do Autóctone da Zona Centro-Ibérica.

O mesmo pode observar-se, ao analisar o corte esquemático interpretativo realizado por Sousa et al., (1987) na região de Alijó (Fig. 16C), onde se pode evidenciar claramente uma zona central pouco deformada sem vergência, cortada por acidentes que os autores colocam com uma cinemática cavalgante, passando a exibir vergências para SSW e para NE nos seus domínios meridional e setentrional respectivamente.

Os trabalhos agora realizados mostram que esta alternância de extensas zonas pouco deformadas intercaladas com estreitos corredores de deformação mais intensa é passível de ser seguida, em toda a região setentrional do Autóctone da Zona Centro-Ibérica, desde o Sector de Vila Nova de Foz Côa até à Serra do Marão. A continuidade lateral de toda a estrutura é apenas afectada pelos rejeitos esquerdos associados às falhas tardi-variscas (e.g., Falha da Vilariça e Penacova-Régua-Verin), posteriormente reactivadas durante o ciclo Alpino, de orientação geral NNE-SSW, bem marcada no Sector de Peso da Régua (Fig. 5), onde as faixas deformadas são claramente rejeitadas pelas estruturas anteriormente referidas (Fig. 3).

O padrão de deformação D1 varisca agora evidenciado permite caracterizar a deformação associada à zona axial da Estrutura em Flor do Douro, no eixo Marão–Vila Nova de Foz Côa, onde a deformação é menos intensa. Esta zona onde existe um predomínio de dobramentos muito amplos com flancos inclinando geralmente menos de 10º, passa lateralmente às zonas externas que apresentam uma deformação mais intensa e vergências pronunciadas da estrutura. Uma das características principais do domínio menos deformado desta macroestrutura é a sua heterogeneidade; com efeito, embora a deformação pouco intensa seja aqui claramente predominante existem zonas de cisalhamento subparalelas aos planos axiais do dobramento amplos (Fig. 17).

O trabalho agora realizado permite ainda evidenciar a continuidade lateral da zona menos deformada que tem vindo a ser associada ao sector axial da estrutura em flor, mostrando que a mesma é susceptível de ser seguida desde o sector da Serra do Marão até à região de Vila Nova de Foz Côa.

 

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho integra-se no projecto ShistResource (PTDC/CTE-GIN/70704/2006).

Agradece-se a revisão cuidada por José Feliciano Rodrigues e por um revisor anónimo, que com as suas sugestões contribuíram em muito para o melhoramento deste texto.

 

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