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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

versão impressa ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.26 Porto dez. 2021  Epub 31-Dez-2021

https://doi.org/10.19131/rpesm.307 

Artigo de investigação

Estrutura e antecedentes de famílias de jovens que tentaram suicídio com agentes químicos

Families’ structure and background of suicide, attempted young people with chemical agents

Paola Kallyanna Guarneri Carvalho de Lima1 
http://orcid.org/0000-0003-0781-5926

Patrícia Suguyama1 

Márcia Regina Jupi Guedes1 

Magda Lúcia Félix de Oliveira1 

1 Universidade Estadual de Maringá (UEM), Paraná- Brasil.


Resumo

Introdução:

Jovens representam um grupo de alta vulnerabilidade à tentativa de suicídio, e a autointoxicação é o meio mais utilizado para o ato suicida.

Objetivo:

Descrever a estrutura e os antecedentes de famílias de jovens internados por tentativa de suicídio com agentes químicos.

Método:

Pesquisa descritiva e transversal, em entrevistas com familiares de 12 jovens internados por autointoxicação, de 2011 a 2016, e notificados a um centro de informação e assistência toxicológica do noroeste do Paraná - Brasil. Utilizou-se entrevista semiestruturada e a confecção de genogramas, agrupados por núcleos de similaridade.

Resultados:

A maioria dos jovens era do sexo feminino, idades entre 14 e 19 anos; quatro casos com tentativa de suicídio anterior, sete com transtorno mental e três com abuso de drogas. Ao longo das duas gerações, a estrutura familiar acompanhou as diversidades da sociedade, com diminuição da taxa de fecundidade, aumento de famílias chefiadas por mulheres, separação conjugal, avós responsáveis pelo cuidado dos netos e fragilidade dos laços familiares. O relacionamento intrafamiliar apresentou dependência emocional entre o jovem índice e os avós, mas constantes atritos e desavenças no meio familiar, pouco contato emocional com os pais e baixo suporte familiar antes da tentativa de suicídio. Como antecedentes para a tentativa de suicídio, verificou-se o uso de drogas de abuso, os transtornos mentais e os conflitos de identidade de gênero.

Conclusões:

O genograma auxiliou na compreensão da estrutura e diferenças intergeracionais, na identificação do familiar significante e das relações familiares como fatores para as tentativas de suicídio.

Palavras-Chave: Tentativa de suicídio; Envenenamento; Saúde do adolescente; Composição familiar

Abstract

Introduction:

Young people represent a group of high vulnerability to suicide attempts and self-intoxication is the most used means for suicide.

Aim:

To describe the structure and background of families of young people hospitalized for suicide attempt with chemical agents.

Method:

Descriptive and cross-sectional research, in interviews with family members of 12 young people hospitalized for self-intoxication, from 2011 to 2016, and notified to a center for information and toxicological assistance in northwestern Paraná - Brazil. Semi-structured interviews and genogram making were used, grouped by similarity nuclei.

Results:

Most young people were female, aged between 14 and 19 years; four cases with previous suicide attempt, seven with mental disorder and three with drug abuse. Over the two generations, the family structure followed the diversity of society, with a decrease in the fertility rate, an increase in families headed by women, marital separation, grandparents responsible for the care of grandchildren and fragility of ties Family. The intrafamily relationship presented emotional dependence between the young index and the grandparents, but constant frictions and disagreements in the family environment, little emotional contact with parents and low family support before the suicide attempt. As a antecedent for suicide attempt, there was the use of drugs of abuse, mental disorders and gender identity conflicts.

Conclusions:

The genogram assisted in understanding the structure and intergenerational differences, in the identification of significant family members and family relationships as factors for suicide attempts.

Keywords: Suicide attempt; Poisoning; Adolescent health; Family composition

Introdução

Estima-se que 800 mil pessoas no mundo morram anualmente por suicídio, e que, para cada óbito, ocorram de dez a 20 tentativas de suicídio - TS, das quais apenas 25% são atendidas em serviços de saúde (World Health Organization, 2016).

Embora representem um comportamento não fatal, as TS são essencialmente danosas pelo potencial de repetição do ato e aumento do risco do êxito suicida a cada nova tentativa (World Health Organization, 2016). Entre 15% e 25% das pessoas que tentaram suicídio tentarão se matar no próximo ano e 10% o consumarão nos próximos dez anos (Santos etal.,2017).

Os jovens representam um grupo de alta vulnerabilidade ao suicídio, a segunda principal causa de morte por causas externas nessa fase do ciclo vital (Forero & Salamanca, 2017). A autointoxicação para TS é o meio mais utilizado para o ato suicida em jovens, e aproximadamente 70% dessas tentativas estão relacionadas à intoxicação por medicamentos e agrotóxicos (Burgos et al., 2017; Rosa et al., 2015; SANTOS et al., 2017).

Na TS, principalmente as de maior gravidade e com risco de morte, as relações de parentesco mais prejudicadas são de pais, filhos e cônjuges, e o conhecimento da experiência e vivência de pessoas enlutadas é condição essencial para que profissionais da saúde forneçam um tratamento eficaz e preventivo ao suicídio (Buus et al.; 2014; Rojas & Savedra, 2014).

A transgeracionalidade, ou seja, a recorrência de padrões de funcionamento familiar, em relação à ocorrência de suicídios ou tentativas na família, está presente para a maioria dos casos. O risco chega a aumentar quatro vezes entre parentes próximos à pessoa que cometeu o ato (Arias, 2017).

Pode-se dizer que a ausência da intervenção da equipe de saúde multiprofissional somada ao preconceito da sociedade a qual ignora e julga os familiares neste momento, propicia e contribui para o aumento de casos de suicídio entra a família, uma vez que esse passa a se sentir muitas vezes vulnerável e desamparado após o suicídio do familiar (Nunes, 2016).

O uso de diagramas intergeracionais, principalmente o genograma, consiste na representação gráfica de pelo menos duas gerações, elaborada por meio de símbolos, e integra os estudos de autopsia psicossocial. O Genograma permite retratar a estrutura familiar, seus padrões de relacionamento e manutenção de conflitos das pessoas que a compõem, tenham elas vínculos consanguíneos ou não (Arias, 2017). Tem sido utilizado por profissionais de diversas áreas da saúde, dentre elas, a Enfermagem da Família, como ferramenta analisadora para a compreensão da experiência de eventos traumáticos nas famílias (Buedo & Silberman, 2016).

Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi descrever a estrutura e os antecedentes de famílias de jovens internados por tentativa de suicídio com agentes químicos, considerando-se a potencialidade das autointoxicações para determinação de eventos graves.

Material e Método

Pesquisa descritiva e transversal, como recorte de estudo com o objetivo de compreender a repercussão da tentativa de suicídio de crianças e jovens internados por autointoxicação e a reorganização das famílias pós-evento toxicológico. Teve como referencial teórico a Teoria Geral de Sistemas, que permite visualizar a família como um sistema, formado por um de conjunto de elementos em estado de interação, e investigar as relações presentes entre os componentes do sistema familiar, em uma perspectiva interrelacional (Bertalanffy, 2008; Domingues, 2016). Foi realizada no município de Maringá - PR, a partir de dados do Centro de Informação e Assistência Toxicológica do Hospital Universitário Regional de Maringá, denominado Centro de Controle de Intoxicações - CCI/HUM.

O CCI/HUM é um órgão de assessoria e consultoria, na área de urgências toxicológicas, atendendo a solicitações telefônicas dos profissionais de saúde e da população leiga desde 1990. Coleta e armazena dados de ocorrências toxicológicas, para posterior construção de ações de vigilância em saúde, representando importante fonte para a avaliação da realidade dos acidentes toxicológicos na região noroeste do Paraná, da qual a maioria dos casos é originária.

Participaram do estudo 12 familiares de jovens que tentaram suicídio por agentes químicos, cuja intoxicação foi notificada ao CCI/HUM no período de janeiro de 2011 a dezembro de 2016, denominados casos índices. As famílias foram selecionadas indiretamente (amostra intencional), a partir dos critérios de inclusão dos jovens no estudo: idade de cinco a 19 anos, internação hospitalar por intoxicações classificadas como moderadas ou graves, com internação na terapia intensiva pediátrica ou adulta ou atendimento na Sala de Estabilização do Pronto-Socorro do HUM.

A gravidade da intoxicação foi estabelecida a partir do nível de atenção, entendendo que está associada à complexidade do atendimento. A intoxicação é classificada como moderada, quando necessita de internação hospitalar (enfermarias e unidades de pronto atendimento), e grave, quando o paciente permanece internado em unidades de alta complexidade (unidades de cuidados intensivos ou terapia intensiva), e evolui com sintomas críticos e/ou risco de morte (Prüss-Ustün et al., 2011; World Health Organization, 2014).

Cada jovem incluído na pesquisa foi representado por um familiar, com os seguintes critérios de elegibilidade: idade igual ou maior de 18 anos, coabitação e relação de convivência domiciliar com a criança ou jovem e conhecimento de pelo menos duas gerações da família. Preferencialmente, solicitou-se a indicação do cuidador principal do jovem.

Como fontes de dados foram utilizadas as fichas de Ocorrência Toxicológica - OT, arquivadas no CCI/HUM, e outros documentos hospitalares dos jovens que tentaram suicídio. A ficha OT é um instrumento de registro de todos os casos de intoxicação e fornece dados referentes ao paciente e ao evento toxicológico, objetivando facilitar o acompanhamento clínico dos casos notificados e a vigilância epidemiológica dos eventos (Santana et al., 2011).

Para a coleta de dados, foi construído um roteiro para entrevista semiestruturada, constituído pelos seguintes itens: 1) dados do familiar entrevistado - sexo, grau de parentesco, idade e escolaridade; 2) características familiares - renda, moradia, tipo de assistência à saúde e presença de comorbidades; e 3) construção do desenho para o genograma - configuração, relação e história familiar do jovem índice.

A coleta de dados aconteceu nos meses de julho a setembro de 2017. Inicialmente foram separadas manualmente as fichas OT de autointoxicação dos jovens pela circunstância TS e, daquelas nas quais os intoxicados cumpriram os critérios de inclusão no estudo, foram compiladas as informações de caracterização do jovem e do evento toxicológico. Nessa etapa, somente foram encontrados registros de TS em idades acima de 14 anos.

As entrevistas ocorreram por meio de encontro domiciliar com o familiar informante-chave. Os dados para construção do genograma foram registrados manualmente pela pesquisadora, após a explicação sobre a sua finalidade e a apresentação dos símbolos que poderiam ser utilizados (Figura 1). Inicialmente, procedeu-se à elaboração da geração familiar do jovem índice (geração atual) - pais e irmãos - e à da geração antecessora - avós e tios. Ao final de cada genograma, os entrevistados puderam completar ou alterar o desenho inicial.

O modelo gráfico utilizado para construção do genograma foi adaptado de Mcgoldrick, et al., (2012). Para caracterização do relacionamento familiar, foram utilizados quatro tipos de representação: 1) relacionamento superenvolvimento: há uma fusão e dependência emocional entre os membros familiares; 2) relacionamento harmonioso: experiência emocional de união entre os membros familiares que nutrem sentimentos positivos e que possuem interesses, atitudes ou valores recíprocos; 3) relacionamento conflituoso: relações nas quais há constantes atritos que geram muita ansiedade e desavenças no meio familiar; e 4) relacionamento distante: caracteriza-se por pouco contato, principalmente de ordem emocional (Leonidas & Santos, 2015).

Fonte: (Leonidas & Santos, 2015; Mcgoldrick, et al, 2012)

Figura 1 Formas gráficas, utilizadas para a construção dos genogramas. 

Os dados da ficha OT e dos demais documentos hospitalares e a caracterização do familiar entrevistado foram compilados em planilha eletrônica no Microsoft Excel® e analisados descritivamente.

Os genogramas foram inclusos no programa Power Point®. Em um processo semelhante ao da análise de conteúdo, todos os modelos gráficos foram cuidadosamente observados, para serem agrupados em núcleos de similaridade. Ao final do processo de análise, as informações foram agrupadas em duas unidades: a estrutura familiar dos jovens intoxicados por tentativa de suicídio; e o relacionamento familiar e os antecedentes familiares dos jovens intoxicados por tentativa de suicídio.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, da Universidade Estadual de Maringá, com parecer favorável nº 2.122.450/2017. Com as finalidades de garantir o anonimato dos participantes e facilitar a apresentação dos dados, as famílias foram identificadas por meio da letra “F”, seguida de algarismo arábico conforme a sequência de realização das entrevistas.

Resultados

Os familiares entrevistados foram, em sua maioria, mães e avós, com idades de 21 a 68 anos e média etária de 44,9 e que estudaram em média 7,7 anos. A maioria estava com emprego formal no momento da entrevista e a renda média familiar era de um a três salários mínimos.

A maioria das famílias utilizava os serviços da Atenção Primária à Saúde, no entanto foi referida a utilização de plano de saúde privado. Cinco familiares recebiam a visita domiciliar frequente de agentes comunitários de saúde - ACS, quatro recebiam visita domiciliar do ACS “às vezes”, e três referiram nunca ter recebido a visita domiciliar do ACS, mesmo após a ocorrência da TS.

Quanto à existência de doenças crônicas não transmissíveis na família, foram informados a presença de transtorno mental (depressão e esquizofrenia) e uso de drogas, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e insuficiência renal crônica.

A estrutura familiar dos jovens intoxicados por tentativa de suicídio

A composição familiar nas duas gerações das 12 famílias era de 205 pessoas, média de 17 pessoas por família, número mínimo de 11 e máximo de 27 pessoas. Quando comparado o número de pessoas da geração antecessora (avós e tios) com a atual (pais e irmãos), aquela foi constituída por 128 familiares e a atual, por 77 pessoas.

A geração atual apresentou diversificadas configurações estruturais de família: cinco famílias com estrutura nuclear, formada por um homem, uma mulher e seus filhos; quatro com estrutura monoparenteal, formada por pais únicos, por divórcio ou óbito de um dos conjugues; e três extensas, constituídas por pessoas com vínculos afetivos familiares diversos, principalmente com os avós e tios.

O modelo nuclear da Família 6 foi constituído com a ocorrência de um relacionamento extraconjugal, porém, mesmo após esse acontecimento, a estrutura inicial (pai, mãe e filho) manteve-se. No modelo monoparental, salienta-se a Família 2: a mãe casou-se quatro vezes, sendo que nas duas primeiras uniões o conjugue faleceu e, nas outras duas, ocorreu divórcio, no momento da entrevista essa mãe permanecia sem companheiro (Figura 2).

A estrutura familiar na geração antecessora foi constituída, em sua totalidade, por sete famílias nucleares, duas monoparentais e três extensas. Destaca-se como família extensa a Família 1, composta por vários membros, os pais são ausentes e a avó é responsável pelo cuidado da família (Figura 2).

Figura 2 Genogramas da Família 2, da Família 6 e da Família 10. Maringá - PR, 2017 

O relacionamento familiar e os antecedentes familiares dos jovens

De acordo com a tipologia de relacionamento familiar que orientou a elaboração dos genogramas (Leonidas & Santos, 2015), todas as famílias apresentaram relação harmoniosa, pelo menos entre dois membros, e o relacionamento de superenvolvimento foi sempre evidente entre o jovem índice e o cuidador principal, no caso, mães ou avós.

Os relacionamentos distantes estavam presentes em nove famílias na geração antecessora, principalmente em relação aos avós, e os relacionamentos conflituosos, presentes em oito genogramas, sendo mais frequentes na geração atual, com atritos entre o jovem índice e um dos pais, quando este não era o cuidador principal ou em separação conjugal.

Tal característica foi marcante no genograma da Família 12 (Figura 3). Desse modo, os relacionamentos conflituosos, presentes na geração atual, também se faziam presentes no padrão de relacionamento do jovem índice com os demais membros nas duas gerações familiares.

Figura 3 Genograma da Família 12. Maringá - PR, 2017. 

Como antecedentes e fatores disparadores para a TS do jovem, foram encontrados os seguintes marcadores: o uso de drogas de abuso, em 11 genogramas analisados; presença de transtornos mentais, em cinco;- depressão, em quatro; e esquizofrenia, em uma família. Em relação ao jovem índice, foram identificados os seguintes fatores: conflitos de orientação sexual e identidade de gênero, em três casos; e transtornos mentais, em oito - depressão (6), transtorno afetivo bipolar (1) e esquizofrenia (1).

Foram identificados 34 usuários de drogas nas duas gerações das famílias. Vinte e sete utilizavam drogas lícitas - bebida alcoólica, representados por tios e pais do jovem índice. As drogas ilícitas mais referidas foram a maconha e o crack, tendo como usuários os tios, o jovem índice e seus irmãos.

Neste estudo não foi encontrado nenhum antecedente familiar de TS na geração antecessora, porém evidenciou-se a ocorrência de TS de outros membros na família, posteriormente ao evento do jovem índice. Nestas tentativas, verificou-se que o familiar utilizou o mesmo meio empregado na TS pelo jovem.

Discussão

Mães e avós foram as principais informantes para o estabelecimento dos padrões intergeracionais. Tal fenômeno se relaciona à construção histórica e cultural do papel da mulher, com atribuição de cuidar, associada à responsabilidade considerada inata da mulher, tendo-se em vista o senso comum que a considera a única gerenciadora do cuidado no contexto familiar e conhecedora dos aspectos sócio-históricos da família. Essa situação, paradoxalmente, torna as mulheres informantes confiáveis de aspectos geracionais de suas famílias e familiares (Ribeiro et al., 2016).

A renda das famílias estudadas corrobora dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio - PNAD 2014, para o conjunto da população brasileira Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2015). Pesquisas que buscaram correlacionar o baixo nível socioeconômico e pessoas que convivem em grupos familiares instáveis e conflituosas apontaram fatores de risco para o desenvolvimento de doenças mentais, incluindo os eventos de TS. Desse modo, significaria que, quanto maior o nível econômico, menor o estresse psíquico, maior a afetividade, consistência e suporte familiar; no extremo oposto, pessoas com baixo nível socioeconômico estariam mais expostas aos riscos psicossociais que afetam a saúde, além de possuírem menos acesso aos serviços de saúde (Costa et al.; 2017).

Ao longo das duas gerações, a estrutura familiar acompanhou as transformações, diversidades vinculares e múltiplas possibilidades de crescimento ocorridas na sociedade, principalmente: diminuição da taxa de fecundidade, verificada pela redução na quantidade de pessoas na primeira geração em relação à segunda; crescimento das famílias chefiadas apenas por mulheres (monoparentais) entre as gerações, com aumento de separações conjugais; a responsabilidade dos avós na educação/cuidados dos filhos/netos e o enfraquecimento dos laços de parentesco entre os pais.

As mudanças sociais têm redefinido progressivamente os laços familiares, sendo que a família contemporânea é caracterizada por diversos arranjos. O conceito de família pode ser compreendido de forma subjetiva e diversa, pois depende de quem o define e do contexto em que ela está inserida. Essas definições, na atualidade, tendem a contemplar as diferentes configurações familiares, ultrapassando, para isso, os critérios de consanguinidade, adoção e matrimônio (Rojas & Saavedra, 2014).

Assim, é possível verificar que, embora o modelo nuclear ainda seja maioria, cresce a incidência de novos arranjos. Contudo, ainda que o conceito de família tenha se pluralizado nas últimas décadas e que as configurações familiares atualmente sejam muitas (famílias nucleares, monoparentais, extensas), a importância dessa instituição para o desenvolvimento adequado de seus membros tem persistido (Burgos et al., 2017).

Embora a maioria dos estudos atuais sobre famílias defendam a ideia de que a configuração da família não é o que determina o desenvolvimento adequado de seus membros e sim a sua dinâmica e qualidade do vínculo familiar (Rojas & Saavedra 2014), outros apontam que adolescentes provenientes de famílias nucleares apresentaram menor incidência de TS do que os oriundos de famílias de pais divorciados ou de famílias nas quais um membro importante já havia falecido. No entanto, nos padrões intergeracionais, encontrados no presente estudo, o modelo nuclear de família não atuou como protetor à ocorrência das TS.

O relacionamento e funcionamento familiar são variáveis importantes que não podem ser negligenciadas para análise do comportamento suicida de jovens, pois podem ser fatores de proteção ou de risco para o suicídio (Buus et al., 2014; Ribeiro et al., 2016).

Autores concluíram que os principais fatores protetivos contra as tentativas de suicídio são a satisfação no relacionamento com os pais, altos níveis de autoestima e o vínculo emocional entre os membros de uma família, seja ela nuclear ou não (Burgos et al., 2017).

Considerando-se o modelo utilizado para a classificação do relacionamento intrafamiliar - superenvolvimento, harmonioso, conflituoso e distante (Leonidas e Santos, 2015) -, a dependência emocional entre o jovem índice e os avós e sentimentos positivos e interesses ou valores recíprocos marcaram a intergeracionalidade (Arias, 2017; Mcgoldrick et al., 2012).

No entanto constantes atritos e desavenças no meio familiar e pouco contato emocional, principalmente entre o jovem índice e os pais, denotam baixo suporte familiar antes da TS e corroboraram as afirmações dos autores citados.

O suporte familiar é sugerido como fator protetor frente às vulnerabilidades, ao passo que o baixo suporte dos membros da família poderia aumentar a vulnerabilidade de jovens frente aos eventos estressantes. A percepção e o recebimento de suporte, pelas pessoas, são fontes fundamentais na manutenção da saúde mental, no enfrentamento de situações estressantes e no comportamento suicida (Forero & Salamanca, 2017; Ribeiro et al., 2016).

O suporte adequado, oferecido pela família aos seus membros, favorece a superação das crises vitais, e o principal efeito do suporte familiar se dá à medida que o indivíduo percebe esse apoio como satisfatório. A percepção e o recebimento de suporte são fontes fundamentais na manutenção da saúde mental, no enfrentamento de situações estressantes e no alívio dos estresses físico e psíquico (Buss et al., 2014).

Verificou-se, ainda, que o fato de o jovem viver em um ambiente familiar conflituoso e não confiar em ninguém leva-o, muitas vezes, ao refúgio do “ficar sozinho”, destacado no genograma da família 12. Uma das características do aumento de atos suicidas é a dificuldade interpessoal, impossibilitando o indivíduo de fazer novas amizades e dividir aspectos da vida com amigos, o que faz com que os mesmos se sintam isolados, sem contatos íntimos ou de confiança (Forero et al., 2017).

São considerados fenômenos da sociedade contemporânea e vivenciados no presente estudo como antecedentes para TS, o uso de drogas de abuso, os transtornos mentais, principalmente a depressão, os conflitos de orientação sexual e identidade de gênero.

As consequências do consumo de drogas na família são várias e, além de facilitar a violência e o dano ao núcleo familiar, resultam em diminuição do convívio social para se manter a boa imagem familiar. No que tange ao consumo de bebida alcoólica na TS, estudos evidenciam que ele pode potencializar e aumentar a probabilidade da tentativa e do propósito suicida, e apontam relação direta entre o abuso de drogas, bebida alcoólica e o comportamento suicida (Forero et al., 2017).

A transgeracionalidade dos comportamentos suicidas já foi apontada na literatura como um fator de risco de suicídio ou tentativas (Arias, 2017; Costa et al.; 2017; Mcgoldrick et al., 2012). Isso faz com que a TS de um membro na família seja utilizada como marcador para que ocorra outro evento no ambiente familiar. Neste estudo, o genograma apontou outras TS na família após o evento do jovem índice, com utilização do mesmo agente da autointoxicação. A relação entre suicídio e conhecer uma pessoa que já tentou o suicídio é descrita pela literatura como um comportamento de imitação ou contágio (Ribeiro et al., 2016).

No presente estudo, foi constatada a presença de mudanças frequentes nas condições de vida dessas famílias, como o divórcio dos pais, a perda de pessoas significativas e a ausência de suporte familiar; além de alguns indicadores clínicos que atuam como preditores de suicídio, entre os quais se destacam a presença de transtorno mental, o tipo de método escolhido e a relação com a acessibilidade e o uso de drogas de abuso no ambiente familiar (Forero et al., 2017).

Conclusões

O genograma tem sido utilizado pela enfermagem brasileira como ferramenta complementar na coleta de dados em pesquisa, pois o conhecimento das relações e vínculos familiares e das estruturas interna e externa das famílias são aspectos importantes para o trabalho de Enfermagem com Famílias, contribuindo para ampliar o conhecimento do contexto de cada família, vitais para o cuidado de enfermagem.

É um instrumento útil para se retratar a estrutura familiar e a relação entre os membros da família. No entanto podem acontecer dificuldades das famílias em recuperarem as histórias familiares, ou haver valorização de certas memórias ou o desejo deliberado de não trazer histórias à tona, como a de tentativa de suicídio do jovem. Para se diminuir essas possibilidades, solicitou-se a indicação de familiar com conhecimento de pelo menos duas gerações da família e foi entrevistado apenas um membro de cada família.

A maioria dos jovens era do sexo feminino, com idades entre 14 e 19 anos, quatro casos com tentativa de suicídio anterior, sete jovens com transtorno mental, três referiam o uso de drogas de abuso. O familiar entrevistado foi representado, em sua maioria, por mães com idade média de 44,4 anos e com baixa escolaridade.

Ao longo das duas gerações, a estrutura familiar acompanhou as diversidades da sociedade, com diminuição da taxa de fecundidade, aumento de famílias chefiadas por mulheres, separação conjugal, avós responsáveis pelo cuidado dos netos e fragilidade dos laços familiares. O relacionamento intrafamiliar apresentou dependência emocional entre o jovem índice e os avós, mas constantes atritos e desavenças no meio familiar e pouco contato emocional com os pais, além de baixo suporte familiar antes da TS.Como antecedentes para a TS, encontraram-se o uso de drogas de abuso, os transtornos mentais e os conflitos de identidade de gênero.

Implicações para a Prática Clínica

O presente estudo poderá contribuir com reflexões e e discussões junto às instituições, gestores, profissionais de saúde visando desenvolver o genograma com famílias nesse cenário de atenção, no intuito de auxiliar na compreensão das relações familiares, na identificação do familiar significante, de maneira a reconhecer os fatores de proteção da família para o risco do suicídio e no intuito de criar estratégias protetivas que serão utilizadas na prática clínica.

Agradecimentos

Á Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, concessão da bolsa para Paola Kallyanna Guarneri Carvalho de Lima. Processo: 88887.598469/2021-00.

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Recebido: 31 de Março de 2020; Aceito: 30 de Julho de 2020

Autor de Correspondência: Paola Kallyanna Guarneri Carvalho de Lima. Rua Carlos Weiss, 97, 87020- 310 Maringá, (PR), Brasil.E-mail: paolakgcl@gmail.com

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