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Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental

Print version ISSN 1647-2160

Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental  no.spe7 Porto Oct. 2020

https://doi.org/10.19131/rpesm.0246 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Satisfação e engagement: (Re)pensar a saúde e o bem-estar dos enfermeiros

 

Satisfaction and engagement: (Re)thinking about the health and well-being of nurses

 

Satisfacción y engagement: (Re)pensar la salud y el bienestar de los enfermeros

 

Sérgio Dias*, & Carminda Morais**

 

*Mestrando em Gestão das Organizações – Ramo Gestão de Unidades de Saúde na Escola Superior de Saúde e Tecnologia do Porto; Enfermeiro especialista em Enfermagem de Reabilitação no Centro Hospitalar do Alto Minho, Estrada de Santa Luzia, 4904-858 Viana do Castelo, Portugal. E-mail:sergio.dias@ulsam.min-saude.pt

**Doutora em Ciências da Educação; Mestre em Saúde Pública; Investigadora Colaboradora no Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra (UICISA-E); Professora Coordenadora noInstituto Politécnico de Viana do Castelo, Escola Superior de Saúde, 4900-314 Viana do Castelo, Portugal. E-mail: carmindamorais@ess.ipvc.pt

 

RESUMO

CONTEXTO:A satisfação profissional e o engagement assumem relevância na qualidade e segurança das pessoas cuidadas e na saúde mental e bem-estar dos enfermeiros.

OBJETIVOS: Avaliar a satisfação profissional e o engagement dos enfermeiros; identificar variáveis profissionais preditoras da satisfação profissional e do engagement, enquanto fatores promotores da saúde e bem-estar dos enfermeiros.

MÉTODOS: Estudo observacional, quantitativo, descritivo e transversal. Amostra probabilís-tica estratificada por sexo, hospital e serviço composta por 234 enfermeiros do Centro Hospitalar do Alto Minho, 204 do Hospital Santa Luzia e 30 do Hospital Conde Bertiandos, com respetivamente 171 e 24 mulheres. Utilizou-se a Escala de Satisfação dos Enfermeiros no Trabalho e a Utrecht Work Engagement Scale.

RESULTADOS:Maioritariamente do sexo feminino, com média de idades ± Desvio Padrão de 42,89 ± 8,30 anos e insatisfeitos (2,83 ± 0,577). Enfermeiros com horário fixo (t=3,038; p=0,003) e exercendo especialidade (t=2,014; p=0,048) registaram médias de satisfação superiores. Enfermeiros mais experientes manifestaram-se mais satisfeitos na ‘Satisfação com a Organização e Recursos’ (t=-2,006; p=0,046) e ‘Satisfação com as Dotações’ (t=-2,192; p=0,029). No Hospital Conde Bertiandos a ‘Satisfação com as Dotações’ foi mais baixa (t=2,182; p=0,030). Revelaram níveis de engagement moderados (4,01 ± 1,027). Enfermeiros com horário fixo (t=2,097; p=0,037) apresentaram maior engagement.

CONCLUSÕES: A baixa satisfação profissional, o engagement moderado e os preditores comuns, conformam desafios e práticas inovadoras da gestão das organizações de saúde, designadamente otimização das condições psicossociais em contexto de trabalho potenciadoras da emergência do capital humano.

Palavras-Chave:Satisfação no emprego; Engajamento no trabalho; Profissionais de enfermagem

 

ABSTRACT

BACKGROUND: Job satisfaction and engagement are important in the quality and safety of caregivers and in the mental health and well-being of nurses.

AIM: Evaluate the job satisfaction and engagement of nurses; identify professional variables that predict job satisfaction and engagement as factors that promote health and well-being of nurses.

METHODS:Observational, quantitative, descriptive and cross-sectional study. Probabilistic sample stratified by sex, hospital and service, consisting of 234 nurses from Alto Minho Hospital Center, 204 from Santa Luzia Hospital and 30 from Conde Bertiandos Hospital, with 171 and 24 women, respectively. The Nurses’ Satisfaction at Work Scale and the Utrecht Work Engagement Scale were used.

RESULTS:Mostly female, with mean ages ± standard deviation of 42.89 ± 8.30 years and dissatisfied (2.83 ± 0.577). Nurses with fixed shift schedule (t=3.038; p= 0.003) and practicing specialty (t= 2.014; p=0.048) recorded higher satisfaction averages. More experienced nurses were more satisfied with ’Satisfaction with Organization and Resources’ (t=-2.006; p=0.046) and ’Satisfaction with Appropriations’ (t =-2.192; p=0.029). At Conde Bertiandos Hospital ’Satisfaction with Appropriations’ was lower (t=2.182; p=0.030). They revealed moderate levels of engagement (4.01 ± 1.027). Nurses with fixed shift schedule (t=2.097; p=0.037) had greater engagement.

CONCLUSIONS:Low job satisfaction, moderate engagement and common predictors, shape challenges and innovative practices in the management of health organizations, namely optimization of psychosocial conditions in a work context that enhances the emergence of human capital.

Keywords: Job satisfaction; Work engagement; Nurse practitioners

 

RESUMEN

CONTEXTO: La satisfacción laboral y el compromiso son importantes para la calidad y seguridad de los cuidadores y para la salud mental y el bienestar de las enfermeras.

OBJETIVOS: Evaluar la satisfacción profesional y el compromiso laboral de las enfermeras; identificar las variables profesionales que predicen la satisfacción y el compromiso profesional como factores que promueven la salud y el bienestar de las enfermeras.

METODOLOGÍA: Estudio observacional, cuantitativo, descriptivo y transversal. Muestra probabilística estratificada por sexo, hospital y servicio, compuesta por 234 enfermeras del Centro Hospitalario Alto Minho, 204 del Hospital Santa Luzia y 30 del Hospital Conde Bertiandos, con 171 y 24 mujeres, respectivamente. Se utilizaron la Escala de Satisfacción en el Trabajo de las Enfermeras y la Utrecht Work Engagement Scale.

RESULTADOS: En su mayoría mujeres, con edades medias ± desviación estándar de 42.89 ± 8.30 años e insatisfechas (2.83 ± 0.577). Las enfermeras con horario fijo de turnos (t=3.038; p=0.003) y la práctica especializada (t=2.014; p=0.048) registraron promedios de satisfacción más altos. Las enfermeras más experimentadas estaban más satisfechas con la "Satisfacción con la Organización y los Recursos" (t=-2.006; p=0.046) y la "Satisfacción con las Apropiaciones" (t=-2.192; p=0.029). En el Hospital Conde Bertiandos, la "Satisfacción con las Apropiaciones" fue menor (t=2.182; p=0.030). Revelaron niveles moderados de compromiso laboral (4.01 ± 1.027). Las enfermeras con horario fijo de turnos (t=2.097; p=0.037) tuvieron un mayor compromiso laboral.

CONCLUSIONES: La baja satisfacción profesional, lo compromiso laboral moderado y los factores predictivos comunes configuran los desafíos y las prácticas innovadoras en la gestión de las organizaciones de salud, como la optimización de las condiciones psicosociales en un contexto de trabajo que mejora el surgimiento del capital humano.

Palabras Clave: Satisfacción en el trabajo; Compromiso laboral; Enfermeras practicantes

 

Introdução

Nos últimos anos, a promoção das condições de trabalho e da qualidade de vida no trabalho, tem assumido prioridade crescente, designadamente através da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho que tem vindo a convocar para os novos riscos psicossociais emergentes nos contextos de trabalho. Assumem que a globalização, a ampliação do papel da ciência e a gestão do conhecimento, a pressão tecnológica, as flutuações dos ciclos macroeconómicos, associado aos fatores relacionais, podem interagir com o funcionamento mental e bem-estar psicossocial dos trabalhadores.

Estes fenómenos são transversais ao mundo do trabalho, designadamente dos enfermeiros. Neste contexto, a satisfação profissional e o engagement constituem aspetos estruturantes que importa também gerir no sentido de assegurar também aos enfermeiros respostas adaptativas a transições que decorrem nos contextos do trabalho. Por outras palavras, pretende-se promover o cuidado a profissionais do cuidado.

A satisfação profissional tem ganho um crescente interesse por parte dos investigadores, devido ao seu potencial favorecedor, quer em termos da saúde, bem-estar e qualidade de vida dos trabalhadores nas organizações, quer ao nível da produtividade(Bernardino, 2018). Segundo Cabral, Duarte, Silva, Gonçalves e Silva (2016), as mudanças socioeconómicas e laborais têm sido responsáveis por um desgaste físico e mental dos enfermeiros, com consequências na satisfação profissional e com reflexo na qualidade dos cuidados prestados e bem-estar individual, sendo fundamental que os enfermeiros tenham boa saúde mental e satisfação profissional. O bem-estar físico e psicológico dos trabalhadores constitui preocupação de longa data. Do bem-estar psicológico do trabalhador será analisada a satisfação profissional e o engagement que são indissociáveis da saúde mental destes trabalhadores.

Para Martinho (2015, p.26), a satisfação profissional “(…) é um fenómeno muito complexo, um conceito relacionado a um estado emocional ou a uma atitude face ao trabalho e às experiências no determi- nado contexto laboral”. Batista, Santos e Santos (2014) salientam que os recursos financeiros insuficientes, pessoal desmotivado e insatisfeito, taxas de mobilidade crescentes e o esgotamento dos profissionais de saúde, caracterizam os serviços de saúde que são custosos, centrados muitas das vezes na técnica e na doença, esquecendo-se a pessoa, o utente, a família e o enfermeiro que cuida.A problemática da satisfação profissional encontra o fundamento legal na Lei nº 48/90 de 24 de Agosto. Esta lei refere que a satisfação profissional é um dos critérios de avaliação periódica do Serviço Nacional de Saúde a par da satisfação dos utentes, da qualidade dos cuidados e da eficiente utilização dos recursos numa ótica custo-benefício.

Por sua vez, o engagement traduz o envolvimento do profissional com o seu trabalho e organização. Engagement pode ser entendido como um estado cognitivo-afetivo positivo e persistente, relacionado com o trabalho e que se carateriza por vigor, dedicação e absorção. Pinto, Jesus, Mendes e Fronteira (2015)referem que os estudos no nosso país sobre engagement nos enfermeiros são escassos. Na prática de enfermagem o engagement assume relevância crescente nas organizações, face aos desafios com que os sistemas de saúde atualmente se confrontam, como sejam, a escassez global de enfermeiros, as pressões para reduzir gastos com os cuidados de saúde, o aumento das exigências em cuidados de qualidade e com resultados positivos para os utentes (Keyko, Cummings, Yonge, & Wong, 2016)engagement conduzirão a maior compromisso com a organização onde trabalham, maior produtividade, maior satisfação profissional, qualidade da prática clínica e níveis mais elevados de satisfação das pessoas, alvo das intervenções de enfermagem (Maio, 2016). Nesta prespetiva, está em jogo também a promoção da auto-estima e bem-estar dos próprios enfermeiros. A nível nacional, alguns estudos, relataram níveis de engagement moderados a elevados dos enfermeiros (Borges, Abreu, Queirós e Maio, 2017; Silva, 2017). Porém,Schaufeli (2017) referiu no seu estudo que Portugal, Grécia, Turquia e os países balcãs, são dos países europeus com mais baixos níveis de engagement.

 

Métodos

O presente estudo partiu de duas questões de investigação centrais, designadamente: Quais os níveis de satisfação profissional e engagement dos enfermeiros no Centro Hospita- lar do Alto Minho?; Quais as variáveis profissionais (tempo de serviço, tipo de horário e exercer a especialidade) que influênciam asatisfação profissional e engagement dos enfermeiros do Centro Hospitalar do Alto Minho?

No sentido de contribuir para a promoção da saúde e do bem-estar psicológico dos enfermeiros, bem como para a qualidade e segurança dos cuidados prestados, foram delineados como objetivos principais avaliar a satisfação profissional e o engagement, e identificar as variáveis profissionais com influência na satisfação profissional e engagement dos enfermeiros. Para dar resposta às questões e objetivos previamente formulados desenhou-se um estudo do tipo observacional, quantitativo, descritivo e transversal. Constituiu-se uma amostra probabilística, estratificada (por sexo, serviço e Unidade Hospitalar) e proporcional. Foi critério de inclusão no estudo, todos os enfermeiros do Centro Hospitalar do Alto Minho (CHAM), composto pelo Hospital Santa Luzia (HSL) e Hospital Conde Bertiandos (HCB), sem cargo de chefia e dispostos a participar no estudo, visando 26 serviços. O universo em estudo foi constituído por 595 enfermeiros, sendo que a amostra foi de 234 enfermeiros, 204 do HSL, 30 do HCB e respetivamente 171 e 24 do sexo feminino. A representatividade dos estratos neste estudo foi proporcional à existente na população. A colheita de dados realizou-se durante dois meses, entre janeiro e fevereiro de 2018, no CHAM, através de um inquérito por questionário. O questionário foi composto por duas partes. A primeira integra dados sociodemográficos e profissionais (sexo, idade, estado civil, grau académico, Unidade Hospitalar, tempo de serviço, remuneração, tipo de horário, exercício de especialidade e opção pela mesma profissão), sendo as variáveis independentes. A segunda parte visa a avaliação da satisfação profissional e engagement, integrando duas escalas para mensuração.

A satisfação profissional foi avaliada através da Escala de Satisfação dos Enfermeiros no Trabalho (ESET) de João, Alves, Silva e Ferreira (2017), com alfa de Cronbach de 0,96. Trata-se de uma escala tipo Likert com cinco opções de resposta (de 1 a 5): «absolutamente nada»; «um pouco»; «moderadamente»; «muito» e «extremamente». Considerou-se o ponto de corte o valor três, verifica-se assim a satisfação profissional para valores iguais ou superiores a três. A ESET é composta por 37 itens, distribuídos pelas suas seis dimensões: Satisfação com as Chefias (itens 5,6,10,14,17,19,21,24,28,29,33 e 35); Satisfação com a Organização e Recursos (itens 12,13,18,22,23,25,26 e 30); Satisfação com a Valorização Profissional (itens 15,16,34,36 e 37); Satisfação com os Colegas de Trabalho (itens 1,2,4,9 e 20); Satisfação com a Valorização e Remuneração (itens 3,8,27,31 e 32); e Satisfação com as dotações (itens 7 e 11).

O engagement foi avaliado através da Utrecht Work Engagement Scale (UWES-17) de Schaufeli e Bakker (2003), numa versão traduzida e adaptada para Português de Portugal por Marques Pinto em 2002, com alfa de Cronbach de 0,93. Esta escala é composta por 17 itens apresentando um constructo tridimensional: Vigor (itens 1,4,8,12,15,17); Dedicação (itens 2,5,7,10,13); e Absorção (itens 3,6,9,11,14 e 16). Para cada item era possível posicionarem-se em sete níveis: zero (nenhuma vez), 1 (algumas vezes por ano), 2 (uma vez ou menos por mês), 3 (algumas vezes por mês), 4 (uma vez por semana), 5 (algumas vezes por semana) ou 6 (todos os dias), traduzindo a frequência dos sentimentos.

No tratamento estatístico foi utilizado o Statistical Package for the Social Sciences versão 21.0, para Windows. A análise inferencial foi realizada através do teste paramétrico t-Student para duas amostras independentes (quando reunidos os pressupostos), e não paramétrico U-Mann-Whitney. Assumiu-se o nível de significância estatística de 5%.Todos os pressupostos éticos e legais, para estudos desta natureza, foram assegurados, nomeadamente, a autorização da instituição hospitalar e parecer favorável da Comissão de Ética, obtenção do consentimento informado dos participantes e garantia de anonimato.

 

Resultados

Participaram no estudo 234 enfermeiros, a maioria (83,3%, n=195) do sexo feminino. A idade oscilou entre 25 e 61 anos, com média X ± Desvio Padrão (DP) de 42,89 ± 8,30 anos e mediana de 42 anos. Verificou-se que a maioria (72,2%, n=169) trabalhava há mais de 14 anos. O horário por turnos constitui o tipo de horário laboral mais praticado (70,1%, n=164). A maioria dos enfermeiros (68,8%, n=161) não possuía especialidade. Dos 31,8% (n=73) enfermeiros com especialidade 42,5% (n=31) não estavam a exercer a sua especialidade.

Relativamente à satisfação profissional dos enfermeiros, avaliada através da ESET, as dimensões que registaram maior satisfação profissional foram: a ‘Satisfação com os Colegas de Trabalho’ e a ‘Satisfação com a Valorização Profissional’ com (X ± DP) respetivamente de 3,24 ± 0,685 e 3,22 ± 0,966. As dimensões nas quais os enfermeiros se mostraram menos satisfeitos foram a ‘Satisfação com Valorização e Remuneração’ e a ‘Satisfação com as Dotações’ com respetivamente 1,61 ± 0,558 e 2,33 ± 1,219. A média global da satisfação profissional foi de 2,83 ± 0,577, revelando-se insatisfeitos.

No que se refere ao engagement, avaliado pela UWES, a dimensão com X ± DP mais elevada foi a ‘Dedicação’ apresentando 4,37 ± 1,113. Os enfermeiros apresentaram um engagement considerado moderado de 4,01 ± 1,027. Os instrumentos de mensuração dos constructos revelaram uma consistência interna neste estudo considerada muito boa com valor de alfa de Cronbach de 0,95 para Escala de Satisfação dos Enfermeiros no Trabalho e 0,93 para Utrecht Work Engagement Scale

Verificou-se que os enfermeiros com = 14 anos de exercício profissional estavam mais satisfeitos na ‘Satisfação com a Organização e Recursos’ (t=-2,006; p=0,046) e ‘Satisfação com as Dotações’ (t=-2,192; p=0,029). Sem diferenças estatisticamente significativas no que se refere ao engagement. Os enfermeiros que exerciam a especialidade manifestaram-se mais satisfeitos a nível da satisfação profissional na globalidade’ (t=2,014 e p=0,048) e na ‘Satisfação com a Valorização Profissional’ (t=2,606; p=0,011). Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas no engagement. Os enfermeiros a trabalhar com horário fixo estavam mais satisfeitos na globalidade (t=3,038; p=0,003), e nas seguintes dimensões: ‘Satisfação com as Chefias’ (t=2,950; p=0,004); ‘Satisfação com a Valorização e Remuneração’ (t=2,565; p=0,012); e ‘Satisfação com a Valorização Profissional’ (t=2,979; p=0,003). Os enfermeiros com horário fixo revelaram também níveis de engagement superiores na globalidade (t=2,097; p=0,037), e nas dimensões ‘Dedicação’ (t=2,263; p=0,025) e ‘Absorção’ (t= 2,029; p=0,044). Na Tabela 1 pode-se analisar a média, desvio padrão, valores do teste t-Student e valores de p-value das dimensões das variáveis da satisfação profissional e engagement nas quais se verificaram diferenças estatisticamente significativas em função do tempo de serviço, exercer a especialidade e tipo de horário.

 

Discussão

A amostra é maioritariamente do sexo feminino (83,3%, n=195), em resultado da enfermagem continuar a ser uma profissão maioritariamente feminina. Facto este em consonância com os dados estatísticos da Ordem dos Enfermeiros (2017), em que dos 71802 enfermeiros ativos 58939 (82,09%) eram do sexo feminino. A idade média dos enfermeiros (42,89 ± 8,30 anos) reflete, em parte, o problema da evolução demográfica do país, acentuada no mundo laboral devido à restrição de contratação de novos trabalhadores, imposta pelo Fundo Monetário Internacional.

A percentagem de enfermeiros com 14 ou mais anos de experiência (72,2%, n=169), traduz-se num capital humano de competências adquiridas que o hospital deve valorizar, desenvolvendo estratégias para promover a sua permanência na organização. Os cuidados hospitalares, nomeadamente em regime de internamentos, são prestados 24 horas por dia, é expectável que num hospital com vários serviços de internamento e atendimento urgente 24h/dia, a maioria dos seus profissionais (70,1%, n=164) trabalhem em regime de turnos.

Os enfermeiros especialistas têm competências altamente diferenciadas que constituem uma mais-valia para os serviços de saúde. Contudo, a percentagem de enfermeiros especialistas que não exercem a sua especialidade (42,5%, n=31), reflete que nem sempre as entidades empregadoras enquadram estes profissionais na estrutura formal da organização, com repercussões negativas a vários níveis, nomeadamente, a nível remuneratório, de falta de autorrealização profissional (indutora de riscos psicossociais), e de privação dos utentes dos saberes e competências destes profissionais Lopes, Gomes e Almada-Lobo, 2018; Santos, 2016).

No âmbito da satisfação profissional dos enfermeiros,as dimensões que registaram maior satisfação foram a ‘Satisfação com os Colegas de Trabalho’ e ‘Satisfação com a Valorização Profissional’.Relativamente à ‘Satisfação com os Colegas de Trabalho’, pode refletir a relação satisfatória com os pares que proporcionam o suporte necessário para proporcionar um bom ambiente de trabalho, promotor de uma adequada saúde mental e satisfação profissional nos enfermeiros. A ‘Satisfação com a Valorização Profissional’ traduz-se no reconhecimento dos utentes e seus familiares/cuidadores pelo importante papel dos enfermeiros, sendo favorecedor da satisfação profissional. Por sua vez as dimensões nas quais os enfermeiros revelaram menor satisfação profissional foram a ‘Satisfação com a Valorização e Remuneração’ e a ‘Satisfação com as Dotações’. No referente à ‘Satisfação com a Valorização e Remuneração,’ dois aspetos fundamentais emergiram, a saber: a necessidade de uma remuneração justa; e a progressão a nível profissional. Relativamente às dotações, Portugal tem andado em contraciclo, enquanto os países mais desenvolvidos têm investido em cuidados de enfermagem, de modo a garantir a qualidade, a segurança, a eficiência e a efetividade, Portugal desinvestiu nestes cuidados a todos os níveis. Globalmente os enfermeiros revelaram-se insatisfeitos (2,83 ± 0,577). Ao longo dos últimos tempos, tem-se assistido a um agravamento no nível de insatisfação dos enfermeiros (Bernardino, 2018).

Relativamente ao engagement dos enfermeiros a ‘Dedicação’ foi a dimensão que registou média superior (4,37 ± 1,113). A enfermagem é caracterizada pela dedicação, mesmo em contextos complexos, como condições de trabalho frequentemente difíceis, falta de recursos humanos e materiais, contacto próximo com sofrimento e morte, elevadas responsabilidades pelos doentes, aspetos indutores de riscos psicossociais (Quintas, Queirós, Marques e Orvalho, 2017). Apresentaram uma média global de engagement (4,01 ± 1,027) considerada moderada, outros estudos revelaram altos níveis (Borges et al., 2017).

No estudo das relações entre a satisfação profissional e engagement dos enfermeiros e as variáveis profissionais, constatou-se que os enfermeiros com maior experiência profissional revelarem maior satisfação profissional nas dimensões ‘Satisfação com a Organização e Recursos’ e ‘Satisfação com as Dotações’, pode em parte, ser explicado por estes enfermeiros poderem enfrentar os desafios do dia-a-dia com maior resiliência, fruto da sua experiência e das estratégias de coping que, ao longo da mesma aprenderam a desenvolver (Borges, Abreu, Baptista e Felli, 2016).

Os enfermeiros que trabalham com horário fixo revelaram maior satisfação na globalidade e nas dimensões ‘Satisfação com as Chefias’ e ‘Satisfação com a Valorização Profissional’, apresentando níveis superiores de engagement de forma global e na ‘Dedicação’ e ‘Absorção’. O trabalho por turnos tem consequências nefastas nos ritmos biológicos, no equilíbrio entre a vida profissional e familiar, tendo vindo a estar relacionado com os riscos psicossociais a que os enfermeiros estão expostos (Ordem dos Psicólogos Portugueses, 2018). A associar a este facto temos a desvalorização do trabalho por turnos, consubstanciada pelo facto da compensação financeira inerente à penosidade das horas de trabalho que saem do considerado horário fixo ou dito “normal” que teve lugar ao longo dos tempos, atualmente não se estar a verificar (Amaral, 2018).

Os enfermeiros que exercem funções na sua especialidade manifestaram-se globalmente mais satisfeitos e também na dimensão ‘Satisfação com a Valorização Profissional’. O fundamento pode estar no facto de, quando reunidas no exercício da especialidade a variedade, a identidade, o significado, a autonomia e o feedback da tarefa, promove-se a saúde mental, motivação e a satisfação profissional. A maior satisfação profissional pode ser também devida à concretização de uma expectativa, na medida em que estes enfermeiros, ao concluírem a sua especialidade teriam certamente a expectativa de desempenhar funções no âmbito da mesma, a sua concretização gera satisfação profissional.

 

Conclusões

A avaliação da satisfação profissional e engagement é fundamental para qualquer organização de saúde, sendo uma ferramenta essencial para avaliar o desempenho dos profissionais, a qualidade dos cuidados prestados e o bem-estar dos colaboradores. Apesar de se revelarem insatisfeitos foi na ‘Satisfação com os Colegas de Trabalho’ que revelaram a sua maior satisfação. Constitui-se, assim, um suporte social que é fundamental preservar, valorizar e promover em prol de um clima organizacional que se quer promotor de boa saúde mental e de cuidados de excelência. Apresentaram um engagement moderado,mas foi na ‘Dedicação’ que registaram os valores mais elevados, evidenciando o interesse, envolvimento e entrega com que os enfermeiros tendem a desempenhar as suas práxis.

Os resultados permitiram concluir que, os enfermeiros com mais anos de serviço, que trabalhavam em horário fixo e exerciam a sua especialidade manifestaram maior satisfação profissional. No engagement os enfermeiros que trabalhavam em horário fixo revelaram níveis superiores de engagement.

 

Implicações para a Prática Clínica

As organizações devem estar conscientes que o seu melhor capital reside nos recursos humanos. Deste modo, os resultados deste estudo apontam para uma necessidade de promoção efetiva da consciencialização deste facto, com enfoque particular nos gestores, mas também da parte dos enfermeiros. Importa melhorar a adequação das condições de trabalho, através da adoção de algumas medidas, a saber: gerir a satisfação profissional através do paradigma atual da qualidade de vida no trabalho; fortalecer os recursos internos dos trabalhadores a fim de promover um ambiente de trabalho saudável e a satisfação profissional; repensar as condições de trabalho e (re)construir contextos de trabalho mais salutogénicos; estabelecer estratégias que favoreçam a proteção física e psíquica dos enfermeiros, com implementação de políticas protetoras da saúde mental; trabalhar a resiliência psicológica em contextos hospitalares; reforçar a autonomia dos enfermeiros com oportunidade de participação na decisão enquanto estratégia promotora do engagement; e promover os determinantes do desenvolvimento pessoal e profissional, designadamente através da otimização das qualificações e das competências especificas e comuns dos enfermeiros especialistas, com consequente reconhecimento profissional e remuneratório. Neste sentido, os resultados da investigação são suscetíveis de serem mobilizados, num tríptico de sentidos: pela gestão em articulação com a saúde ocupacional e com formação em serviço, potenciando-se o que há de melhor, como a dedicação, qualificações e suporte social, melhorando aspetos de alocação de enfermeiros e aproveitamento do potencial de cada elemento, reforçando as sinergias em torno da criação/otimização de valor através dos cuidados de enfermagem e da excelência dos mesmos.

 

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Recebido em 30 de dezembro de 2018

Aceite para publicação em 29 de março de 2019

 

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