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Medievalista

versão On-line ISSN 1646-740X

Med_on  no.18 Lisboa dez. 2015

 

DESTAQUE

In memoriam, Humberto Baquero Moreno (1935-2015)

José Marques*

 

* Universidade do Porto, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 4150-564, Porto, Portugal. E-mail: jmarq@sapo.pt

 

Data do texto: 7 de Maio de 2015

 

 

O dia 6 de Abril de 2015 para quantos conheciam e estimavam o Prof. Doutor Humberto Carlos Baquero Moreno ficou profundamente marcado pela triste notícia do seu falecimento, ocorrido no dia 5, à tarde – dia de Páscoa –, e do funeral marcado para o dia seguinte. A infausta notícia, que se vinha pressentindo, a todos comoveu, deixando, aos oitenta anos, os seus numerosos amigos e admiradores marcados pela dor e saudade da sua partida, em profunda sintonia e plena solidariedade com a Família, que tanto amava, e acompanhámos nesse momento difícil.

A tristeza e a saudade decorrentes da perda de um amigo, com quem convivemos durante quase três décadas, realçam mais ainda a riqueza das suas qualidades humanas, que todos admirávamos e importa evidenciar, como precioso e exemplar legado a preservar, a par da sua extensa e valiosa obra histórica, que ultrapassa as três centenas de títulos.

Estas referências às excelentes qualidades humanas do Professor Baquero Moreno e à riqueza da sua obra científica exigem um breve enquadramento biográfico, útil na actualidade e indispensável para a correcta preservação da sua memória:

Humberto Baquero Moreno, filho de Carlos Vítor de Jesus Baquero Peruch e Ângela Moreno Baquero, nasceu em Lisboa, em 1934, tendo frequentado e concluído o bachillerato no Instituto Espanhol, em 1952, aí radicando os primórdios – mais tarde, desenvolvidos – do seu entusiasmo pela língua e pelos clássicos da literatura espanhola, em particular, dos seus poetas, que se comprazia em recitar.

Após a necessária passagem pelo ensino liceal, inscreveu-se na Faculdade de Letras de Lisboa, onde se licenciou em História e obteve o diploma de Ciências Pedagógicas, indispensável para o ingresso na função docente, que exerceu no Liceu Camões, durante dois anos. Em Dezembro de 1963, foi contratado como segundo assistente dos Estudos Gerais de Moçambique, depois elevados a Universidade de Lourenço Marques, na qual, a par da docência de várias disciplinas e a preparação e publicação de mais de duas dezenas de estudos, preparou a sua monumental tese de doutoramento sobre A Batalha de Alfarrobeira. Antecedentes e significado Histórico, brilhantemente defendida, na Reitoria da Universidade de Lisboa, em Janeiro de 1974.

Na sequência dos acontecimentos de 25 de Abril de 1974, em finais desse mesmo ano, regressou, definitivamente, à Metrópole, passando, no ano seguinte, a integrar o corpo docente da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, encerrando, assim, a primeira fase de sua vida universitária e académica e iniciando outra mais longa, intensa e rica.

A preparação científica que os estudos publicados, de que a dissertação de doutoramento era a coroa, a experiência pedagógica adquirida durante vários anos de docência em Lourenço Marques e a facilidade e o rigor da comunicação, aliados ao conjunto das suas múltiplas qualidades humanas, logo lhe granjearam cordial acolhimento, na Faculdade de Letras, que foi crescendo ao longo dos quase vinte e seis anos de permanência ao seu serviço, integrado no grupo de História Medieval. O prestígio do Prof. Baquero Moreno ultrapassou, rapidamente, os muros da Universidade, passando a colaborar com numerosas instituições culturais portuguesas e estrangeiras, a que faremos breves, mas indispensáveis, referências.

Neste In memoriam, prescindimos da apresentação sistemática de outras notas biográficas e sobre a extensa e valiosa obra científica, divulgadas no primeiro dos três volumes da obra Os Reinos Ibéricos na Idade Média. Livro de Homenagem ao Prof. Doutor Humberto Carlos Baquero Moreno, expressão pública da amizade e estima que a Faculdade de Letras e numerosos amigos portugueses e estrangeiros quiseram testemunhar-lhe, bastando, por isso, evocar alguns dos sectores da sua actividade e iniciativas a que prestou mais colaboração e melhor evidenciam o seu alto valor científico e qualidades humanas.

Como docente universitário, Humberto Baquero Moreno privilegiou sempre a investigação, cujos resultados nos legou na sua vastíssima obra histórica, publicada em volumes avulsos, obras colectivas e numerosas publicações periódicas, de leitura atraente e obrigatória para quem pretender conhecer o século XV português, sob os mais variados aspectos, de que salientamos os políticos, administrativos, económicos, sociais, culturais, tendo-se ocupado também da marginalidade e assistência, dos itinerários e circulação viária, das minorias étnicas e religiosas, concretamente judeus, conversos e mudéjares, etc., etc., pois sobre todos nos deixou preciosos contributos. Na impossibilidade de ampliarmos as considerações sobre tão vasta obra histórica, impõe-se observar que Baquero Moreno apoiava os seus estudos em fontes documentais, geralmente inéditas, publicando-as, com frequência, em apêndice.

Neste sector da investigação, não poderíamos olvidar o estímulo que a todos transmitia, especialmente, em ordem à preparação das dissertações de mestrado e doutoramento, procedendo também da mesma forma, quando as circunstâncias se proporcionavam, em relação a colegas de outras secções da Faculdade, cuja tendência para o atraso lhes conhecia.

A docência para o Professor Humberto Baquero Moreno era uma verdadeira paixão. As suas aulas eram dadas com alma, isto é, com entusiasmo, calor e espírito pedagógico, alimentados na reflexão e no contacto com a documentação, longa e pacientemente recolhida nos arquivos, que gostava de classificar como «laboratórios da história». E não se pense que exageramos ao afirmar que a docência constituía para ele uma verdadeira paixão. Se alguma dúvida houvesse, bastaria recordar que tendo sido convidado pelo, então, Primeiro Ministro para Director do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, funções que exerceu durante dois anos, aceitou, com a condição de não abandonar a docência, que exercia, no início e no fim de cada semana.

As suas aulas não serão facilmente esquecidas por quantos tiveram o privilégio de acompanhar algum dos seus cursos – entre os quais nos incluímos, como “jovem” assistente, incumbido das aulas práticas de História Medieval de Portugal –, merecendo o devido relevo a amplitude e segurança dos conhecimentos, o rigor e fluência da linguagem e o entusiasmo posto na transmissão da visão pessoal dos assuntos, que tinha estudado, e cujas fontes documentais tão bem conhecia, a ponto de os alunos, muitas vezes, lhe dizerem, em tom encomiástico, que as aulas eram autênticas conferências.

Apesar de o Prof. Baquero Moreno privilegiar a investigação e a docência como essenciais à condição de professor universitário, quando o Estatuto da Carreira Docente passou a exigir aos docentes disponibilidade para o exercício de funções de gestão universitária, ainda em tempos bastante conturbados, no rescaldo da revolução de 25 de Abril de 1974, aceitou presidir ao Conselho Directivo da Faculdade de Letras, tendo conseguido com o seu espírito dialogante e capacidade de persuasão congraçar grupos de alunos, ideologicamente antagónicos e estabelecer e sustentar a calma entre todos, criando condições indispensáveis para um ambiente de estudo e de são convívio. Durante o exercício destas funções, no frequente diálogo com os respectivos Departamentos do Ministério da Educação, conseguiu a ampliação dos quadros superiores da Faculdade, de que viriam a beneficiar diversos docentes, que, de outra forma, veriam as suas carreiras truncadas.

Além destas funções administrativas, a Faculdade de Letras do Porto beneficiou também da permanência do saudoso extinto no Conselho Científico, a que pertenceu, desde o início até à sua aposentação, onde as suas frequentes e ponderadas intervenções obrigavam a reflectir em busca das soluções mais oportunas e eficazes. E não poderíamos esquecer a dedicação com que, durante muitos anos, secretariou o Centro de História da Universidade do Porto, dependente do Instituto Nacional de Investigação Científica (INIC), sedeado na mesma Faculdade, e cuja Revista de História, antes da restauração da Revista da Faculdade de Letras, acolheu a produção científica dos seus membros, maioritariamente,incorporados no corpo docente.

Entretanto, iniciavam-se novos tempos e as universidades portuguesas começavam a sentir necessidade de se abrirem à sociedade. O Professor Huberto Baquero Moreno, já bem conhecido, também neste domínio prestou relevantes serviços à Faculdade de Letras e à Universidade do Porto, através de conferências, participação em congressos e, sobretudo, mediante a integração em projectos culturais celebrados com municípios, universidades e academias, que se estenderam ao estrangeiro, em especial, à Espanha e ao Brasil. A título de exemplo, pelo que representaram como pontos de intercâmbio e aproximação entre professores e outros medievalistas dos dois lados da fronteira, recordem-se as “Jornadas de História Medieval do Algarve e Andaluzia” e “da Andaluzia e do Algarve”, durante anos, realizadas, alternadamente, em Loulé e em Sevilha ou localidades mais adequadas para o efeito, escolhidas pelos organizadores sevilhanos. Em todas estas iniciativas histórico-culturais interveio, de forma preponderante, o saudoso Professor Baquero Moreno, cuja influência foi igualmente determinante na concretização dos Colóquios entre medievalistas portugueses e brasileiros, efectuados, com idêntica alternância, nas duas margens do Atlântico. Quanto aos do Brasil, impõe-se acentuar que, além das temáticas criteriosamente definidas em função das especificidades históricas do País anfitrião, ficaram caracterizados também pela notável itinerância, que permitiu aos participantes contactar com diversas universidades, regiões e suas gentes, desde Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Niterói e Oeste do Paraná, prolongada até ao Norte da Argentina, numa visita de estudo a uma das célebres “reduções” ou missões dos Jesuítas.

Em relação a estes últimos aspectos, foi importante o facto de, mercê dos seus méritos científicos, o Professor Baquero Moreno pertencer às Academias: Portuguesa da História, das Ciências de Lisboa, da Marinha, da Real Academia de la História de Madrid e ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, em todas elas, tendo demonstrado o seu muito saber. Além da presença nestas Academias, que consagraram o valor da investigação realizada ao longo da sua vida universitária e académica, integrou também outras instituições culturais, que se honraram com a sua presença e beneficiaram dos estudos aí apresentados, bastando mencionar a Associação dos Historiadores Europeus, o Instituto Cultural Galaico-Minho, a Comissão Internacional para a História das Assembleias e Parlamentos, de que foi Presidente da Secção Portuguesa, e a Comissão Internacional de “Expertos” (Peritos) do Caminho de Santiago, em representação de Portugal, por nomeação da “Xunta de Galícia”.

Se a presença activa e os estudos apresentados nestas instituições o situavam ao mais alto nível cultural, impõe-se registar, igualmente, a influência social exercida, por ocasião dos referidos eventos internacionais. Podemos, por isso, afirmar que, muito antes de as universidades se abrirem para a “internacionalização”, já o Professor Baquero Moreno a punha em prática, de forma discreta, mas eficaz.

É compreensível, por isso, que diversas instituições nacionais e estrangeiras lhe manifestassem a sua gratidão, concretizada na atribuição e entrega de distinções, que, nesta hora de exaltação dos seus méritos, é justo e nos apraz recordar, começando pela Faculdade de Letras do Porto, que tão dedicadamente serviu, e, em 16 de Janeiro de 2001, lhe entregou, solenemente, a Medalha de Ouro; por sua vez, a Associação Espanhola dos Amigos dos Castelos, concedeu-lhe a Medalha de Prata de Mérito, em 1994; da parte do Brasil, o Chefe do Estado Maior da Marinha agraciou-o com a Medalha de Amizade e de Mérito, e,em 1995, o Ministro da Marinha do Brasil condecorou-o com a Ordem de Mérito de Tamandaré. Em Portugal, foi agraciado, em 10 de Junho de 1994, pelo Presidente da República, Doutor Mário Soares, com o grau de Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.

Este esboço da vida e obra do Professor Doutor Humberto Carlos Baquero Moreno, com particular incidência nos planos académico e cultural e na sua vasta obra histórica, largamente reconhecida, admirada e galardoada ao mais alto nível, embora marcados pela saudade, ajuda-nos a curvarmo-nos perante a sua memória, gratos pelas lições de dignidade, competência e vigoroso humanismo que nos deixou, e convida-nos a pedirmos e confiarmos que Deus já o tenha junto de Si.

 

COMO CITAR ESTE ARTIGO

Referência electrónica:

MARQUES, José – “In memoriam. Humberto Baquero Moreno (1935-2015)”. Medievalista [Em linha]. Nº18 (Julho - Dezembro 2015). [Consultado dd.mm.aaaa]. Disponível em http://www2.fcsh.unl.pt/iem/medievalista/MEDIEVALISTA18/. ISSN 1646-740X.         [ Links ]

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