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Angiologia e Cirurgia Vascular

versão impressa ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.19 no.2 Lisboa jun. 2023  Epub 30-Ago-2023

https://doi.org/10.48750/acv.511 

Review article

Doença Quística Adventicial Venosa - O Que Sabemos? 1

1. Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular; Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho; Portugal.


Resumo

A doença quística adventicial é uma patologia que afeta principalmente o leito arterial, porém, em raros casos pode envolver o sistema venoso.

O objetivo desta revisão foi padronizar a marcha diagnóstica, tratamento e vigilância de doentes com suspeita de doença quística adventicial venosa.

Para cumprir os objetivos supracitados, uma revisão narrativa sumarizando os principais achados da literatura usando as bases de dados PUBMED e EMBASE foi feita.

Um total de 33 artigos foram selecionados traduzindo-se num total de 41 casos de vACD. Após analise dos dados, foi possível concluir que o vaso mais frequentemente atingido é a veia femoral comum, e a maior parte dos doentes refere edema unilateral de membro com tempo de evolução variável.

Quando perante um doente com edema unilateral de membro, em que a TVP foi excluída, é necessário proceder a outros meios complementares de diagnóstico de forma a confirmar, ou excluir, a vACD.

Palavras-chave: Doença quística adventicial; Doença quística adventicial venosa; veia femoral; veia ilíaca externa

Introdução

A doença quística adventicial é uma doença vascular rara, que se caracteriza pela acumulação de substâncias mucinosas (muito semelhante à constituição do líquido sinovial) ao nível da camada adventícia do vaso atingido1,2.

A grande maioria dos casos descritos envolvem a parede arterial, maioritariamente a artéria poplítea, levando a sintomas como a claudicação intermitente, tanto mais grave quanto maior for o grau de obstrução luminal3. Em ainda mais raros casos, o sistema venoso é atingido, e quando ocorre, os sintomas que os doentes apresentam é em tudo semelhante à da trombose venosa profunda, tais como, edema unilateral e dor do membro atingido, provocado pelo efeito compressivo da massa sobre a veia atingida1,4,5.

Para o seu diagnóstico são essenciais outros exames complementares de diagnóstico porém dada a sua raridade, uma alta suspeição clínica é necessária1.

Método

Para a pesquisa bibliográfica deste trabalho de revisão, foram utilizados os motores de busca PUBMED e BASE. Foram pesquisados artigos completos publicados em inglês, entre os anos de 2000 e 2022. Critérios de exclusão usados foram baseados no desenho do estudo (apenas aceites estudos de caso), com base no resumo do artigo.

Na pesquisa realizada no motor de busca PUBMED foram utilizadas as seguintes palavas-chave “Venous Adventitial Cystic Disease”; “Venous Cystic Adventitial Disease”; “Cystic Adventitial Disease”; “Venous cystic disease”; “femoral vein cystic disease”;

Na pesquisa realizada no motor de busca BASE, foram utilizadas as seguintes palavras-chave: “Venous Adventitial Cystic Disease”; “Venous Cystic Adventitial Disease”; “Cystic Adventitial Disease”; “Venous cystic disease”; “femoral vein cystic disease”.

O primeiro autor selecionou os artigos relevantes com base no título e resumo, e os dados relevante foram extraídos dos artigos selecionados.

Resultados

Foram selecionados um total de 33 artigos, referentes a 40 casos (Tabela).

Tabela 1 Características dos casos de doença quística adventicial venosa descritos na literatura 

Sintomas: E = edema; M = massa palpável; D = dor; C = claudicação intermitente; P = parestesias; N = náuseas. Localização: VFC = veia femoral comum; VIE = veia ilíaca externa; VP = veia poplítea; IF = veia iliofemoral; VB = veia basílica. MCDT (meio complementar de diagnóstico e tratamento): DUS = Ecodoppler; FB = flebografia; CT = tomografia computadorizada; MR = ressonância magnética. Tratamento/Recidiva: Ex = exérese do quisto; VP = exérese do quisto e venoplastia; VG = exérese do quisto e enxerto de interposição; Enc = encerramento de comunicação articular; AP = aspiração percutânea do quisto; Escl = aspiração percutâneas e injeção de esclerosante. N/A = não disponível; 0 = ausência; 1 = presente; M = masculino; F = feminino; m = meses; a = anos

Os dados demográficos obtidos nesta pesquisa são referentes a 24 homens (58.5%) e 17 mulheres (41.4%) com idades que variam entre os 5 e os 79 anos, com uma média de idade de 50.9 anos e uma mediana de idades de 51 anos. Apenas se enquadra um doente em idade pediátrica (5 anos) que é o único descrito na atual pesquisa. Entre os doentes, 40 (97.6%) apresentavam doença quística venosa no membro inferior, estando apenas implicado o membro superior em 1 doente (2.4%) em que há envolvimento da veia basílica.

O vaso mais comumente atingido foi a veia femoral comum (28 casos, 68.3%), seguido da veia ilíaca externa (7 casos, 17.1%), veia poplítea (3 casos, 7,3%) e veias femoral superficial, iliofemoral e basílica (1 caso cada, 2,4%).

A clínica mais frequentemente apresentada por estes doentes foi o edema unilateral, estando presente em 38 doentes (92,7%), seguido de massa palpável (9 doentes, 22%), dor no membro inferior (7 doentes, 17.1%), limitação da marcha/claudicação (3 doentes, 7.3%), parestesias (2 doentes, 4.9%) e dor abdominal/náusea (1 doente, 2.4%).

Dada a clínica sugestiva de trombose venosa profunda, o eco-Doppler venoso foi usado como método auxiliar de diagnóstico em 37 doentes (90.2%). A flebografia foi usada em 8 doentes (19.5%), e é mais predominante nos estudos publicados na primeira década do século.

A tomografia computadorizada e a ressonância magnética foram os meios complementares mais usados para o diagnóstico definitivo desta patologia. Com exceção de um caso, todos os estudos fazem menção a pelo menos um destes exames para concretizar o diagnóstico desta patologia. Nos estudos que descrevem o uso de ambas as técnicas, a vantagem da ressonância magnética parece prender-se com a exclusão de outras patologias nomeadamente malignas, não estando descrita vantagem no que concerne à definição de estratégia cirúrgica. Em apenas uma doente padecendo de doença quística adventicial afetando a veia ilíaca externa, o diagnóstico foi realizado através de laparoscopia exploradora.

Em relação ao tipo de tratamento usado, salientam-se essencialmente três técnicas. A drenagem do quisto e exérese da sua parede foi realizada de forma isolada em 24 casos (58.5%); em 15 casos (36.6%) houve necessidade de plastia da parede do vaso ou uso de enxerto de interposição; o uso de técnicas minimamente invasivas, como a drenagem percutânea do quisto foi apenas usada em dois casos (4.9%). Em quatro casos, foi objetivada comunicação com a superficial articular adjacente, procedendo-se seu encerramento como tratamento adjuvante (não se registaram recidivas neste pool de doentes).

Entre os casos descritos, estão identificadas quatro recidivas: em dois, o tratamento primário foi a aspiração percutânea e em dois foi realizada exérese da parede quística e reconstrução com patch de veia grande safena (VGS).

No que concerne o tratamento destas recidivas: dois doentes foram submetidos a drenagem percutânea do quisto com injeção de esclerosante e um doente foi submetido a nova exérese do quisto, sem reconstrução venosa. No último caso (cujo tratamento primário foi a aspiração percutânea), o doente foi submetido a exérese do quisto e plastia da parede com patch de VGS e, por nova recidiva três meses após cirurgia, submetido a nova exérese da parede do quisto, sem reconstrução venosa.

Em relação à terapêutica hipocoagulante pós-operatória em doentes sem evidência de trombose venosa profunda (24 casos), está descrito o uso de varfarina num total de 6 doentes (25%), e heparina de baixo peso molecular em dois doentes (8.3%). Em 12 doentes (50%), não está descrito qualquer uso de terapêutica hipocoagulante e em apenas quatro doentes (16,7%) foi decidido não usar qualquer tipo de tratamento hipocoagulante. Em doentes com TVP associada, o tratamento hipocoagulante foi usado em todos os doentes por um período mínimo de três meses.

O follow-up está apenas descrito em 29 casos, e o exame de diagnóstico mais usado foi novamente o ecoDoppler venoso (20 casos - nos restantes 9 casos, não existe qualquer referência a MDCT usados).

Discussão

A vACD é uma patologia vascular extremamente rara, estando apenas alguns casos descritos na literatura, tornando difícil fazer qualquer tipo de recomendação no que concerne ao seu diagnóstico, tratamento e prognóstico.

A fisiopatologia permanece desconhecida apesar de existirem algumas possíveis explicações. Existem atualmente quatro principais teorias: a hipótese do microtrauma repetido (em que a camada adventicial do vaso sofre degenerescência quística), as doenças do tecido conjuntivo, o implante de células mesenquimatosas durante a embriogénese (porém, a maior parte dos casos surge na idade adulta), ou a teoria sinovial (em que se descreve uma a permeabilidade de uma conexão entre o vaso e a articulação mais próxima - porém, apenas foi objetivada uma conexão com articulação em alguns casos).1,2,6,7

O vaso mais frequentemente atingido é a veia femoral comum, e parede haver uma ligeira predominância para atingir indivíduos do sexo masculino (1,35:1) e é uma patologia predominantemente reportada na idade adulta. A maior parte dos doentes tem como sintoma o edema unilateral do membro, não obstante, a dor e a presença de massa inguinal palpável são características comumente descritas. Estes sintomas são facilmente explicados pelo efeito compressivo da massa quística ao nível da veia atingida, mimetizando assim, a clínica da trombose venosa profunda, todavia, apenas uma minoria dos doentes apresenta história de TVP.

O diagnóstico desta patologia é complexo e implica a colheita de uma história clínica cuidada que permita a exclusão de outras patologias. Em estudos mais antigos, o eco-Doppler venoso (Figura 1) e a flebografia eram usados como os meios complementares de eleição para chegar a este diagnóstico, porém, mais recentemente difundiu-se o uso da tomografia computorizada (Figura 2) e da ressonância magnética. Alguns autores sugerem que a venografia computadorizada deva ser o exame de eleição para o diagnóstico desta patologia, sendo a sua acuidade superior à da ressonância magnética.1,8

Dado o baixo número de casos, não é possível recomendar uma técnica de tratamento como superior comparativamente com outras. A maior parte dos autores recomenda a resseção da parede do quisto para prevenir a recidiva.

Figura 1 Imagens de eco-Doppler dos vasos femorais. a) vista transversal da artéria femoral comum, veia femoral, e veia grande safena (esquerda para a direita); b) eco-Doppler colorido enquanto se procedem a manobras de compressão gemelar, observando-se o preenchimento da periferia da veia femoral; c) vista longitudinal observando-se uma massa hipoecoica de limites bem definidos; d) eco-Doppler colorido em vista transversal após manobra de compressão gemelar 

Figura 2 Imagens de angio-tomografia computorizada em corte coronal (esquerda) e axial (direita). Observa-se uma lesão quística, hipocaptante, exercendo efeito de massa ao nível da veia femoral. A seta branca aponta para a lesão; a seta vermelha aponta para a artéria femoral comum; a seta laranja aponta para a veia grande safena  

A taxa de recidiva parece ser superior junto dos doentes tratados primariamente com técnicas minimamente invasivas, mas o número reduzido de recidivas não permite concluir esta tese. Não existem ainda dados acerca do uso de técnicas endovasculares para o tratamento desta patologia, e uma vez que esta modalidade de tratamento não permite melhorar o efeito compressivo na parede luminal então parecem ainda não ser opção viável.

O tratamento no pós-operatório também difere muito entre os autores (principalmente em doentes sem TVP associada), variando desde hipocoagulação ad aeternum com antagonistas da vitamina K, até à ausência total de qualquer fármaco hipocoagulante.

Em relação ao follow-up, apesar de apenas descrito em 72.5%, o uso de eco-Doppler parece ser o mais consensual entre os autores9.

Conclusão

A vACD venosa é uma patologia rara, cuja fisiopatologia ainda está por definir. A clínica é em tudo semelhante à de uma TVP levando por isso a um atraso de diagnóstico e pode levar à prescrição de terapêutica hipocoagulante -durante anos- antes do diagnóstico definitivo.

De uma forma geral, o tratamento passa pela cirurgia convencional nomeadamente pela sua resseção (com ou sem reconstrução venosa subsequente). As técnicas minimamente invasivas poderão ser usadas com a ressalva de uma aparente maior taxa de recidiva (excetuando quando se associa a esclerose da estrutura quística).

Sempre que perante um doente com clínica (ou “diagnóstico”) de TVP em que o curso de doença não é o habitual, esforços adicionais devem ser feitos e outros exames devem ser prescritos para permitir ao clínico a identificação destas lesões.

Conflicts of interest

None

Funding

None

Referências

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1Presented at: 21st Annual meeting of the Portuguese Society of Angiology and Vascular Surgery, June 2022.

Recebido: 28 de Junho de 2022; Revisado: 30 de Setembro de 2022; Aceito: 18 de Março de 2023

Corresponding Author: João Peixoto | joaodesousapeixoto@gmail.com Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho R. Conceição Fernandes, Vila Nova de Gaia

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