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Angiologia e Cirurgia Vascular
Print version ISSN 1646-706X
Angiol Cir Vasc vol.16 no.1 Lisboa Mar. 2020
CASOS CLÍNICOS
Endoleak tipo IIIB: a propósito de um caso clínico
Endoleak tipo IIIB: a case report
Miguel Lemos Gomes1,3, Alice Lopes1,3, Gonçalo Sobrinho1,2,3, Karla Ribeiro1,3, João Leitão4, Luís Mendes Pedro1,2,3
1 Serviço de Cirurgia Vascular, Hospital de Santa Maria (CHLN), Lisboa
2 Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa
3 Centro Académico de Medicina de Lisboa
4 Serviço de Radiologia, Hospital de Santa Maria (CHLN), Lisboa
Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence
RESUMO
Os endoleaks (EL) do tipo IIIb resultam de um defeito no tecido da endoprótese e são uma complicação tardia rara, mas grave, inerente à correção endovascular de aneurismas da aorta (EVAR). Neste trabalho, os autores descrevem o caso de um homem de 81 anos submetido em 2013 a EVAR, devido a aneurisma da aorta abdominal (AAA) de 87mm. O procedimento decorreu sem intercorrências, assim como os primeiros dois anos de follow-up, após os quais, houve um crescimento gradual do saco aneurismático até aos 100mm, sem haver, no entanto, qualquer evidência de EL na angiotomografia computorizada (angioTC). O doente foi submetido a laparotomia exploradora, com abertura do saco aneurismático e constatação intra-operatória de EL tipo IIIb, tendo sido realizada hemostase e epiploplastia.
O diagnóstico deste tipo de EL é difícil e muitas vezes apenas realizado intra-operatoriamente. Contudo, dado o elevado risco associado a esta complicação do EVAR, deve ser mantido um elevado índice de suspeição diagnóstica e a sua correção realizada atempadamente. Neste cenário, e dado não haver atualmente um gold standard de tratamento, a cirurgia aberta assume-se como uma arma terapêutica valiosa que permite não só o diagnóstico, como uma correção definitiva destas complicações.
Palavras-chave: Aneurisma; Endoleak; Epiplonplastia
ABSTRACT
The endovascular aneurysm repair (EVAR) allowed a reduction of short-term morbidity and mortality; however, late endoleaks are a permanent cause of concern. Type IIIb endoleaks arise from a defect in the endograft and are associated with a high risk of rupture. In this paper, the authors describe the case of an 81-year-old male patient, submitted in 2013 to EVAR due to an abdominal aortic aneurysm of 87mm. Aneurysmatic sac growth was observed after the first 2 years, reaching 100 mm, without any evidence of endoleaks. The patient underwent open surgery: the aneurysmatic sac was opened, and a type IIIb endoleak was diagnosed; hemostasis and omentoplasty were performed.
Late type IIIb endoleaks are difficult to diagnose, sometimes only upon opening of the aneurysmatic sac. Given the potential for severe complications, correction of this type of endoleaks is indicated. The open approach allows a definitive correction, and is an option to consider.
Keywords: Aneurysm; Endoleak; Omentoplasty
Introdução
A introdução da correção endovascular de aneurismas da aorta (EVAR) revolucionou o tratamento do aneurisma da aorta abdominal (AAA), permitindo uma diminuição da morbimortalidade a curto-prazo quando comparado com a cirurgia aberta.(1) Contudo, e apesar desses benefícios, permanece a questão da durabilidade a longo-prazo do tratamento endovascular.
Os endoleaks tardios e a subsequente expansão do saco aneurismático são um dos fatores condicionantes da menor durabilidade a longo prazo deste tipo de tratamento. Eles podem acarretar a rotura do aneurisma e a morte do doente, o que os torna motivo de preocupação permanente.(1) Os endoleaks tipo IIIb surgem de um defeito no tecido da endoprótese e estão associados a um alto risco de rotura pois mantêm a pressurização dentro do saco aneurismático.(1,2) São uma das causas de crescimento aneurismático inexplicável após EVAR e são extremamente difíceis de diagnosticar com precisão, uma vez que os defeitos no tecido protésico são geralmente muito pequenos, podendo manifestar-se intermitentemente.(2,3)
Neste trabalho, os autores descrevem um caso de endoleak tipo IIIb diagnosticado 4 anos após a implantação de uma endoprótese aorto-biilíaca, procurando chamar a atenção para a importância prática deste tipo de complicação.
Caso clínico
Um doente de 81 anos, sexo masculino, com antecedentes de hipertensão arterial e hipotiroidismo, foi submetido em 2013 a EVAR (Zenith Flex, Cook Medical, Bloomington, IN, USA) por AAA infra-renal de 87mm. O procedimento decorreu sem intercorrências e o doente manteve-se sob o protocolo de vigilância imagiológica. A angiotomografia computorizada (angioTC) de controlo aos 6 meses bem como dos 2 anos subsequentes demonstrou a manutenção das dimensões do saco aneurismático (87mm), sem evidência de endoleaks (figura 1). Contudo, a partir do 2º ano de follow-up constatou-se um crescimento gradual do saco aneurismático que atingiu, ao 4º ano de pós-operatório, os 100mm, sempre sem evidência de endoleaks na angioTC. Foi igualmente realizado exame eco-doppler abdominal com utilização de contraste que não revelou qualquer alteração significativa. O doente repetiu estudo pré-operatório e foi proposto para cirurgia aberta de abertura do saco e eventual laqueação de colaterais permeáveis (cirurgia tipo trap-door).
Após a abertura do saco aneurismático (figura 2) constatou-se um evidente endoleak tipo IIIb, demonstrado pela presença de hemorragia pulsátil no corpo principal da endoprótese. Não havia quaisquer outras alterações da selagem da endoprótese, nem colaterais aórticos permeáveis. A correção foi realizada pela utilização de agentes hemostáticos absorvíveis e com epiploplastia. Durante o procedimento foram realizadas colheitas de conteúdo do saco aneurismático para microbiologia (figura 2) não tendo, no entanto, sido isolado qualquer agente. O procedimento decorreu sem intercorrências. A angioTC de controlo realizada ao 1º mês de follow-up não revelou alterações (figura 3).
Discussão
Os endoleaks tipo IIIb são complicações cada vez mais raras associadas a EVAR uma vez que, apesar de terem sido frequentemente documentados com os dipositivos de primeira geração, o seu aparecimento tem diminuído progressivamente com as novas endopróteses.(4) Estudos prévios reportam incidências entre 0.3 e 2.9%, sendo descritos com quase todos os modelos de endoprótese.(4) Embora o seu mecanismo de ação seja ainda desconhecido, crê-se que a abrasão continuada dos componentes de nitinol das endopróteses com a parede aórtica calcificada será suficiente para provocar o defeito.(3) Por outro lado, a interação crónica dos vários componentes da endoprótese, nomeadamente o metal com o tecido, poderá conduzir à degradação deste último.(3)
Este caso ilustra as dificuldades dos métodos de diagnóstico (eco-doppler e angioTC) em identificar este tipo de endoleak. A angiografia poderá eventualmente fornecer dados adicionais, principalmente através de múltiplas injeções a alta pressão, com várias angulações e em locais diferentes da endoprótese. No entanto, tendo em conta o diâmetro do defeito e a sua intermitência, a angiografia poderá não mostrar utilidade prática.(4)
Dado o potencial para ocasionar complicações graves, a correção deste tipo de endoleaks está indicada, sendo considerada urgente.(1) A revisão pode ser realizada por via aberta, através da cirurgia de trap-door, ou endovascular, através de relining.
A seleção dos doentes tem por base as características anatómicas e as comorbilidades respetivas; contudo, a modalidade de tratamento padrão ainda não foi estabelecida. A abordagem aberta permite uma correção definitiva, tendo sido a solução realizada neste caso.
É ainda importante mencionar que o diagnóstico de endoleak tipo III pode não ser possível pré-operatoriamente. Assim, a abertura do saco e a constatação de ramos colaterais permeáveis pode demonstrar um endoleak tipo II ou, pelo contrário, a identificação de uma hemorragia a partir da própria endoprótese pode consubstanciar um endoleak tipo III, como se verificou no caso reportado. Estas considerações têm por base a indispensável exclusão de endoleak tipo I, o qual implica uma abordagem muito diferente. Todavia, deve mencionar-se que mesmo os endoleak tipo Ia intermitentes podem eventualmente ser apenas demonstráveis intra-operatoriamente pela mobilização cuidadosa da endoprótese.
A correção cirúrgica é também muito diferente; no caso dos endoleak tipo II implica a laqueação dos colaterais envolvidos (artéria mesentérica inferior e/ou artérias lombares), a dos tipo IIIb a utilização de medidas hemostáticas locais, a sutura com utilização de pledgets ou a epiploplastia(2), enquanto que nos endoleaks tipo I, o tratamento implica um controlo aórtico proximal, a eventual explantação da endoprótese ou simplesmente a utilização de banda de teflon com o objetivo de reduzir o diâmetro do colo do aneurisma.
No caso das soluções endovasculares, deve ter-se em conta que a sua utilização implica muitas vezes um diagnóstico de presunção, pois pode ser difícil a demonstração pré-operatória de pequenos endoleak tipo IIIb.
As intervenções de relining são as soluções mais utilizadas e dependem da área que se presume envolvida no problema. Alguns autores preconizam a colocação de uma nova endoprótese bifurcada, o que é um procedimento complexo e que envolve quase sempre endografts custom-sized.(1)
Os procedimentos de relining deverão ser realizados numa suite angiográfica com imagem otimizada e devem ter em conta alguns aspetos particulares como a eventual sobreposição de próteses de diferentes marcas e características ou a difícil interpretação dos aspetos imagiológicos das próteses previamente colocadas. Finalmente, o relining de endopróteses prévias pode implicar o uso de tecnologia mais complexa como próteses e cuffs fenestrados ou iliac branch devices. As complicações destas intervenções são usualmente mínimas (hematoma, infeção, trombose) e a mortalidade reduzida (0.7%), sendo estes procedimentos possíveis em casos emergentes com standard-sized endografts.(1)
De uma forma geral, pode considerar-se que os doentes submetidos a cirurgia aberta terão uma taxa mais elevada de complicações peri-operatórias e de mortalidade.(1)
Conclusão
Em conclusão, este caso permite observar a ocorrência de defeitos tardios no tecido das endopróteses que se utilizam atualmente, assim como os desafios diagnósticos associados a endoleaks tardios do tipo IIIb (que por vezes são apenas diagnosticados aquando da abertura cirúrgica do saco aneurismático).
A abordagem aberta permite uma correção definitiva, sendo a solução realizada uma das opções a considerar. Os procedimentos endovasculares devem ser favorecidos em pacientes com comorbilidades significativas, sendo o relining com uma nova endoprótese o tratamento usualmente selecionado.
Destaca-se que esta complicação potencialmente fatal torna mandatória a necessidade de vigilância contínua do EVAR, mesmo vários anos após o procedimento inicial.
REFERÊNCIAS
1. Kansal V, Nagpal S: Delayed Type IIIb endoleak secondary to graft fabric tear 7 years following implantation of a Medtronic Talent endovascular aortic device: A case report and review of the literature. SAGE Open Medical Case Reports. 2016;4: 1-4 [ Links ]
2. Jones S, Vallabhaneni S, McWilliams R et al. Type IIIb Endoleak Is an Important Cause of Failure Following Endovascular Aneurysm Repair. J Endovasc Ther. 2014;21:723-727 [ Links ]
3. McWilliams R, Vallabhaneni R, Naik J et al. Type IIIb Endoleak With the Endurant Stent-Graft. Journal of Endovascular Therapy. J Endovasc Ther. 2016;23(1) 229-232 [ Links ]
4. Seike Y, Nishibe T, Ogino H et al. Hybrid repair of rare type IIIb endoleaks from an abdominal endograft: repeatedly undetected endoleaks. Interactive CardioVascular and Thoracic Surgery. 2015;21:129-131 [ Links ]
Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence
Correio eletrónico: gomes.l.miguel@gmail.com (M. Gomes).
Recebido a 16 de julho de 2018
Aceite a 25 de março de 2020