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Angiologia e Cirurgia Vascular

versão impressa ISSN 1646-706X

Angiol Cir Vasc vol.13 no.2 Lisboa jun. 2017

 

ARTIGO REVISÃO

Tratamento endovascular de aneurismas da aorta abdominal infrarrenal em Doentes com colo largo — risco acrescido de complicações?

Endovascular aneurysm repair in wide infrarenal necks — increased risk of complications?

Nelson F. G. Oliveira1,2, Jean-Paul P. M. de Vries3,Marie Josee Van Rijn2, Sanne Hoeks4, Debbie Werson3, Quirina de Ruiter5, Joost A. van Herwaarden5, Hence J. M. Verhagen2, Frederico M. Bastos Gonçalves2,6.

 

1Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular — Hospital do Divino Espírito Santo, Ponta Delgada.

2Serviço de Cirurgia Vascular — Erasmus University Medical Center, Roterdão, Países Baixos.

3Serviço de Cirurgia Vascular — Hospital St. Antonius — Nieuwegein, Países Baixos.

4Serviço de Anestesiologia — Erasmus University Medical Center, Roterdão, Países Baixos.

5Serviço de Cirurgia Vascular — Utrecht Medical Center — Utrecht, Países Baixos.

6Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular — Hospital de Santa Marta — Centro Hospitalar de Lisboa Centro, Lisboa Portugal.

 

*Autor para correspondência

 

RESUMO

A reparação endovascular de aneurismas da aorta abdominal infrarrenal (EVAR) é cada vez mais a opção preferencial para o tratamento cirúrgico dos aneurismas da aorta infrarrenal. O sucesso clínico deste tipo de reparação a longo prazo depende da manutenção de uma selagem proximal duradoura. A realização de EVAR em doentes com características morfológicas de maior risco nomeadamente colos proximais largos tem obtido bons resultados a curto prazo. Contudo, a longo-prazo, o sucesso clínico do EVAR nestes doentes permanece por esclarecer. Neste artigo, os autores realizam uma revisão da literatura procurando caracterizar o impacto clínico da presença de um colo proximal largo nos resultados a médio e longo prazo após EVAR.

Palavras-chave: Aneurisma da aorta; Abdominal (MeSH), Implantação de prótese em vaso sanguíneo (MeSH), colo proximal largo.

 

ABSTRACT

EVAR has become the predominant repair technique for abdominal aortic aneurysm. Long-term clinical success relies greatly upon a long-lasting proximal seal. EVAR has achieved good outcomes on the short-term in patients with hostile neck features such as large proximal necks. However, the long-term outcomes in these patients is greatly unknown. In this article, the authors perform a literature review in order to assess the clinical impact of wide proximal neck on mid to long-term outcomes following EVAR.

Keywords: Aortic aneurysm; Abdominal (MeSH); Blood vessel prosthesis implantation (MeSH); wide aortic neck diameter.

 

INTRODUÇÃO

O tratamento endovascular dos aneurismas da aorta abdominal infrarrenal (EVAR) tornou-se a opção de tratamento preferencial na reparação dos aneurismas da aorta abdominal (AAA), sobretudo em doentes com risco anestésico-cirúrgico moderado e elevado1. Uma progressiva evolução técnica verificada na maioria das endopróteses aórticas resultou num melhor desempenho das endopróteses de última geração2. Em consequência, verifica-se que progressivamente têm sido tratados doentes com anatomias mais complexas, beneficiando-os assim com as vantagens a curto prazo do EVAR sobre a cirurgia convencional em termos de morbimortalidade. Contudo, a durabilidade a longo prazo do EVAR nestes doentes, com características morfológicas hostis, não se encontra ainda bem estabelecido, havendo contudo na literatura alguns estudos a alertar para um maior risco de complicações 3. Quando se analisa especificamente o impacto clínico do diâmetro basal do colo proximal, verifica-se que embora a curto prazo os resultados sejam favoráveis, a longo prazo existem dados contraditórios na literatura4, 5. Adicionalmente, a maioria das series reportadas incluem uma diversidade de endopróteses com instruções de uso (IDU) distintas, as quais reflectem em grande parte as expectativas dos fabricantes relativamente ao seu desempenho em colos proximais hostis, o que vem dificultar a análise dos resultados apresentados.

 

DEFINIÇÃO

Cada uma das características morfológicas do colo proximal encontra-se classificada pela Ad Hoc Committee for Standardized Reporting Practices in Vascular Surgery of the Society for Vascular Surgery/American Association for Vascular Surgery em diversos graus, formando um score de severidade anatómica6. Assim, quanto ao diâmetro do colo proximal, consideram-se 4 grupos de acordo com o diâmetro do colo proximal: <24 milímetros (mm), 24-26mm, 26-28mm e >28mm. A capacidade desta classificação em prever complicações pós-EVAR a médio prazo foi aferida por Best et al7. Após um período de seguimento pós-operatório médio de 26 meses (mínimo 1, máximo 64 meses), 7 doentes no grupo de baixo risco (7%) apresentaram complicações relacionadas com EVAR enquanto no grupo de alto risco, foram identificadas em 14 doentes (16%, P=.037).

Colo largo — um colo doente?

A durabilidade do sucesso clínico após EVAR depende em grande parte da obtenção e sustentação de uma selagem proximal eficaz. Para o conseguir, é necessário que o colo proximal tenha um diâmetro e um comprimento mínimo adequados para a obtenção de selagem, e que em grande parte se encontram espelhados pelas IDU de cada uma das endopróteses. Contudo, Diehm et al mostram que mesmo em colos considerados “saudáveis”, existem já muitas alterações histológicas típicas do saco aneurismático, incluindo a destruição estrutural da parede aórtica com neovascularização e híper-expressão de metaloproteinases8. No entanto, a associação da severidade destas alterações com características morfológicas nomeadamente com o diâmetro do colo não foi estudada pelos autores.

 

Colo largo — Dilatação pós EVAR acelerada?

A dilatação do colo proximal é um fenómeno descrito quer após o tratamento cirúrgico convencional dos AAA, quer após EVAR9. Por um lado, e no que concerne aos doentes tratados por EVAR, o sobredimensionamento das endopróteses na sua maioria auto-expansíveis parece ser em parte responsável por este evento. Ao exercer uma força centrífuga contínua sobre o colo, este dilata pelo menos até que

o diâmetro da endoprótese seja atingido10. Por outro lado, a ausência desta força radial continua sobre o colo parece resultar numa redução da dilatação do colo, de acordo com Donato et al11. Neste estudo, utilizando uma prótese que cuja selagem proximal é obtida pela aposição não expansiva de 2 aneís de polímero (Ovation, TriVascular, Inc., Santa Rosa, Califórnia, EUA) Donato et al verificaram que o colo se mantinha praticamente inalterado no que respeita ao seu diâmetro na zona de selagem (variação de -0.06mm ±0.97 ao fim de um seguimento médio de 32 meses). Estes dados sugerem portanto que a dilatação do colo deve-se em parte ao efeito da endoprótese sobre o mesmo.

Por outro lado, e conforme descrito anteriormente, a dilatação do colo pode também resultar do atingimento deste segmento da aorta pela doença aneurismática subjacente, o que explica a dilatação do colo após cirurgia convencional, conforme demonstrado por Oberhuber et al9. Neste estudo não havendo uma diferença significativa nos diâmetros dos colos aórticos entre os grupos estudados (Cirurgia Convencional e EVAR), não houve também diferenças entre os grupos relativamente à dilatação da aorta suprarrenal (P=0.305) ou da aorta infrarrenal (P=0.311). Contudo, nesta análise, a associação com o diâmetro aórtico pré-operatório não foi estudada em nenhum dos grupos. Em contraste com os estudos acima enumerados, Cao et al12 procuraram identificar que factores anatómicos estavam associados à dilatação do colo proximal após EVAR num grupo de 230 doentes.

Estes autores demonstraram que o diâmetro pré-operatório do colo proximal era preditivo de dilatação após EVAR (Hazard Ratio [HR] de 1.21 por cada mm de incremento, intervalo de confiança [IC] 95% 1.07–1.35). No entanto, não foi realizada qualquer estratificação para a grande diversidade de endopróteses utilizadas, as quais apresentam forças radiais heterogéneas. Adicionalmente, a associação com as comorbilidades dos doentes não foi contemplada neste estudo, não se podendo por isso excluir que o grupo de doentes que apresentaram dilatação do colo proximal não apresentem mais comorbilidades o que de alguma forma poderá contribuir para uma dilatação do colo aórtico mais acelerada.

 

Impacto clínico do colo largo no EVAR

Embora a curto prazo pareça não haver diferenças quanto ao sucesso do EVAR entre doentes com colo largo ou com colos normais, na literatura são encontradas evidências contraditórias quanto aos resultados a médio e longo prazo4.

Aburahma et al, não encontraram qualquer relação entre o diâmetro do colo proximal e a ocorrência de endoleaks tipo 1 proximais ou a necessidade de um cuff aórtico secundário 13. Contudo, neste estudo, o colo proximal era em média de apenas 25.3mm (mínimo 16, máximo 32) e apenas 19 dos doentes (8%) apresentavam um colo proximal com um diâmetro >28mm. Num outro estudo de Bastos Gonçalves et al baseado no registo ENGAGE, 398 dos doentes estudados (31.5%) tinham colos proximais com um diâmetro >30mm. Em comparação com a restante amostra, não foi encontrada uma incidência superior de complicações relacionadas com o colo proximal neste grupo (P=0.4)5. Contudo, à data da análise, apenas 38% dos doentes (N=438) é que tinha cumprido 24 meses de seguimento e por isso a extrapolação destes resultados a longo prazo não é ainda possível.

Por contraposição, outros estudos têm demonstrado um risco aumentado de eventos adversos relacionados com o colo proximal entre os doentes com colo mais largo. Num grupo grande de doentes (N=10228) seguidos por um período médio de 31 meses (±18 meses), Schanzer et al verificou que os doentes com diâmetros de colo proximal 28-32mm tinham um risco aumentado de crescimento do saco aneurismático em relação aos doentes com colos de menor diâmetro (HR1.8, IC95% 1.4–2.2)14. Naqueles doentes cujo diâmetro do colo era >32mm, o risco era ainda superior (HR 2.1, IC95% 1.5–2.9). Contudo, apesar da dimensão da amostra, diversas limitações foram já identificadas neste estudo.

O carácter não consecutivo da amostra que depende da referenciação voluntária por parte dos cirurgiões assistentes apresenta por isso um viés de referenciação significativo a favor de doentes que tenham tido complicações ou que tenham de base uma anatomia mais complexa. Adicionalmente, a amostra inclui doentes com patologias diversas para além dos aneurismas degenerativos da aorta infrarrenal, (ie pseudoaneurismas, aneurismas anastomóticos, aneurismas micóticos, entre outros) o que limita a interpretação dos resultados apresentados. Um outro estudo mais recente de Stather et al incluindo 552 doentes dos quais 131 (23.7%) com um colo proximal com >28mm de diâmetro procurou investigar também factores de risco para complicações pós-EVAR15. Ao fim de um período de seguimento de 4.1 anos, os autores verificaram que os doentes com colo largo apresentaram mais endoleaks tipo 1 proximais (P=.008) e necessitaram de mais intervenções secundárias (P=.04). Contudo, embora os doentes tenham sido tratados com diversas endopróteses, não foi realizada uma análise estatística estratificada por dispositivo. Uma vez que cada endoprótese tem um desempenho diferente em colos proximais com características adversas, e cada dispositivo tem características físicas diversas, nomeadamente no que concerne à sua força radial, a extrapolação destes dados para a prática clínica diária não é clara16.

Jim et al publicaram a sua experiência com a endoprótese Talent (Medtronic, Minneapolis, Minnesota, Estados Unidos da América [EUA]) no tratamento de 156 doentes, entre os quais se encontravam 53 (40.0%) com colos largos17. Neste estudo, um colo proximal ≥28mm de diâmetro conferia aos doentes um risco significativamente aumentado de eventos adversos quando comparado à restante amostra aos 30 dias (20.8%vs 4.9%, P <.01). Contudo, durante o restante período de seguimento, esta diferença perdeu significado estatístico. No entanto, todas as 5 migrações reportadas aos 5 anos ocorreram somente em doentes com colos largos. Estes dados clínicos estão de acordo com estudos in vitro que atestam que a falta de fixação activa desta endoprótese torna-a particularmente vulnerável à migração distal16.

Num estudo do nosso grupo incluindo 427 doentes tratados em 3 centros de alto volume nos Países Baixos com a endoprótese Endurant (Medtronic, AVE, Santa Rosa, California,EUA), aos 5 anos, a incidência de endoleaks tipo1 foi significativamente superior no grupo de 74 doentes com diâmetros de colo proximal ≥30mm (P=.005)18. A sobrevivência sem intervenções secundárias relacionadas com o colo proximal (cuff aórtico, stent Palmaz, cuff aórtico fenestrado; conversão para cirurgia convencional) aos 5 anos foi de 81.0% nos doentes com colos largos enquanto que no grupo de controlo foi de 95.1% (P=0.001).

 

CONCLUSÕES

Embora a literatura apresente resultados contraditórios, parece haver um maior risco de complicações após a realização de EVAR em doentes com colos proximais largos relacionadas com a perda de selagem proximal. Particularmente nestes doentes, deverão ser ponderadas outras opções de tratamento nomeadamente que contemplem a obtenção de uma selagem proximal mais longa, com eventual recurso a endopróteses fenestratadas/Chimney ou em alternativa, nos doentes com baixo risco anestésico-cirúrgico a reparação cirúrgica convencional. Adicionalmente, se a opção recair sobre a realização de EVAR com uma endoprótese aórtica infrarrenal, não deverá ser dispensado um seguimento imagiológico baseado em Angiografia-Tomografia Computorizada anual dado o risco acrescido de complicações.

 

RESPONSABILIDADES ÉTICAS

Proteção de pessoas e animais. Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados. Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Direito à privacidade e consentimento escrito.

Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Schermerhorn ML, Buck DB, Curran T, McCallum JC, O'Malley AJ, Cotterill P, et al. Long-term outcomes and temporal trends with endovascular vs open repair of abdominal aortic aneurysms in the medicare population. J Vasc Surg. 2014;60:830–830        [ Links ]

Tadros RO, Faries PL, Ellozy SH, Lookstein RA, Vouyouka AG, Schrier R, et al. The impact of stent graft evolution on the results of endovascular abdominal aortic aneurysm repair. J Vasc Surg. 2014;59:1518–1527        [ Links ]

Antoniou GA, Georgiadis GS, Antoniou SA, Kuhan G, Murray D. A meta-analysis of outcomes of endovascular abdominal aortic aneurysm repair in patients with hostile and friendly neck anatomy. J Vasc Surg. 2013;57:527–538        [ Links ]

 

*Autor para correspondência

Correio eletrónico: nfgoliveira@sapo.pt (N. Oliveira).

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