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Observatorio (OBS*)

On-line version ISSN 1646-5954

OBS* vol.9 no.2 Lisboa June 2015

 

Um olhar sobre as mobilidades de profissionais qualificados portugueses nos media estrangeiros

A look into the way foreign media cover Portuguese high skilled mobility

 

Emília Araújo*, Filipe Ferreira**

*Professora Auxiliar da Universidade do Minho. Instituto de Ciências Sociais -Gualtar-4710-057 Braga, Portugal. (emiliararaujo@gmail.com / era@ics.uminho.pt)

**Mestre. Universidade do Minho, Instituto de Ciências Sociais -Gualtar-4710-057 Braga, Portugal. (filipevonnordeck@gmail.com)

 

RESUMO

Este artigo versa sobre o modo como alguns jornais internacionais abordam o fenómeno da mobilidade de portugueses qualificados. Assente numa análise da literatura sobre a história, as motivações e os impactos da mobilidade de qualificados, assim como nos estudos sobre a cobertura mediática dos fenómenos migratórios, assume-se que a mobilidade dos profissionais qualificados constitui um fenómeno de relevância politica e ideológica susceptível de várias interpretações. Nessa linha, e na base de um estudo dos conteúdos de vários jornais internacionais, conclui-se que o tratamento mediático do fenómeno da mobilidade de portugueses assenta em referenciais coloniais e imperialistas através dos quais as mobilidades para países como o Brasil e Angola são apresentadas como negativas e depreciativas.

Palavras-chave: mobilidade, discurso, profissionais qualificados

 

ABSTRACT

This article aims at problematizing how some international newspapers with global impact cover the phenomenon of Portuguese high skilled mobility in recent times. In this sense, the article is grounded in the literature about history, motivations and impacts of high skilled professionals as well as in studies concerning media coverage of migration phenomena. Assuming that high skilled mobility is a phenomenon of political and ideological relevance, the article presents the results provided by the analysis of a sample of international newspapers contents. The conclusions emphasise that media tend to describe the current mobility flows from Portugal, following a line or argumentation which is deep-rooted in colonial and imperialistic frames of representation through which mobility to countries such as Brazil and Angola, are presented as negative and depreciative.

Keywords: mobility, speech, skilled professionals

 

Introdução

A mobilidade de profissionais qualificados constitui um dos assuntos de relevo para o debate sobre a geopolítica da ciência e da tecnologia no mundo (Araújo et al, 2013). Assistimos, em particular a partir da segunda guerra mundial, a várias discussões sobre a orientação dos fluxos migratórios e de mobilidade de profissionais qualificados realizados dos países “colonizados”, rumo aos “colonizadores”. Também no domínio da análise e interpretação científicas, o termo “colonização” adquiriu vários sentidos, sendo apropriado como modo de significação dos processos de difusão e expansão dos resultados científicos e tecnológicos.

Do ponto de vista económico e, dir-se-ia, macroeconómico, a mobilidade de qualificados sugere análises muito centradas sobre o tipo de capital que circula através da deslocação pessoal e/ou virtual. Mas, tal como extensa literatura tem notado (entre outros, Salt, 1992; Peixoto, 1999), a mobilidade, enquanto deslocação efetiva, resulta, na grande maioria das vezes, de processos de socialização e de “canalização” das opções e das tomadas de decisão individuais, nos quais intervêm fatores de ordem cultural, associados aos modos de relacionamento histórico entre países. Os primeiros estudos sobre a mobilidade de qualificados enfatizam a interferência desta variável histórica na formulação das decisões de partida de um país em relação a outro. E enfatizam-na descrevendo, designadamente, dois pontos relativos aos movimentos de deslocação de pessoas: que estas saem para “ajudar” o país e a si mesmas; e que saem para ajudar os outros países optando, em primeira escolha, por países com os quais existe afinidade histórica materializada na partilha de uma língua e de uma memória comum.

Alguns estudos (Uriccio, 2008; Cogo e Badet, 2013; Araújo e Novordeck, 2013) têm indicado como os media podem ser meios poderosos no processo de construção de identidade a diversas escalas (individuais, nacionais e transnacionais). Este poder é ainda mais ciclópico à medida que os seus conteúdos se tornam cada vez mais acessíveis a todo o mundo de forma dinâmica e interativa, através de universos digitais que favorecem o surgimento e a co-presença de uma pluralidade de significados e de interpretações.

Assim, este texto tem como objetivo problematizar como os discursos sobre os fluxos de mobilidade de altamente qualificados contribui para o debate sobre os territórios de significação e de construção pós colonial, estabelecendo algumas das principais características distintivas dos discursos científicos, políticos e mediáticos que, de forma direta ou indireta, retomam os quadros de perceção colónias e imperialistas, criando alguns contextos de conflito identiário. Temos em atenção, em particular, os contextos de relacionamento entre Portugal, Brasil e Angola. Confere-se especial atenção ao papel dos media na construção de imagens e de representações, não unicamente sobre quem se move, mas, sobretudo, sobre os países de origem e de destino dessa mobilidade. Nessa linha, o artigo constitui uma produção reflexiva realizada com base na análise de resultados científicos publicados acerca dos fluxos de mobilidade de altamente qualificados, incluindo, paralelamente, a análise dos principais eixos discursivos do tempo político presente acerca das mobilidades mais recentes.

A análise de discurso contribui para a compreensão da temática proposta, ao permitir aceder ás macro-estruturas que sustentam as práticas sociais dos atores, ao ponto de as apresentarem como naturais e espontânea (Orlandi, 2005; Pêcheux, 2002; Van Dijk, 2005). Permite, nomeadamente, perceber como o fenómeno da mobilidade de qualificados aparece tratado como uma narrativa, não só porque respeita uma cronologia, como introduz vários elementos “dramáticos” na própria “história”. Com efeito, como afirma Carvalho (2000: 146), a “narrativa pode ser pensada como envolvendo uma acção, uma conclusão ou resultado, personagens, e um palco ou quadro de acção”.

O texto organiza-se tendo por base dois pontos centrais. Primeiro, uma apresentação da problemática sobre a mobilidade de qualificados e sua relevância na afirmação das identidades nacionais. Num segundo ponto incide-se sobre as vias de desconstrução dos discursos coloniais e a pertinência de criar novos contextos de relacionamento e de representação.

 

A mobilidade de qualificados

A mobilidade efetiva de pessoas qualificadas entre países cujas relações históricas passaram pelo fenómeno da colonização está envolta em várias considerações de ordem classificativa e, pelo menos na segunda metade do século XX, foi interpretada á luz dos processos etnocêntricos que caracterizaram o modo como as sociedades foram sendo posicionadas numa escala temporal de tipo evolucionista e ao qual estão ligadas as classificações centro/periferia e norte/sul. Deste ponto de vista, aliás, a mobilidade dos qualificados seria entendida como algo que se justifica à luz da necessidade de os países centrais – implicitamente definidos como mais competitivos – expandirem a procura dos seus recursos em direção aos países mais periféricos e, em resultado, assumirem um papel pedagógico sobre estes, especialmente oferecendo-se como centros de formação e de educação de excelência, podendo, assim, expandir também as suas visões políticas e ideológicas. Mantendo a terminologia, é nesse sentido que se entende que este debate centro/periferia englobe muito mais do que a divisão impérios / colonizados e se estenda dentro dos próprios “colonizadores”. Algo que é evidente no contexto Europeu, marcado pela permanência de fluxos mais densos historicamente, dos países do sul, em relação aos do norte. Estes, identificados como países que revelam maior capacidade atrativa, não só ao nível das ofertas de emprego, como ao nível da oferta de melhores possibilidades de desenvolvimento de carreiras e, assim, níveis de vida superiores.

Expliquemos, a propósito, uma variação de enorme relevância para a problemática.

Em muitos casos, os fluxos de mobilidade (e, por vezes, de emigração) são predominantemente compostos de pessoas que procuram desenvolver níveis superiores de aprendizagem noutros países. Portanto, a ideia subjacente é a de que, noutro país, se podem desenvolver competências e obter credenciais valorizadas nos países de origem, ainda que parte destes profissionais que se movem não tenha em vista regressar, pelo menos temporariamente. Estes movimentos classificam, sem dúvida, as relações entre países, sendo possível destacar, ao longo da história, grandes fluxos de mobilidade entre países como China e Estados Unidos, México e Estados Unidos, Polónia e Estados Unidos, Brasil e Portugal, ou mesmo, Portugal e França e /ou Alemanha – neste caso, particularmente ao nível do ensino pós-graduado – doutoramento e pós-doutoramento. Alguns autores (Van Mol, 2008) apontam, justamente, a língua e as afinidades culturais como duas grandes variáveis explicativas dos destinos destas mobilidades. Trata-se, não obstante, de movimentos que também caraterizam diferentes atitudes dos indivíduos e das famílias no quadro do seu posicionamento social, pois a mobilidade académica – esta que acontece predominantemente em razão do ensino – é, na maior parte dos países, uma condição de sucesso pessoal e de acesso e/ou manutenção do lugar nas elites dominantes, nos vários campos.

Mas, noutros casos, os fluxos de mobilidade dizem respeito a pessoas que já possuem graus de ensino elevado e ou não conseguem obter emprego no seu país de origem, ou tem conhecimento de melhores perspectivas noutros países, reconhecendo terem competências capazes de serem valorizadas nesses contextos. Existem múltiplas variações no que se refere a este tipo de perfil, mas importa destacar, no seguimento dos objetivos deste texto, que este tipo de mobilidade implica, por norma, uma conotação mais negativa para os países de origem, nomeadamente para dos seus governantes, considerados incapazes de prover condições de vida aos seus cidadãos, percebidos sendo obrigados a sair, sem que se considere, com efeito, as variáveis sistémicas que contribuem para que a disposição do emprego e dos recursos no espaço físico adquira a forma que tem, normalmente desigual – com zonas centrais e atrativas e zonas em maior declínio.

De alguma forma, a cada fase de discussão pública da mobilidade dos qualificados – a que correspondem análises, reflexões e críticas sobre quem se move e por que motivo o faz e para onde – estão implícitas, pelo menos, duas discussões. Primeiro, acerca dos motivos por que os indivíduos, sendo qualificados, saem de um país para outro. Parte-se da hipótese de que a mobilidade só se desencadeia em virtude desses motivos que podendo ser de ordem religiosa, política ou social, são, principalmente, de ordem económica. Segundo, acerca dos destinos geográficos e políticos escolhidos para onde esses indivíduos se movem, na medida em que podem configurar territórios mais ou menos imaginados, mais ou menos conhecidos e sobre os quais recaem representações e ideias preconcebidas que carregam imagens de poder/subordinação. Várias composições cinematográficas revisitam continuamente este padrão representacional que dirige a escolha dos lugares, assim como o modo de os encarar.

É pertinente destacar que, embora os motivos que tendem a explicar a mobilidade tenham sido o grande foco de atenção da maior parte dos estudos, resulta importante identificar e explicitar os destinos para “onde” se faz a mobilidade, neles descortinando o espaço ocupado pelas representações e pelas memórias.

A diáspora migratória dos qualificados de um país inscreve-se sempre em discursos de crítica e de frustração pela saída, entendida como “obrigatória”, mas também inscreve bastantes expetativas por parte de quem fica, relativamente á capacidade desses quadros qualificados serem agentes de construção da imagem externa desse país, contribuído para a sua afirmação identitária. Isto partindo do princípio de que estes que saem e se movem para o estrangeiro, sendo qualificados e altamente qualificados, são portadores de conhecimentos e de saberes, não só valorizados nesse espaço “estranho”, mas também sinalizadores das qualidades das instituições e das práticas dos países de origem.

Grande parte dos profissionais qualificados, incluindo os que se movem dentro de estruturas e/ou instituições, tais como diplomatas, adidos, gestores em multinacionais, bancos, lobing e outras elites - recolhem a classificação de “estrangeiros” e, portanto, na aceção de Rundell (2004), são as personagens principais do cosmopolitismo que se afirma discursivamente como eixo principal de política num futuro próximo. Um eixo de árdua operacionalização, principalmente se considerarmos que grande parte da mobilidade que envolve qualificados é ainda explicada em função da mobilidade do capital (Harvey,2007; Castree, 2007). Wallerstein (2004;2006), por exemplo, encara a “fuga de cérebros” como uma consequência da estrutura do mundo capitalista, que cria condições de crescimento económico para alguns países e de subdesenvolvimento para outros, ao favorecer a aplicação de diferentes formas de controlo de trabalho e de distribuição do poder político. Afirma ainda que tal acontece porque o sistema capitalista assenta numa divisão internacional do trabalho que determina as relações entre diferentes regiões, bem como as condições de trabalho dentro de cada região. Num outro estudo recente sobre o mesmo assunto, os fluxos de mobilidade são analisados em termos de “centro” e de “periferia”, sendo veiculada a ideia de que o centro (core) funciona sempre como atrator dos qualificados da periferia (Miguélez e Moreno, 2013:4).

Assim, importa frisar que a mobilidade de qualificados tem sido um importante veículo de critica social acerca da política nacional e europeia na maioria dos países. Em Portugal, desde os exercícios de hapenning, encetados pelos jovens bolseiros de investigação no aeroporto de Lisboa, vários atores sociais tem vindo a protagonizar várias modalidades de crítica às políticas socioeconómicas através da exposição dos fenómenos de mobilidade dos qualificados. Exemplos dessa crítica constituem as mais recentes letras de músicas que dinamizam algumas comunidades online, de Pedro Abrunhosa e de Rui Unas. A primeira, apontando as dificuldades de adaptação aos países de acolhimento e a vontade de regressar a Portugal e aos “braços da mãe”; a segunda, enfatizando a vertente “obrigatória” da mobilidade, de quem “já (não) quer voltar”, face á impossibilidade de ter emprego em Portugal adequado “as qualificações”.

Enquanto esta discussão se vislumbra como um contexto privilegiado para a geração de significações diversas e, por vezes, contraditórias, sobre o papel das políticas e, também, sobre a tipologia das racionalidades individuais e motivações, surgem questões de enorme relevância que importa desconstruir, no que respeita á imagem dos países mais sinalizados como receptores ou como centro de origem de qualificados.

Mesmo em contextos em que o paradigma da circulação de cérebros prevalece como forma de explicação oficial através do qual a mobilidade surge retrata como foco de ganhos recíprocos para os países e indivíduos envolvidos e diferentemente do que ocorre com outros países, os novos fluxos migratórios representam para os países outrora classificados como “impérios”, ou “metrópoles” e/ou “colónias”, um enorme desafio no contexto da competição intensa por recursos que caracteriza a circulação de capital humano, cientifico e tecnológico no mundo. Primeiro, um desafio político que se relaciona com o espaço conferido ao legado histórico e á forma e ao grau em que este interfere na articulação das políticas e medidas com impacto sobre a própria mobilidade (reconhecimento de diplomas, atribuição de visto, etc.). Segundo, um desafio cultural que se associa aos modos de construção e de reconstrução das imagens e representações dos próprios países e povos e no qual estão implicados tanto atores individuais (os que se movem e os residentes), como instituições, governos e media.

A literatura sobre a mobilidade e qualificados esteve durante bastante tempo encerrada no debate acerca da drenagem de cérebros e os fenómenos de desigualdade social e económica com ela relacionados (Peixoto, 1999; Góis e Marques, 2007). Tal como Brandi (2001) explicita, esta literatura, com grande influência política, enfatizou durante bastante tempo a ideia da perda para o país de origem que representa a mobilidade pessoas com qualificação, ou que buscam qualificações nos países de receção. Uma parte considerável destes estudos versam sobre a área da saúde, uma das que mais implicações e marcas visíveis deixa nos países de origem (Shah, 2006).

Mais do que a “perda”, para os países de origem, a saída de profissionais chegou a ser classificada como mecanismo de domínio, por parte dos países mais desenvolvidos. Esta foi a linha de análise desenvolvida por vários autores, a partir do quadro genérico de Patkins (1968), um autor que recolhe ao rótulo de “nacionalista”, ao argumentar em favor da necessidade de os estados imporem medidas que favoreçam a fixação de pessoas nacionais nos seus territórios e atraiam o regresso dos que saíram.

É esta a linha de raciocínio que também atravessa as reflexões sobre a internacionalização da ciência e do ensino superior (Veiga, 2012: Amaral, 2013; Araújo e Silva, 2015). Alguns estudos mais específicos para o contexto das relações entre os Estados Unidos da América e o resto do mundo enfatizaram, inclusive, que a própria mobilidade oferece contextos de aprendizagem ideológica adaptada a sustentar a conformação nos países de origem e, principalmente, a estandardização de práticas que levam á hegemonia de certos paradigmas com implicações sobre a economia, a sociedade e a política. O alinhamento destes estudos carateriza-se por dar primazia á ideia de que, no contexto da afirmação global e na luta pela obtenção de recursos, a nível mundial, a “nacionalidade” dos conhecimentos, dos capitais e dos produtos, é essencial. A propósito da ciência, Stoer e outros (2001) explicitam a complexidade que envolve as redes de dependência entre países, nas quais os indivíduos e famílias são envolvidos:

“Situado numa encruzilhada de forças que o transcendem, o campo educativo surge com características afectadas por percursos históricos do contexto em que tem lugar, surge influenciado por interesses e poderes económicos, pelas relações Estado/mercado, por orientações políticas e ideológicas, por localizações mais ou menos centrais, e é ainda marcado por influências do global e do local que nele conflituam” (Stoer et al., 2001: 14).

Há uns anos a esta parte, e com a amplificação do neoliberalismo, tem-se verificado a imposição de um alinhamento discursivo marcado pela prevalência da tese através da qual surge vincada a necessária circulação de capitais e, portanto, de pessoas e qualificações (Gaillard e Gaillard,1998; Mogueréu, 2006). Aliada a uma intensa valorização do pós-nacional e do transnacional, o discurso científico tem-se combinado com o discurso político na expressão da mobilidade como condição necessária e essencial para a satisfação dos interesses e escolhas individuais, não realizáveis nos contextos de origem. A marca dominante deste discurso considera os aspectos mais negativos apontados pela tese da “fuga de cérebros” e desloca-os num sentido positivo e necessário. Trata-se de um complexo de argumentos gerados pela própria condição da economia no mundo actual: tendencialmente desmaterializada e tendencialmente desenraizada em termos espácio-temporais, e no contexto da qual a mobilidade de pessoas surge como condição inerente e, portanto, quase não questionável. Desde logo, o argumento principal é o de que a mobilidade de talentos não é uni, mas bi ou multidireccional, uma vez que conduz a uma partilha de benefícios entre países de envio e de acolhimento (Solimano, 2008), além de tudo, porque se admite que os profissionais com sucesso no exterior acabam por contribuir para o desenvolvimento dos seus próprios países, na geração e manutenção de redes de ligação e de suporte á circulação de ideias, produtos e serviços. Um vasto conjunto de literatura tem apostado nesta tese, procurando salientar os ganhos existentes nos recursos mobilidade para todas as partes.

São conhecidas algumas iniciativas de melhoria dos modos de relacionamento entre países no que respeita á gestão da mobilidade de qualificados. No contexto europeu, a principal é a carta azul, a qual define algumas orientações gerais sobre o modo como os diferentes estados devem tratar a mobilidade dos qualificados (entrada e saída). Nosítio oficial (europa.eu) lê-se:

“The EU Blue Card scheme helps attract highly qualified migrants to Europe, supporting Member States' and EU companies' efforts to fill gaps in their labour markets that cannot be filled by their own nationals, other EU nationals or legally resident non-EU nationals. It provides a common and simplified procedure applicable in the EU Member States bound by the Directive and ensures that potential migrants know what they need to do, whichever Member State they are planning to go to, rather than having to face 24 different systems”.

Trata-se de uma legislação que fica atrás da carta verde norte americana. Esta estipula condições de uso muito mais exequíveis do que a europeia, facilitando a entrada de estrangeiros qualificados (Mosneaga, 2012:181), embora com uma diferença significativa: enquanto na Europa, depois de cinco anos no país se obtém automaticamente a autorização de residência permanente, nos EUA esta obedece a um pedido expresso.

E, não obstante os objetivos protagonizados na carta, num dos últimos relatórios sobre a Europa menciona-se, para o caso dos profissionais altamente qualificados, de xenofobia e de atitudes negativas face àqueles:

“As for the Blue Card, it is at the moment an optimistic theoretical perspective rather than accessible reality. There are in fact many bureaucratic elements within this scheme that make it no much different from regular national work permits. There is not enough transparency and appropriate infrastructure for the legal regime around the Blue Card in the EU. The Blue Card scheme’s implementation takes place at national labour markets and is at the discretion of national legislatures, institutions and bureaucrats. Different member states have different needs of high skill migrants and even when facing such needs may show a more (like Sweden) or less (like Germany) extrovert attitude for filling these needs. In addition the continuing uneasiness of the public opinion related to the crisis which fuels xenophobic discourses and an overall negative attitude towards immigrants makes a proactive implementation of high-skill migration policies in general and of the Blue Card scheme in particular rather unlikely in the current context” (Isaakyan e  Triandafyllidou, 2013:9).

Diz-se ainda no referido relatório que:

“Thus migrants are often perceived to be “stealing jobs” and high skill is being frequently confused in the public eye, with low skill migration. While high-skilled immigrants are much better accepted than low-skilled immigrants, their general rejection is still rapidly progressing throughout the EU.” (Isaakyan e Triandafyllidou, 2013:4).

Apesar da forte expressão destes discursos acerca da circulação de pessoas qualificadas, várias análises realizadas em diversos contextos nacionais têm sublinhado a clara perda para os países de origem desencadeada pela mobilidade de qualificados. É o caso do Irão, com forte mobilidade para os Estados Unidos da América e Canadá e, também, o caso de Israel que apresenta um perfil idêntico. Podem estender-se as citações, igualmente, a grande parte dos países africanos, asiáticos e latino-americanos, especialmente México, Equador e Argentina, isto apesar de serem cada vez mais conhecidos esforços no sentido de dinamizar economicamente certas regiões, como forma fixar as suas populações, como é o caso de algumas iniciativas em África (Mohamoud, 2005).

Portugal foi continuamente caracterizado como um país com dificuldade de atracão de quadros qualificados, muito particularmente de investigadores (Fontes, 2007; Araújo, 2007; Delicado, 2008,). Embora se identifiquem fluxos de chegada, sobretudo de países de expressão portuguesa, esta tendência tem-se mantido nos últimos anos, ao par do aumento da saída de jovens já formados, ou em formação superior.

Neste texto pretende-se relacionar os fluxos de mobilidade e as suas explicações com a sua apresentação nos media. Entende-se que estes são instâncias que interferem na construção de representações sobre os países e os profissionais envolvidos. Com efeito, Cogo e Badet (2013) problematizam a construção discursiva dos meios de comunicação brasileiros em relação a imigração de quadros qualificados que chegam ao Brasil, concluindo que as “representações” sobre esses profissionais os separam sobretudo, em função do valor da sua qualificação profissional no país de receção – neste caso, o Brasil.

 

Nota metodológica

A pesquisa realizada compreendeu o período entre 2008 e 2014 e implicou quatro meios de comunicação on line: a BBC News, o Financial Times, a Folha de São Paulo e o Jornal de Angola. Os dois primeiros são reconhecidos pela reputação internacional, recolhendo um leque muito alargado de audiências. Os dois últimos foram escolhidos por serem também dois dos mais reputados jornais a circular em dois territórios - Brasil e Angola. Na procura de conteúdos na BBC News e no Financial Times foram usadas duas categorias - “portuguese skilled migration” e “brain drain in Portugal”. Na Folha de São Paulo a pesquisa foi realizada mediante as seguintes categorias: “portugueses qualificados no Brasil” e “fuga de cérebros em Portugal”. No Jornal de Angola, apenas se alterou a categoria anterior para “portugueses qualificados em Angola”. Em detalhe, foram recolhidos 36 conteúdos: 6 artigos da BBC News e 5 do Financial Times. Consideramos ainda 1 artigo da France 24 e 1 no jornal norte-americano San Francisco Gate. Na base da pesquisa realizada através da rede de difusão Angonoticias, foi considerado 1 artigo do Jornal de Angola e 1 do Novo Jornal. Do jornal brasileiro O Globo recolheram-se 14 artigos e 7 da Folha de São Paulo.

Orlandi (2005:11), baseado em Pêcheaux, afirma que “todo o enunciado toda a sequência de enunciados é linguisticamente descritível como uma série (léxico - sintaticamente determinada) de pontos de deriva possíveis, oferecendo lugar á interpretação) Tal como afirma Carvalho (2000:143) “não há, no âmbito da análise de discurso, um método uniforme de desconstrução e reconstrução dos textos (que é, no fundo, o que se processa em qualquer análise). Muitas abordagens não especificam sequer a forma de o fazer”. Assim, depois de sistematizar a informação recolhida, procurou-se perspectivar e elaborar uma interpretação sobre esses “conteúdos”, seguindo o alinhamento da análise de discurso. Com esta opção, a análise passou a não ficar concentrada apenas no que é dito, mas aberta à opacidade do que se diz. Na linha da argumentação de Orlandi (2005:11) procurando-se a “compreensão do que o sujeito diz em relação a outros dizeres, ao que ele não diz”. Na análise efetuada aos conteúdos dos artigos recolhidos, além da estrutura e forma do discurso, teve-se em conta principalmente, a perspetiva e representações sobre a mobilidade internacional de quadros qualificados portugueses, especialmente para países de língua oficial portuguesa, incluindo as representações, sentimentos e perspetivas em relação a Portugal.

 

Os discursos como práticas: inversos e reversos

Referindo-se a Fairclough (2001), Fred (2013) considera que o discurso da globalização é excludente. Afirma também que o sentido (meaning) do que se diz num certo discurso reflete vitórias e fracassos das lutas sociais passadas (Fairclough, 2001, p.73 cit in Fred, 2013:7). Numa linha idêntica, ao analisar os fenómenos de poder, Balandier (1992: 59) afirmara que “as aparências que emergem do imaginário colectivo podem destruir as que são produzidas pela sociedade convertendo, assim, as ilusões que mascaram a realidade em verdades expostas sob o modo ilusório, através de metáforas, figuras e alegorias fantasmagorias.”

As visões e os processos de constituição das epistemologias de conhecimento, basilares para se perceber a formulação do discurso, estão, por norma, arreigados no principio da permanência e da constância dos modos de funcionamento e de relacionamento que não contam com as mudanças e os processo de autonomização politica e económica. Quer dizer, os discursos, nas suas múltiplas variações, como conjunto de ideias, sistemas de classificação e /ou de representação são altamente vulneráveis á reprodução e ao reforço, mais do que á inovação e á mudança, particularmente porque, desse modo, se mantêm ordens e relações de poder.

No plano desta discussão, a mobilidade de profissionais entre países com passados marcados por relações coloniais surgiria como fenómeno revelador de contornos bastante distintos dos que marcaram a economia capitalista ocidental. Mas, alguns discursos dominantes e que espelham o modo como os países – Portugal, em especifico os representados externamente estão ultra carregados de adjetivos que, mais do que prometerem e afirmarem uma nova realidade, repetem, de forma deliberada as normalizações do passado, apenas mudando o sentido de direção, assim constituindo o discurso numa lógica permanente de afirmação linear:

”Now, in a historic role reversal, these onetime empire builders are seeing legions of frustrated young people head to old dominions in quest of a better life”; lê-se no jornal San Francisco Gate de 16 de Abril de 2011.

A expressão “reversão histórica de papel”, de todo o modo, surge dispersa em vários discursos, de tipo mediático e/ou político e mesmo reproduzidos na linguagem e nos discursos do senso comum, transportando todos os elementos de um discurso ideológico, reificado, normalizador.

Com efeito, trata-se de posicionar os países num plano espacio temporal estático, “como se” as condições estruturais de relacionamento entre esses mesmos países se tivessem mantido inalteradas ao longo do tempo. Objectivamente “reversão de papel” significa inversão de papel que é intencionalmente marcado como “histórico”, isto é, por outras palavras, de “império”, Portugal passa a “colónia” e de “velhos domínios” os países que recebem os qualificados passam a “a senhores”.

A frase é ainda mais forte, ao mencionar-se, não claramente “Portugal” ou Espanha, mas “estes construtores de império” que “agora vêem”, não muita gente, mas “legiões”, não de pessoas, mas de “jovens”, sobretudo “frustrados”, para territórios que não são “países”, mas permanecem nominalizados como “antigos domínios”.

O mesmo padrão discursivo é encontrado BBC News, 1 de Setembro de 2011, no qual se afirma, no mesmo registo épico, que:

“Thousands of young unemployed professionals are escaping Portugal's crippling economic crisis by finding jobs in former colonies, such as Brazil and Angola. The reversal of traditional migration patterns is fuelling talk of a lost generation". 

Mas, em 2013 (26 de março), a mesma fonte reafirmaria:

"Tens of thousands of Portuguese are seeking work in places like Angola and Mozambique, countries which were former colonies. Once again it is engineers and those with specialist skills who are gambling on a different future outside Europe."

De novo, observa-se o uso da palavra “reversão”, mantendo o registo épico marcado pelo plural indefinido “milhares de” que não “saem” de Portugal, mas “escapam”. Ainda mais incisivo, afirma-se como condição “verificada” que “encontram empregos” não apenas no Brasil e em Angola, mas em países – estes – que são “antigas colónias”. A afirmação dramática insiste no uso de “reversão”, imprimindo ainda mais ironia ao “deslocamento” da imagem de Portugal que, assim, “perde uma geração”. A estrutura errante da narrativa é decisiva e marcante.

A juntar à dimensão épica marcada pela intensa “reversão” (“once again”), a narrativa alimenta-se da necessidade de enfatizar o êxodo, apostando na polarização: de um lado – da Europa, dos “antigos impérios”, está tudo o que é mau e desgraça (“criplling”) e de outro, tudo que é supostamente perspectivado como melhor, da parte de quem efetua mobilidade, mas não conhecido pelo enunciante do discurso, pois o quadro que apresenta é de aposta, de jogo, de algo arriscado (“gambling”).

É ainda na BBC News que, em 4 de Abril de 2013, se afirma, com o titulo "Portugal's unemployed heading to Mozambique "paradise":

"The 39-year-old, who has a master's degree in tourism, left her Algarve home for a life in the coastal Mozambique town of Vilanculos four years ago after a three-month job hunt in her native country ended in failure."

À medida que passa o tempo e a narrativa se desenvolve de 2011 a 2013 observa-se uma certa convergência discurso, no sentido do carácter bíblico da mobilidade, que surge apresentada, ainda assim, de modo irónico, perceptível nas aspas que limitam a palavra “paraíso”.

Usando a problematização elaborada por Djik (1998), constata-se a existência de uma estrutura discursiva pautada e constituída pelo apropriação de passados históricos, reconstituídos como guias de observação para as realidades novas, não apenas porque se verificam no tempo presente, mas porque acontecem sob modos de relacionamento e sobre padrões identitários nacionais e coletivos efetivamente distintos. Desde logo, convém precisar que a expressão “padrões tradicionais de imigração” reforça o padrão de continuidade temporal, não tendo substância empírica condizente, dada a relatividade do adjectivo “tradicional”. Isto é, assume-se haver/ter havido uma “tradição”, como reforço da tese do “regresso/inversão), mas essa tradição não é demonstrada, nem demonstrável (simplesmente porque não existe enquanto tal, isto é, houve e há ao longo da história do relacionamento Brasil-Portugal-Angola vagas diferentes, com percursos e direções variáveis, ao longo do tempo).

O mesmo padrão de continuidade surge constatado na forma como se afirma a partilha de uma certa “lei histórica” que conduz os qualificados a moverem-se dos países que continuam a ser classificados como “menos desenvolvidos”, para os “mais desenvolvidos”. A frase que se cita a seguir, do Financial Times, de 18 de março de 2012, evidencia essa permanência representacional, ao afirmar que a ida de portugueses para Angola não se inscreve nesse alinhamento evolutivo, pois, em “vez” de serem os africanos a deixarem as suas nações, verifica-se o que implicitamente surge classificado como o “contrário”:

“The phenomenon is in many ways a reverse brain draininstead of qualified Africans leaving for developed nations, many of those beginning new lives in Mozambique are professionals, including dentists, lawyers, architects and engineers.”

No dia 13 de maio de 2013 escreve-se num num artigo sugestivamente intitulado “novos gringos” vinca esta ideia de retorno da história e de ajuste de contas, não de Portugal, mas da Europa com o mundo, progredindo no limite temporal, indo até ao início do século XX:

"Diante do aperto no mercado de trabalho, o governo federal está se mexendo para facilitar e incentivar a imigração de profissionais estrangeiros. Faltam médicos, engenheiros, técnicos. O que faz lembrar os tempos em que São Paulo assumiu a liderança da importação de mão-de-obra europeia, na passagem do século 19 para o 20"

É, aliás, no Folha de S.Paulo, de 8 de Setembro de 2012 aparece assim tratada a opinião de Paulo Portas, ministro dos negócios estrangeiros de Portugal, a qual se situa, igualmente, no mesmo registo dual:

“O Brasil deve retribuir o que fizemos por dentistas, diz chanceler de Portugal”.

Em Junho de 2012, o mesmo jornal apresentava um artigo escrito por um jornalista em que este apresenta a mobilidade como um meio de os sistemas em crise encontrarem pontos de equilíbrio, mantendo a estrutura discursiva alinhava pela repetição da história, “refazendo os passos”.

 "But I hope that plenty of ambitious young Europeans do take up Oliveira’s suggestion to pack their bags, at least for a while. A century ago, entrepreneurial Europeans headed to the “colonies”. Retracing those steps, as those ex-colonies swell in might, is not so odd. Migration has been a powerful force for growth in human history. Fluid flows may yet be a means for a profoundly unbalanced global economy to rebalance itself."

A imprensa Angolana apresenta algumas demonstrações desse padrão, evidenciado pelo uso do mesmo termo “inversão”. Os media não exploraram em profundidade os conteúdos relativos á entrada de Portugueses em Angola que é coincidente com o crescimento daquele país e também com a deslocalização e expansão de empresas estrangeiras naquele território. Também não deram conta da vontade de regresso a Angola por parte de muitos portugueses nascidos ali, em sessenta.

No caso especifico de Angola, mais do que o que acontece nos media Brasileiros, o tema da cooperação surge bastante evidenciado nos artigos pesquisados, embora seja mais presente justamente nos conteúdos cujos enunciantes são políticos. Por exemplo, a 10 de Maio de 2010, o vice-ministro da saúde angolano era citado no jornal de Angola, por afirmar:

“Esta cooperação vai fazer com que os nossos técnicos participem em projectos de investigação em benefício dos dois povos” (…) “Angola e Portugal precisam de incrementar a cooperação no ramo da Saúde para corresponder ao nível das nossas relações”.

Mas é verificável a mesma tendência de valorização do fluxo em direção a Angola como mecanismo de mudança de posições no tabuleiro histórico.

Afirma-se no Jornal de Notícias, de 3 de Março de 2009 (com difusão no Angonotícias de 10 de março) que “Nos últimos três anos, registou-se uma inversão nos fluxos migratórios entre Portugal e Angola. (…)”

Narrativa semelhante espelha-se no jornal Folha de S. Paulo. A 4 de Novembro de 2011, sob o título "O mundo dá voltas", a jornalista afirmava:

“O mundo efetivamente dá voltas. Houve um tempo longínquo em que o Brasil era um oásis para portugueses que não tinham onde cair mortos. Houve um tempo, até recente, em que Portugal foi um oásis para os brasileiros sem perspectiva -de renda e de vida”. Na mesma peça, a jornalista explicita que "E eis que, com a crise econômica internacional, a direção da migração volta a se inverter."

Estamos em presença do mesmo tipo de estrutura narrativa, através da qual a história surge apresentada como um fluxo de ciclos que se repetem, que regressam, de onde se extraem sobretudo, “lições” e de podem acontecer “ajustes de contas”. Alem disso, a narrativa, delimita-se entre posições de poder dinâmicas, às quais subjaz uma ancoragem temporal centrada na imprevisibilidade do futuro: os mesmos que “dominam” num certo período, podem ser os que precisam de ajuda, noutro, tal como se observa na Folha de S. Paulo (4 de Novembro de 2011):

“Em vez de só os brasileiros tentarem uma vida melhor no Primeiro Mundo, cidadãos dos países ricos e também (ou principalmente) da América Latina, da África e da Ásia fazem o caminho inverso. Convém discutir seriamente a questão da mobilidade nesses tempos de globalização. Hoje, eles é que precisam entrar aqui. Amanhã, somos nós que precisaremos entrar lá de novo. Nunca se sabe”.

No mesmo jornal, do mesmo dia (4 de Novembro de 2011), é, aliás, citado o cônsul do Brasil em Lisboa, cuja afirmação segue o mesmo sentido, embora reforçado, por um lado, pela nomeação do fenómeno da mobilidade como “fuga de cérebros” e, por outro, por uma certa ideia sobre a posição de privilégio do Brasil, por receber os portugueses:

 "São pessoas cada vez mais especializadas. Constitui uma de fuga de cérebros, mas desta vez o destino é o Brasil. Não é uma migração dos países menos desenvolvidos para os países ricos, como se dizia nos anos 60"

Esta breve análise de alguma imprensa internacional – justamente, imprensa que tem capacidade para produzir discursos com alto potencial de performatividade no contexto dos modos de relacionamento social e político entre povos, veicula, assim, uma estrutura que se afirma ainda nos contextos de ação quotidiana, da experiência de vida dos sujeitos.

Um estudo realizado acerca da trajetória de investigadores portugueses e também de estrangeiros em Portugal mostra que ficam vincadas no discurso, quando o assunto são as experiencias de quem vive contextos que envolvem passados coloniais, as referências a esse passado como utensílio de justificação, servem para um exercício de constante posicionamento/auto posicionamento dos sujeitos, carregado de algumas indefinições, mas também de preconceitos que ora (auto) valorizam, ora (auto) inferiorizam.

Interessante é verificar que estes processos contínuos de autodefinição não são marcados por hegemonias identitárias nas quais seja perfeitamente definível quem é o “nós” e quem são “eles”. São dispersos e variam até de acordo com o conhecimento dos próprios atores sobre esse mesmo passado colonial e, sobretudo, variam dentro dos próprios grupos brasileiros/angolanos/portugueses, sendo observável o efeito de quem, como estrangeiro, se vê fora do grupo de portugueses (estando lá) e do grupo de estrangeiros (estando cá), muito concretamente, partir dos discursos produzidos e conduzidos pelos media.

 

Nota final

A observação da imprensa estrangeira, particularmente de países centrais que acumulam passados como potências imperialistas, dá conta do tom reificado do discurso preso, não só porque se refere à “necessária” dependência das colónias em relação às metrópoles, ou seja dos “menos” desenvolvidos em relação aos “mais” desenvolvidos, mas, também e ironicamente, á ideia da dependência dos mais desenvolvidos em relação ao menos desenvolvidos, protagonizando-se o que se afirma no discurso como movimento “inverso”.

Como se observa, libertar o pensamento da sua tonalidade colonial não é um processo fácil, até porque ela se enraíza em afirmações de poder altamente constitutivas dos modos de relacionamento entre sociedades. Apesar da vasta literatura que percorre os vários países envolvidos em passados coloniais, é evidente a necessidade de aprofundar os modos pelos quais este passado é re-atualizado e a importância que representam na construção de caminhos de futuro. Neste texto, que tem um caráter introdutório e exploratório, pretendeu-se mostrar as vulnerabilidades que assistem a alguns países com experiencias de colonização, no que concerne ao modo como os discursos e as linguagens com poder de modelação de representações no espaço global vincam a presença e a permanência de classificações expressivas e/ou reivindicativas desse passado colonial e sua suposta capacidade constitutiva no presente. Incidiu-se esta reflexão no contexto da análise das imagens, discursos e alguma experiencias de profissionais qualificados em mobilidade.

Observou-se que, de um fenómeno entendível na sua estrita dimensão pessoal, como projeto que resulta da avaliação dos custos e oportunidades oferecidas pelo percurso de saída mais ou menos temporária, passamos para a sua problematização enquanto eixo de definição identitária, enquanto nódulo de significações históricas que apõem os posicionamentos auto atribuídos entre países. Nesse sentido, interessa diagnosticar o estado das representações sociais sobre o fenómeno e criar espaços de reflexividade global, em particular em relação aos autores e protagonistas de discursos com poder, propícios á inovação discursiva que permita aos discursos dominantes (e massificados) sair das cápsulas coloniais e etnocêntricas. Este projeto, especialmente orientado para a análise dos discursos mediáticos, é ainda mais pertinente no contexto das relações que se estabelecem no domínio da ciência, ensino e investigação, áreas marcadas pelas mobilidades de curta e de longa duração e sobre as quais recaem esperanças futuras de construção de comunidades genuinamente comunicativas.

 

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Date of submission: January 5, 2015

Date of acceptance: February 18, 2015

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