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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

Print version ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.17 no.3 Algés Sept. 2023  Epub Sep 30, 2023

 

Editorial

Burnout e liderança

Burnout and Leadership

Ana Rosa Costa1  2 

1. Editora associada da AOGP. Assistente hospitalar graduada do Centro Hospitalar Universitário de São João. Portugal.

2. Assistente Convidada da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Portugal.


Em 1974, o psicanalista nova-iorquino Herbert J. Freudenberger apresentou o conceito de burnout, que denominou como “um estado de esgotamento físico e mental, cuja causa está intimamente ligada à vida profissional”. Burnout é uma situação caracterizada por exaustão física, emocional ou mental que surge, geralmente, devido à acumulação de stress no trabalho. Pode surgir por haver uma maior competitividade no local de trabalho, uma pressão inadequada causada pelo desajustamento nas funções atribuídas, sobrecarga de tarefas, alterações no horário de trabalho ou porque a atividade exercida é muito intensa e sujeita a riscos. O mau ambiente no trabalho, entre colegas e chefias, assim como problemas pessoais, podem também potenciar o aparecimento desta síndrome, reconhecida como doença pela Organização Mundial da Saúde desde 2019.

Um estudo realizado pelo portal “Small Business Prices”, que correlacionou dados e métricas europeias, entre três parâmetros numéricos: o índice de felicidade (até 10), a média salarial e o número de horas de trabalho semanais revela que, Portugal é o país (dos 26 analisados no estudo) onde mais trabalhadores sofrem, ou correm um maior risco de vir a sofrer, de burnout.

Burnout é um problema generalizado entre os profissionais de saúde, com muitos médicos, enfermeiros e outros profissionais sentindo altos níveis de stress e exaustão emocional. As exigências do sector de saúde, incluindo longas horas de trabalho, elevado número de utentes e carga emocional, podem afectar até os indivíduos mais resilientes. O esgotamento pode manifestar-se de várias maneiras, incluindo exaustão física e emocional, cinismo, distanciamento do trabalho e uma sensação de ineficácia ou falta de realização. Os profissionais de saúde que sofrem de esgotamento podem ter dificuldade em manter o foco, fornecer atendimento de qualidade aos utentes e de comunicar de maneira eficaz com os colegas. O esgotamento pode levar à diminuição da satisfação no trabalho, aumento do absentísmo e desejo de reforma antecipada. Também pode resultar numa diminuição da qualidade do atendimento, erros médicos e insatisfação do utente.

O Medscape’s Lifestyle Report de 2017 mostrou que, 51% dos médicos norte-americanos relataram sensação de esgotamento sendo as especialidades médicas com níveis mais altos de burnout: médicos de emergência (59%), seguido de obstetras/ginecologistas (56%). Verificou-se um valor mais elevado (55%) no sexo feminino vs masculino (45%) e maior entre médicos internos. Uma das principais causas apontadas foi ter que lidar com questões administrativas extras, sendo questionável se esse trabalho, que os afasta do atendimento aos utentes, melhora de facto o resultado dos cuidados prestados.

A pressão por maior produtividade, que se mede em número de consultas, exames, cirurgias, não importando o número de horas e tipo de exigência do trabalho, é causa de burnout. O excesso de horas de trabalho e de turnos de urgência torna difícil ter uma vida social, ter um relacionamento ou vida familiar. O trabalho excessivo, sobretudo dos internos, tem impacto negativo na qualidade de vida e qualidade assistencial. Trabalhar mais horas do que legalmente estabelecido e não realizar os descansos obrigatórios (compensatórios) leva a deterioração do bem-estar psicossocial dos médicos internos com aumento de problemas de saúde mental e síndrome de desgaste profissional, perdendo o gosto pela profissão que escolheram com tanto estudo e sacrifício. É urgente rever as grelhas salariais para que a remuneração condigna, não dependa em grande parte de horas extra.

Como resultado das condições laborais e salariais os médicos podem parecer impacientes, irritáveis, mal-humorados ao lidar com perguntas legítimas de doentes com uma menor satisfação dos utentes. O esgotamento foi associado a mais erros médicos e riscos mais elevados de litígio médico-legal. Em resumo, quando os médicos ficam esgotados, todos sofrem.

O Relatório de Medscape Physician Burnout &Depression Report 2023 identificou (confirmou) que os factores que mais contribuem para o esgotamento médico são:

  • Excesso de tarefas burocráticas: 61%

  • Falta de respeito por parte dos administradores/directores, colegas ou equipe: 38%

  • Muitas horas de trabalho: 37%

  • Falta de controle/autonomia sobre a vida pessoal: 31%

  • Remuneração/salário insuficiente: 34%

  • Aumento da informatização da prática clínica (registros eletrônicos de saúde): 25%

  • Falta de respeito dos utentes: 23%

Para além destes factores eu acrescentaria a liderança. “Liderança é acção e não posição” Donald McGannon. A liderança é uma aprendizagem e com bons líderes surgem as organizações de referência e comunidades e famílias felizes. Um líder eficaz deve ser capaz de se colocar no lugar das outras pessoas e compreender as suas necessidades e preocupações, respeitando a sua liberdade. Deve entender a importância da diversidade e da inclusão, esforçando-se por criar um ambiente de trabalho inclusivo onde todos se sintam valorizados. Quando a mentalidade do líder é o oposto destes pressupostos as consequências são imprevisíveis e, em muitas situações, os seus seguidores são os primeiros a traí-lo. Tornar-se um líder mais eficaz pode produzir alguns resultados bastante imediatos com uma prática mais eficiente.

Médicos-líderes que falham querem as “armadilhas” do poder, mas não entendem realmente o que a liderança implica e se eles são uma boa opção.

No passado, os médicos muitas vezes mudavam para um cargo de chefia porque estavam perto da reforma e era um trabalho final confortável de se ter. Agora muitos dos cargos de chefia dependem da ganância (não ambição, porque essa é com coração) por razões políticas e amizades.

É preciso trabalhar arduamente para desenvolver todos os atributos de um líder. A comunicação é a habilidade mais importante. Ouvir é um ponto forte da comunicação (em vez de gastar o tempo de comunicação a promover as suas ideias). Líderes têm que ter inteligência emocional. Liderança requer empatia, e inspiração. Os melhores líderes são capazes de demonstrar apreço. Alguns acham que os médicos “já são pagos para fazer seu trabalho”, então a apreciação é desnecessária. No entanto, embora as pessoas trabalhem por dinheiro, também trabalham por autoestima e gratificação emocional. Mostrar apreço é um motivador fundamental para manter as pessoas entusiasmadas e sentir que as chefias estão do lado delas. Funcionários que se sentem valorizados tendem a ser mais empenhados no seu trabalho. O desafio como líder é motivar os membros da equipe, encorajar a partilha, escutar e construir um consenso.

Os líderes válidos devem ser o quadro e não a imagem e ter a capacidade de gerir conflitos. Conflitos não falados e não resolvidos prejudicam a eficácia de todos. Enquanto o conflito construtivo é bom para a organização, os conflitos interpessoais não. Este tipo de conflito reflete personalidades e não o trabalho. Eles não devem ser encorajados, mas, da mesma forma, não podem ser evitados. Conflitos interpessoais devem ser identificados e resolvidos para que não afetem toda a organização.

Outro aspeto importante é conhecer o código de trabalho e aplicá-lo, nomeadamente no que diz respeito a discriminação, igualdade, tempo de trabalho.

“Artigo 31.º 1 - Os trabalhadores têm direito à igualdade de condições de trabalho, 2 - A igualdade de retribuição implica que, para trabalho igual ou de valor igual a retribuição calculada em função do tempo de trabalho seja a mesma. 3 - As diferenças de retribuição não constituem discriminação quando assentes em critérios objectivos, nomeadamente, baseados em mérito, produtividade, assiduidade ou antiguidade.

Artigo 202.º Registo de tempos de trabalho 1 - O empregador deve manter o registo dos tempos de trabalho, incluindo dos trabalhadores que estão isentos de horário de trabalho, em local acessível e por forma que permita a sua consulta imediata.

“Discriminação directa, sempre que, em razão de um factor de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável”.

São permitidas diferenças de tratamento baseadas na idade, mas o que se verifica em alguns casos é que quem sempre trabalhou pouco com a idade continua a fazer o mínimo e outros continuam assoberbados de trabalho assistencial sem tempo para outras tarefas também importantes na medicina, e sobretudo para o SNS. Em vez da pontualidade e assiduidade que não refletem produtividade e qualidade assistencial, a remuneração deveria ser baseada noutros parâmetros.

Por fim desafio todos os colegas a consultar o Maslach Burnout Inventory (MBI), que tem como objetivo identificar, quantificar e definir a síndrome de burnout (eu já o fiz).

Quantos serão os ginecologistas/obstetras portugueses em burnout?

Endereço para correspondência Ana Rosa Costa E-mail: anacosta.md@gmail.com

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