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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versão impressa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.10 no.1 Coimbra mar. 2016

 

ARTIGO DE OPINIÃO/OPINION ARTICLE

Guidelines para monitorização fetal intraparto - resumo do novo consenso da FIGO de 2015

New FIGO consensus guidelines on intrapartum fetal monitoring - a summary

Susana Santo*

*Editora Associada; Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetrícia, Hospital Santa Maria - Centro Hospitalar Lisboa Norte

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

ABSTRACT

Cardiotocography (CTG) is a common technology used for intrapartum care. Since its introduction in obstetrics several classifications have been published for CTG interpretation. The first international consensus on fetal monitoring was published in 1987 by FIGO. The document has become outdated and in 2015 new guidelines on intrapartum fetal monitoring have been published by a consensus panel of 46 experts. These new guidelines include five chapters: introduction, physiology of fetal oxygenation and the main goals of intrapartum cardiotocography, intermittent auscultation and adjunctive technologies. This article summarizes the main aspects of each of these chapters.

Keywords: Guidelines; Monitorização Fetal; FIGO.


 

A cardiotocografia que advém do latim kardio (frequência cardíaca) e tokos (trabalho parto/parto) é uma tecnologia desenvolvida há mais de 50 anos, que consiste na monitorização contínua da frequência cardíaca e da contractilidade uterina, e que claramente revolucionou a prática obstétrica. Desde a sua introdução nos anos 60, diferentes classificações dos traçados cardiotocográficos foram aparecendo, tendo o primeiro consenso internacional sido publicado pela Federação International de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) em 1987.

Apesar de ter constituído um importante documento na definição de aspectos básicos da cardiotocografia, apresenta lacunas significativas. Ayres-de-Campos D1 fez uma análise comparativa das guidelines em monitorização fetal publicadas pela FIGO, pelo American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG) e pelo the Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG)/Nationtal Institute of Clinical Excelence (NICE) evidenciando a necessidade de revisão das mesmas.

Neste contexto e sobre a supervisão do FIGO’s Safe Motherhood and Newborn Health Committee, foram desenvolvidas novas guidelines em monitorização fetal intraparto. Todas as sociedades nacionais membros da FIGO foram contactadas para nomear um especialista em monitorização fetal intraparto. O painel de consenso contou com a participação de 33 membros nomeados tendo ainda sido convidados 13 especialistas com importantes publicações na área da cardiotocografia. Os capítulos de cardiotocografia foram redigidos por um comité nomeado pela ACOG e RCOG e o capítulo das auscultação intermitente pelo International Confederation of Midwifes.

O consenso foi estabelecido num período total de 18 meses e incluiu 3 revisões para cada capítulo. Os capítulos foram enviados por email com um prazo máximo de resposta de três semanas. Após as três revisões os membros do painel de consenso deram o seu consentimento para a sua inclusão do seu nome na lista de painel incluída em cada capítulo.

As novas guidelines da FIGO publicadas em 2015 tiveram como principal objectivo a criação de um consenso alargado em técnicas de monitorização fetal de forma simples, objetiva e em linguagem acessível a todos os profissionais.

As novas guidelines da FIGO em monitorização fetal intraparto de 2015 incluem 5 capítulos:

•   Introdução2

•   Fisiologia da oxigenação fetal e objectivos principais da monitorização fetal intraparto3

•   Cardiotografia4

•   Auscultação intermitente5

•   Tecnologias complementares6    

Fisiologia da oxigenação fetal e objectivos principais da monitorização fetal intraparto

A monitorização fetal intraparto visa evitar, por um lado, a ocorrência de lesões relacionadas com hipóxia/acidose e, por outro lado, a realização de intervenções desnecessárias que podem acarretar morbilidade materna/ou fetal.

Neste capítulo é abordado como a hipóxia fetal pode ser documentada sendo dada particular ênfase à gasimetria do cordão umbilical com avaliação do pH, pressão parcial do dióxido de carbono, do bicarbonato, do défice de bases e eventualmente dos lactatos. A acidose metabólica foi definida como um pH inferior a 7,00 e um défice de bases de 12mmol/L. A realização de gasimetria do cordão umbilical é recomendada em todos os casos de suspeita de hipóxia/acidose fetal. No entanto, é importante salientar que outros factores podem contribuir para a depressão neonatal e a ausência de acidose metabólica não permite excluir lesões que possam ter ocorrido durante a gravidez ou em fases precoces do trabalho de parto.

A disfunção neurológica a curto prazo motivada por hipóxia intraparto é designada por encefalopatia hipóxico-isquémica (3 graus possíveis) e o diagnóstico desta requer a documentação de acidose metabólica, baixo índice de Apgar, edema cerebral, alterações do tónus muscular/sucção, coma/convulsões nas primeiras 48 horas de vida. A disfunção neurológica a longo prazo da hipóxia intraparto corresponde à paralesia cerebral do tipo quadriplégico/discinético embora só 10 a 20% dos casos sejam causados por asfixia relacionada com o parto. A relação da paralesia cerebral com a hipóxia fetal no parto requer a documentação de acidose metabólica, baixo índice Apgar ao 1º e 5º minutos, encefalopatia hipóxico-isquémica de grau 2 ou 3, exames de imagem precoces a documentar uma lesão cerebral aguda e não focal, o desenvolvimento de quadriplégia espástica ou discinésia e exclusão de outras causas de paralesia cerebral.

 Este capítulo inclui ainda um apêndice sobre a gasimetria do cordão umbilical. Esta deve incluir a punção em separado de sangue da artéria e veia umbilicais em seringas heparinizadas; a clampagem do cordão não é obrigatória, mas a colheita deve ser efectuada até 15 min após o parto e o sangue deve ser analisado até 30min após a colheita. Uma colheita de gasimetria adequada requer que a diferença de pH entre os dois vasos seja ≥ 0,02 ou a diferença de pressão parcial de CO2 ≥ a 5mmHg; caso estes pré-requisitos não se verifiquem o mais provável é tratar-se de uma amostra mista devido à punção dos dois vasos.

Cardiotografia

Neste capítulo é efectuada uma abordagem geral da cardiotocografia que inclui as indicações da mesma e aspectos relacionados com a aquisição de traçados em particular a posição materna, a escala de papel, a monitorização interna versus externa, a monitorização simultânea da frequência cardíaca materna, a monitorização de gémeos e por último o armazenamento dos traçados.

É também efectuada uma revisão das definições das características básicas da frequência cardíaca fetal, da classificação dos traçados cardiotocográficos, sendo ainda abordada de forma geral qual a conduta obstétrica mais adequada a cada uma das três categorias.

Relativamente à linha de base da frequência cardíaca fetal (nível médio do segmento mais horizontal e menos oscilatório) houve alterações dos limites da frequência cardíaca ditos normais. Efectivamente, a maioria dos especialistas concordou que a linha basal deve ser avaliada em períodos de 10 min e os valores normais ficam compreendidos entre os 110 e 160 bpm; bradicárdia é definida com um linha de base abaixo dos 110 bpm e taquicárdia acima dos 160bpm.

No que respeita à variabilidade (que traduz as oscilações da frequência cardíaca) não foram introduzidas alterações significativas relativas aos limites da sua definição; variabilidade normal se compreendida entre os 5 e 25 bpm; variabilidade reduzida se inferior a 5 bpm e variabilidade aumentada se superior a 25 bpm.

A definição de acelerações também não sofreu alterações significativas sendo definida como um aumento abrupto da frequência cardíaca fetal acima da linha de base superior a 15 bpm e com duração superior a 15 segundos.

Relativamente às desacelerações registaram-se alterações muito significativas. As desacelerações são definidas como diminuições da linha de base superiores a 15 bpm em amplitude e com duração superior a 15 segundos. Nestas guidelines são definidas pela primeira vez os diferentes tipos de desacelerações. As desacelerações precoces são diminuições da frequência cardíaca fetal de baixa amplitude, curta duração, com variabilidade normal, coincidentes com as contracções, traduzindo compressão do polo cefálico fetal e não estando associadas a hipóxia/acidose. As desacelerações variáveis têm forma de V e caracterizam-se por diminuição abrupta da frequência cardíaca fetal, com boa variabilidade, rápida recuperação à linha de base e com forma/tamanho e relação com as contracções variáveis. São o tipo de desacelerações mais frequentes e traduzem compressão do cordão umbilical. As desacelerações tardias têm forma de U, início e recuperação à linha de base graduais e/ou apresentam diminuição da variabilidade; tipicamente têm início após 20 ou mais segundos após o início da contracção, têm o nadir após o pico da contracção e a recuperação ocorre após o fim da contracção. As desacelerações tardias estão tipicamente associadas a hipoxémia fetal. As desacelerações prolongadas são definidas como desacelerações com duração superior a 3 minutos e estão também associadas a hipoxémia em particular as com duração superior a 5 minutos.

O padrão sinusoidal foi também redefinido traduzindo um padrão regular, com ondulação do sinal, com uma amplitude de 5 a 15 bpm, frequência de 3-5 ciclos/min e com duração mínima de 30 min.

No que respeita às alterações da contractilidade a taquissistolia é definida como a ocorrência de 5 ou mais contracções em 10 min em dois períodos consecutivos de 20 min.

Na classificação dos traçados cardiotocográficos é mantida a classificação dos mesmos em três categorias: normais, suspeitos e patológicos. Os traçados ditos normais apresentam uma linha basal entre os 110 e os 160 bpm, variabilidade entre os 5 e 25 bpm, sem desacelerações repetitivas; não estão associados a hipoxémia e não necessitam de intervenção obstétrica. Os traçados patológicos incluem as situações de linha basal inferior a 110 bpm, variabilidade reduzida ou aumentada e padrão sinusoidal; desacelerações tardias repetitivas ou prolongadas. As desacelerações tardias estão associadas a elevado risco de hipóxia e acidémia. Nos traçados patológicos é preconizada intervenção imediata que visa a reversão do evento responsável pela diminuição da oxigenação fetal ou a eventual a realização do parto. Os traçados suspeitos foram definidos como aqueles em que se verifica ausência de pelo menos um critério de normalidade, mas que não apresentam características patológicas. Esta categoria de traçados está associada a baixo risco de hipóxia estando recomendada a reversão de uma eventual causa subjacente e monitorização estreita do estado de oxigenação fetal.

A cardiotocografia é uma tecnologia associada a grande variabilidade intra e interobservador e diversos factores limitativos têm sido apontados na literatura7. A utilização de guidelines, simples, objectivas e de fácil memorização têm sido apontadas como um factor crítico para a interpretação da cardiotocografia. As guidelines da FIGO constituem seguramente um importante passo nesse sentido.

Auscultação intermitente

Neste capítulo é efectuada uma abordagem geral sobre a auscultação intermitente da frequência cardíaca fetal que é uma técnica que permite a auscultação da frequência cardíaca por curtos períodos, sem registo do seu padrão. A importância deste capítulo prende-se com o facto de em alguns países não ser possível oferecer às grávidas monitorização contínua da frequência cardíaca ou em outros contextos a auscultação intermitente ser oferecida a grávidas de baixo risco. No capítulo são abordadas os objectivos e indicações da auscultação intermitente sendo especificadas as condições requeridas para a realização da mesma (factores anteparto e intraparto).

O painel de consenso considerou que a frequência cardíaca fetal deverá ser efectuada durante pelo menos 60s, incluindo o período durante e 30s após a contracção. Os intervalos da auscultação intermitente devem ser de 15-15 min durante a fase activa do 1º estadio do trabalho de parto e de 5-5min no 2º estadio do trabalho de parto. É crucial que os profissionais tenham experiência na realização de auscultação intermitente sendo necessária a identificação da linha basal da frequência cardíaca fetal, a identificação de episódios periódicos como acelerações ou desacelerações; é ainda importante registar a frequência das contracções, a presença de movimentos fetais e a frequência cardíaca materna.

Neste capítulo é ainda apresentada uma abordagem dos achados anómalos da auscultação intermitente nos contextos em que a cardiotocografia contínua está ou não disponível.

Tecnologias complementares

A cardiotocografia apresenta uma elevada sensibilidade mas uma baixa especificidade na predição de hipóxia fetal. Neste capítulo são discutidas as tecnologias complementares à cardiotocografia actualmente disponíveis e que podem ser importantes na avaliação do estado de oxigenação fetal.

A determinação do pH do escalpe fetal é uma técnica que permite a avaliação dos gases no sangue fetal. É, no entanto, uma técnica laboriosa, por vezes com necessidade de repetições múltiplas tendo sido associada a diminuição da taxa de cesarianas com nível de evidência intermédio.

A estimulação do escalpe fetal é fácil de executar, não invasiva, sendo particularmente útil na predição de hipóxia fetal nas situações em que se verifica diminuição da variabilidade. Efectivamente, o aparecimento de acelerações e a subsequente melhoria do padrão tem elevado valor preditivo na exclusão de hipóxia.

No que respeita à utilização da análise do segmento ST do electrocardiograma fetal o painel de especialistas considerou que a esta tecnologia se associou a uma diminuição da necessidade de recurso à determinação do pH do escalpe fetal e talvez a uma diminuição dos partos instrumentais/cesarianas.

Finalmente, no que respeita à análise computorizada de traçados cardiotocográficos, existem diversos sistemas comercializados, mas o consenso reforça a necessidade de mais investigação nesta área.

 Em suma, o novo consenso da FIGO sobre guidelines de monitorização fetal intraparto constitui um importante documento para a prática obstétrica, na medida em que define de forma simples e objectiva uma terminologia para a avaliação da cardiotocografia e apresenta orientações gerais da conduta obstétrica mais adequada a cada uma das três categorias em que os traçados são classificados. São igualmente facultadas as bases para a compreensão da fisiologia da oxigenação fetal, a qual é indispensável para a correcta interpretação dos traçados cardiotocográficos. É ainda apresentada uma breve revisão sobre as técnicas complementares da cardiotocografia disponíveis nos dias de hoje. Este novo consenso da FIGO constitui assim um importante base para a utilização sistematizada da cardiotocografia na prática clínica bem como para a realização de futuros trabalhos de investigação.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Ayres-de-Campos D, Bernardes J. Twenty-five years after the FIGO guidelines for the use of fetal monitoring: time for a simplified approach? Int J Gynaecol Obstet. 2010; 110:1-6.         [ Links ]

2. Ayres-de-Campos D, Arulkumaran S; FIGO Intrapartum Fetal Monitoring Expert Consensus Panel. FIGO consensus guidelines on intrapartum fetal monitoring: Introduction. Int J Gynaecol Obstet. 2015; 131:3-4.         [ Links ]

3. Ayres-de-Campos D, Arulkumaran S; FIGO Intrapartum Fetal Monitoring Expert Consensus Panel. FIGO consensus guidelines on intrapartum fetal monitoring: Physiology of fetal oxygenation and the main goals of intrapartum fetal monitoring. Int J Gynaecol Obstet. 2015; 131:5-8.         [ Links ]

4. Ayres-de-Campos D, Spong CY, Chandraharan E; FIGO Intrapartum Fetal Monitoring Expert Consensus Panel. FIGO consensus guidelines on intrapartum fetal monitoring: Cardiotocography. Int J Gynaecol Obstet. 2015; 131:13-24.         [ Links ]

5. Lewis D, Downe S; FIGO Intrapartum Fetal Monitoring Expert Consensus Panel. FIGO consensus guidelines on intrapartum fetal monitoring: Intermittent auscultation. Int J Gynaecol Obstet. 2015; 131:9-12.         [ Links ]

6. Visser GH, Ayres-de-Campos D; FIGO Intrapartum Fetal Monitoring Expert Consensus Panel. FIGO consensus guidelines on intrapartum fetal monitoring: Adjunctive technologies. Int J Gynaecol Obstet. 2015; 131:25-29.         [ Links ]

7. Santo S, Ayres-de-Campos D. Human factors affecting the interpretation of fetal heart rate tracings: an update. Curr Opin Obstet Gynecol. 2012; 24:84-88.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Susana Santo

E-mail: sfsanto@gmail.com

 

Recebido em: 15-02-2016

Aceite para publicação em: 22-02-2016