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Laboreal

versão On-line ISSN 1646-5237

Laboreal vol.13 no.1 Porto jul. 2017

 

TEXTOS HISTÓRICOS

 

O que é uma aptidão profissional?

¿Qué es una aptitud profesional?

Qu’est-ce qu’une aptitude professionnelle ?

What is an occupational skill?

 

 

Jean-Maurice Lahy

Texto original: Lahy, J.-M. (1922). Qu’est-ce qu’une aptitude professionnelle ? III e conférence internationale de psychotechnique appliquée à l’orientation professionnelle, Milan, 24 octobre 1922, Atti della IIIe conferve internazionale de psicotecnica applicata al orientamento profesionale , Milan, Società umanitaria.

 

A tradução deste texto para português foi realizada por João Viana Jorge.

 

 

A ideia de proceder à orientação profissional da juventude venceu atualmente todas as resistências. Concorda-se com a necessidade de não mais deixar ao acaso a escolha da profissão, e pelo contrário substituí-lo pela determinação racional das carreiras para onde se devem encaminhar os adolescentes.

Ora apesar desta unanimidade das opiniões a questão não progride de todo. Especulando sobre a imprecisão dos termos «orientação profissional » muitos querem aproveitar-se do movimento de opinião que se cria para proceder, em proveito de determinadas industrias, à distribuição da mão-de-obra juvenil. Quer dizer que, preocupando-se unicamente com as exigências do mercado local, contam oferecer às crianças, não as profissões em que poderiam ser bem sucedidas mas aquelas em que se faz sentir a necessidade de mão-de-obra.

Digamos antes de tudo que na nossa opinião estes dois interesses: o interesse do futuro aprendiz e o dos empregadores, não deviam opor-se mas conjugar-se. Com efeito, se a orientação profissional for bem conduzida deve levar a um recrutamento de trabalhadores de elite para cada profissão e fornecer um emprego a cada trabalhador. A considerar a questão sob um só dos seus aspetos chegar-se-á fatalmente ao fracasso e ao descrédito da orientação profissional sem nada mudar – nem do ponto de vista social, nem do ponto de vista individual – à vigente ordem das coisas.

Pensamos que esta divergência de opiniões vem mais da maneira imprecisa como a questão foi colocada do que de uma hostilidade sistemática da parte dos empregadores.

Com efeito, enquanto determinadas organizações dirigem em vão a orientação profissional para a simples distribuição de mão-de-obra juvenil, grupos de industriais e comerciantes puseram-se em contacto com psicofisiologistas e instrutores esclarecidos por compreenderem todo o interesse que há em assentar a orientação profissional em bases científicas.

Que se nos permita citar, entre as tentativas mais bem sucedidas, a de « Escola na Oficina». O seu comité formado por membros do ensino e por industriais que sustentam financeiramente a criação de um Gabinete de orientação profissional pretende que a pesquisa das aptidões das crianças deve prosseguir paralelamente à das condições do mercado de trabalho.

Aliás, os partidários das duas teses - orientação profissional e distribuição da mão-de-obra juvenil – acordaram em reconhecer que é preciso fazer apelo às aptidões das crianças. Mas enquanto os primeiros têm da coisa uma noção precisa, para os outros resume-se numa simples formulação verbal que não implica qualquer modificação da prática.

Importa portanto, se queremos colocar a todos o problema da orientação profissional assente em dados verdadeiros, definir o que se entende por « aptidões».

Além do seu sentido geral a palavra aptidão pode ser aplicada a casos particulares: não manteremos senão aquele em que significa « disposição natural para …». Para nós uma aptidão será uma disposição natural para exercer convenientemente um ofício. Mas o que é uma disposição natural? Julgamos que é uma configuração orgânica que pode ser constatada quer anatomicamente, quer fisiologicamente, quer psicologicamente. É assim que uma altura de 1,60m ou um peso de 40 quilos constituem disposições naturais: uma para ser soldado, outra para ser jockey. Uma boa capacidade e bom índice respiratório serão disposições naturais do indivíduo para exercer ofícios que obriguem a trabalhar em ambientes confinados ou com materiais tóxicos. Para os ofícios que exigem força (muscular) é necessário possuir, além de músculos possantes, órgãos de eliminação das toxinas em bom estado de funcionamento. Enfim, com a aplicação de testes mentais ou psico-motores determina-se a disposição natural dos aprendizes para o exercício de profissões mais complexas.

A pesquisa das disposições naturais da ordem das funções mentais pareceu impossível durante longo tempo. Mas desde que Binet consagrou o fim da sua vida ao estudo objetivo da inteligência a questão ganhou precisão e foi-lhe introduzida a noção de medida.

O problema das disposições naturais – que vai permitir-nos abordar com mais segurança o das aptidões – pode remeter-nos para estes dois pontos da pesquisa:

1º - As funções mentais são independentes umas das outras? Podemos portanto, somando os resultados dos testes ter uma indicação precisa sobre o valor de uma criança para uma dada profissão?

2º - Ou devemos então fazer intervir - com ou sem esta noção de testes independentes – a ideia de uma inteligência geral que domina as aptidões particulares?

Sem entrar no pormenor das teorias relativas à influência recíproca das diversas funções podemos remetê-las para duas teses essenciais:

a) A primeira é a de Thorndike segundo a qual a inteligência é composta por faculdades justapostas mas independentes. A consequência desta conceção da inteligência é a de que um teste que mede uma aptidão característica não tem correlação com os testes que medem aptidões diferentes – salvo talvez em certos casos de vizinhança muito estreita.

b) A segunda é a de Spearmann segundo a qual possuiríamos além de funções mentais particulares uma inteligência geral capaz de agir sobre aquelas. O que tem por consequência levar-nos a crer que testes que se aplicam a funções vizinhas têm correlações muito estreitas e permitem conhecer o valor de extensos territórios psicológicos homogéneos.

Para avaliar de forma justa estas duas teses é necessário considerar que os seus autores colocaram-se em dois pontos de vista diferentes: um, Thorndike, trabalha com elementos da inteligência e o outro, Spearmann, sobre os resultados de um complexo.

Ora o complexo, como sabemos, não tem necessariamente as qualidades dos seus elementos; possui outras novas que o caracterizam: é sobre esta noção, facilmente demonstrável , que assenta a teoria evolucionista dos fenómenos de consciência.

A teoria de Spearmann é pois mais exacta. Todavia não seria de aceitar sem algumas reservas porque o seu autor admite que existem correlações muito frequentes e estreitas entre funções notoriamente diferentes – tais como, por exemplo, a discriminação das sensações e o modo de triunfar na vida.

No que respeita ao facto novo, enquanto Thorndike o nega, Spearmann liga-o estreitamente aos fatores elementares que lhe deram origem. Ora, do ponto de vista da prática – que fomos chamados a originar para reconhecer as aptidões – ambos estão errados porque uma função não atinge todo o seu valor senão considerando-a na sua relação com a inteligência geral. Mas esta relação de dependência não deve ser tão estreita e tão fixa que se possam estabelecer facilmente, como pretende Spearmann, leis estritas. De facto, é preciso lembrar que há casos em que a função requer ser julgada isoladamente, porque nem sempre segue o órgão.

Para nós haverá sempre oportunidade para determinar o valor da inteligência geral ao mesmo tempo que a das funções particulares. Porque uma reage com as outras.

Assim, nas experiências feitas em sujeitos escolhidos ao acaso e em estudantes, encontra-se frequentemente uma superioridade nas atividades mentais em pessoas que não se dedicaram a cultivar o seu espírito, mas cuja inteligência é superior à dos especialistas. É assim que quando Munsterberg aplicou o seu teste de seleção dos guarda-freios aos empregados de uma companhia de transportes e a estudantes da Universidade de Harvard, constatou que estes últimos apresentavam, nos resultados do teste, superioridade em relação aos primeiros. A inteligência geral reforça portanto, em muitos casos, as atividades particulares. Parece produzir-se uma espécie de fenómeno de suplementação que facilita a adaptação.

A determinação de disposições naturais deve pois incidir:

por um lado nas funções elementares cujo valor caracteriza a superioridade numa dada profissão e por outro na inteligência geral do sujeito.

Isto permite-nos alcançar esta definição das aptidões que são, na nossa opinião: disposições naturais que se reconhecem por respostas motoras ou mentais – mensuráveis – a estímulos definidos . A inteligência geral entra no quadro das aptidões.

Chamaremos aptidões profissionais:

as disposições naturais assim definidas cujos valores são da ordem dos valores tipo reconhecidos no operário de elite .

Esta definição apresenta uma dificuldade na aplicação, ou sobretudo um perigo para o qual devemos, para terminar, chamar a atenção dos conselheiros vocacionais.

Mostramos que a inteligência geral agia como um fator de aperfeiçoamento nas diversas atividades especiais – especificamente profissionais – exercidas pelo homem. Parece portanto que os homens mais inteligentes podem ser atribuídos indiferentemente a estes ou aqueles ofícios. Constata-se frequentemente, com efeito, na prática, que sujeitos bem dotados intelectualmente apresentam aptidões para profissões diversas, o que facilita a sua orientação. Perante este facto impõe-se uma conclusão: a fim de não obstruir com sujeitos de elite as profissões que exigem um número restrito de aptidões especiais ter-se-á que dar lugar a uma procura, para os mais dotados, da profissão da ordem mais elevada em que possam ter sucesso, quer dizer, que exija além do acréscimo de aptidões especiais, o máximo de inteligência.

 

COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO?

Lahy, J.-M., (1922/2017). O que é uma aptidão profissional? Laboreal, 13 (1), 97-99.

 

Manuscrito recebido em: dezembro/2016

Aceite após peritagem: abril/2017

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