Introdução
As patologias que envolvem a articulação temporomandibular, segundo a Academia Americana de Dor Orofacial, podem ser divididas em: miogénicas e artrogénicas. As artrogénicas, são associadas ao componente articular, sendo esse o grupo mais atípico. Dentro das patologias de origem articular encontram-se os tumores da ATM, que podem ser benignos ou malignos.1
Os tumores benignos que envolvem a ATM são os mais encontrados na população, sendo o osteocondroma o mais comum do esqueleto axial.1 Osteocondroma na região craniomaxilofacial é um achado raro, que pode acometer a base do crânio, arco zigomático, seio maxilar e mandíbula.2 Há predilecção pelo processo coronoide e côndilo mandibular.3
As características clínicas do osteocondroma de côndilo mandibular apresentam-se como crescimento gradual de contorno irregular, exofítico de tecido ósseo e cartilaginoso, alterando anatomia e função da região.1 Devido a região da articulação temporomandibular ser limitada por um espaço pequeno, a assimetria facial e a disfunção temporomandibular são evidenciadas.
Esta patologia causa uma alteração de volume do côndilo mandibular que afeta o tamanho e a morfologia da mandíbula, alterando a oclusão, e indiretamente afetando a maxila pelo crescimento compensatório.3 Com isso, pode resultar no desenvolvimento de uma deformidade dento facial, como a prognatismo mandibular simétrico ou assimétrico, mordida aberta posterior ipsilateral, mordida cruzada, alargamento unilateral da mandíbula para o lado não afetado, assimetria facial e limitação de abertura bucal.3
Inúmeras teorias têm sido propostas para a etiopatogenia do osteocondroma.2-6 Destas, a mais aceita é teoria de Lichtenstein, que sugere que o periósteo tem potencial para desenvolver as células ósseas de osteoblastos e condroblastos por mudança metaplásica no periósteo.7 Outra hipótese é a da presença de cartilagem epifisária na superfície do osso a qual sofre tensão da inserção do músculo pterigoide lateral, levando ao desenvolvimento do tumor.1 O trauma também, é considerado um possível fator desencadeante dessa alteração.1,7
As modalidades de tratamento dos osteocondromas do côndilo mandibular incluem desde a excisão local do tumor, condilectomia conservadora, condilectomia radical, com ou sem reconstrução de ATM.8,9 A tomada de decisão da escolha da técnica será baseada em fatores relacionados a localização do tumor e a fusão deste, com as estruturas adjacentes.7 Determinados pacientes podem necessitar de intervenção cirúrgica adicional como a cirurgia ortognática, para correção de possíveis assimetrias faciais e problemas oclusais.8
Com isso, este estudo visa relatar um caso clínico raro de osteocondroma condilar unilateral em paciente adulto com três anos de evolução, descrevendo os achados clínicos e radiográficos, efeitos nos maxilares, achados histológicos e aspectos relevantes da técnica cirúrgica.
Relato do caso
Paciente do sexo masculino, 48 anos, compareceu ao ambulatório de Cirurgia Bucomaxilofacial por encaminhamento da rede pública de saúde, queixando-se de desvio da mandíbula para o lado direito. limitação da abertura da boca, além de desconforto para realizar movimentos mandibulares e significativa queixa álgica em região temporal e auricular com progressão de 3 anos. Apresentava, ainda aumento de volume na região pré-auricular esquerda, abertura bucal de 15 mm com desvio de abertura para direita e deformidade facial de face curta, padrão classe II. Não havia histórico de trauma ou infecção ao redor da ATM. Ao exame tomográfico, apresentava imagem hiperdensa de grande proporção com crescimento significativo do contorno irregular do côndilo esquerdo medindo 3x1,7x1,4 mm (LL x SI x AP). Ademais, apresentava crescimento ativo pelo exame de cintilografia óssea. Foi realizado o diagnóstico diferencial clínico, incluindo hiperplasia condilar, osteoma, osteocondroma e tumores malignos (Figuras 1, 2, 3 e 4).
As opções de tratamento foram discutidas e por se tratar de uma lesão tumoral com a necessidade de um diagnóstico definitivo associada às variáveis de micrognatismo mandibular, assimetria facial, mal oclusão de classe II e face curta, o tratamento inicial proposto para o paciente foi a ressecção do tumor pela técnica da condilectomia total com artroplastia e sutura do disco no coto remanescente, sem a reconstrução imediata da articulação.
O procedimento transcorreu sob anestesia geral através de intubação nasotraqueal. A via de acesso foi através da abordagem pré-auricular, seguindo pela dissecação dos tecidos, a cápsula articular foi aberta com exposição completa do tumor.
O tumor foi removido com uso de serra piezoelétrica para maior segurança dos tecidos adjacentes. Após, foi realizada a separação do côndilo por condilectomia radical na base do colo condilar, seguido por uma artroplastia para melhor adaptação do coto remanescente e sutura do disco articular na nova posição no segmento ósseo, garantindo uma articulação funcional.
No período transoperatório, já foi possível notar melhora da abertura bucal e nos movimentos mandibulares (Figuras 5, 6, 7, 8 e 9).
O exame histopatológico, revelou imagem de uma capa cartilaginosa, recobrindo um tecido ósseo imaturo produzido por ossificação endocondral, com fibras e tecido cartilaginoso hialino. O componente cartilaginoso varia em espessura e celularidade, em contraste com o côndilo normal em crescimento, os condrócitos nos tumores condrogénicos mostram eosinofílicos intracitoplasmáticos em glóbulos hialinos em seu interior. Estes achados confirmaram o diagnóstico de osteocondroma (Figuras 10, 11, 12 e 13).
Nas consultas pós-operatórias, o paciente teve ótima evolução, relatando melhora das queixas álgicas intensas na região articular e melhora na abertura bucal. No retorno de 7 dias, a abertura bucal máxima foi de 40 mm. O paciente apresentou paresia transitória do ramo temporal do nervo facial, que teve remissão gradual e completa em 6 meses.
O paciente encontra-se em pouco mais de 1 ano de acompanhamento pós-operatório, apresentando abertura bucal satisfatória, movimentos mandibulares reestabelecidos e indolores, além de uma melhora significativa da assimetria facial.
Protocolo de fisioterapia foi iniciado após o período de cicatrização óssea, incluindo exercícios ativos de abertura e excursões mandibulares (Figuras 14, 15, 16 e 17). Baseado na história e características clínicas do paciente, exames complementares de imagem, cintilografia e laudo histopatológico, confirmou-se o diagnóstico de osteocondroma.
Posteriormente, foi feita a reavaliação da condição oclusal e funcional para a tomada de decisão sobre qual a melhor estratégia de reabilitação final do caso. Ponderadas as variáveis esqueléticas e oclusais associadas ao saudável movimento articular, a decisão final foi de cirurgia ortognática de avanço mandibular combinado com tratamento ortodôntico preparatório para correção da má oclusão.
Discussão e conclusões
Os tumores da articulação temporomandibular e do côndilo mandibular são incomuns. Considerando a origem endocondral do côndilo, pode haver uma suscetibilidade maior para condromas, osteomas e osteocondromas.10 O osteocondroma é um tumor ósseo raro, quando ocorre, as epífises de ossos longos no esqueleto imaturo são tipicamente afetadas. Correspondem a menos de 1% dos tumores ósseos primários.11
O osteocondroma é um tumor benigno de crescimento lento cuja apresentação clínica e características radiológicas são bem descritos na literatura.2,3,6
Segundo Wolford e colaboradores,3 o osteocondroma pode ser classificado conforme seu padrão de crescimento e morfologia tumoral, sendo o tipo 2 A, o padrão exofítico que se refere a um alargamento da cabeça e pescoço condilar com vetor de crescimento vertical predominante; e o tipo 2B trata-se de extensões tumorais do côndilo, geralmente para frente e medial tornando a cabeça do côndilo ampliada e deformada podendo desarticular o mesmo para baixo e para fora da fossa, criando uma altura vertical ipsilateral exagerada da face.3 No presente caso, tratamos um padrão do tipo 2 A, que possuía um componente vertical acentuado em que obteve significativa melhora após o tratamento.
Clinicamente, qualquer combinação de sintomas podem ser notas como dor, hipomobilidade da ATM, perda auditiva parcial ou completa, assimetria, arqueamento da borda inferior da mandíbula, má oclusão com mordida aberta ipsilateral, e mordida cruzada contralateral e anterior.2 A assimetria no presente caso, foi gradual, ao longo de três anos, evoluindo para mordida cruzada, desvio do mento e inclinação compensatória do arco superior com mudanças nas inclinações dos dentes e sintomatologia dolorosa acentuada.
O diagnóstico diferencial do osteocondroma com as demais patologias ósseas, principalmente a hiperplasia condilar, é de extrema importância. A hiperplasia condilar, comparativamente, mostra um crescimento proporcional de um côndilo morfologicamente normal, podendo haver alongamento do colo condilar. No osteocondroma, o crescimento é exofítico havendo um aumento desigual da cabeça condilar.3
Radiograficamente, diferem através das radio densidades do tecido duro condilar evidenciando o tumor. Segundo Kolle e colaboradores,11 a diferenciação entre eles não é possível pelos motivos histológicos isolados, devendo ser necessário achados clínicos e radiográficos unidos para estabelecer o diagnóstico definitivo. Meng et al,4 relataram 34 casos com aparência clínica semelhantes entre hiperplasia condilar e osteocondroma.
A tomografia computadorizada é a principal ferramenta para o diagnóstico de lesões ósseas e possibilita melhor visualização tridimensional da lesão.4 Discriminando-se esta entidade de outras alterações de crescimento, tumores e neoplasias malignas da região condilar.5,6O osteocondroma apresenta-se como uma massa de crescimento lobulado com diferentes padrões de mineralização, de bordos definidos, hiperdenso e em continuidade com a cortical ou medular na cabeça da mandíbula.1 Adicionalmente, o exame de cintilografia óssea com Tc99 é um importante auxiliar na busca de atividade óssea positiva. Em nosso caso, utilizamos todos os recursos necessários para o diagnóstico, sendo a cintilografia óssea incluída no trabalho mostrando captação positiva.
Vários métodos têm sido relatados para o tratamento de osteocondromas condilares, com base na natureza benigna da lesão e sua tendência inerente à recorrência.7,12-15Os tratamentos cirúrgicos incluem ressecção através de uma excisão local sem condilectomia, condilectomia conservadora, condilectomia total, com reconstrução e sem reconstrução.2,3
O tratamento por excisão local está indicado quando o tumor envolve menos da metade da superfície da cabeça condilar.
Outros casos, envolvendo lesões gigantescas que comprometem os componentes anatômicos e funcionais da articulação, necessitam de reconstrução articular total aloplástica imediata após a condilectomia radical.8 Sendo assim, o protocolo de tratamento varia de acordo com o tamanho do tumor e as necessidades de correção das sequelas causadas no sistema estomatognático pelo seu crescimento.
A condilectomia radical é indicada quando componentes anatômicos não são recuperáveis, em que a excisão completa da lesão sob visão direta seja suficiente para a cura.12 Condilectomia radical com reconstrução pode ser indicada em casos que a patologia prejudica toda anatomia local.11 Os materiais para a reconstrução incluem enxerto costocondral, enxerto de costela, enxerto ósseo pediculado local ou prótese total de articulação temporomandibular. Na atualidade, o mais utilizado é o enxerto costocondral autógeno para reconstrução da ATM.11 No presente relato, optamos pelo tratamento radical devido as condições anatômicas da região e não houve a necessidade de reconstrução, visto que a artroplastia condilar e a sutura do disco foram satisfatórias em manter a anatomia local.
A condilectomia conservadora também é discutida na literatura, como uma boa opção de tratamento.7 Possui a vantagem de manter osso mandibular nativo e o discuto articular preservados dentro da articulação, elimina a necessidade de enxertos e mantem a normalidade da função mandibular.
Contudo, está indicada para lesões de pequena extensão, já que há risco de remoção incompleta da lesão.2 O tratamento conservador usando apenas curetagem resulta em uma taxa de recorrência 55%, de acordo com Yang e colaboradores.11
Gerbino et al,8 em sua serie de casos sistematizam os métodos de tratamento de acordo com a avaliação do padrão tumoral e forma e posição do disco articular. Os tumores pequenos, que envolvem menos da metade da superfície da cabeça do côndilo ou conectados ao côndilo podem ser tratados por excisão local sob visão direta com o uso opcional de osteotomia temporária da base condilar; tumores grandes, que comprometem anatomicamente a articulação requerem condilectomia radical e reconstrução imediata com próteses totais articulares aloplásticas. E casos que necessitam correção de deformidades dento faciais associadas e inclinações compensatórias da maxila concomitante, a cirurgia ortognática pode ser combinada com a ressecção do tumor.8
O diagnóstico e o planejamento do tratamento são essenciais nos casos que apresentam assimetria facial e má oclusão.7 O principal objetivo do tratamento é ressecar a massa e alcançar a oclusão satisfatória.7 Em diferentes situações, a cirurgia ortognática torna-se necessária para corrigir deformidade facial associada, principalmente nos casos em que a maxila foi afetada, e deve ser realizada no momento que o cirurgião considerar mais oportuno. Vindo de encontro ao presente caso, em que o paciente apresentou uma mal oclusão, inclinação compensatória da maxila, além de apresentar uma deformidade facial de micrognatia mandibular e padrão face curta, optou-se pela cirurgia ortognática secundariamente como parte do tratamento.
Adicionalmente, um estudo do grupo de Aerden,16 avaliou a proporção de pacientes que precisavam de cirurgia ortognática após condilectomia alta. Um total de 52% dos pacientes submetidos a condilectomia alta, necessitaram de cirurgia ortognática corretiva posterior. Todos os pacientes apresentam desvio de linha média mandibular e mordida cruzada, sendo preditores significativos para a indicação de cirurgia ortognática secundária.16
A anatomia da região do côndilo mandibular requer cuidado com as estruturas nobres que a circundam. As vias de acesso para a articulação temporomandibular são de extrema importância na decisão da técnica cirúrgica. O acesso pré-auricular está indicado em abordagem para as patologias da ATM, sendo excelente para visualização completa e direta do côndilo.1
Atualmente, técnicas minimamente invasivas permitem o tratamento das lesões menores com menor índice de morbidade.15,17A cirurgia com uso de serra piezoelétrica é uma técnica que utiliza vibrações ultrassônicas para a realização de osteotomias, principalmente em casos onde existam risco de comprometimento dos tecidos moles adjacentes.17 No caso relatado, a serra piezoelétrica foi utilizada afim de reduzir a morbidade do procedimento cirúrgico, já que se tratava de uma região altamente delicada.
A literatura mostra que esta lesão apresenta taxas de recidiva extremamente baixas e está associada a procedimentos conservadores de remoção incompleta tumoral.1 Chen et al,5 relataram dentre 38 pacientes todos tinham ressecção e que não houve recidiva encontrada nos relatos de ressecção local.5
No entanto, Peroz et al,6 investigaram a recorrência entre condilectomia e excisão local em 34 pacientes. Em 26 deles, a condilectomia foi realizada e 8 pacientes apenas excisão local.
Nenhuma recorrência foi relatada nos pacientes tratados com condilectomia, enquanto 2 recorrências foram observadas entre os 8 pacientes tratados com excisão da lesão.6 No caso relatado, o paciente encontra-se em 365 dias pós-operatóriossem sinais de recidiva.
O tratamento do osteocondroma condilar por meio da condilectomia radical se mostra uma técnica eficaz, permitindo a recuperação satisfatória da função articular e consequente redução do quadro álgico. Protocolos de tratamento variam de acordo com o tamanho do tumor e a necessidade de correcção das sequelas causadas no sistema estomatognático pelo seu crescimento. A decisão de realizar a cirurgia ortognática adicional para correção de assimetrias faciais, deve ser considerada com a finalidade de estabilizar a função mandibular e a saúde do movimento articular.