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Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial

Print version ISSN 1646-2890On-line version ISSN 1647-6700

Rev Port Estomatol Med Dent Cir Maxilofac vol.61 no.2 Lisboa June 2020  Epub June 30, 2020

https://doi.org/10.24873/j.rpemd.2020.09.708 

Caso Clinico

Recidiva de mieloma múltiplo em mandíbula mimetizando lesão endodôntica: relato de caso

Recurrence of multiple myeloma in the mandible mimicking endodontic lesion: a case report

Nara Régia da Silva Domingos1 

Vega Monteiro de Rocha2 

Luana Patrícia da Silva Moreira3 

Guilherme Costa Guedes Pereira3 

Paulo Rogério Ferreti Bonan4 

Laudenice de Lucena Pereira3 

1 Programa de Pós-graduação em Ciências Odontológicas, Departamento de Odontologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil

2 Faculdade Santa Emília de Rodat, João Pessoa - PB, Brasil

3 Centro Universitário UNIPÊ, João Pessoa - PB, Brasil

4 Universidade Federal da Paraiba, João Pessoa - PB, Brasil


Resumo

O mieloma múltiplo é uma neoplasia maligna disseminada que afeta os plasmócitos. O envolvimento da região maxilofacial é incomum, mas pode envolver os ápices dentários. O objetivo deste trabalho é descrever um caso clínico de mieloma múltiplo recidivante que mimetizou lesão endodôntica. Doente, 75 anos, sexo feminino, procurou atendimento odontológico de urgência devido a aumento de volume na mandíbula, na região dos dentes 44 e 45, semelhante a celulite odontogénica. Foi realizado o tratamento odontológico de urgência do dente 45, seguido de posterior tomografia computadorizada e biópsia incisional, devido a diagnóstico pregresso de mieloma múltiplo. O exame de imagem revelou lesão osteolítica, envolvendo o ápice dos dentes 44 e 45. O exame histológico evidenciou proliferação de células com morfologia plasmocitóide e atipia, que invadiam o tecido conjuntivo, confirmando o diagnóstico de mieloma múltiplo recidivante. A paciente foi encaminhada a tratamento oncológico e encontra-se estável até hoje.

Palavras-chave: Dor de dente; Mandíbula; Mieloma múltiplo; Recorrência

Abstract

Multiple myeloma is a widespread malignant neoplasm that affects plasma cells. Although the involvement of the maxillofacial region is uncommon, it can involve the dental apexes.

The aim of this study is to describe a clinical case of recurrent multiple myeloma that mimicked endodontic lesions. A 75-year-old female patient sought emergency dental care due to an increase in volume in the mandible, in the region of teeth 44 and 45, similar to odontogenic cellulite. Emergency dental treatment of tooth 45 was performed, followed by subsequent computed tomography and incisional biopsy, due to a previous diagnosis of multiple myeloma. The image examination revealed an osteolytic lesion involving the apex of teeth 44 and 45. Histological examination showed proliferation of cells with plasmacytoid morphology and atypia, which invaded the connective tissue, confirming a diagnosis of recurrent multiple myeloma. The patient was referred for cancer treatment and has been stable up to the present day.

Keywords: Toothache; Mandible; Multiple Myeloma; Recurrence

Introdução

O mieloma múltiplo (MM) é uma neoplasia maligna originada dos plasmócitos, que são derivados da medula óssea.1,2 Essas células produzem e segregam proteínas monoclonais no sangue, que têm uma sequência de aminoácidos e estrutura proteica anormal. Acredita-se que represente cerca de 10% das malignidades hematológicas. Apresenta maior prevalência em pacientes idosos, embora os pacientes jovens possam também ser afectados.3,4

Os sinais e sintomas mais comuns são: anemia, dor óssea, fadiga e infecções.5 As manifestações na região maxilofacial são incomuns, mas podem acontecer em algum momento da evolução da doença, tais como parestesia, mobilidade dentária, hemorragia gengival e ulceração.6,7 Imagiologicamente é uma lesão osteolítica, uni ou multilocular, que pode aparecer em qualquer região dos ossos gnáticos, inclusive associada ao ápice dentário.3,4 Dessa forma, o objetivo deste trabalho é descrever uma recidiva de mieloma múltiplo na mandíbula, que teve como principal característica o mimetismo de uma lesão endodôntica, com ênfase na importância do exame clínico bem executado, solicitação de exames complementares e anatomopatológico, para conclusão do diagnóstico.

Caso Clínico

Doente de 75 anos de idade, sexo feminino, leucoderma, procurou atendimento odontológico de urgência em fevereiro de 2019. Na anamnese, a paciente relatou como queixa principal dor de origem odontogénica, nos dentes 44 e 45, e aumento de volume doloroso na mandíbula do lado direito. A paciente negou trauma nos dentes envolvidos ou uso de aparelho ortodôntico, bem como patologias sistémicas dignas de nota.

No exame físico extraoral a paciente apresentou aumento de volume da região submandibular à direita, doloroso e avermelhado. O exame físico intraoral revelou, apagamento do sulco mandibular, além de lesão nodular, de superfície normocrómica e consistência endurecida, na região dos dentes 44 e 45, cujo primeiro pré-molar já possuía tratamento endodôntico, estando selado provisoriamente, e o segundo extensa restauração oclusal. Devido a queixa principal foi realizado teste de vitalidade pulpar, sendo constatada a necrose. As características clínicas foram muito semelhantes às de celulite de origem odontogénica. Portanto foi realizada abertura coronária, instrumentação, medicação intracanalar, antibioticoterapia sistémica e o selamento provisório do elemento 45.

Após três dias a paciente alegou aumento do volume e da intensidade da dor, período em que a tomografia computadorizada (TC) foi realizada.

A TC (Figuras 1, 2 e 3) revelou imagem hipodensa, ostelítica, de forma ovalada, promovendo rompimento da cortical vestibular, envolvendo o ápice dos dentes 44 e 45. Nesse momento, a paciente informou ter o diagnóstico de mieloma múltiplo há sete anos, sendo acompanhada por hematologista, sem apresentar sinais clínicos da manifestação da doença.

Figura 1 Reconstrucao axial de TC, evidenciando lesão hipodensa, osteolitica, causando rompimento da cortical vestibular e medindo 19 mm x 25 mm. 

Figura 2 Reconstrução parassagital de TC. Observa-se lesão hipodensa e osteolítica envolvendo o ápice do dente 44 

Figura 3 Extensão da lesão observada pela reconstrução 3D da TC 

Além disso, não foi diagnosticada lesão mandibular no primeiro episódio. A paciente comunicou que omitiu o diagnóstico durante a anamnese por não acreditar ter relação com a odontalgia, e por ter feito exames laboratoriais e de imagem de corpo inteiro que descartaram qualquer sinal do mieloma, há cerca de trinta dias. Realizou-se punção aspirativa por agulha fina da área entumecida, não sendo observado presença de material líquido, sendo então optado pela realização de biopsia incisional (Figura 4), sob anestesia local, devido a necessidade de conclusão do diagnóstico. Durante o procedimento cirúrgico foi possível evidenciar um nódulo de superfície lisa, brilhante, avermelhada com estrias esbranquiçadas e friável a manipulação. A análise histopatológica (Figuras 5, 6 e 7), corada com Hematoxilina e Eosina, revelou proliferação de células de morfologia plasmocitóide, que apresentavam atipia, cromatina nuclear pontilhada e invasão do tecido conjuntivo, conferindo o laudo de mieloma múltiplo, sem necessidade de marcação imunohistoquímica, devido ao diagnóstico dessa lesão no passado.

Figura 4 Leito cirurgico durante biopsia incisional 

Figura 5 Lencol de plasmocitos invadindo tecido conjuntivo fibroso (x100 - coloracao com Hematoxilina e Eosina) 

Figura 6 Denso infiltrado de plasmocitos com núcleo grande e excentrico, nucleolo proeminente, moderado citoplasma e presenca de atipia (x200 - coloracao com Hematoxilina e Eosina) 

Figura 7 Camada difusa e monotona de células plasmocitoides, apresentando cromatina nuclear pontilhada (x200 - coloracao com Hematoxilina e Eosina) 

A doente foi encaminhada a centro de referência para tratamento, sendo realizada quimioterapia com Daratumumabe (1120mg), Bortezomibe (1,7mg) e Melfalano (2mg), além de radioterapia com dose de 45Gy. A paciente encontra-se estável e sem sinais de recidiva após 14 meses do início do tratamento.

A lesão mandibular encontra-se estável como pode se observar na TC de controlo (Figura 8).

Figura 8 Reconstrucao panoramica de TC, evidenciando lesao hipodensa, osteolitica, de margens mal definidas, envolvendo o apice dos dentes 44 e 45 

Discussão e Conclusões

A gamopatia monoclonal de significado indeterminado (GMSI) é uma desordem rara assintomática associada a plasmócitos, sendo também um estágio pré-maligno para o MM. Afeta 3-4% da população com mais de 50 anos de idade e a quantidade de doentes afetados aumenta com a idade.8 Aproximadamente 80% dos pacientes diagnosticados com MM são precedidos da GMSI.3,9

A proliferação neoplásica de linfócitos B é conhecida como plasmocitoma ou MM. O primeiro é caracterizado pelo acometimento solitário, que pode ser intraósseo ou extramedular. No MM há disseminação dessa desordem.10 O MM é uma das neoplasias hematológicas mais comuns, com leve predileção pelo sexo masculino. A maioria dos casos acontece entre a 50 e 80 anos, com média de 60 anos, mas a manifestação em pacientes jovens é relatada. É caracterizada pela proliferação de plasmócitos na medula óssea e produção excessiva imunoglobulina monoclonal no sangue periférico.3,4,7Embora a etiologia permaneça incerta, certos agentes etiológicos, como radiação ionizante, exposição a produtos químicos, vírus e fatores genéticos, têm sido implicados.6,9,11 A paciente estudada estava no perfil epidemiológico de maior prevalência da doença.

As manifestações na região maxilofacial do MM são incomuns, e devido à variedade de sintomas o diagnóstico pode ser difícil.7 Geralmente as lesões apresentam predileção pela mandíbula em relação a maxila, provavelmente devido à maior hematopoiese.4 As principais manifestações clínicas são a expansão óssea, dor, mobilidade dentária, parestesia e macroglossia.7,9,12Radiograficamente é caracterizada pela formação de imagem osteolítica, de margem mal delimitada, podendo ser uni ou multilocular e ter aspeto de bolhas de sabão.4 A paciente estudada apresentou lesão dolorosa, osteolitica na mandíbula, de formato ovalado e com margens mal delimitadas, essas características estão de acordo os achados da literatura mundial.

A manifestação na região maxilofacial é bastante variada, e pode mimetizar radiograficamente lesões endodônticas,3 como pode ser observada na TC, a lesão osteolítica envolvendo o ápice dos dentes 44 e 45. Todavia, a odontalgia causada pelo MM é bastante incomum, sendo pouco relatada na literatura.6,10,12,13

A abordagem terapêutica para o MM depende da idade do paciente, saúde geral e comorbidades relacionadas. O tratamento do MM envolve radioterapia, quimioterapia, esteróides e transplante autólogo de células tronco. A resposta ao tratamento no MM é definida como uma redução parcial ou completa das proteínas séricas e diminuição significativa das células plasmáticas da medula óssea para menos de 5%. As lesões osteolíticas associadas podem ser tratadas com bifosfonatos.3,7Todavia, não se pode esquecer o risco de desenvolvimento de osteonecrose associada a esse grupo de medicamentos.14

O MM geralmente é considerado incurável e caracterizado por recidivas frequentes que requerem terapia.3 A taxa de sobrevida em cinco anos é 5,7%, portanto, o diagnóstico correto faz grande diferença no prognóstico desses doentes.15,16Dessa forma, podemos concluir que o exame clínico detalhado e a solicitação de exames complementares, quando necessário, foram fundamentais para conduta clínica correta. Esses procedimentos possibilitaram o diagnóstico de uma recidiva solitária de mieloma múltiplo na mandíbula. Devido ao prognóstico sombrio da doença, a conduta clínica foi fundamental, uma vez que, diagnosticou a recidiva no momento inicial, aumentando a sobrevida da paciente.

Referências

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Recebido: 19 de Abril de 2020; Aceito: 07 de Junho de 2020

* Autor correspondente. Nara Regia Da Silva Domingos Correio eletronico: nararegiad@hotmail.com

Conflito de interesses Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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