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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122versão On-line ISSN 1646-2939

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.26 no.4 Lisboa dez. 2018

 

CASO CLÍNICO

 

Artrite Séptica da Articulação Acrómio-Clavicular, Diagnóstico Raro em Doente Saudável - Caso Clínico

 

Paulo J. L. F. FigueiraI; André M. GrenhoI; Carlos PedrosaI; Ana M. FerrãoI; Rui B. GonçalvesI; António B. CamachoI

I. Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar de Lisboa Central, Hospital Curry Cabral. Lisboa.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Os autores descrevem um caso clinico de um paciente sem antecedentes pessoais de patologia osteoarticular ou de outra natureza que desenvolveu um quadro de artrite séptica da articulação acrómio-clavicular e osteomielite do acrómio após evento traumático de mínimo impacto sobre o ombro. Trata-se de um caso invulgar, dado que a artrite séptica envolvendo esta área anatómica constitui um evento raro e na maioria dos casos publicados, associado a factores de risco identificados.

Palavras chave: Artrite infecciosa, Articulação acrómio-clavicular, Osteomielite, Acrómio.

 

ABSTRACT

We describe the case of a previously healthy patient who developed a septic arthritis of the acromioclavicular joint and osteomyelitis of the acromion, following a minor trauma to the shoulder. It is an unusual case, since septic arthritis of this location is a rare disease and in most of the published cases the patients had a clearly identifiable risk factor.

Key words: Infectious Arthritis, Acromioclavicular Joint, Osteomyelitis, Acromion.

 

INTRODUÇÃO

A artrite séptica da articulação acrómio-clavicular (AC) é extremamente rara, sobretudo em pessoas imunocompetentes1, existindo cerca de 30 casos descritos na literatura2-4.  Habitualmenteocorre em doentes com factores de risco como; imunossupressão, uso endovenoso de drogas ilícitas, sobre-utilização de esteróides ou doenças linfoproliferativas, entre outras2,5,6.

A sua apresentação inicial pode ser de difícil diferenciação face à artrite séptica do ombro. Clinicamente pode existir dor à mobilização do ombro ou dor e crepitação à palpação desta articulação. Na radiografia pode apresentar erosão óssea ou destruição da articulação. A ecografia e a ressonância magnética (RMN) são uteis na diferenciação e localização do foco de infecção. Se possível deve-se puncionar a articulação por forma a isolar um agente infeccioso, geralmente da espécie Staphylococcus ou Streptococcus1,4.

Este relato descreve um caso clinico de artrite séptica da AC num doente sem factores de risco previamente conhecidos, assim como o tratamento e o resultado final obtido.

 

CASO CLÍNICO

Doente do sexo masculino, caucasiano, 42 anos de idade, observado no Serviço de Urgência (SU) da nossa instituição por quadro de omalgia esquerda com sete dias de evolução, secundária a uma queda da própria altura. Refere agravamento da dor nos últimos três dias e desde então com calafrios, sudorese e sensação subjectiva de febre. Negava antecedentes pessoais relevantes ou a presença de comorbilidades ou doenças prévias.

Ao exame objectivo, apresentava-se sudorético e febril (38.5ºC) sob efeito de paracetamol, a amplitude articular do ombro esquerdo encontrava-se diminuída. Visualmente edemaciado e ruborizado com dor exacerbada e crepitação ao toque da AC. Na radiografia do ombro não se observavam alterações sugestivas de fractura ou luxação. Analiticamente, apresentava 12.200/mm3 leucócitos, proteína C reactiva (PCR) de 168 mg/L. As hemoculturas realizadas no serviço de urgência vieram posteriormente negativas. Na ecografia observava-se a presença de pequena colecção líquida não pura e heterogénea ao nível da AC, com 12x7mm, marcado aumento da ecogenicidade da gordura adjacente, compatível com processo inflamatório (capsulite acrómio-clavicular, bursite subacromiosubdeltoideia e subcoracoideia) complicado por processo infeccioso (Figura 1). Neste contexto foi tentada, sem sucesso, biopsia/punção aspirativa eco guiada. Face ao exposto foi realizada, no SU, avaliação por RMN que demonstrou aumento do espaço articular da AC com distensão capsular por conteúdo llíquido e irregularidade de ambos os topos articulares, com imagens sugestivas de erosão óssea; bem como heterogeneidade medular acromial, com áreas hiperintensas em DP FS e hipointensas em T1, com evidente captação de contraste sugestivas de artrite acrómio-clavicular e osteomielite do acrómio (Figuras 2 e 3).

 

 

 

 

Decidiu-se internar o doente para a realização de terapêutica empírica endovenosa com flucloxacilina e gentamicina. Ao terceiro dia de antibioterapia encontrava-se apirético e ao nono dia apresentava leucócitos de 7800/mm3, velocidade de sedimentação (VS) de 43mm/h e PCR de 16.6 mg/L. Teve alta hospitalar após 15 dias de antibioterapia  endovenosa por evolução clinica e laboratorial favorável, à qual acresceu a toma de flucloxacilina oral por mais 4 semanas.

Aos dois meses após admissão constatou-se 5400/ mm3 leucócitos com VS (7 mm/h) e PCR (1,3 mg/L) negativas. Realizou novo estudo comparativo por RMN que revelou resolução do processo inflamatório ao nível da articulação AC e do acrómio (Figuras 4 e 5). Foi realizada uma avaliação funcional do ombro esquerdo pela aplicação do Quick DASH com classificação de 11.4 pontos que contrastou com a avaliação inicial (81.8 pontos) revelando franca melhoria da incapacidade. Não se verificou recorrência da infecção.

 

 

 


 

DISCUSSÃO

A artrite séptica da acrómio-clavicular é uma entidade clinica rara1, rapidamente incapacitante e nefasta para a articulação2. Os casos descritos na literatura evidenciam comorbilidades como factores de risco prévios ou mesmo patologia estabelecida1-3.

O nosso relato reporta um caso clinico atípico, envolvendo um paciente sem história prévia de patologia médico-cirúrgica ou comorbilidades identificáveis o que o torna ainda mais raro, existindo apenas 4 casos previamente descritos nestas circunstâncias3,7.

De acordo com a literatura, em 20% dos casos é impossível identificar o microorganismo tornando assim o diagnóstico presuntivo8. Porém, a artrocentese continua a ser o padrão-ouro no que concerne o seu diagnóstico4.

Embora não tenha sido possível isolar um agente microbiano, facto este já previamente descrito na literatura3,8, e sobretudo nos casos clínicos de doentes sem factores de risco estabelecidos7, os autores acreditam que o tratamento implementado foi bem-sucedido atendendo à boa evolução clinica e laboratorial correlacionada com os achados imagiológicos.

Assim, a imagiologia assume um papel muito relevante no diagnóstico. A radiografia da AC pode evidenciar (em fase mais avançada) alargamento do espaço articular devido ao edema e derrame articular assim como a ecografia, embora seja operador-dependente9,10. A RMN, exame mais sensível e específico10.

É vital no diagnóstico precoce, podendo detectar sinais de infecção, incluindo em pequenas articulações, com apenas 24 horas de evolução2.

Quer a ecografia e a RMN permitem excluir envolvimento da articulação gleno-umeral. Permitem efectuar a exclusão do diagnóstico quando a distancia da cortical óssea à capsula é inferior a 3 mm no plano coronal9.

Na ausência de um agente identificado a terapêutica empírica deve abranger os agentes patogénicos mais frequentes - S. aureus e Streptococci pelo que a antibioterapia inicial poderá ser uma penicilina resistente à ß-lactamase, como a flucloxacilina ou uma cefalosporina5, por um período mínimo de 4 a 6 semanas como ocorrido2.

Os autores concluem também que esta patologia sendo rara, requer um alto índice de suspeição4, podendo ocorrer de forma espontânea sem causa traumática major evidente e sem factores predisponentes, não se podendo excluir à partida o envolvimento de utentes previamente saudáveis2.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Hong MJ, Kim YD, Ham HD. Acute septic arthritis of the acromioclavicular joint caused by Haemophilus parainfluenzae: a rare causative origin. Clin Rheumatol. 2015 Apr; 34 (4): 811-814

2. Martinez-Morillo M, Mateo Soria L, Riveros Frutos A, Tejera Segura B, Holgado Perez S, Olive Marques A. Septic arthritis of the acromioclavicular joint: an uncommon location. Reum Clin. 2014; 10 (1): 37-42        [ Links ]

3. Bossert M, Prati C, Bertolini E, Toussirot E, Wendling D. Septic arthritis of the acromioclavicular joint. Joint Bone Spine. 2010 Oct; 77 (5): 466-469

4. Iyengar KP, Gudena R, Chitgopkar SD. Primary septic arthritis of the acromio-clavicular joint: Case report and review of literature. Arch Orthop Trauma Surg. 2009; 129 (1): 83-86        [ Links ]

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Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Paulo Jorge Lourenço Flores Figueira
Serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar de Lisboa Central, Hospital Curry Cabral
Rua da Beneficência, nº 8
1050-099 LISBOA
21 792 43 68
pfigueira@campus.ul.pt

 

Data de Submissão: 2018-01-21

Data de Revisão: 2018-08-31

Data de Aceitação: 2018-11-03

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