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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122versão On-line ISSN 1646-2939

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.26 no.2 Lisboa jun. 2018

 

ARTIGO DE ENSINO

 

Impacto Extra-Articular do Quadril

 

Antônio A. G. BarrosI; Victor A. K. BarbosaI; Fernando H. F. GarridoI; André G. RibeiroI; Lincoln P. CostaI; Carlos C. VassaloI

I. Hospital Madre Teresa, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Brasil.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Introdução: O impacto extra-articular do quadril envolve um grupo de lesões reconhecidas apenas recentemente, comumente subdiagnosticadas e pouco compreendidas por muitos especialistas da área ortopédica. Porém, são lesões capazes de levar a dor e declínio funcional importante nos pacientes acometidos. O correto diagnóstico dessas condições é fundamental. Envolve a necessidade de um conhecimento adequado de sua patogênese e avaliação clínica através de manobras do exame físico específicas, assim como correta interpretação dos exames de imagem.

Objetivo: Atualizar profissionais médicos, fisioterapeutas, educadores físicos ou quaisquer outros que trabalhem em contato direto com os pacientes acometidos.

Material e métodos: Foi realizado uma revisão da literatura nas bases de dados PubMed e Birene/Lilacs a respeito da anatomia, patogênese, achados clínicos, exames de imagem e tratamento das principais causas descritas de impacto extra-articular do quadril.

Resultados: As síndromes de impacto extra-articular mais citadas na literatura são os impactos isquiofemoral, subespinhal, pélvico trocantérico e o do iliopsoas. Essas síndromes são condições dinâmicas e o diagnóstico deve ser feito observando a presença de alterações anatômicas, exame clínico positivo e confirmação por exame de imagem ou achado intra-operatório. Por serem lesões com baixa prevalência relatada, existem poucas evidências a respeito dessas condições e mais estudos são necessários.

Conclusão: O conhecimento das síndromes de impacto extra-articular do quadril é essencial na avaliação de pacientes com dor no quadril e deve fazer parte do diagnóstico diferencial.

Palavras chave: Dor no quadril, Impacto extra-articular do quadril, Impacto isquiofemoral, Impacto subespinhal, Impacto pélvico trocantérico, Impacto do Iliopsoas.

 

ABSTRACT

Introduction: The extra-articular hip impingement involves a group of recently recognized lesions, commonly underdiagnosed and poorly understood by many orthopedic specialists. However, these lesions are capable of leading to pain and important functional decline in the affected patients. The correct diagnosis of these conditions is primal. It involves the need for an adequate knowledge of its pathogenesis and clinical evaluation through specific physical examination maneuvers, as well as correct interpretation of the imaging exams.

Objective: To update medical professionals, physiotherapists, physical educators or any others who work in direct contact with the affected patients.

Material and methods: A review of the literature was conducted on the PubMed and Birene /Lilacs databases on regard of anatomy, pathogenesis, clinical findings, imaging and treatment of the main causes of extra-articular hip impingement.

Results: The most cited extra-articular impingement syndromes in the literature are the ischiofemoral, subspinal, trochanteric and iliopsoas impingements. These syndromes are dynamic conditions and the diagnosis must be done observing the presence of anatomical abnormalities, positive clinical examination and confirmation by imaging exams or intraoperative finding. Because they are lesions with a low prevalence reported, there is little evidence regarding these conditions and more studies are needed.

Conclusion: Knowledge of extra-articular hip impingement syndromes is essential in the evaluation of patients with hip pain and should be part of the differential diagnosis.

Key words: Hip pain, Extra-articular hip impingement, Ischiofemoral impingement, Subspine impingement, Greater trochanteric Pelvic impingement, Psoas impingement.

 

INTRODUÇÃO

A síndrome do impacto extra-articular do quadril é uma condição dinâmica. Pode ser ocasionada por uma série de distúrbios anatômicos do quadril e provoca dor e declínio funcional nos pacientes acometidos. São lesões subdiagnosticadas e pouco compreendidas. As etiologias do impacto extra-articular são essencialmente diferentes da encontra no impacto femoroacetabular intra-articular(Cam ou PINCER). Com objetivo de atualizar os profissionais que trabalham em contato direto com os pacientes acometidos, foi realizado uma revisão da literatura nas bases de dados PubMed e Birene/Lilacs a respeito da anatomia, patogênese, achados clínicos, exames de imagem e tratamento das principais causas descritas de impacto extra-articular do quadril. As mais citadas na literatura são os impactos isquiofemoral, subespinhal, pélvico trocantérico e o do iliopsoas.

 

IMPACTO ISQUIOFEMORAL

O impacto isquiofemoral(IIF) foi descrito em 1977 em 3 pacientes com dor residual após artroplastia total do quadril1. Porém, apenas recentemente esse tipo de impacto foi identificado como fonte potencial de dor em pacientes sem história prévia de trauma ou cirurgia2. O IIF é uma condição dinâmica que leva a compressão do músculo quadrado femoral e a dor devido a redução do espaço entre o pequeno trocanter e a tuberosidade isquiática, conhecido como espaço isquiofemoral(EIF). Devido a inserção do músculo psoas no pequeno trocanter e dos isquiotibiais na tuberosidade isquiática o impacto também pode levar a irritação das bursas ao redor dessas estruturas3. A redução do EIF possui diversas causas como a coxa valga, coxa profunda, fraqueza da musculatura abdutora, doença de Legg-Calve-Perthes e as fraturas do pequeno trocânter ou tuberosidade isquiática3. Os diagnósticos diferenciais incluem as lesões crônicas dos isquiotibiais, síndrome glútea profunda e ciatalgia.

Pacientes com IIF possuem uma média de idade entre 51 e 53 anos, são frequentemente mulheres e apresentam uma taxa de bilateralidade variando entre 25 e 40%4. Dor glútea profunda é a principal queixa dos pacientes e a presença de um exame físico positivo é necessário para a detecção do IIF. As manobras do exame físico consistem no teste de marcha com passos largos, palpação do EIF e o teste do IIF (Figura 1)5. O diagnóstico do IIF deve ser confirmado por exames de imagem apresentando alteração de sinal no ventre do músculo quadrado femoral e redução dos espaços isquiofemoral(EIF) e quadrado femoral(EQF), sendo a ressonância nuclear magnética(RNM) o padrão ouro6. O EIF é definido como o menor espaço entre o córtex lateral da tuberosidade isquiática e o córtex medial do pequeno trocânter6. O EQF consiste no menor espaço entre a superfície súperolateral dos tendões isquiotibiais e a superfície posteromedial do tendão do iliopsoas ou trocanter menor6.

 

 

Há grande variação nos valores médios encontrados para os EIF e EQF entre os pacientes com IIF e pacientes assintomáticos. Torriani et al6 compararam retrospectivamente o comprimento dos EIF e EQF, medido através de RNM. Foram avaliados 9 pacientes com dor no quadril e alteração de sinal do músculo quadrado femoral com 10 pacientes controle. Todos pacientes do estudo eram mulheres, o grupo sintomático apresentou uma média de idade de 53 anos e o controle de 67 anos. O EIF foi significativamente menor no grupo com dor quando comparado com o controle (13 ± 5 vs 23 ± 8 mm, respectivamente; p = 0,002). O EQF também foi significativamente menor no grupo sintomático quando comparado com o controle (7 ± 3 vs 12 ± 4 mm; p = 0,002). Os valores dos EIF ≤ 17 mm e EQF ≤ 8 mm, foram os que apresentaram maior sensibilidade e especificidade para a presença de dor no quadril e alteração do sinal do músculo quadrado femoral. Ambos apresentaram sensibilidade e especificidade de 83 e 82% respectivamente. Singer et al7 conduziram uma meta-análise com um total de 217 imagens de RNM de pacientes com impacto isquiofemoral(IIF) e 140 imagens de controles assintomáticos. A média de idade dos pacientes com IIF foi de 50,8±12,7 anos e de 51,6±15 anos para o grupo controle. Sendo mulheres em 85,54% no grupo de casos e 70,31% no grupo controle. Os pacientes com IIF apresentaram redução significativa dos EIF e EQF quando comparados com o grupo controle, 14.91±4.8 mm versus 26.01±7.98 mm e 9.57±3.7 mm versus 15.97±6.07 mm, respectivamente (p<0.0001 para ambos). Nesse estudo para o diagnóstico do IIF, um EIF≤15 mm esteve associado a uma sensibilidade de 76.9%, especificidade de 81.0% e acurácia de 78.3%. Em relação ao EQF um valor ≤10.0 mm resultou em 78.7% de sensibilidade, 74.1% de especificidade e 77.1% de acurácia. Os autores encontraram forte correlação entre a redução dos EIF e/ou EQF e edema/atrofia do músculo quadrado femoral com dor ipsilateral do quadril. Porém, os autores concluíram que apenas redução desses espaços é insuficiente para o diagnóstico de IIF e o padrão ouro continua sendo a presença de sintomas e alterações de sinal do músculo quadrado femoral na RNM.

Os valores médios dos EIF e EQF podem ser influenciados pela posição do quadril. Johnson et al8 compararam por RNM a variação na dimensão do EIF com o paciente em decúbito dorsal e quadril em neutro, com o quadril fletido e em decúbito ventral. O menor valor médio observado foi com o paciente em decúbito dorsal e quadril neutro, 21.1 ±5.6 mm. Na RNM com o paciente em decúbito ventral o valor médio do espaço isquiofemoral foi de 28.25 ±5.91 mm. Na média o valor mais alto,36.9 ±5.7 mm, foi observado com o paciente em decúbito dorsal e quadril fletido. Foi encontrado diferença estatisticamente significativa entre as posições supina neutra e prona, assim como entre a supina neutra e supina com o quadril fletido. Atkins et al9 avaliaram, através de tomografia 3D, RNM e fluoroscopia, o movimento in vivo do quadril e o espaço isquiofemoral em 11 participantes assintomáticos. Em 10 dos 11 participantes o menor valor do EIF foi encontrado durante a rotação externa do quadril. Os valores médios mínimos do EIF encontrados durantes as atividades foram de 10,8 mm para a rotação externa, 15,5 mm com a deambulação e 15,8 mm na deambulação em plano inclinado, sendo todos esses valores estatisticamente menores que a média de 23,7 mm obtida de forma estática na RNM. Esses resultados mostram que o EIF pode ser menor durante atividades dinâmicas e os valores obtidos por imagens estáticas podem não representar o espaço mínimo obtido durante atividades.

O tratamento inicial do IIF deve ser com medidas conservadoras como repouso, modificação das atividades, anti-inflamatórios e fisioterapia para fortalecimento da musculatura abdutora do quadril. A infiltração de anestésico associado a corticoide no EIF pode ser realizada se os sintomas persistirem10. Uma pequena parcela de pacientes, em torno de 5 %, necessita de tratamento cirúrgico para tratamento de dor recalcitrante11. O tratamento cirúrgico consiste na ressecção parcial do pequeno trocânter ou da tuberosidade isquiática, dependendo da etiologia. Pode ser realizado por via aberta ou endoscópica e, apesar de haver poucos relatos na literatura, é considerado seguro12. A ressecção parcial do pequeno trocânter deve ser realizada através de uma pequena janela no músculo quadrado femoral ao nível do pequeno trocânter mantendo íntegro a porção proximal do músculo, onde se encontra a artéria circunflexa femoral medial5.

 

IMPACTO SUBESPINHAL

O impacto subespinhal(ISE) faz parte do grupo de impactos extra-articulares que até pouco tempo era considerada uma fonte desconhecida de dor no quadril ou uma condição associada ao impacto intra-articular do quadril. O avanço da artroscopia de quadril tem tornado mais claro o diagnóstico diferencial dos tipos de impacto3.

O ISE geralmente ocorre quando há um contato anormal entre a espinha ilíaca ântero-inferior (EIAI) e a cabeça do fêmur ou a porção anterior do colo do fêmur. Devido a localização, outras estruturas como o labrum, a cápsula anterior e o tendão do reto femoral também podem estar envolvidas. Normalmente este impacto ocorre aos movimentos de flexão, adução e rotação interna do quadril. Anatomicamente a EIAI está localizada logo acima da porção ântero-superior do lábio acetabular. Na porção superior da EIAI origina-se o tendão da porção direta do reto femoral e na porção inferior origina-se o tendão do músculo ílio-capsular. A porção anteromedial da EIAI não possui inserção tendinosa e está localizada na posição entre 2:00h e 2:30h, utilizando os ponteiros do relógio como referência no quadril direito13.

Hetsroni avaliou a tomografia computadorizada com reconstrução 3D de 53 pacientes com ISE e propôs uma classificação: tipo 1 há um espaço pequeno entre a EIAI e o rebordo acetabular, tipo 2 a EIAI está aumentada até o nível do rebordo acetabular e no tipo 3 a EIAI está aumentada e extende-se distalmente ao rebordo acetabular. Os tipos 2 e 3 estão mais associados a limitação de flexão e rotação interna3.

O ISE normalmente ocorre devido a avulsão da EIAI por tração excessiva do reto femoral, associada a retroversão acetabular, pós osteotomia pélvica, apofisite crônica no adolescente e a fratura da EIAI com consolidação viciosa (Figura 2). Mais comumente, as lesões ocorrem em adolescentes como resultado de uma contração excêntrica do reto femoral com extensão do quadril e flexão do joelho durante um movimento de chute ou com uma súbita força de contração enquanto desacelera após a corrida14,15.

 

 

O paciente com sintomas de ISE normalmente é jovem e esportista podendo apresentar história prévia de osteotomia pélvica ou lesão dos flexores do quadril16. O quadro clinico pode ser parecido com o do impacto femoroacetabular (IFA) uma vez que o paciente apresenta dor a flexão, rotação interna e adução do quadril. Portanto, os pacientes que mantêm sintomas de dor pós tratamento cirúrgico de IFA devem ser avaliados quanto ao ISE. Em alguns pacientes esse impacto isolado já pode ser uma causa de incapacidade funcional do quadril, mesmo na ausência de IFA17.

A propedêutica do ISE inclui radiografias da pelve e fêmur proximal, tomografia computadorizada e ressonância magnética do quadril. Na radiografia da pelve em AP, podem-se identificar sinal do cruzamento ou uma parede posterior aumentada. Em alguns pacientes com IFA, com a presença de sinal do cruzamento, pode estar ocorrendo também o impacto entre uma proeminente EIAI e o colo femoral. É importante diagnosticar, além da alteração óssea, possíveis lesões do labrum e da cartilagem articular3,18.

O tratamento inicial para o impacto subespinhal inclui mudança de atividade física, fisioterapia e uso de corticóide e medicação para controle da dor e dos processos inflamatórios. O tratamento cirúrgico é uma opção para os pacientes refratários ao tratamento clinico, podendo ser por via aberta ou via artroscópica. Devido à abordagem minimamente invasiva, o procedimento artroscópico tem sido preferido. Ao definir pelo tratamento cirúrgico artroscópico, além de tratar o impacto subespinhal, procura-se por alterações intrarticulares que poderiam ser causas de dor como lesões labrais e lesões da cartilagem. Após abordagem cirúrgica recomenda-se 2 a 4 semanas de apoio protegido com par de muletas seguidos por reabilitação para reforço muscular. O uso de antiinflamatório por 3 a 4 semanas no pós operatório imediato também é indicado para evitar a formação de ossificação heterotópica.

Ainda não há estudos comparativos de médio e longo prazo sobre os resultados do tratamento artroscópico para o tratamento do ISE, mas os resultados de relatos de casos tendem para uma melhor reabilitação pós artroscopia. Dessa forma ainda são necessários mais estudos para chegar a um consenso sobre a melhor forma de tratamento3,19.

 

IMPACTO PÉLVICO TROCANTÉRICO

O impacto pélvico trocantérico(IPT) é uma condição pouco frequente definida como contato anormal e doloroso entre o trocânter maior e a pelve óssea principalmente nos movimentos de abdução e extensão18,20. Na pelve normal o grande trocânter se posiciona na mesma altura do centro de rotação da cabeça femoral, porém uma alteração no crescimento ósseo dessas estruturas pode levar ao desbalanço desse equilíbrio. A cabeça e o colo femoral são nutridos principalmente por artérias intracapsulares enquanto o grande trocânter é nutrido por artérias extracapsulares21. Dessa forma uma lesão das artérias intracapsulares pode levar ao crescimento desproporcional do grande trocânter em relação à cabeça e colo femorais ocasionando o IPT.

A fisiopatologia ainda é pouco conhecida, porém o mais aceito atualmente é uma alteração morfológica da epífise proximal do fêmur devido à lesão isquêmica precoce durante o desenvolvimento ocasionando um crescimento desbalanceado em relação ao grande trocânter. O impacto pélvico trocantérico é tipicamente descrito na doença de Legg-Calve-Perthes embora qualquer condição que leva a deformidade semelhante na epífise proximal do fêmur (Figura 3), como osteonecrose, epifisiolise, infecções e osteotomias pélvicas e femorais são consideradas fatores de risco12,18,20. Independente da etiologia, a alteração morfológica da epífise proximal do fêmur leva a um grau variável de coxa brevis, coxa magna, coxa plana e coxa vara porem com crescimento normal do grande trocânter que permanecera em uma posição anormalmente alta em relação à cabeça femoral. Dessa forma a distância entre o trocânter maior e a pelve diminui o que leva a uma menor eficiência do mecanismo abdutor associado ao impacto das estruturas ósseas nos extremos de movimento20,21. O IPT também é descrito em pacientes com morfologia normal do quadril, mas com hipermobilidade onde a amplitude de movimento é maior que o normal como nos casos de dançarinos22.

 

 

Clinicamente esse tipo de impacto é mais prevalente em pacientes jovens sem predominância pelo sexo e muitas vezes associado a alguma patologia intraarticular12,18. Os pacientes referem dor na região lateral e póstero lateral do quadril especialmente com movimentos de extensão e abdução com fadiga precoce ao deambular. Ao exame físico se observa dor ao realizar extensão e abdução passiva e o teste do cambio é positivo. Encurtamento do membro e sinal de trendelemburg podem estar presentes devido a fraqueza da musculatura abdutora18,20,21.

O diagnóstico do IPT se baseia nos achados clínicos descritos associados a alterações radiográficas. As radiografias podem evidenciar diminuição do ângulo cervico diafisário (coxa vara) e posicionamento anormalmente alto do grande trocânter sendo que quanto mais cranial o trocânter maior em relação ao centro de rotação da cabeça femoral maior a probabilidade de IPT18,20,21,23.

O tratamento se baseia inicialmente em medidas conservadoras, com restrição de atividade física, fortalecimento da musculatura abdutora e infiltração local para melhora da dor. Na falha dessas medidas após seis meses de tratamento é indicado o tratamento cirúrgico que consiste na transferência distal do trocânter maior associado ou não a osteotomias corretivas12,21.

 

IMPACTO DO ILIOPSOAS

O labrum acetabular tem como função principal o selamento articular do compartimento central do quadril, permitindo com isso a manutenção da pressão do líquido sinovial e contribuindo para estabilidade da articulação24. A maioria das lesões labrais ocorrem em associação ao impacto femoroacetabular(IFA), displasia acetabular, instabilidade, trauma e doenças degenerativas do quadril25.

A localização anatômica mais comum da lesão labral associada ao IFA é a região anterossuperior, mais precisamente entre 1 e 2 horas ao se comparar o acetábulo direito com os marcadores de um relógio26. Entretanto, Domb et al. observaram uma patologia labral localizada em região anterior (posição de 3 horas), exatamente sob a parte extra articular do tendão do iliopsoas adjacente a cápsula e sem extensão anterossuperior27. Ao relacionar a relação íntima da lesão labral e o cruzamento do tendão iliopsoas, os autores concluíram que a lesão foi decorrente do atrito entre o tendão e o larbum acetabular. A esta patologia foi concedida o nome de Impacto do Iliopsoas (IPI), sendo primeiramente descrita por Heyworth et al para explicar lesão labral em localização atípica27,28.

O músculo iliopsoas tem origem em duas regiões distintas. A porção ilíaca deste músculo tem origem na crista ilíaca e tabua interna do ilíaco. Já sua porção psoas tem origem a partir da 12ª vertebra torácica á 5ª vértebra lombar, inserindo-se no pequeno trocânter29.

O IPI se apresenta clinicamente como dor anterior no quadril, dor a flexão ativa e ressalto em alguns casos. A lesão labral ocorre em região anterior (3 horas), sem evidencia de IFA, displasia, trauma ou outra causa de lesão labral conhecida27.

O exame físico para IPI manifesta-se com dor focal no trajeto do iliopsoas, teste do impacto positivo e dor e/ou apreensão ao realizar flexão do quadril com o membro inferior estendido contra a resistência27. O teste do impacto positivo pode ser explicado uma vez que há uma lesão labral e a mesma pode ser comprimida ao realizar flexão, adução e rotação interna do quadril27. A maioria dos pacientes que apresentam IPI são atletas do sexo feminino12, com média de idade entre 25 a 35 anos (intervalo entre 15 e 57 anos)12,30. Entretanto, deve ser observado que na ausência de critérios clínicos e radiológicos já citados, o IPI pode ser diagnosticado durante a artrosocopia do quadril31.

Existem três teorias para lesão labral anterior por IPI: 1) tensão ou inflamação do iliopsoas causando impacto sobre o labrum anterior durante a extensão do quadril; 2) o tendão do iliopsoas pode se aderir a região anterior do larbum, por lesão cicatricial, levando a lesões por tração repetitiva; 3) a hiperatividade do musculo iliocapsular causa lesão por tração27.

Em um estudo cadavérico foi aferida a tensão e a pressão sob o psoas entre os limites de arco de moviemento de 0 a 90º32. Foi observado que tanto a tensão no tendão quanto a pressão sob o mesmo diminuem em maiores graus de flexão. Outra importante análise foi que a cabeça femoral, e não a eminencia iliopctinea, atua primariamente como polia após o tendão fazer um ângulo obtuso. Assim, Yoshio et al identificaram cinco fatores de risco para aumento de pressão sob o tendão do iliopsoas e consequentemente para IPI: 1) cabeça femoral grande; 2) tendão com menor espessura porém amplo ao nível da cabeça femoral; 3) ângulo cérvico diafisário diminuído; 4) aumento da anteversão femoral (30 °, variando de 13 ° a 30 °); 5) ângulo médio de 123º entre a origem e inserção do iliopsoas durante a flexão do quadril32.

O tratamento conservador com reabilitação fisioterápica, mudança de atividade física ou infiltração com anestésico local e esteroides é a primeira opção de tratamento, embora a eficácia destas intervenções não foram investigadas12. A infiltração intra-articular ou mesmo extra-articular sobre o tendão do iliopsoas apresentou alívio transitório dos sintomas27.

Já a liberação artroscópica do tendão do iliopsoas pode ser realizada em três regiões anatômicas diferentes: ao nível do labrum no compartimento central; transcapsular no compartimento periférico ou mesmo junto a inserção no trocânter menor. Todos os métodos apresentaram resultados favoráveis para o tratamento do IPI e não apresentaram diferença clinica ao usar métodos diferentes33,34. Ao comparar técnicas endoscópicas de tenotomia do iliopsoas no compartimento central e ao nível do pequeno trocânter para tratamento de coxa saltans interno, Ilizaliturri et al encontraram resultados favoráveis ao utilizar as duas técnicas com base na pontuação WOMAC33. Entretanto houve 01 caso de recidiva que necessitou nova intervenção cirúrgica no grupo dos pacientes em que foi realizada tenotomia pelo compartimento central33. Os autores acreditam que a recidiva é explicada por poupar mais fibras musculares do ilíaco já que a tenotomia se dá em localização mais proximal33.

 

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Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Antônio Augusto Guimarães Barros
Hospital Madre Teresa
Av. Raja Gabáglia, 1002
Gutierrez, Belo Horizonte
Minas Gerais
Brasil
Telefone: +55 31 987953360
antonioagbarros@gmail.com

 

Data de Submissão: 2018-04-09

Data de Revisão: 2018-04-28

Data de Aceitação: 2018-05-13

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