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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

Print version ISSN 1646-2122On-line version ISSN 1646-2939

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.26 no.2 Lisboa June 2018

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Impacto da Língua Inglesa perante a Produção Científica de Pesquisadores Brasileiros na Área de Ortopedia

 

Milca Inácio de Oliveira PascoalI; Vivian Farkas Sodré GonçalvesI; Rosana Aparecida Salvador RossitI; Sylvia Helena da Silva Souza BatistaI; Daniel Araki RibeiroI

I. Programa de Pós-Graduação Inter-Disciplinar em Ciências da Saúde, Universidade Federal de S. Paulo, Brasil. S. Paulo. Brasil.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Objetivo: O objetivo desse estudo foi avaliar o impacto da proficiência da língua inglesa perante a produção científica por pesquisadores brasileiros na área de Ortopedia nos últimos cinco anos.

Material e Métodos: Foi levantada a produção cientifica de docentes credenciados em Programas de Pós-graduação da Área de Ortopedia e Radiologia no período de 2013 a 2017. Utilizou-se a Plataforma Lattes para o levantamento do nível de proficiência em inglês dos mesmos.

Resultados: Os resultados mostraram que a produção científica global foi expressiva, a partir de um total de 2.590 artigos científicos completos publicados no período. O quesito leitura foi o que apresentou maior escore (2,8), seguido pela compreensão (2,7). Os quesitos fala e escrita foram os que apresentaram menores escores (2,6 para ambos os quesitos). Somente o quesito leitura demonstrou correlação positiva, com diferença estatisticamente significativa (p<0,05; r=0,24). Os quesitos fala e compreensão demonstraram uma tendência para significância, porém sem correlação estatisticamente significativa (p>0,05). O quesito escrita não demonstrou correlação entre as variáveis avaliadas (p>0,05; r=0,16).

Conclusão: Em suma, os resultados desse estudo demonstram que a proficiência em língua inglesa impacta na produção do conhecimento na área de Ortopedia, porém somente o quesito leitura parece exercer uma correlação positiva dentre as variáveis avaliadas nesse estudo.

Palavras chave: Ortopedia, Conhecimento, Comunicação.

 

ABSTRACT

Objective: The aim of this study was to evaluate the impact of the English language proficiency on the scientific production by Brazilian researchers within the field of Orthopedics in the last five years.

Material and Methods: The scientific production of researchers enrolled to the Post-Graduation Programs with fields of Orthopedics and Radiology from 2013 to 2017 was used. The Lattes Platform was used to survey the level of proficiency in English.

Results: The results showed that global scientific production was expressive, being a total of 2590 complete scientific papers published in the last five years. The reading presented the highest score (2,8), followed by comprehension (2,7). Speaking and writing showed the lowest scores (2.6 for both questions). Reading showed a positive correlation, with significant statistically differences (p <0.05, r = 0.24). Speaking and comprehension showed a trend for an effect, but without significant statistically differences (p> 0.05). Writing did not show remarkable differences (p> 0.05; r = 0.16). Conclusion: Taken together, the results of this study demonstrate that English language proficiency impacts on the scientific production within the field of Orthopedics, but only reading seems to exert a positive correlation among the studied categories in this setting.

Key words: Orthopedics, Knowledge, Communication.

 

INTRODUÇÃO

Atualmente, é notório que a publicação de artigos representa uma das mais importantes tarefas executadas por pesquisadores para disseminação do conhecimento científico. Tal prática permite o amplo e irrestrito acesso da informação em um curto espaço de tempo, por meio de vias de comunicação especializadas que adotam o sistema de análise por pares para garantir a excelência do que é publicado. Não obstante, a avaliação de programas de pós-graduação sensu strictu em nosso país é determinada, em grande parte, pelo número de artigos científicos publicados em periódicos qualificados pelos programas1,2.

Uma vez a publicação ter sido cumprida em determinado periódico, o conhecimento científico será então disseminado rapidamente, por meio de bases públicas, que indexam as revistas3. Portanto, a adoção de um idioma internacional e único parece ser uma alternativa razoável e coerente para que esse conhecimento seja disseminado de modo mais eficiente e abrangente possível. Dessa forma, o idioma inglês tem sido adotado como a língua oficial para publicação do conhecimento científico ao redor do mundo4. Nos dias atuais, o idioma inglês é considerado a língua oficial da ciência e tecnologia5. Dentre os argumentos apresentados para o frequente uso da língua inglesa destaca-se o pragmatismo e a simplicidade da estrutura gramatical quando comparada a outros idiomas6,7.

Todavia, a utilização da língua inglesa para a publicação de artigos científicos impacta negativamente em pesquisadores ao redor do mundo cujo idioma materno não é o inglês, como por exemplo, o Brasil e outros países pertencentes à América Latina, Europa e Ásia. Isso é devido ao fato de que é difícil resgatar a informação, bem como produzir artigos científicos quando não há pleno domínio da língua inglesa. De fato, o impacto da língua inglesa na produção científica no Brasil é destaque já nas fases mais incipientes do processo de formação acadêmica. Em um estudo anterior com alunos de pós-graduação de mestrado ou doutorado em Ciências da Saúde demonstrou-se que a proficiência em língua inglesa desempenha papel crucial na qualidade das dissertações ou teses, incluindo a publicação dos resultados8. Ler artigos científicos publicados em inglês torna-se uma prática difícil para estudantes que não possuem pleno domínio do idioma. Em 2007, Vasconcelos9 assumiu que o nível de proficiência em inglês, especialmente no quesito escrita, reflete majoritariamente sobre o número total de artigos científicos publicados por pesquisadores, em que a língua mãe não é o inglês.

O mesmo autor revelou ainda que pesquisadores cujo primeiro idioma é o inglês detêm vantagens sobre aqueles que não o possuem9. Tais resultados levou-nos a uma reflexão acerca de se avaliar quantitativamente o impacto da proficiência em língua inglesa sobre a produção de conhecimento na área de Ortopedia, particularmente porque essa abordagem não fora executada até o presente momento. Certamente, tais resultados auxiliarão no entendimento da relevância do domínio do inglês nessa área.

Por essa razão, o objetivo desse estudo foi investigar o impacto da língua inglesa perante a produção científica de pesquisadores brasileiros na área de Ortopedia. Para isso, uma análise quantitativa entre o número total de artigos publicados por pesquisadores da área e a proficiência autodeclarada em língua inglesa foram mensurados.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa documental, descritiva, de abordagem quantitativa.

Dados documentais referentes à autodeclaração de proficiência em inglês e produção científica neste idioma foram extraídos da Plataforma Lattes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

A definição da amostra teve como critério de inclusão os currículos do corpo docente permanente de programas de pós-graduação stricto sensu da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) da área de Ortopedia, Traumatologia e/ou Radiologia (uma dessas palavras deveria constar no título do programa de pós-graduação).

Utilizou-se a Plataforma Lattes para o levantamento do nível de proficiência dos docentes. Ela oferece quatro quesitos de autodeclaração de proficiência: lê, fala, escreve e compreende, ao passo que o docente pode definir o seu nível de proficiência da seguinte forma: não declarado, pouco conhecimento, conhecimento razoável e bom conhecimento. A cada um dos níveis, procedeu-se a quantificação desses critérios a partir dos seguintes escores: 0 (zero) - não declarado; 1 (um) - pouco conhecimento; 2 (dois) - conhecimento razoável; e 3 (três) - bom conhecimento.

A coleta de dados foi realizada da seguinte forma a fim de cumprir os objetivos dessa pesquisa: levantamento da quantidade de artigos científicos completos que foram publicados no período de janeiro de 2013 a outubro de 2017 pelos pesquisadores pertencentes ao corpo de orientadores dos programas de pós-graduação ora selecionados. Para isso, compilaramse nas bases de dados (Scielo, Pubmed, Medline, Web of Science) os títulos dos artigos apresentados nos seus respectivos currículo Lattes.

Os escores numéricos foram organizados em planilha do Excel e submetidos a tratamento estatístico por meio de correlação de Spearman a fim de se verificar possíveis relações entre os parâmetros da língua inglesa e produção científica total dos docentes utilizando o programa estatístico Biostat 5.0 (Maringá, PR, Brasil). Em todas as análises fixou-se o p<0.05 para significância estatística.

 

RESULTADOS

Um total de cinco programas de pós-graduação sensu strictu foram inclusos nesse estudo, uma vez que cumpriam os critérios estabelecidos para se avaliar a produção científica na área de Ortopedia. Desses programas, foram extraídos um total de 82 pesquisadores, que contabilizaram uma produção científica global expressiva: um total de 2.590 artigos científicos completos no período avaliado. Da mesma forma, a produção individual foi também considerável, uma vez que cada pesquisador publicou em média 31 artigos científicos no último quinquênio, com uma média de sete artigos científicos por ano. Tais resultados estão apresentados na Tabela 1.

 

 

A Tabela 2 mostra a média e desvio-padrão dos resultados referentes aos escores proferidos pelos pesquisadores nos seus respectivos currículos Lattes no que tange à proficiência em língua inglesa. Os quesitos ora declarados obtiveram resultados semelhantes, sendo a leitura o que apresentou maior escore (2,8), seguido pela compreensão (2,7). Os quesitos fala e escrita foram os que apresentaram menores escores (2,6 para ambos os quesitos).

 

 

Quando se avaliou a correlação entre as categorias de proficiência em língua inglesa proferidas nos respectivos currículos dos pesquisadores com o total de artigos publicados, resultados interessantes foram observados. Curiosamente, somente o quesito leitura demonstrou correlação positiva, com diferença estatisticamente significativa (p<0,05; r=0,24). Os quesitos fala e compreensão demonstraram uma tendência para significância, porém sem correlação estatisticamente significativa (p>0,05). O quesito escrita não demonstrou correlação entre as variáveis avaliadas (p>0,05; r=0,26). Entretanto, quando todas as categorias foram agrupadas a fim de mensurar o pleno domínio do idioma inglês, uma correlação positiva fora detectada entre o número total de artigos publicados com diferença estatisticamente significativa (p<0,05; r=0,22). Tais resultados estão apresentados na Tabela 3.

 

 

O impacto dos resultados obtidos nesse estudo estão sumarizados na Figura 1.

 

 

 

DISCUSSÃO

O objetivo desse estudo foi avaliar o impacto da língua inglesa perante a produção científica de pesquisadores brasileiros da área de Ortopedia. Para isso, a autodeclaração proferida nos seus respectivos currículos Lattes foi mensurada, bem como o total de artigos científicos publicados pelos mesmos no último quinquênio. Tal abordagem é relevante e necessária em virtude do aumento na demanda por disseminação e socialização do conhecimento científico em uma perspectiva globalizada10,11, aliado ao fato de que não há estudos sobre o assunto até o presente momento nessa área.

De acordo com Carratalá-Munuera et al.12, que idealizaram um estudo bibliométrico sobre a produção científica na área de cuidados primários em saúde, o idioma inglês foi detectado como a língua predominante nas publicações científicas. Na área de psiquiatria, o número de artigos publicados que não estão na língua inglesa também é baixo13. Desse modo, observa-se que o impacto da língua inglesa na produção científica em diversas áreas da saúde é bastante relevante na produção do conhecimento científico.

Tem sido estabelecido que existem varias dificuldades no domínio da língua inglesa em um nível considerado proficiente. Certamente, esse quadro impacta negativamente na produção científica e promove diversos obstáculos no que diz respeito à produção do conhecimento em nosso país14. Levando-se em consideração a relevância da disseminação do conhecimento científico e a necessidade de formar pesquisadores capazes de produzir conhecimento de alto nível, a proficiência em língua inglesa perfaz cientistas mais competitivos, especialmente na área da saúde. O conhecimento dentro dessa expertise está intimamente associado com publicações científicas que são mandatórias para a aplicação de protocolos terapêuticos e outras decisões relacionadas aos cuidados aplicados à saúde humana, seja na área de prevenção, intervenção, reabilitação ou educação15.

Nossos resultados demonstraram que a produção científica na área da Ortopedia é alta considerando o último quinquênio, uma vez que foi detectado um total de 2590 artigos publicados. Da mesma forma, observou-se que cada pesquisador publicou em média sete artigos científicos por ano, o que ratifica a alta produtividade na área de Ortopedia em nosso país. No que tange à autodeclaração obtida nos respectivos currículos Lattes dos pesquisadores, um elevado nível de proficiência também foi observado, sendo que a leitura obteve maior escore, seguido pela compreensão e, finalmente, pela fala e escrita. Os quesitos fala e compreensão parecem desempenhar maior facilidade no domínio da língua inglesa quando comparados aos outros quesitos estudados. Alguns autores têm se dedicado ao estudo do aprendizado e domínio do idioma inglês.

Almeida16 tem postulado que a leitura é a habilidade mais desenvolvida por estudantes acadêmicos em virtude da cobrança dedicada à leitura e escrita de textos. Rose17 demonstrou que a leitura envolve uma linguagem receptiva a partir de um texto pronto, enquanto que a escrita impõe um domínio maior de habilidades, tais como gramática e vocabulário; o que torna o domínio desse quesito mais complexo. Nossos resultados são consistentes com tais resultados, sendo confirmados inclusive por outros autores nessa área18.

Quando o impacto da língua inglesa foi correlacionado com o total de artigos publicados pelos pesquisadores brasileiros no último quinquênio, os resultados demonstraram que somente a categoria leitura demonstrou correlação positiva. Os quesitos fala e compreensão demonstraram uma tendência para uma correlação positiva, porém sem significância estatística. Surpreendentemente, o quesito escrita não impactou positivamente na produção científica.

Entretanto, quando todos os quesitos foram  agrupados, novamente se observou uma correlação positiva entre o numero de artigos publicados. Dessa forma, poder-se-ia supostamente afirmar que, a partir desses resultados apresentados, o idioma inglês impacta positivamente na produção científica de pesquisadores na área de Ortopedia, uma vez que uma correlação positiva global fora detectada, aliada ao fato de que valores elevados dos escores em todas as categorias e do número total de artigos foram encontrados. Todavia, somente a leitura parece exercer alguma influência positiva dentre os quesitos avaliados. Esses resultados confirmam parcialmente a hipótese desse estudo, uma vez que não se conseguiu demonstrar a correlação positiva para os quesitos mais diretamente relacionados à produção de artigos, ou seja, leitura e escrita. Tais achados foram observados por outros autores que investigaram o assunto8. Cumpre destacar que a autodeclaração proferida nos respectivos currículos Lattes dos pesquisadores não necessariamente significa que haja uma proficiência em língua inglesa. De acordo com Zanella19, somente testes de proficiência internacionalmente reconhecidos, tais como TOEFL, Michingan, Cambridge, etc. poderão atestar a proficiência individual com exatidão. Outra questão se refere ao fato que este estudo compilou todos os artigos publicados, independentemente do idioma, ou seja, publicados em inglês ou não. Esse fato poderia auxiliar na interpretação dos resultados, visto que o impacto da proficiência em língua inglesa na produção de artigos exclusivamente em inglês parece ser mais forte e expressivo do que a produção científica global. De fato, tal análise não fora abordada nesse estudo, uma vez que a produção científica de artigos não publicados em inglês não deve ser ignorada, pois a disseminação do conhecimento científico é importante na área de saúde para que estabeleça relações entre os profissionais dessa área20. Publicações em português ou espanhol, por exemplo, podem, da mesma forma, serem importantes não somente para comunicação entre os pesquisadores locais, mas também para favorecer o processo de aprendizagem em âmbito acadêmico nos níveis iniciais de formação, tais como: alunos de iniciação científica, cursos de especialização lattu sensu ou trabalhos de conclusão de curso21. Portanto, estudos adicionais são necessários a fim de se elucidar o real impacto do idioma inglês na produção do conhecimento na área de Ortopedia, seja em inglês ou não, bem como identificar outras variáveis que podem impactar na mesma, tais como a pouca oferta de cursos de pós graduação exclusivamente dedicados à área de Ortopedia, conforme se detectou nesse presente trabalho.

 

CONCLUSÃO

Em suma, os resultados desse estudo demonstram que a proficiência em língua inglesa impacta na produção do conhecimento na área de Ortopedia. Entretanto, somente o quesito leitura demonstrou correlação positiva, dentre as variáveis avaliadas nesse estudo.

 

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Conflito de interesse:

Nada a declarar

 

Endereço para correspondência

Daniel Araki Ribeiro, DDS, PhD
Av. Ana Costa, 95 - Vila Mathias
Santos / SP 11060-001
BRASIL
Telefone: +55 (13) 3878 3756
daribeiro@unifesp.br

 

Data de Submissão: 2018-01-09

Data de Revisão: 2018-05-10

Data de Aceitação: 2018-05-13

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