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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

Print version ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.23 no.3 Lisboa Sept. 2015

 

CASO CLÍNICO

 

Síndrome do Canal Cárpico em doente com Anastomose de Martin-Gruber e Sinostose Rádio-Cubital Proximal Congénita: caso clínico

 

André L. VasquesI; André L. RamosI; António J.M. OliveiraI; Luis PalmaI; António R.CorreiaI; Igor B. MartinsI

I. Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital José Joaquim Fernandes- ULSBA,EPE, Beja. Beja. Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

A anastomose de Martin-Gruber como factor de confusão no diagnóstico clínico de síndrome do canal cárpico é uma entidade para a qual o clínico normalmente não está alerta. A sua associação com a presença de sinostose rádio-cubital proximal congénita ainda não se encontra descrita na literatura indexada, possivelmente pela raridade de ambas as patologias. Apresentamos um caso de uma doente com um quadro clínico de síndrome do canal cárpico bilateral, associado a anastomose de Martin-Gruber e a sinostose rádio-cubital proximal congénita bilaterais, que se apresentou como um desafio diagnóstico e terapêutico.

Palavras chave: Anastomose de Martin-Gruber, Sinostose Radio-Cubital Congénita, Síndrome do Canal Cárpico.

 

ABSTRACT

Martin-Gruber anastomosis is a confounding factor in the clinical diagnosis of carpal tunnel syndrome to which clinicians are not usually alert. Its association with congenital proximal radio-ulnar synostosis is not yet described in the indexed literature, possibly due to the rarity of both conditions. We present a case of a patient with a clinical picture of bilateral carpal tunnel syndrome, associated with Martin-Gruber anastomosis and proximal bilateral radioulnar synostosis, who presented a diagnostic and therapeutic challenge.

Key words: Martin-Gruber Anastomosis, Congenital Radio-Ulnar Synostosis, Carpal Tunnel Syndrome.

 

INTRODUÇÃO

A anastomose de Martin-Gruber (AMG), descrita inicialmente em 1763 por Martin, e posteriormente mencionada em 1870 por Gruber1, constitui-se como a comunicação neurológica mais frequente do membro superior (MS), sendo a anastomose entre os nervos Mediano e Cubital a forma mais frequente de inervação anómala1,2,3,4. A sua prevalência na população normal constitui-se entre 15 a 30%, com distribuição igual em ambos os sexos, e com maior incidência no MS direito2,3,4,5. Segundo as revisões da literatura, parece ter uma hereditariedade autossómica dominante6.

Apesar da sua frequência, a confirmação diagnóstica da sua existência é rara, o que muitas vezes dificulta a abordagem dos doentes com diagnóstico clínico de patologia neurológica compressiva do membro superior.

A sinostose rádio-cubital proximal congénita (SRCPC), descrita inicialmente por Sandifort em 1793, constitui-se também como uma entidade rara7,8,9,10. Por sua vez, a associação entre estas duas entidades pouco frequentes parece não ser descrita na literatura indexada, o que dificulta o reconhecimento da sua presença.

Neste trabalho apresentamos o caso clínico de uma doente com Síndrome do Canal Cárpico (SCC), na qual o diagnóstico da presença de AMG proximal associado a SRCPC se tornou fulcral na sua abordagem terapêutica e resolução dos sintomas.

 

CASO CLÍNICO

Doente do sexo feminino, 55 anos, caucasiana, empregada doméstica, com antecedentes pessoais conhecidos de SRCPC bilateral (bem tolerada) e síndrome de compressão do nervo Mediano a nível do canal cárpico à direita (já submetida a neurólise do mesmo, sem melhoria clínica). Foi referenciada à consulta de Ortopedia por um quadro de dor e parestesias da mão esquerda de predomínio nocturno, com maior ênfase a nível dos 1º, 2º e 3º dedos, com cerca de 12 meses de evolução, sem irradiação, factores de alívio ou de agravamento. Sem queixas de dor ou parestesias cervicais ou do membro superior. A doente apresentava ainda limitação nas actividades relacionadas com a motricidade fina da mão esquerda, o que condicionava as suas actividades da vida diária (AVDs) e prestação laboral.

Ao exame objectivo destacava-se a presença de atrofia dos músculos interósseos e da eminência tenar, assim como limitação da força de preensão (grau 3/5) e testes de Durkan, Phallen e Tinel (n. Mediano) positivos. Verificava-se ainda um arco de mobilidade de pronação/supinação de 10/10º respectivamente e diminuição da sensibilidade táctil dos 1º, 2º e 3º dedos. Os restantes grupos musculares do membro superior apresentavam força grau 5/5, assim como ausência de alterações da sensibilidade termo-álgica, táctil ou proprioceptiva.

Tendo em conta os achados sugestivos, assumiu-se o diagnóstico clínico de SCC à esquerda. Contudo, pelos antecedentes pessoais de SCC à direita já anteriormente submetido a secção do ligamento anular anterior do carpo sem melhoria clínica, e a associação a sinostose bilateral já conhecida, optou-se pela realização de Electromiografia (EMG) para estudo etiológico, o qual foi positivo para a presença de AMG a nível do cotovelo (proximal), com compressão do nervo Cubital na goteira cubital esquerda. Realizou ainda radiografias em incidências antero-posterior e perfil bilaterais do cotovelo e antebraço, que confirmaram a coexistência de SRCPC bilateral (Figuras 1 a 4). Foi submetida a neurólise do nervo Cubital a nível da goteira cubital do cotovelo e transposição anterior do mesmo.

 

 

 

 

 

Na consulta de seguimento pós-operatório a doente demonstrou melhoria significativa das queixas de parestesias e dor anteriormente apresentadas, com retorno progressivo às AVDs. Atualmente apresenta-se assintomática à esquerda, e aguarda intervenção cirúrgica contra-lateral.

 

DISCUSSÃO

A AMG constitui-se como uma conexão neural que envolve maioritariamente a comunicação de axónios entre o tronco principal do nervo Mediano, que cruzam o antebraço e se juntam ao tronco principal do nervo Cubital, promovendo variações na inervação dos seus territórios e, sobretudo, na musculatura intrínseca da mão1,3. Há múltiplas classificações propostas, contudo, são pouco consensuais e a sua implicação clínica é limitada1,2,3,4.

Por norma, a anastomose verifica-se no antebraço, tendo origem quer directamente nos principais troncos nervosos do n. Mediano ou proveniente de um dos seus ramos. No subtipo mais frequente, que corresponde a cerca de 90% dos casos, esta verifica-se entre os nervos Interósseo Anterior e Cubital.

As anastomoses proximais (no cotovelo ou acima deste), como a descrita no caso clínico, são sem dúvida as menos reconhecidas na literatura indexada, e frequentemente não são diagnosticadas aquando da realização do estudo electromiográfico1,3,11.

O diagnóstico da AMG implica a realização de EMG, motivada por suspeita clínica de patologia dos nervos Mediano ou Cubital. Por norma, o prérequisito para o seu reconhecimento envolve a presença simultânea de patologia nos seus territórios de inervação. Actualmente a ecografia de alta resolução com sondas de alta frequência parece ter um papel no diagnóstico de neuropatias, sobretudo compressivas, contudo esta técnica não é ainda utilizada por sistema4,5,12,13.

A sinostose rádio-cubital proximal é uma entidade rara, podendo ser congénita ou pós-traumática no decurso de fracturas dos ossos do antebraço com consolidação anómala. Na sua vertente congénita, que é a menos frequente, a etiologia parece estar relacionada com uma falha na segmentação embriológica do rádio e cúbito durante o período precoce de partilha do mesmo pericôndrio7,8,9,10.

A associação da AMG com a presença de SRCPC bilateral não se encontra actualmente descrita na literatura indexada, o que torna a suspeita clínica inexistente sem o auxílio de exames complementares.

Deste modo, e na ausência do seu diagnóstico, o clínico poderá submeter o doente a procedimentos não resolutivos e, por ventura, desnecessários, na tentativa da resolução dos sintomas, como foi o caso da doente acima descrito, anteriormente submetida a libertação do ligamento anular do carpo à direita, sem melhoria sintomática.

 

CONCLUSÃO

A AMG constitui-se como uma entidade importante a ter em conta aquando do diagnóstico de patologia neurológica do membro superior, sobretudo compressiva, e que se pode constituir como um factor de confusão aquando da tomada de decisão terapêutica. É também importante relembrar que frequentemente não está associada a sintomas, e a sua presença pode por isso ser mal interpretada.

Contudo, pretendemos alertar para a possível associação com a presença de sinostose rádiocubital, e, na presença desta última, o clínico deve ter sempre em mente o reconhecimento das eventuais implicações diagnósticas e terapêuticas de forma a conseguir abordar o doente da melhor forma possível e, mais importante, evitando intervenções desnecessárias.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Conflito de interesse:

Nada a declarar

 

Endereço para correspondência

André Carrilho Lima Lopes Vasques
Rua Infante D. Henrique nº 19, 7800-318 Beja
Tel.: 918352239
alopesvasques@gmail.com

 

Data de Submissão: 2015-08-11

Data de Revisão: 2015-09-30

Data de Aceitação: 2016-02-01

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