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Motricidade

versão impressa ISSN 1646-107Xversão On-line ISSN 2182-2972

Motri. vol.18 no.4 Ribeira de Pena dez. 2022  Epub 31-Dez-2022

https://doi.org/10.6063/motricidade.26105 

ARTIGO ORIGINAL

Contributos para a história do desporto em Portugal

Contributions to the history of sport in Portugal

1Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro – Vila Real, Portugal.

2Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Universidade do Minho – Braga, Portugal.


RESUMO

Na passagem do século XIX para o século XX, o desporto em Portugal, nas mais diversas modalidades, conheceu um incremento assinalável. A reflexão que se propõe, precedida de uma curta passagem pela semântica da palavra desporto em língua portuguesa em épocas históricas distintas e de uma filiação nos quesitos socráticos quanto à importância da educação física/desporto para o bem estar humano, sinaliza, baseada em notícias da revista Ilustração Portuguesa e com especial enfoque nos anos compreendidos entre 1909-1912, o recrudescimento positivo da prática desportiva em Portugal, lazer e competição, nesses anos que precederam a primeira participação do país nas Olimpíadas da era moderna, em Estocolmo.

PALAVRAS-CHAVE desporto; história; lazer; competição; Ilustração Portuguesa

ABSTRACT

At the turn of the 19th to the 20th century, sport in Portugal, in its most diverse forms, experienced a remarkable increase. The proposed reflection, preceded by a short passage through the semantics of the word sport in the Portuguese language in different historical periods and a filiation on the Socratic questions about the importance of physical education/sport for human welfare, signals based on news of the magazine Ilustração Portuguesa and with particular focus on the years between 1909-1912, the positive growth of sports practice in Portugal, leisure and competition, in those years preceding the first participation of the country in the Olympics of the modern era, in Stockholm.

KEYWORDS: sport; history; leisure; competition; Ilustração Portuguesa

INTRODUÇÃO

Num dos debates de Sócrates com dois irmãos de Platão, Lísias e Eutidemo, e também na presença do seu pai, Céfalo, em torno da definição de justiça que estes pretendem que se prove que é intrinsecamente boa, o filósofo grego, segundo Maria Helena da Rocha Pereira (1980, p. XXII), “transfere a sua análise do indivíduo para a cidade”, uma cidade que de primitiva passara a luxuosa, necessitando, por isso, de um conjunto de tarefas especializadas a realizar; precisava também de soldados que a defendessem, “guardiões com um treino próprio” (Pereira, 1980, p. XXII), nomeadamente serem educados pela música e pela ginástica. A justiça é, juntamente com a sabedoria, a coragem e a temperança, um dos quatro elementos da cidade perfeita. Este debate em torno da educação assinala o que Paul Friedlander (1964) considera ser o momento de “substituição de uma tradição oral decorada por um sistema de instrução e educação completamente diferente” da cultura grega (Friedlander, 1964, p. 198), ou seja, a substituição da poesia por um ensino apoiado na filosofia, na noesis (inteligência, razão intuitiva).

Um perfeito guardião teria que ser “por natureza filósofo, fogoso, rápido e forte” (Platão, 1980, p. 86) e, por isso, a ginástica para o corpo era essencial desde a tenra idade, temperada pela aprendizagem musical pois “Os que praticam exclusivamente a ginástica acabam por ficar mais grosseiros do que convém, e os que se dedicam à música tornam-se mais moles do que lhes ficaria bem” (Platão, 1980, p. 149). Aplicava-se já, na velha Grécia, a máxima que os Romanos seus herdeiros tornariam célebre, após fixação pelo poeta Juvenal para o que as pessoas deviam desejar para a vida: Mens sana in corpore sano.

As vantagens do exercício físico (e de uma alimentação adequada) compõem a educação de Carlos n’ Os Maias, seguindo o que aí se designa como um sistema inglês, que os bem portugueses Teixeira (o feitor da família Maia) e a sua mulher Gertrudes desaprovam em absoluto (Queirós, s.d., pp. 57-58); Carlos foi educado “com uma vara de ferro: dormir sozinho aos 5 anos, levantar cedo, banho matinal de água fria” e “correr, cair, trepar às árvores, molhar-se, apanhar soalheiros […] e depois o rigor com as comidas” além de remar e fazer trapézio (Queirós, s.d., pp. 57-58). Brown, o seu precetor inglês, invertendo a máxima aduzida, era taxativo quanto aos princípios básicos de uma educação: “Primeiro forrça! Forrça! Músculo…” porque

O primeiro dever do homem é viver. E para isso é necessário ser são, e ser forte. Toda a educação consiste nisto: criar a saúde, a força e os seus hábitos, desenvolver exclusivamente o animal, armá-lo de uma grande superioridade física. Tal como se não tivesse alma. A alma vem depois (Queirós, s.d., p. 63).

Com isto concordava enfaticamente Afonso da Maia: “Bela coisa, a ginástica”, mas o abade Custódio, defensor do ensino latim e da cartilha antes de tudo, replicava: “Esta educação faz atletas, mas não faz cristãos” (Queirós, s.d., p. 66). O velho abade da casa de Santa Olávia optava por um modelo educativo de que era exemplo o cristão Eusébio da Silveira, o Eusebiozinho, que recitava mecanicamente versos decorados para gáudio dos (alguns) mais velhos, mas

estava enfezado, estiolado, por uma educação à portuguesa: daquela idade ainda dormia no choco com as criadas, nunca o lavavam para o não constiparem, andava couraçado de rolos de flanelas! Passava os dias nas saias da titi a decorar versos, páginas inteiras do “Catecismo da Perseverança” (Queirós, s.d., p. 78).

sendo mais velho uns meses que Carlos o qual “Crescia belo e forte” (Queirós, s.d., p. 79). Coincidência ou não, as décadas finais do século XIX, inícios do século XX, veriam emergir a prática desportiva, em termos individuais ou coletivos, bem como uma atitude e modo de estar em sociedade muito apoiada na prática de exercício físico associada ao lazer e ao desporto. Portugal não foi alheio a esta nova realidade e a presente pesquisa tem por objetivo contribuir para a história do desporto português, tomando como foco de análise as notícias publicadas na revista Ilustração Portuguesa, uma publicação do jornal O Século, entre os anos de 1909-1912, a qual, para além de ser uma das poucas revistas que dedicaram espaço relevante ao desporto, aliava à reportagem escrita uma inovadora ilustração fotográfica. A escolha do período em causa está aliada aos anos que precedem a preparação da primeira presença de Portugal nos Jogos Olímpicos da Era Moderna, em Estocolmo, 1912. Usando uma metodologia qualitativa apoiada numa hermenêutica textual, foi efetuada não só uma coleta de dados a partir dos artigos/reportagens publicados na Ilustração Portuguesa e respetiva análise enquanto fenómeno social, mas também se traçou um percurso histórico da palavra desporto e das semânticas que lhe estavam associadas até aos finais do século XIX.

PERCURSOS DE UMA PALAVRA…

De acordo com José Pedro Machado (1977), no seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, a palavra desporto deriva do francês desport, sendo divergente de deport que significa divertimento, jogo (e também déporter, que se traduz por aguentar, salvaguardar, suportar); ambos os termos franceses tiveram origem no latim deportare que, ainda seguindo Machado (1977, p. 324), “em época tardia tomaria os sentidos de ‘suportar’ e ‘se divertir’”, sentidos ainda hoje profundamente ligados à prática desportiva em geral.

Com o significado de divertimento/lazer, é possível encontrar, já no século XV, em Portugal, o uso da palavra ‘desporto’, conforme reporta o cronista do reino Rui de Pina na sua Crónica de D. Afonso V, capítulo 203: “mas per outro caminho em que per seu desporto todos os pryncipaaes juntamente comiam e folgavam” (Pina, 1790-1793, p. 584). Também o poeta Sá de Miranda, agora por meados do século XVI, segue a mesma aplicação semântica do termo em referência inserida na Carta a D. Fernando de Meneses: “Por i passea e vai a seus deportes” (Miranda, 1937, p. 99). Como se pode verificar, as duas formas de grafar faziam o seu percurso de uso.

Ainda no século XVI, mais para o seu final, André Falcão de Resende, na Epístola IV, regressa à lição de Sócrates nas recomendações que dá a um fidalgo cortesão: “E aqui, como em escola / Com todos bem me exercito, / Ou com lição pera o ‘spirito, / Ou pera o corpo co’a bola” (Resende, 2001, p. 43). Na mesma linha significativa segue D. Francisco Manuel de Melo no século seguinte, colocando na intervenção de um soldado, personagem de A Visita das Fontes: Apólogo Dialogal Terceiro, a seguinte afirmação: “Vede-me a mi aqui, que, por mais desencadernado de trajo e desprezível de figura que esteja, sei dançar, esgrimir, toco a minha guitarra” (Melo, 2004, p. 72).

Cairiam em desuso estas asserções vindas do francês; no final do século XIX será o anglicismo sport que entrará diretamente na correnteza da língua portuguesa, ainda que surgido, segundo José Pedro Machado (1977), já no século XV e que teria tomado o sentido moderno de ‘jogo’ e ‘divertimento’ no século XVI; o mesmo dicionarista assinala que sport “continua hoje [1952] com bastante uso em Portugal” (Machado, 1977, p. 324).

O DESPORTO NA ILUSTRAÇÃO PORTUGUESA

O desporto de competição (individual e coletivo) seria institucionalizado em moldes organizados internacionais com a criação do Comité Olímpico Internacional pelo barão Pierre de Coubertin e pela realização dos primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna em 1896, Atenas; contudo, a ideia de ‘sportsman’ não coincidia com a vertente competitiva pura, sendo antes uma atitude social que persistiria, pelo menos nas primeiras décadas do século XX, surgindo ligada a um determinado estatuto social.

A par dos tradicionais desportos organizados como a esgrima e o hipismo, ambos profundamente ligados às patentes militares mais elevadas, surgiram outras modalidades como o ténis ou o remo, aquele mais como divertimento, este mais do foro competitivo; outros desportos, como o futebol, ganhariam protagonismo crescente na viragem do século XIX para o século XX, e Portugal acompanhava essas mudanças que se revelariam profundas, não só a nível da ocupação dos tempos livres como das competições organizadas e consequente impacto nas sociedades e relação entre países, duas vertentes que, embora em moldes diferentes, ainda hoje subsistem; o papel desempenhado pela realização dos primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna seria essencial nessas mudanças.

Enquanto fenómeno social, as diferentes atividades desportivas ocupariam um lugar de destaque, e por direito próprio, nas páginas da imprensa escrita, que desempenhou, simultaneamente, um valioso papel na sua divulgação e promoção. Surgida em 1903, no âmbito do jornal O Século, a revista Ilustração Portuguesa (IP), de periodicidade semanal, é disso um bom exemplo; caracterizava-se por ser uma publicação onde pontificava a reportagem fotográfica e a composição gráfica com gravuras e apresentou-se, editorialmente, como uma “revista semanal dos acontecimentos da vida portuguesa – vida social, vida política, vida artística, vida literária, vida mundana, vida sportiva [grifo nosso], vida doméstica”. O sport (assim se escrevia na época) passaria a ter lugar cativo nas páginas deste semanário, o que atesta a sua importância crescente; regista-se, em seguida, alguns apontamentos sobre as notícias desportivas nas páginas da Ilustração Portuguesa entre os anos de 1908 — data dos Jogos Olímpicos em Londres nos quais Portugal não participou — e 1912, ano em que o nosso país participou pela primeira vez nas Olimpíadas, em Estocolmo. Intenta-se fornecer elementos sobre que tipos de modalidades se interessava (e praticava) a sociedade portuguesa.

Os Jogos de Londres são reportados ao longo de sete páginas do nº 140 da IP, com particular realce para a corrida da Maratona; o repórter também não se coibiu de comentar a ausência portuguesa de forma irónica: “22 nações se fizeram representar com excepção de Portugal é claro — nós polimos calçadas, passeamos na rua do Ouro ou pegamos touros, géneros de sport que a civilização não reconhece” (Ilustração Portuguesa, 1908); para além das onze fotos ilustrativas do evento, o artigo traça um histórico das anteriores edições da maratona e dos trágicos episódios nelas sucedidos, assinalando também o facto de, nos intervalos das sessões desportivas diurnas se servirem “as mais opíparas refeições” (Ilustração Portuguesa, 1908).

Em fevereiro de 1909, a IP dá notícia do “Concurso do Real Gymnasio”, com provas de corridas e tração de corda (Ilustração Portuguesa, 1909a, p. 255), sendo que esta última competição era a modalidade olímpica designada como Cabo de Guerra; em abril do mesmo ano, sob o título “Sports”, a revista informa, com fotos, sobre provas de corrida, ginástica, salto em altura e luta de tração — a tração de corda (Ilustração Portuguesa, 1909b, pp. 438-440) —, de salto em comprimento, corrida de obstáculos, luta de tração e salto de vara (Ilustração Portuguesa, 1909c, pp. 498-499); no mês de junho, há notícias de uma regata de remos e de uma prova de ciclismo no velódromo de Palhavã (Ilustração Portuguesa, 1909d, pp. 752-756), além de uma festa desportiva com corridas, corrida de obstáculos e salto em altura promovida pelo Sport Portuense, um clube de futebol (Ilustração Portuguesa, 1909e, p. 825); o mês de julho traz novidades sobre o ténis e esgrima no Porto (Ilustração Portuguesa, 1909f, p. 32), boxe no Campo Pequeno (Ilustração Portuguesa, 1909g, p. 42), de uma regata de canoas promovida pelo Real Club Naval de Lisboa (Ilustração Portuguesa, 1909h, pp. 215-216), uma outra regata no Porto (Ilustração Portuguesa, 1909i, pp. 234-235) e de um jogo de futebol promovido pelo exército (Ilustração Portuguesa, 1909j, p. 297).

No último dia de janeiro de 1910, a IP dava destaque ao “Grande match de Foot-ball entre os ingleses do Carcavelos Club e o Sport Lisboa e Benfica (Ilustração Portuguesa, 1910a, pp. 142-143), publicando, na semana seguinte, uma foto do “1º grupo de foot-ball do lyceu da Horta”, nos Açores, com o título “O sport nos lyceus” (Ilustração Portuguesa, 1910b, p. 191).

A rápida implantação da prática (e da criação de clubes) de futebol e a promoção de jogos de exibição (e já competitivos) comprova-se pela caixa da notícia que dá conta de um encontro entre um misto de jogadores de Lisboa, o Internacional Club de Futebol, e o Foot-ball Club do Porto (Ilustração Portuguesa, 1910c, p. 431). O desporto continuava ainda muito ligado às forças militares e no quartel de Engenharia foi promovida uma “festa sportiva” com praticantes de salto em altura e de luta de tração (Ilustração Portuguesa, 1910d, pp. 402-403). A Ilustração Portuguesa de 9 maio de 1910 reporta “um sport de luxo — a caçada ao veado” (Ilustração Portuguesa, 1910e, p. 577), um “Match de Foot-ball no Lumiar” entre ingleses e portugueses (Ilustração Portuguesa, 1910e, p. 581) e um “Torneio de Escolas de Lisboa”, competição que se compunha de corrida de resistência, lançamento do disco, peso e salto em comprimento, e corrida de velocidade (Ilustração Portuguesa, 1910e, p. 556); no mês subsequente havia notícia da “Regata da Taça de Lisboa” (Ilustração Portuguesa, 1910f, pp. 710-723), de uma corrida da Maratona e de um torneio de esgrima na Penhalonga, de um “Match de Tennis D’Ajuda” jogado por pares mistos e de uma “Festa Sportiva na Escola Académica”, com corridas de obstáculos, boxe, esgrima, patinagem, jogo do pau, volteio e galope (Ilustração Portuguesa, 1910g, pp. 818; 824-826).

O primeiro semestre de 1911, talvez por implicações do ainda recente derrube da monarquia, é parco em notícias de desporto; mesmo assim, dá-se a conhecer uma parada ciclista, com fotografia do grupo frente ao arco da rua Augusta, no Terreiro do Paço (Ilustração Portuguesa, 1911a, p. 87), de fotos da “Primeira partida de Hockey jogada em Lisboa”, hóquei em campo masculino com a curiosidade de ter sido arbitrado por uma senhora inglesa (Ilustração Portuguesa, 1911b, p. 165), de uma exibição de “jogadores de soco” estrangeiros no Coliseu de Lisboa (Ilustração Portuguesa, 1911c, p. 560), do primeiro “cross country oficial organizado” (7 equipas e 48 concorrentes) no campo de futebol do Lumiar, em que um dos premiados foi o futuro malogrado maratonista Francisco Lázaro (Ilustração Portuguesa, 1911d, p. 629) e ainda um “Match de Foot-ball disputado entre estudantes de Bordéus e os grupos Portuguezes”, no campo de Benfica, com fotos das equipas participantes e de momentos do jogo (Ilustração Portuguesa, 1911e, p. 693). Na segunda metade de 1911 é notícia o “Match de Cricket em Carcavelos” entre portugueses e ingleses da “companhia do Cabo Submarino” que assinala o recomeço dos torneios da modalidade na Quinta Nova (Ilustração Portuguesa, 1911h, p. 366), uma prova de atletismo no Lumiar promovida pelo Sport Grupo Progresso, o “concurso de Atiradores civis na Carreira de Pedrouços integrado no campeonato de tiro de Lisboa (Ilustração Portuguesa, 1911f, pp. 85; 88), a regata da taça de Lisboa em que participaram, entre outros, o Club Naval de Lisboa e o Gymnasio Club Figueirense (Ilustração Portuguesa, 1911g, p. 112-113). Os efeitos da República faziam-se sentir também no desporto e é novidade o anúncio da realização da Regata 5 de Outubro, que também é notícia pelo facto de uma das embarcações da corrida de quatro do Club Naval se ter escangalhado antes do início da prova (Ilustração Portuguesa, 1911j, p. 507), e as festas desportivas no aniversário do novo regime político com corridas de bicicleta e motocicleta, uma “matinée athletica” em que se bateram records de força (leia-se halterofilismo) (Ilustração Portuguesa, 1911i, pp. 491-2) e, finalmente, uma prova promovida pela UVP para bicicletas e motocicletas entre o Porto e lisboa, evento ilustrado com fotos dos concorrentes, das autoridades da corrida e de assistentes em grande número: as motos demoraram 7 horas a percorrer a distância e os ciclistas 16 horas (Ilustração Portuguesa, 1911k, pp. 609-613).

No ano de 1912, as notícias de desporto em Portugal faziam-se cada vez mais em torno do futebol; em março, a IP anunciava um “Desafio de foot-ball entre os teams do Porto e do Internacional” realizado no Campo das Laranjeiras (Ilustração Portuguesa, 1912a, p. 339) e um outro “Desafio de foot-ball entre francezes e portuguezes” em que “os nossos jogadores foram de uma extrema correção” (Ilustração Portuguesa, 1912b, p. 504); era ainda um desporto para ‘gentlemen’, impulsionado por estrangeiros, especialmente ingleses, e ainda sem competições organizadas. É certo que, como se comprova a seguir, a disseminação do futebol pelo país se fazia e bom ritmo e pequenos torneios/encontros de exibição eram organizados; por exemplo, em 22 de abril de 1912, a IP trazia a informação sobre um “torneio de futebol entre os clubes ‘Fayal Sports’ e ‘Académico’, ambos e Ponta Delgada, Açores e um jogo de futebol integrado numa festa desportiva, em Castelo Branco, “com assistência de pé e em cadeiras de guarda-sol” (Ilustração Portuguesa, 1912c, p. 365); a finalizar o primeiro semestre de 1912, a revista informa, sob a rubrica “Sport Portuense”, provas de esgrima, ciclismo e salto de obstáculos de sebe (Ilustração Portuguesa, 1912e, p. 828). Convém deixar aqui destaque para os “Jogos Olímpicos Nacionaes”, um “Campeonato dos Sports Athleticos” para apuramento para os jogos de Estocolmo, no mês de maio, que foram descritos como uma festa e “mais uma afirmação do desenvolvimento do sport em Portugal” (Ilustração Portuguesa, 1912d, p. 627).

Apesar deste otimismo e também como ficou patente na descrição feita anteriormente dos desportos praticados em Portugal entre 1908 e 1912, o que é facto é que o país apenas se fez representar com oito atletas nos Jogos Olímpicos de Estocolmo, distribuídos pelo atletismo (4), luta greco-romana (2) e esgrima (1), três das 15 modalidades em competição.

Os números da Ilustração Portuguesa publicados no segundo semestre de 1912 contêm 45 notícias de competições desportivas, desde corridas de automóveis ao ciclismo, concurso de tiro, natação, hipismo, regatas, ténis ou futebol; deste último desporto regista-se uma plêiade de clubes digna de registo, pelo número e pela implantação geográfica: Foot-ball Club do Porto, Boavista Foot-ball Club, Sport Lisboa & Benfica, Sport Marítimo do Funchal, Grupo Sport Club de Benguela, Leixões Sport Club, Sport Club Esperança de Portalegre, Club Angrense de Foot-ball, Internacional Club da Cruz Quebrada e Carcavelos Club, os dois últimos constituídos por comunidades estrangeira.

EM JEITO DE CONCLUSÃO

Regressando aos apontamentos iniciais desta reflexão em que se invocavam os ensinamentos de Sócrates sobre a importância da ginástica na formação do indivíduo e em que se perspetivou a(s) evolução(ões) semântica(s) da palavra desporto em textos de diferentes épocas e exemplificou com um período específico, pode concluir-se, na sequência da pesquisa realizada, que a dinâmica trazida à sociedade portuguesa no início do século XX com a adesão à prática de desportos físicos quer para lazer, quer em termos de competição, quer, sobretudo, como elemento integrante e necessário nos currículos educativos é uma realidade bem espelhada nas páginas da Ilustração Portuguesa (1909-1912). Entre os vários desportos que se popularizaram, o maior destaque vai para o futebol, com o surgimento de clubes por todo o país, ilhas incluídas, e o consequente aumento exponencial do número de praticantes, uma realidade a que não foi alheia a influência estrangeira, particularmente inglesa. Por estes tempos, a prática desportiva, mesmo que ainda circunscrita em algumas disciplinas a classes sociais bem identificadas, torna-se cada vez mais um fenómeno social alargado e transversal, até porque é tida agora como complemento necessário à educação, recuperando o já prescrito por Sócrates milénios antes para a cidade grega. Está-se no início de uma nova era para os denominados desportos físicos, recomendados para meninas e rapazes como forma de “robustecimento da raça”, segundo se escrevia na Ilustração Portuguesa no final de 1912 (Ilustração Portuguesa, 1912f, p. 855) e onde se destacava, exemplarmente, as inúmeras vantagens de praticar futebol, nomeadamente pelo seu contributo para o desenvolvimento muscular e pelo facto de, enquanto atividade física e desportiva, reunir todas as mais-valias das corridas ao ar livre.

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Financiamento: Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., sob o projeto com a referência UIDB/00376/2020.

Recebido: 27 de Dezembro de 2021; Aceito: 02 de Julho de 2022

*Autor correspondente: Quinta de Prados, 5000-801 – Vila Real, Portugal. E-mail: fmoreira@utad.pt

Conflito de interesses: nada a declarar.

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