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Motricidade

versão impressa ISSN 1646-107X

Motri. vol.16  supl.1 Ribeira de Pena set. 2020  Epub 04-Fev-2021

https://doi.org/10.6063/motricidade.22283 

ARTIGO ORIGINAL

Autoaceitação em gestantes e mulheres no pós-parto: uma pesquisa qualitativa

Self-acceptance in pregnant women and postpartum women: a qualitative research

Juliana Fernandes Filgueiras Meireles1  * 
http://orcid.org/0000-0001-8396-6449

Clara Mockdece Neves2 

Fabiane Frota da Rocha Morgado3 

Maria Elisa Caputo Ferreira2 

1 Kennesaw State University, Atlanta, United States

2 Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Brasil

3 Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, Brasil


RESUMO

Objetivou-se investigar as principais atitudes relacionadas à autoaceitação de gestantes e mulheres no pós-parto. Participaram 14 gestantes (média de idade= 33,43 ( 3,76 anos) e quatro mulheres no pós-parto (média de idade = 33,33 ( 3,53 anos). Foram realizados quatro grupos focais, a partir de um roteiro semi-estruturado, sendo três constituídos por gestantes e um por mulheres no pós-parto. Utilizou-se análise de conteúdo na interpretação dos dados. Foram identificadas quatro categorias: 1) Sentimentos e crenças de aceitação corporal (atitudes de amor, felicidade, apreciação, pensamentos e expectativas direcionados ao corpo); 2) Comportamentos de aceitação corporal (praticar exercício prazeroso, adotar alimentação saudável, mimar o corpo (por exemplo, massagens), buscar assistência médica para efeitos de prevenção); 3) Aceitação da gravidez ou da maternidade (admiração quanto às próprias capacidades, qualidades e características positivas, avaliação e valorização das funções desempenhadas); e 4) Filtro cognitivo de proteção (habilidade em selecionar as informações recebidas, a fim de se proteger de mensagens desfavoráveis ou julgamentos negativos transmitidos por pessoas ou meios midiáticos). A avaliação da autoaceitação em gestantes e mulheres no pós-parto deve ser foco de intervenção dos profissionais de diferentes áreas da saúde, o que pode refletir no bem-estar psicológico materno e infantil.

Palavras-chave: Gestantes; Período Pós-parto; Imagem Corporal; Pesquisa Qualitativa

ABSTRACT

The objective was to investigate the main attitudes related to self-acceptance of pregnant women and postpartum women. 14 pregnant women (age average = 33.43 ( 3.76 years) and four postpartum women (age average = 33.33 ( 3.53 years) took part. Four focal groups were performed based on a semi-structured script, three groups consisting of pregnant women and one composed of postpartum women. Content analysis was used in the data interpretation. Four categories were identified: 1) Feelings and beliefs of body acceptance (attitudes of love, happiness, appreciation, thoughts, and expectations directed at the body); 2) Behaviors of body acceptance (practicing pleasurable exercise, adopting a healthy diet, pampering the body (for example, massages), seeking medical assistance for prevention); 3) Acceptance of pregnancy or motherhood (admiration for her own abilities, positive qualities, and characteristics, evaluation and appreciation of the functions performed); and 4) Cognitive protection filter (ability to select the information received, in order to protect yourself from unfavorable messages or negative judgments transmitted by people or media). The evaluation of self-acceptance in pregnant women and postpartum women should focus on intervention of different health areas professionals, which could reflect on the maternal and child psychological well-being.

Keywords: Pregnant Women; Postpartum Period; Body Image; Qualitative Research

INTRODUÇÃO

A gravidez e o pós-parto acarretam mudanças biopsicossociais consideráveis em um curto período de tempo na vida da mulher (Meireles et al., 2015; Walker et al., 2015; Watson et al., 2015). Quanto às alterações físicas, por exemplo, ao longo da gestação, a maioria das modificações corporais é parte natural deste processo, pois tem como objetivo proporcionar condições para o adequado crescimento e desenvolvimento fetal em equilíbrio com o organismo da mãe (Brasil, 2012).

Ao contrário, durante o período do pós-parto, as transformações físicas ocorrem devido às manifestações involutivas e de recuperação do organismo materno ocorridas na gestação e no parto (Brasil, 2012; Montenegro, 2008). No campo psíquico, também se observa um turbilhão de sentimentos e pensamentos, por vezes, contraditórios (Clark et al., 2009; Skouteris, 2011; Walker et al., 2015). Já quanto ao aspecto social, a mulher pode passar por reajustamentos nas interações e nos relacionamentos com os outros e pela adaptação de um novo papel: recém-mãe ou mãe de mais um filho (Brasil, 2012; Skouteris, 2011).

Devido às implicações que esses períodos têm na vida da mulher, um quadro de autoaceitação pode contribuir para o bem-estar psicológico. A autoaceitação envolve atitudes boas e saudáveis em relação a si mesmo (Morgado et al., 2014; Sheerer, 1949; Williams & Lynn, 2011). Trata-se da consciência de atributos próprios, sendo eles positivos ou negativos (Morgado et al., 2014; Williams & Lynn, 2011) e de se aceitar de forma plena e incondicional (Chamberlain & Haaga, 2001). Em adição, refere-se a uma característica de indivíduos que avaliam adequadamente seus atributos eficientes e ineficientes, valorizam os aspectos positivos e aceitam aqueles negativos (Morgado et al., 2014; Williams & Lynn, 2011).

Assim, este construto envolve atitudes positivas do indivíduo com relação a múltiplos aspectos de si mesmo, incluindo qualidades boas e ruins, como por exemplo: aceitar e apreciar o próprio corpo como ele é; entender e respeitar suas próprias limitações; e não se incomodar com opiniões negativas de outras pessoas (Morgado et al., 2014; Sheerer, 1949; Williams & Lynn, 2011). Ou seja, a gestante ou mulher no pós-parto que possui maiores níveis de autoaceitação está confortável com o próprio corpo, mesmo com suas eventuais imperfeições, destaca a funcionalidade corporal e filtra as informações advindas do ambiente.

Dada a peculiar experiência que é a gestação e o pós-parto para as mulheres, devido não só às alterações corporais envolvidas, como também a todos os fatores psicossociais implicados (Meireles et al., 2019), conhecer como elas experienciam a aceitação de si mesmas durante esse período é de fundamental importância (Tiggemann, 2015). A falta de autoaceitação durante a gestação e o pós-parto pode desenvolver psicopatologias o que pode afetar negativamente a saúde da mãe e do bebê (Meireles et al., 2020). Ademais, o problema de pesquisa surge da escassez de estudos que avaliem qualitativamente aspectos relacionados à autoaceitação de gestantes e mulheres no pós-parto (Meireles et al., 2015). Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi investigar as principais atitudes relacionadas à autoaceitação de gestantes e mulheres no pós-parto.

MÉTODO

Este estudo caracteriza-se como qualitativo e descritivo, desenvolvido através de grupos focais realizados em uma cidade da região sudeste brasileira. Os critérios consolidados para relato de pesquisas qualitativas (COREQ) sobre estudos qualitativos foram seguidos (Tong et al., 2007). A presente pesquisa obteve aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora (processo número 50474115.1.0000.5147; número do Parecer: 1.376.707), com data de 18 de dezembro de 2015.

Participantes

A amostra foi constituída por gestantes e mulheres no pós-parto que frequentavam um consultório particular de Ginecologia e Obstetrícia. Foram incluídas mulheres adultas (acima de 18 anos), que aceitaram ser voluntárias da pesquisa e tiveram disponibilidade de participar da mesma.

Foram realizados quatro grupos focais, sendo três constituídos por gestantes e um por mulheres no pós-parto. As grávidas foram divididas em três grupos com base no trimestre gestacional (G1: da 1ª a 12ª semana de gestação; G2: da 13ª a 25ª semana de gestação; e G3: da 26ª semana de gestação em diante; Brasil, 2012). Além disso, mulheres de até seis meses da data do parto constituíram o quarto grupo (G4). No total, 48 gestantes dos três períodos gestacionais e 17 mulheres no pós-parto foram convidadas a participar. Todavia, somente 34 concordaram com a participação (nove de cada trimestre gestacional e sete do pós-parto). O principal motivo de recusa foi indisponibilidade na data marcada para os encontros. Tiveram mulheres que, mesmo após o aceite, não puderam comparecer no dia marcado.

Instrumentos

Um roteiro semi-estruturado foi previamente planejado com o objetivo de guiar o encontro, o qual foi avaliado e aprovado por cinco doutores com experiência no desenvolvimento de pesquisas qualitativas. Como exemplo de questões, pode-se citar: Para vocês, qual é o significado de estar grávida? O que é mais importante para vocês nesse momento? Quais sentimentos lhes são confortáveis? E quais são desconfortáveis? Entre outras. Surgiram outras questões interessantes e as moderadoras permitiram a discussão. Salienta-se que todas as participantes responderam um questionário sociodemográfico a fim de coletar dados (por exemplo, idade, idade gestacional, escolaridade, estado civil, risco gestacional e número de filhos) para a descrição da amostra.

Procedimentos

Inicialmente, por conveniência, as pesquisadoras entraram em contato com um consultório médico do município e explicaram os objetivos e os procedimentos da pesquisa ao responsável. Após o consentimento, as pesquisadoras convidaram as pacientes para participar da pesquisa na sala de espera do próprio consultório, enquanto elas aguardavam atendimento. Todas foram informadas da data e local de realização do respectivo grupo focal, bem como esclarecidas quanto à gravação de áudio e vídeo dos encontros.

No início de cada encontro, o TCLE foi lido em conjunto e assinado. Todos os grupos contaram com a presença de quatro pesquisadoras com experiência prévia com grupo focal, sendo duas moderadoras, uma observadora e uma assistente de pesquisa. Cada grupo durou aproximadamente uma hora e 30 minutos, os quais foram realizados em local reservado, silencioso e confortável. Vale ressaltar que cada mulher participou de apenas um grupo focal e os grupos foram moderados sempre pelas mesmas pesquisadoras.

Análise de dados

As gravações dos encontros foram transcritas na íntegra. Em seguida, foram criadas categorias a partir da técnica de Análise de Conteúdo Temática proposta por Bardin (2011) para analisar os dados. A fim de preservar a identidade das mulheres, seus nomes foram ocultados, e cada uma recebeu um código de identificação composto pelo número da participante (P1 a P18), seguido pelo número do grupo (G1 a G4).

RESULTADOS

Participaram da presente pesquisa, no total, 18 mulheres, sendo seis gestantes do primeiro trimestre, cinco do segundo, três do terceiro entre 28 e 40 anos (média = 33,43 (3,76 anos), e quatro mulheres no pós-parto, entre 28 e 35 anos (média =33,33, ( 3,53 anos).

A Tabela 1 apresenta os dados descritivos de cada uma das participantes da pesquisa.

Tabela 1 Caracterização da amostra de gestantes e mulheres no pós-parto participantes dos grupos focais. Juiz de Fora, MG, 2018. 

Participante Idade Condição Escolaridade Estado civil Risco gestacional Número de filhos
P1 31 1º trimestre Pós-graduação Casada Risco habitual 0
P2 28 1º trimestre Ensino médio Casada Risco habitual 0
P3 37 1º trimestre Pós-graduação Casada Alto-risco 0
P4 29 1º trimestre Pós-graduação Casada Risco habitual 0
P5 33 1º trimestre Ensino Superior Casada Risco habitual 0
P6 31 1º trimestre Ensino Superior Casada Risco habitual 0
P7 35 2º trimestre Pós-graduação Casada Risco habitual 1
P8 38 2º trimestre Ensino Superior Casada Risco habitual 0
P9 37 2º trimestre Ensino médio Casada Risco habitual 1
P10 32 2º trimestre Pós-graduação Casada Risco habitual 0
P11 32 2º trimestre Pós-graduação Casada Risco habitual 0
P12 29 3º trimestre Ensino médio Casada Risco habitual 0
P13 40 3º trimestre Pós-graduação Casada Risco habitual 0
P14 36 3º trimestre Pós-graduação Casada Risco habitual 0
P15 34 Pós-parto Pós-graduação Divorciada Alto-risco 1
P16 35 Pós-parto Ensino superior Casada Alto-risco 2
P17 35 Pós-parto Ensino superior Casada Risco habitual 2
P18 28 Pós-parto Pós-graduação Casada Risco habitual 1

Nota: P = Participante.

A análise de conteúdo temática proporcionou a formação de quatro grandes categorias como constituintes da autoaceitação de gestantes e mulheres no pós-parto, a saber: 1) Sentimentos e crenças de aceitação corporal; 2) Comportamentos de aceitação corporal; 3) Aceitação da gravidez ou da maternidade; e 4) Filtro cognitivo de proteção. Cada categoria será discutida separadamente.

DISCUSSÃO

Sentimentos e crenças de aceitação corporal

A aceitação corporal pode ser expressa através de emoções, pensamentos e comportamentos protetores para com o próprio corpo (Tylka & Wood-Barcalow, 2015; Wood-Barcalow et al., 2010). Sentimentos e crenças de aceitação corporal englobam atitudes de amor, felicidade, apreciação, pensamentos e expectativas direcionados ao corpo.

A partir das falas das participantes deste estudo, vários sentimentos e crenças voltados à própria aparência se fizeram presentes. Em um caminho positivo, verificou-se: satisfação e apreciação corporal, mesmo diante das alterações físicas; confortabilidade diante do corpo atual; reconhecimento dos aspectos peculiares de si mesma; e valorização da funcionalidade do corpo. Os relatos a seguir fazem alusão a essa questão:

Apesar de todas as mudanças, eu estou me achando uma mãe bonita. (P6; G1)”;

Eu gosto da barriga. Isso aqui é novo. Não tinha barriga não, isso aqui é muito bacana. (P13; G3)”.

Acreditar que o corpo é digno de elogios e que tem boas qualidades, ter pensamentos positivos e expressar confiança a respeito do mesmo são características de um panorama de aceitação corporal. As frases a seguir exemplificam algumas destas características:

“Eu adoro me olhar no espelho. Eu falo: ‘Estou linda!’ (P11; G2)”;

“Eu pelo menos penso assim: que meu corpo vai mudar muita coisa. Tudo bem pra mim. (P6; G1)”.

Assim, mulheres que se aceitam corporalmente se sentem bonitas, confortáveis, confiantes e felizes (Erkaya et al., 2018; Tylka & Wood-Barcalow, 2015; Webb et al., 2015). Estas autoras apontam que, muitas vezes, a aceitação é expressa como um brilho exterior. Todavia, relatos positivos não foram unânimes. Também foi possível identificar sentimentos e crenças negativas, tais como: incômodo, preocupação constante, angústia e perturbação. Nesse sentido, as falas a seguir merecem ser citadas:

“Eu sempre lia sobre o ‘brilho da gestante’. Que a gestante irradia um brilho maravilhoso. Eu não tive essa fase não. De irradiar esse brilho de gestante não. (P8;G2)”;

“Me assusta ver meu corpo crescendo. Me assusta olhar no espelho e ver que a minha barriga está maior, que a minha calça jeans não fecha. Estou muito assustada com essas larguras. (P11; G2)”.

Nos casos em que o foco está no desejo de perder rapidamente o peso ganho durante a gestação, as mulheres apresentaram sentimentos e crenças negativas acerca da própria aparência física e motivação para alteração do corpo. Patel et al. (2005) verificaram que o pós-parto foi enfatizado como um período associado a sentimentos negativos devido às preocupações e expectativas que as mulheres tinham sobre recuperar suas dimensões corporais pré-gestacionais. Os relatos que corroboram esta questão:

Eu acredito que eu possa ter dificuldade para perder porque a minha família é uma família grande, caderuda, mas eu não quero ser. Eu vou correr atrás depois.” (P11; G2);

Eu achei que meu corpo fosse voltar muito rápido. Mas é frustrante.” (P17; G4).

De modo semelhante a este estudo, controvérsias sobre as próprias atitudes durante a gestação e o pós-parto foram apontadas em estudo prévio. Harper e Rail (2011) identificaram que ao mesmo tempo em que algumas gestantes que admiravam o corpo e as suas capacidades, desfrutando das mudanças físicas, outras o achavam desconfortável e estranho. Meireles et al. (2015) e Walker et al. (2015) igualmente apontaram dados inconclusivos quanto à satisfação ou insatisfação no período gestacional e pós-parto.

Sendo a autoaceitação um critério de saúde mental (Ryff & Singer, 1996; 2008), é essencial a avaliação dos sentimentos e crenças de aceitação corporal de gestantes e mulheres no pós-parto, tendo em vista o seu bem-estar psicológico.

Comportamentos de aceitação corporal

Comportamentos saudáveis de cuidado corporal fazem parte da aceitação de si mesmo (Sheerer, 1949; Williams & Lynn, 2011; Wood-Barcalow et al., 2010). Segundo Tylka e Wood-Barcalow (2015), dentre algumas possibilidades de comportamentos de autocuidado, estão: praticar exercício prazeroso, adotar alimentação saudável, mimar o corpo (por exemplo, massagens), buscar assistência médica para efeitos de prevenção e de reparação. É válido lembrar, no entanto, que tais condutas não têm como fim a estética corporal, mas sim a atenção ao corpo devido às suas próprias necessidades (Tylka & Wood-Barcalow, 2015).

Nesse sentido, foi possível identificar alguns comportamentos de aceitação corporal nos relatos das participantes deste estudo. Inicialmente, no que se refere à prática de exercício físico, algumas mulheres se mostraram adeptas tendo em vista o seu próprio bem-estar, bem como a saúde do bebê:

Atividade física para mim faz bem. O tempo que eu tive que ficar fora da natação, misericórdia! Foi muito ruim. Então, voltar para atividade física, me deu um novo vigor. Foi muito positivo. (P12; G3)”;

Faço atividade física uma vez por semana. Eu não tenho muito tempo, mas eu sei que é bom, aí eu faço. Eu não fazia antes da gravidez. (P13; G3)”.

Todavia, a prática do exercício físico não foi unânime. Algumas não aderiram por recomendação médica, outras por já não serem frequentadoras antes da gravidez continuaram sem esta atividade e tiveram aquelas que, por estarem grávidas, decidiram não fazer:

Tive descolamento da placenta. Então assim, repouso total. (P6; G1)”;

Eu planejava fazer pilates, caminhada, hidroginástica. E agora que estou grávida, não faço nada. Agora que deveria, eu não faço. (P10; G2)”;

Sempre fiz academia. Sempre procurei fazer um exercício. Mas agora dá uma moleza no corpo. (P7; G2)”.

Em gestantes, o Ministério da Saúde (Brasil, 2012) aponta que, seguindo os princípios fisiológicos e metodológicos específicos para este público, a realização de atividade física pode proporcionar benefícios por meio do ajuste corporal à nova situação. Orientações a respeito dos benefícios da prática de exercícios físicos devem ser fornecidas tanto na assistência pré-natal quanto no pós-parto (Sun et al., 2018). A respeito da adesão a este comportamento no pós-parto, as falas das mulheres da presente pesquisa chamaram atenção. As participantes respeitaram (ou estavam respeitando) o tempo de resguardo recomendado pelo médico (40 dias após o parto), mas gostariam de retornar a se exercitarem, principalmente, devido à estética corporal:

A minha ginecologista falou assim: ‘Olha, 40 dias não pode fazer atividade física’. Depois disso, eu vou voltar. (P17; G4).”;

Tem gente que deixa o bebê para poder cuidar da estética e fazer exercício físico. Eu não faço isso (P18; G4)”.

A adoção de uma alimentação saudável também é considerada uma conduta de carinho para si mesmo (Tylka & Wood-Barcalow, 2015; Wood-Barcalow et al., 2010). Assim, comer alimentos salubres, perceber os sinais de fome e saciedade está conectado com respeito próprio, caracterizando uma prática de autocuidado. Este quesito foi bastante recorrente nas falas das gestantes e mulheres no pós-parto. Mais uma vez, o zelo com a alimentação referia-se não só a si mesmas, mas expandia-se também para o bebê. Algumas delas alteraram seus hábitos alimentares tendo em vista a saúde do filho. As falas a seguir exemplificam estas questões:

Eu quero ter uma boa alimentação. É bom para o bebê e, ao mesmo tempo, eu quero engordar com saúde. (P4; G1)”; “Existe uma relação de dependência: para o meu filho estar bem, eu preciso estar bem também. Então, como eu amamento, tenho me alimentado melhor (P17; G4).”.

Outras formas de demonstrar respeito e carinho pelo próprio corpo também podem ser citadas. O estudo de Wood-Barcalow et al. (2010), por exemplo, verificou que universitárias com imagem corporal positiva revelaram que também faziam as unhas como uma forma de autocuidado. Apesar de reconhecerem os benefícios relacionados à aparência física, elas também visualizaram condutas estéticas como atos de bondade para com seus corpos. Na presente pesquisa, algumas mulheres relatam sentimentos de anulação com relação a estes aspectos:

Não estou usando esmalte. Minha unha está um horror. Maquiagem eu não tenho usado. Eu não tenho dado muita atenção a mim mesma. (P6; G1)”;

A vaidade da gente vai embora. A gente se anula realmente. Não consegui fazer unha, não consegui fazer sobrancelha. (P15; G4)”.

Em adição, Harper e Rail (2011) indicaram que as mulheres estavam apreensivas com estrias, varizes e excesso de pele. No presente estudo, algumas mulheres relataram o uso frequente de cremes e/ou óleos para estrias, por exemplo, devido à preocupação com a aparência física:

Eu passo muito creme e óleo com medo de sair uma estria e ficar feia. Eu não quero ficar com a pele feia. Então, eu me preocupo também em relação a isso. (P10; G2)”.

Todavia este aspecto não foi unânime: “Apareceu estria? Saudações. Eu não gostaria que aparecesse, apareceu? A gente vai tentar lidar. Celulite então, eu nem perco meu tempo. (P14; G3)”.

Concernente ao corpo, o elogio pode vir por parte daqueles sujeitos que admiram seus corpos, incluindo os aspectos que são inconsistentes com as imagens idealizadas (Tylka & Wood-Barcalow, 2015). Há uma apreciação dos recursos, da funcionalidade e da saúde corporal. Assim, elogiar-se não por estar dentro de determinado ideal cultural de corpo, mas pelo que se é capaz de fazer, o que ele representa e as suas capacidades únicas.

Nesta perspectiva, é possível perceber por meio das falas das participantes que há momentos em que elas se elogiam, tanto nos aspectos gerais quanto nas questões físicas. Executar as tarefas diárias, por exemplo, é motivo de congratulações:

Eu tenho me elogiado. Estou dando conta. (P15; G4)”.

Quanto à aparência física, mesmo diante das alterações corporais, algumas têm se achado bonitas:

Eu me elogio todo dia. Eu estou mais bonita. Eu estou me achando bonita. (P6; G1)”.

Todavia, pode-se também identificar autocríticas e autocobranças. Ao invés de confiarem na habilidade de resolver determinada situação problema, por exemplo, parece que algumas questionam sobre seu próprio valor e suas capacidades para desempenhar tal função:

“Eu tenho me cobrado. Minha filha começou a inserir fruta, mas é muito difícil. Cospem tudo. Uma confusão. Aí eu me cobro: ‘Não é possível. Eu estou fazendo tudo errado. Devo ser uma péssima mãe.’ (P18; G4)”.

É válido salientar outros comportamentos recorrentes no discurso das participantes deste estudo. São eles: checagem corporal, evitação de exposição corporal ao próprio olhar e ao olhar do outro e comparação do corpo com outras gestantes ou mulheres no pós-parto. Entende-se que mulheres que adotam estes comportamentos se distanciam de um quadro de autoaceitação. As falas a seguir exemplificam estas questões:

Eu peso todo dia. De manhã e a noite. Para eu ver se eu consegui voltar no meu peso. Se eu estou acima ainda. (P16; G4)”;

O espelho do elevador é o pior de todos. Nossa mãe... Eu chego no elevador e viro de costas. (P9; G2)”;

Eu olho a barriga do lado mesmo, da vizinha. Aí eu falo: ‘Ela está com o, mesmo tempo de gestação que eu. Por que a dela está maior e a minha está pequenininha?’. (P10; G2)”.

Acredita-se que a autoaceitação possa promover a participação em comportamentos relacionados à saúde, como exercício físico regular e alimentação saudável (Cook-Cottone, 2015; Tylka & Wood-Barcalow, 2015; Wood-Barcalow et al., 2010). Portanto, promover a autoaceitação de gestantes e mulheres no pós-parto é uma questão que se faz necessária.

Aceitação da gravidez ou da maternidade

Uma das características do quadro de autoaceitação envolve a admiração quanto às próprias capacidades, qualidades e características positivas, avaliação e valorização das funções desempenhadas (Morgado et al., 2014; Sheerer, 1949; Williams & Lynn, 2011). Durante a gravidez e o pós-parto, a aceitação das atuais funções, bem como atitudes positivas frente à sua condição atual caracteriza-se como um panorama de aceitação da gravidez ou maternidade. Neste estudo, a partir das falas de algumas participantes, é possível inferir que existe uma valorização deste momento da vida:

Um sonho realizado. É um sentimento muito prazeroso. (P1; G1)”;

É um momento tão mágico (P3; G1)”;

De maior felicidade do mundo. Muito grande. Muito esperada. (P10; G2)”.

Estudo de Jayasvasti e Kanchanatawan (2005) apontou que o bom relacionamento marital e familiar, melhor condição social e a própria personalidade da mulher influenciam na felicidade durante a gravidez. Além disso, Meireles et al. (2016) concluíram que fatores externos (como, educação pré-natal, atividade física especializada, apoio psicológico profissional, apoio familiar) e internos (autoconfiança, satisfação com o corpo, assimilação do novo papel social) contribuem para manter o aspecto emocional da mulher em um caminho saudável. Solivan et al. (2015) verificaram maiores níveis de autoaceitação e autoeficácia naquelas que possuíam apoio da família e do parceiro. Assim, acredita-se que estes elementos colaborem para a aceitação da gravidez e da maternidade.

A espiritualidade é apontada por Tylka e Wood-Barcalow (2015) como uma das facetas da imagem corporal positiva. Segundo a autora, acreditar que um poder superior projeta cada um para ser "especial" auxilia na aceitação do próprio corpo com suas idiossincrasias e na valorização das suas qualidades únicas. Homan e Cavanaugh (2013), em uma amostra de americanas universitárias, verificaram que a ligação com Deus foi associada a níveis mais elevados de valorização do corpo e ao reconhecimento do corpo funcional, bem como uma alimentação mais intuitiva. Falas de algumas participantes deste estudo apontam uma ligação religiosa:

Só tenho isso para resumir: é um estado de graça. (P14; G3)”;

Foi uma coisa tão esperada, tão desejada que quando realmente acontece é um ato sublime. Um presente de Deus. (P18; G4)”.

A partir do relato de algumas mulheres, é possível perceber que a aceitação da gravidez ou da maternidade é elevada o suficiente para elas não se sentirem incomodadas diante de algumas alterações corporais e sintomas físicos (por exemplo, náuseas e vômitos, aumento da necessidade de urinar, tonturas, sonolência e dor na amamentação), comuns na gestação e no pós-parto (Brasil, 2012). Algumas participantes parecem lidar com tranquilidade frente às mudanças biopsicossociais, como pode ser verificado a seguir:

Tem me dado muito enjoo, logo penso que está tudo bem. Está desenvolvendo com saúde. Então, é um sentimento realmente muito prazeroso. (P1; G1)”;

Aí até acordar a noite não me incomoda. É para o bem dele. Ele depende de mim. (P17; G4)”.

As participantes do estudo de Clark et al. (2009) falaram que valorizar as funções desempenhadas pelo corpo contribuiu para lidar com as mudanças e os sintomas físicos associados à gravidez e à maternidade.

No entanto, trata-se de uma questão controversa. Para algumas mulheres tais sintomas chegaram a incomodar bastante. Ao invés de sentimentos prazerosos, algumas participantes relataram desagrado diante destes eventos:

Gera um desconforto, eu acho. Pequenas coisas que têm a ver com a gravidez incomodam bastante. Principalmente o inchaço que deforma o corpo. (P11; G2)”;

Não aguento mais levantar a noite para fazer xixi. (P10; G2);

Eu também passei duas semanas de enjoos, que eu falava: ‘Meu Deus! Não quero ter outro filho’. Foi a primeira coisa que eu pensei. (P9; G2)”;

A gravidez é difícil. O final da gravidez é difícil. Os primeiros meses são difíceis. Amamentar é difícil. Dói. Machuca. Muitas noites mal dormidas. A gente não lida bem com isso. (P18; G4)”.

Harper e Rail (2011) também identificaram controvérsias nas falas das mulheres. Enquanto algumas admiravam o corpo e o que ele poderia alcançar, apreciando as mudanças físicas; outras consideraram a situação desconfortável e estranha.

Durante a gestação, sintomas físicos são, geralmente, consequências diretas de alterações fisiológicas necessárias para o crescimento e desenvolvimento do bebê, sendo que essas mudanças afetam todos os principais sistemas do corpo durante a gravidez (Brasil, 2012). Kamysheva et al. (2008) argumentaram que estes sintomas afetam o cotidiano das mulheres de forma significativa, incluindo a forma como ela se sente física e emocionalmente. No caso das mulheres no pós-parto, o Mistério da Saúde classifica a incapacidade de amamentar, por exemplo, como um fator de risco para o desenvolvimento de algum nível de depressão puerperal (Brasil, 2012). Dessa forma, acredita-se que aceitar a gestação e a maternidade envolve entender e respeitar as próprias limitações e escolher concentrar-se nas funções ativas do corpo ao invés de falhas ou sintomas percebidos, principalmente por serem situações inerentes a estes períodos.

Assim, a partir das falas das participantes, é possível entender que a autoaceitação de gestantes e mulheres no pós-parto está diretamente relacionada à aceitação da gravidez e da maternidade, respectivamente. Não aceitar a sua nova condição e as mudanças que esse período traz em sua vida, tanto nos aspectos corporais quanto com relação a suas funções, pode impactar negativamente o bem-estar biopsicossocial da mulher.

Filtro cognitivo de proteção

Uma atitude inerente ao quadro de autoaceitação envolve a autoproteção de mensagens negativas (Morgado et al., 2014). A habilidade em selecionar as informações recebidas, a fim de se proteger de mensagens desfavoráveis ou julgamentos negativos transmitidos por pessoas ou meios midiáticos é chamada de “filtro cognitivo de proteção” (Sheerer, 1949; Tylka & Wood-Barcalow; 2015; Wood-Barcalow et al., 2010). Ademais, nesse processo, é possível que informações positivas sejam acatadas e valorizadas (Tylka & Wood-Barcalow; 2015; Wood-Barcalow et al., 2010). Tylka e Wood-Barcalow (2015) reforçam que, com a filtragem de informações, o indivíduo possui mais tempo e energia para se concentrar nos aspectos importantes da vida.

A partir das discussões levantadas nos grupos focais, tanto as mulheres no período gestacional quanto aquelas no pós-parto percebem as informações midiáticas e recebem comentários de pessoas relevantes para elas constantemente, bem como entendem que precisam lidar com estas situações. No entanto, enquanto algumas conseguem filtrar tais mensagens, outras se sentem incomodadas. Os relatos a seguir exemplificam essas questões:

Durante os nove meses de gravidez, a gente vai escutar tanta coisa, que tem que saber filtrar tudo o que você vai ouvir. (P6; G1)”;

Eu tento não deixar isso me influenciar no dia a dia. Só que incomoda. (P9; G2)”;

Meu marido nunca me cobrou de eu ter um corpo bonito, magro, esbelto, nada disso. Mas agora ele está cobrando deu não deixar a gravidez estragar o que eu construí a minha vida toda (P11; G2)”.

No que concerne à mídia, ela tem sido apontada como um dos fatores de maior influência das atitudes relacionadas ao corpo para a população geral (Hausenblas et al., 2013; Schaefer et al., 2017). É válido ressaltar que celebridades grávidas ou no pós-parto têm sido alvo de várias reportagens (Gow et al., 2012). Para as autoras, elas são alvos prováveis para a comparação física, já que muitos detalhes específicos (por exemplo, datas de nascimento dos bebês, peso acumulado e perdido) estão prontamente acessíveis aos leitores. Assim, as mulheres que estão passando por estes períodos podem procurar informações sobre ideais de gravidez e pós-parto para avaliar e processar suas próprias experiências. Além disso, dada à popularidade das celebridades, estes relatórios são susceptíveis de influenciar, não só a gestante ou a mulher no pós-parto, como também o público em geral, transmitindo a imagem do que é "normal" ou ideal durante estas etapas (Gow et al., 2012).

De acordo com as falas das participantes do presente estudo, verifica-se que elas têm acesso às notícias a respeito de gravidez e pós-parto de personalidades famosas. No entanto, não há unanimidade no quesito de adesão a estes estereótipos:

Você vê a Kim Kardashian imensa. A Carolina Dieckmann, na época saiu a foto, 30 quilos. Eu não quero ser assim não. (P10; G2)”;

Eu fico vendo aquelas famosas que tiveram filhos e colocam fotos... Aquela pele perfeita e magrinha. Eu acho lindo, mas não sinto pressão de ser igual a elas. A gravidez delas foi assim e a minha não precisa ser. (P11; G2)”;

Ver a foto da Débora Secco me incomodou. Quem não quer ficar igual a ela um mês depois da gravidez?! (P15; G4)”.

É válido ressaltar que várias gestantes e mulheres no pós-parto questionaram as informações transmitidas pela mídia. Algumas reconhecem que, muitas vezes, as imagens exibidas não são reais. Além disso, tiveram participantes que acreditam que há omissão por parte dos meios midiáticos a respeito da maneira pela qual determinada celebridade atingiu tal padrão corporal:

“Eu falo: ‘Tomara que eu saia igual a essas famosas. Mas eu sei que elas têm todo um tratamento durante toda a gestação (P10; G2)”;

Eu fico assustada de ver a Débora Secco. Porque um mês só e com a barriguinha já sequinha. Eu não sei quais artifícios ela usou pra ficar com a barriga seca em tão pouco tempo. (P13; G3)”;

Essas reportagens são surreais. Porque para mim a Luana Piovani fez alguma cirurgia sim. Isso aí toma remédio para uma recuperação mais rápida. (P17; G4)”.

Mensagens que promovem imagens idealizadas do corpo, dietas e restrição alimentar podem vir da família, dos amigos e da mídia (Thompson et al., 1999; Wood-Barcalow et al., 2010). Contudo, uma pessoa com níveis elevados de autoaceitação e imagem corporal positiva está consciente da natureza irrealista e fabricada das figuras da mídia (Tylka & Wood-Barcalow; 2015). Ademais, há rejeição de imagens (por exemplo, fotos de modelos magras) e mensagens (como, comentários relacionados à aparência) que podem colocar em risco os seus próprios valores (Wood-Barcalow et al., 2010). Assim, o filtro protetor é uma maneira de se envolver com o mundo, mantendo uma relação saudável com o próprio corpo, em meio às contínuas pressões socioculturais (Webb et al., 2015).

Segundo Gow et al. (2012), expectativas irreais a respeito do período gestacional e o pós-parto, principalmente relacionado ao aspecto corporal, podem ser desenvolvidas ou maximizadas frente à estas reportagens. Clark et al. (2009) e Patel et al. (2005) apontaram que sentimentos negativos em gestantes e mulheres no pós-parto estiveram relacionados às preocupações e expectativas a respeito da facilidade e velocidade do retorno do corpo após o parto ao que era antes da gravidez. No caso daquelas que não possuem uma filtragem cognitiva protetora apurada, as informações midiáticas podem representar riscos não só para ela mesma, como também para o bebê. As falas das participantes 1 e 2 expressam essa ideia:

A gente vê tanta coisa na televisão, tudo é corpo, tudo é corpo, que às vezes a gente quer cuidar mais da gente e esquece o que é bom para o neném. (P1; G1)”;

Essa questão corporal existe a todo o momento na mídia. Tem vezes que a gente até esquece um pouquinho o bebê. (P2; G1)”.

Somado à mídia, o julgamento negativo de outras pessoas também parece fazer parte do cotidiano das participantes do presente estudo. Algumas mulheres apontaram que valorizam mais o julgamento de indivíduos próximos do que a influência midiática. As falas de algumas delas retratam a ideia de que essas mensagens foram recebidas, internalizadas e produziram um sentimento negativo nelas:

Minha sogra não desgruda de mim. Ela fala: ‘Nossa, você está com uma cara de sono’. Isso incomoda muito (P10; G2)”;

Alguns dias depois de eu ter chegado em casa, meu marido disse: ‘Nossa, parece que você está grávida de cinco meses ainda. Cinco não. Sete!’ Eu falei: ‘Nossa Senhora! Poxa vida...’ Me incomodou um pouco. (P15; G4)”;

O tempo inteiro a minha mãe fica falando assim: ‘Já fez matrícula em uma academia?’ Me incomoda. Eu acho que as pessoas mais próximas incomodam muito mais do que a mídia. (P18; G4)”.

No entanto, algumas participantes não se deixam afetar frente a comentários depreciativos. Estes casos são característicos da existência de filtro cognitivo de proteção:

Não me incomodei não. Nem no começo. (P13; G3)”;

Eu acho que tem um olhar muito crítico em cima da grávida. Ao mesmo tempo em que tem aqueles olhares de graça, há olhares críticos também. Eu absorvo só os de graça. (P17; G4)”.

Situações levantadas pelas participantes do presente estudo corroboram o estudo de Earle (2003). A autora apontou que as mulheres estão preocupadas quando elas vão começar a parecer grávidas e onde as mudanças no corpo irão ocorrer. Os achados de Harper e Rail (2011) também indicaram que o período de gravidez em que as mulheres ainda não parecem estar grávidas estava relacionado ao aumento da ansiedade. Nos grupos focais, houve participantes que demonstraram estar preocupadas com o julgamento de outras pessoas diante das mudanças corporais, como pode ser visto a seguir:

A barriga tem que realçar o mais rápido possível para outras pessoas não pensarem que é barriga de gorda. (P1; G1)”;

A gente, às vezes, coloca a mão meio assim para pessoa falar que é neném e não que está gorda. (P2; G1)”;

Eu acho que essa fase é a pior. Que a pessoa olha e não sabe se está gorda ou se está grávida. Aí fica sem graça de perguntar... (P3; G1)”.

De acordo com Ryff e Singer (1996; 2008), a autoaceitação é um estado psicológico de autoafirmação e maturidade. Uma gestante ou mulher no pós-parto que aceita a si mesma possui atitudes que ignoram as concepções e os julgamentos negativos da sociedade sejam eles advindos de pessoas próximas ou não, ou da mídia, como um mecanismo de proteção. Essa postura pode não ser um processo fácil. A partir de algumas falas, parece que algumas participantes tiveram dificuldades de estabelecer esse filtro:

Estou trabalhando a minha mente... (P1; G1)”;

Eu tento não deixar isso me influenciar no dia a dia. Só que incomoda. (P9; G2)”;

Algumas falas são certeiras. Você tenta filtrar e não absorver, mas eu não tenho essa maturidade de saber filtrar (P12; G3)”;

É questão de decisão. Você tem que decidir não dar confiança. Não é fácil, não é simples. (P15; G4)”.

As discussões levantadas nos grupos focais apontaram que as gestantes e as mulheres no pós-parto percebem as informações midiáticas e são bombardeadas por comentários de pessoas relevantes para elas, bem como entendem que precisam lidar com estas situações. Mulheres que mantêm um esquema que as ajuda a aceitar e valorizar informações positivas a seu respeito e rejeitam as informações negativas advindas de pessoas próximas ou da mídia possuem características de autoaceitação e, consequentemente, atributos de bem-estar psicológico.

CONCLUSÃO

Embora as contribuições do presente estudo, algumas limitações devem ser consideradas. Em primeiro lugar, como a amostra foi constituída por pacientes de um consultório médico particular de uma única cidade, os dados não devem ser generalizados. Contudo, acredita-se que esta seja a primeira pesquisa no Brasil a avaliar qualitativamente a autoaceitação de mulheres no período gestacional e no pós-parto. Em segundo lugar, um dos grupos focais foi constituído por três participantes, o que pode ser visto como limitação. No entanto, de acordo com Breakwell, Hammond, Fife-Schaw e Smith (2010), um número reduzido de participantes contribui para a profundidade e amplitude nas respostas.

Conclui-se que o construto autoaceitação neste período da vida das mulheres participantes envolve diferentes atitudes relacionadas a sentimentos e crenças de aceitação corporal, comportamentos de aceitação corporal, aceitação da gravidez ou da maternidade e filtro cognitivo de proteção. Sugere-se que estas questões sejam abordadas por estudos futuros em outros contextos culturais, bem como o desenvolvimento de investigações quantitativas que possam abranger um maior número amostral. Por fim, acredita-se que a avaliação da autoaceitação em gestantes e mulheres no pós-parto deva ser foco de intervenção dos profissionais de diferentes áreas da saúde, a fim de contribuir com ações de orientação psicológica e promoção da saúde, refletindo no bem-estar materno e infantil.

Agradecimentos:

Nada a declarar

REFERÊNCIAS

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Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), sob bolsa de doutorado concedida à primeira autora.

*Autor correspondente: 8820 Reigate Lane, Raleigh, North Carolina, United States. Zip Code: 27603. E-mail: eujuly90@hotmail.com

Conflito de Interesses: Nada a declarar.

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