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Motricidade

versão impressa ISSN 1646-107X

Motri. vol.14 no.1 Ribeira de Pena maio 2018

 

ARTIGO ORIGINAL   |   ORIGINAL ARTICLE

 

Relação entre o uso de aparelhos eletrônicos e o nível de desenvolvimento motor de escolares brasileiros do ensino fundamental: um estudo exploratório

 

Relationship between the use of electronic equipment and the level of motor development of Brazilian elementary school students: an exploratory study

 

 

Felício de Carvalho1; Guilherme Rocha Savarezzi1; Marcelo Luis Marquezi1; Roberta Luksevicius Rica2; Danilo Sales Bocalini2; Roberto Gimenez1

1Universidade Cidade de São Paulo
2Universidade São Judas Tadeu

Correspondência para

 

 


RESUMO

O presente estudo buscou investigar as possíveis associações existentes entre o tempo de interação com aparelhos eletrônicos e o nível de desenvolvimento motor de escolares do ensino fundamental de diferentes classes econômicas. Para tanto, tomaram parte do estudo 44 jovens (média de idade de 7 anos e 8 meses e desvio padrão = 5 meses) de ambos os sexos, estudantes das redes pública e privada do município de São Paulo. Todos eles preencheram um questionário como forma de se estimar o seu tempo semanal de interação com aparelhos eletrônicos. Além disso, eles foram avaliados com base no teste de desenvolvimento motor global (TGMD). De modo geral, os resultados não permitem inferir que o tempo de interação com aparelhos eletrônicos seja considerado nocivo ao processo de desenvolvimento motor das crianças. Ao contrário, entre as crianças das classes A/B identificou-se uma associação positiva entre o tempo de interação com aparelhos eletrônicos o seu nível de desempenho atingido no TGMD. Tais resultados incitam uma discussão sobre o acompanhamento pais ou responsáveis com as atividades diárias dos seus filhos, bem como, sobre a natureza de atividades de lazer e entretenimento que são proporcionadas a escolares de diferentes classes sociais.

Palavras-chave: aparelhos eletrônicos, desenvolvimento motor, ensino fundamental.


ABSTRACT

The present study sought to investigate the possible associations between the time of interaction with electronic equipment and the level of motor development of primary school students of different economic classes. Thus, 44 youngsters (mean age of 7 years and 8 months and standard deviation = 5 months) of both sexes, students of public and private schools of the city of São Paulo, were included in the study. All of them completed a questionnaire as a way of estimating their weekly interaction time with electronic equipment. In addition, they were assessed based on the Test of Global Motor Development (TGMD). In general, the results do not allow inferring that the time of interaction with electronic equipment is considered harmful to the process of children's motor development. On the contrary, among children of the A/B classes, a positive association between the time of interaction with electronic equipment and their level of performance reached in the TGMD was identified. These results stimulate a discussion about the accompanying parents or guardians with the daily activities of their children, as well as about the nature of leisure and entertainment activities that are provided to schoolchildren of different social classes.

Keywords: electronic equipment, motor development, elementary school.


 

 

INTRODUÇÃO

Reconhecidamente, uma das maiores preocupações mundiais tem sido o crescente sedentarismo, sobretudo junto a crianças e jovens (Soos, Biddle, Ling, Hamar, Sander, Boros-Balint, Szabo & Simonek, 2014). Em especial, esta preocupação tem contribuído para a reorientação de políticas públicas associadas à educação, esporte e lazer de diferentes países (Hunckley, Carson & Herketh, 2014).

Embora nos deparemos com relativamente poucos estudos sobre esse assunto, parece existir um consenso de que a interação excessiva com aparelhos eletrônicos estaria associada a alguns problemas entre os jovens (Dorey, Roberts, Maddison, Lundberg, Dixon, & Mhurchu, 2009). Nuutinen et al. (2013), por exemplo, evidenciaram uma forte associação entre o uso de computadores e aparelhos de televisão no quarto de crianças e o tempo e qualidade do seu sono. Por outro lado, Jiang et al. (2015) apontam a existência inclusive de um possível impacto da interação com esses equipamentos com os hábitos de higiene identificados em escolares. São identificadas ainda evidências substanciais sobre as relações entre a interação com esses equipamentos e os índices de massa corporal das crianças (p.e. Melvelik et al., 2015).

Tomando como base o contexto brasileiro, Felício (2011) identificou a existência de uma forte associação entre a interação com aparelhos eletrônicos por parte de crianças do ensino fundamental e o seu desempenho em tarefas com demandas de capacidades físicas como a flexibilidade, agilidade e o equilíbrio. Mais especificamente, este autor identificou que crianças que permaneciam maior tempo diário em contato com equipamentos eletrônicos como o vídeo game, aparelho celular e computador apresentavam índices de desempenho relativamente baixos nas capacidades físicas supracitadas.

Yuji (1996), por meio de um estudo envolvendo videogames sugere que, grande parte dos games estimularia o processamento de informação, sobretudo aqueles que se assemelham a tarefas motoras típicas dos contextos esportivos. Em especial, a tomada de decisão poderia ser consideravelmente estimulada a partir da prática de alguns games. Contudo, esse estudo foi desenvolvido num período anterior aos simuladores existentes nos dias atuais, o que pode comprometer possíveis comparações. Straker et al. (2011) apresentam evidências de contribuições de contribuições efetivas dos videogames ao processo de desenvolvimento motor de crianças com problemas de coordenação, contudo apontam a existência de grande lacuna na área sobre o assunto.

Diante da escassez de estudos orientados a este tema, é justificada a necessidade de se desenvolver um estudo orientado a esta investigação. Vale ainda ressaltar que existem lacunas sobre este tema associados à classe econômica, visto que é possível que existam diferenças em oportunidades motoras e também no contato com aparelhos eletrônicos entre as diferentes classes sociais.

Assim, o presente estudo buscou identificar se existe associação entre o tempo semanal com aparelhos eletrônicos e o nível de desenvolvimento motor apresentado por escolares do ensino fundamental. Além disso, pretendeu-se também identificar a existência de possíveis associações entre esse grau de interação com aparelhos eletrônicos e a classe econômica da criança.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram desse estudo 44 crianças (média de 7 anos e 8 meses e desvio padrão = 5 meses), sendo 27 do sexo masculino e 17 do sexo feminino alunas de duas escolas localizadas na zona norte do município de São Paulo, uma pública e outra privada. Todos os participantes tiveram sua participação autorizada na pesquisa por seus pais ou responsáveis por meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Além disso, o presente estudo foi previamente aprovado no Comitê de Ética da Universidade Cidade de São Paulo sob o parecer n.1.510.638.

Instrumentos, Procedimentos e Análise

A avaliação do nível sócio econômico das crianças participantes teve como base os critérios de estratificação adotados pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2015).

Todas as crianças responderam a um questionário que teve como base estimar o tempo destinado de interação com aparelhos eletrônicos (conf. Burke & Pepper, 2002). Vale ressaltar que as respostas das crianças por amostragem foram comparadas a de seus pais/responsáveis, para os quais se alcançou um índice de concordância de 0.78 (conf. Thomas, Nelson, & Silverman, 2011).

Todas as crianças autorizadas foram submetidas, individualmente, aos testes motores de locomoção e de manipulação de objetos previstos na bateria de Testes de Desenvolvimento Motor Global (TGMD) (conf. Ulrich, 2000). As três tentativas de execução de cada tarefa motora foram filmadas por meio de uma câmera Digital Canon Powershot 16.0 MP, LCD 3.0. Em seguida, os dados foram analisados por meio de dois avaliadores, para os quais também se estabeleceu um índice de concordância que atingiu os critérios mínimos de 0.84.

Por meio da lista de checagem do TGMD foi estabelecida uma pontuação correspondente ao nível de desempenho alcançado em cada tarefa por parte das crianças. Os dados de avaliação do desempenho motor no TGMD foram correlacionados aos valores de tempo médio semanal destinado ao uso de aparelhos eletrônicos, por meio do teste de Correlação de Pearson do Pacote Statistic for Windows versão 8.0 Stat Soft, para os quais se estabeleceu um intervalo de confiança de p<0.005.

Para fins de análise de dados, em primeiro lugar, os escores correspondentes ao desempenho motor no teste TGMD foram analisados conjuntamente. Num segundo momento, foram analisados os escores dos testes em habilidades de locomoção e manipulação isoladamente. Em contrapartida, no que tange aos dados de classe econômica, num primeiro momento, preocupou-se em estabelecer uma correlação com todos os dados. A posteriori, procurou-se estabelecer as correlações tomando como base a estratificação em classes AB e C.

 

RESULTADOS

A análise de dados sugere a existência de uma correlação entre o desempenho de interação com aparelhos eletrônicos e o desempenho motor, conforme o teste TGMD. Pearson X2 (2, n=44) = 0.40, p=0.0006 (Fig. 1). Contudo, esta correlação pode ser considerada fraca. Ao se levar em consideração as variáveis Locomoção e Manipulação em separado, também foram identificadas correlações, respectivamente Pearson X2 (2, n=44) = 0.37, p=0.001 e Pearson X2 (2, n=44) = 0.33, p=0.002, respectivamente, ambas também consideradas fracas.

Contudo, ao se levar em consideração os agrupamentos por classes econômicas, AB e C, não foi encontrada correlação entre a interação com aparelhos eletrônicos e o TGMD para a classe C (Fig. 2). Em contrapartida, foi identificada correlação positiva entre o tempo de interação com aparelhos e o TGMD na classe AB (Fig. 3), Pearson X2 (2, n=14) = 0.76, p=0.001. Vale ressaltar que esta correlação também é identificada ao se levar em consideração as variáveis Locomoção Pearson X2 (2, n=14) = 0.64, p=0.001 e Manipulação Pearson X2 (2, n=44) = 0.66, p=0.0009, separadamente.

 

DISCUSSÃO e CONCLUSÕES

Ao contrário do que poderia ser esperado, os resultados apontam para uma correlação positiva entre o tempo de interação com aparelhos eletrônicos e o nível de desempenho motor pelo teste TGMD. Os resultados obtidos em relação aos níveis de desenvolvimento motor não corroboram estudos que identificaram prejuízos à composição corporal (p.e. Melvick et al., 2015) e às capacidades físicas (Felício, 2011).

Esta associação é mais consistente, quando há uma estratificação das classes econômicas. Em especial, nas classes AB, conjuntamente, identifica-se uma associação entre os níveis de desempenho motor e o tempo destinado ao contato com aparelhos eletrônicos. Uma possível explicação para esses resultados se deve ao contexto social da cidade de São Paulo, marcado por uma redução substancial do tempo destinado a atividades ao ar livre e de brincadeiras de rua, mais especificamente entre as crianças de classes economicamente favorecidas. Um dos possíveis desdobramentos deste contexto tem sido o aumento crescente no contato com aparelhos eletrônicos. Contudo, diante de tanta falta de opções de lazer e práticas esportivas, é possível que os próprios equipamentos eletrônicos assumam um papel destaque no processo de estimulação motora das crianças. Em razão do pouco tempo dos pais ou responsáveis muito envolvidos com suas demandas de suas atividades profissionais, as crianças passariam mais tempo envolvidas de forma relativamente autônoma com aparelhos eletrônicos.

Tal fato, não aconteceria entre as populações de mais baixa renda, em virtude de seu acervo motor ser mais caracterizado por práticas corporais variadas. Nas regiões mais periféricas da cidade de São Paulo, em que pese as mudanças associadas ao aumento da criminalidade e do trânsito, as práticas corporais realizadas em contextos mais livres pode ser considerada importante. Essas diferenças reforçam os achados de Teixeira et al.aboradores (2010) que identificaram importantes associações entre o nível sócio-econômico e a natureza das dificuldades motoras identificadas em crianças.

Entretanto, essas inferências só podem ser feitas na medida em que houver uma melhor delimitação sobre o tipo de aparelho eletrônico, como televisão, videogames, computadores, aparelhos de celular, tablets e ipads, o que fugiu ao escopo deste estudo exploratório. Seria fundamental ainda, a existência de uma categorização mais efetiva dos tipos de jogos praticados, visto que da natureza dos games, os seus impactos sobre o desenvolvimento motor e aquisição de habilidades poderiam ser diferentes (Yuji, 1996). Assim, é possível que alguns jogos praticados estimulem mais o nível decisório, ao passo que outros, o nível efetor do mecanismo de processamento de informações.

O acompanhamento do tipo de jogo praticado pela criança por parte de seus pais seria crucial, não somente em razão de seu eventual gasto energético e de suas relações com o sedentarismo e sobrepeso, mas também em face de suas possibilidades de estimulação motora.

Vale ressaltar ainda as possíveis implicações associadas ao gênero e o desenvolvimento motor, visto que é possível que meninas estabeleçam uma forma e tempo de interação com aparelhos eletrônicos relativamente diferentes dos meninos e até mesmo pelo fato de suas diferenças de repertório motor, o que incita a necessidade de futuros trabalhos que controle esta variável.

 

REFERÊNCIAS

Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (2014) www.abep.org –  abep@abep.org. Data de acesso: 11/04/2017.         [ Links ]

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Soos, I., Biddle, S. J. H., Ling, J., Hamar, P., Sandor, I., Boros-Balint, J., Szabo P., & Simonek J. (2014). Physical Activity, sedentary behavior, use of electronic media and snacking among youth: an international study. Kinesiology, 46(2), 155-163.         [ Links ]

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Thomas, J. R., Nelson, J. K., Silverman, S. L. (2012). Métodos de pesquisa em atividade física. Artmed, Porto Alegre.

 

Agradecimentos:
Nada a declarar
Conflito de Interesses:

Nada a declarar
Financiamento:
Nada a declarar

 

 

Correspondência para: Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade São Judas Tadeu. Rua Militão Barbosa de Lima, 132, Centro, São Bernardo do Campo, São Paulo, Brazil. CEP: 09790-420. E-mail: bocaliniht@hotmail.com

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