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Motricidade

versão impressa ISSN 1646-107X

Motri. vol.8 no.3 Vila Real jul. 2012

https://doi.org/10.6063/motricidade.8(3).1154 

Análise do equilíbrio postural de indivíduos diabéticos por meio de baropodometria

 

A.J. NozabieliI, A.R. MartinelliI, A.M. MantovaniI, C.R. FariaI, D.M. FerreiraI, C.E. FregonesiI

ILaboratório de Estudos Clínicos em Fisioterapia, Departamento de Fisioterapia, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, SP, Brasil.

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Objetivo deste estudo foi analisar o equilíbrio postural de indivíduos neuropatas diabéticos, por meio de baropodometria, relacionando com prejuízos no sistema sensoriomotor. Vinte e oito pessoas saudáveis e 25 com diagnóstico de neuropatia diabética foram submetidas à avaliação estática (mensuração do deslocamento do centro de pressão corporal) e dinâmica (análise temporal da fase de apoio do ciclo da marcha). A sensibilidade tátil dos pés foi avaliada por meio de monofilamentos Semmes Weinstein e a força muscular isométrica do tornozelo por dinamometria. As análises de multivariânvia (MANOVAs) e de variância (ANOVAs) indicaram desempenho inferior na sensibilidade tátil, na força muscular e no equilíbrio dinâmico, porém não apontou diferença para o equilíbrio estático de neuropatas diabéticos. Com esse estudo por meio da análise de regressão, pode-se inferir que as diferenças do equilíbrio na marcha dos neuropatas podem ser resultantes da insensibilidade tátil e da força muscular.

Palavras-chave: diabetes mellitus, neuropatia diabética, equilíbrio postural, força muscular

 

Postural control analysis of diabetic individuals through baropodometry

ABSTRACT

Objective of this study was to analyze the postural balance of neuropathic diabetic individuals through baropodometry, related to losses in the sensorimotor system. Twenty-eight healthy and 25 diagnosed with diabetic neuropathy were subjected to static evaluation (measurement of displacement of body center of pressure) and dynamic (temporal analysis of the stance phase of gait cycle). The tactile sensitivity of the feet was assessed by Semmes Weinstein monofilaments and isometric muscle strength of ankle dynamometry. Analyses of multivariânvia (MANOVAs) and variance (ANOVAs) indicated lower performance in tactile sensitivity, muscle strength and dynamic balance, but showed no difference for static equilibrium of diabetic neuropathy. With this study by regression analysis, one can infer that the equilibrium differences in gait of neuropathic insensitivity may result from tactile and muscle strength.

Keywords: diabetes mellitus, diabetic neuropathy, postural control, muscle strength

 

 

Diabetes Mellitus (DM) é uma patologia crônica de etiologia múltipla, decorrente do mau funcionamento na produção e/ou ação de insulina (Bonnet, Carello, & Turvey, 2009). Trata-se de uma doença de importância mundial que vem se tornando um problema de saúde pública, devido ao crescente número de pessoas afetadas e às suas complicações e incapacitações, além do elevado custo financeiro da sua abordagem terapêutica (Roglic et al., 2000).

O DM está associado a várias co-morbidades, atuando de forma degenerativa e crônica no sistema nervoso central, periférico e autonômico (Said, 2007). A neuropatia diabética periférica (NDP), com uma incidência de 50 a 80%, dependendo do critério de avaliação utilizado (Bacarin, Sacco, & Hennig, 2009; Tapp et al., 2003;), parece surgir primariamente, como um distúrbio sensorial, causando perda gradual da sensibilidade à dor, da percepção da pressão plantar, temperatura e propriocepção e, posteriormente, como um distúrbio motor. Este último contribuindo para atrofia e fraqueza muscular, deformidades ósseas, desequilíbrio da mecânica do pé, déficit de equilíbrio, dificuldade para deambular e risco a quedas (Sacco, Noguera, Bacarin, Casarotto, & Tozzi, 2009; Van Schie, 2005).

Sabe-se que, em virtude da alteração nos sistemas somatossensitivo e neuromotor, devido à gradual interrupção das aferências e eferências das extremidades dos membros inferiores com os centros superiores (Santos, Bertato, Montebelo, & Guirro, 2008), são desencadeados desequilíbrios no sistema tônico-postural, gerando forças compensatórias atípicas, levando a mudanças nos parâmetros cinéticos do centro de pressão plantar, tanto em condição estática, quanto dinâmica (Perry, Mcilroy, & Maki, 2000).

A NDP é uma complicação progressiva e irreversível (Leonard, Farooqui, Myers, & Myers, 2004; Said, 2007) e o acometimento podal é uma realidade, porém, a inter-relação entre as alterações sensoriomotoras do complexo tornozelo-pé e o equilíbrio postural são pouco conhecidas. Assim, o objetivo deste estudo foi analisar o equilíbrio postural, estático e dinâmico, de indivíduos neuropatas diabéticos, relacionando com alterações na força muscular isométrica do tornozelo e na sensibilidade somatosensorial dos pés dessa população.

 

MÉTODO

Amostra e Instrumentos

Vinte e oito pessoas não diabéticas constituíram o grupo controle (GC) e 25 com diabetes mellitus formaram o grupo neuropata diabético (GND). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (FCT/UNESP) (processo nº 22/2009). Todos os participantes assinaram o “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”.

Foi realizado o teste de glicemia pós-prandial, em ambos os grupos, como medida de segurança no GND e para exclusão do diagnóstico de DM no grupo controle. Para confirmação do diagnóstico de NDP, foi aplicado o Michigan Neuropathy Screening Instrument (MNSI) (Michigan Diabetes Research and Training Center, 2008). Sendo incluídos os indivíduos com pontuação igual ou superior a oito no MNSI (Moghtaderi, Bakhshipour, & Rashidi, 2009).

Foram excluídos do estudo, sujeitos com deformidades osteoarticulares; úlceras plantares; amputação total ou parcial dos pés; deambulação com dispositivos auxiliares; diagnóstico de outra doença neurológica que afetasse o padrão de marcha; déficit visual importante e não-corrigido; índice de massa corpórea (IMC) superior a 40 kg/m2 e incapacidade de compreensão para realização dos testes.

 

Procedimentos

Os indivíduos foram submetidos a uma avaliação inicial, contendo dados pessoais e antropométricos (massa corporal, estatura e índice de massa corpórea – IMC) e aspectos relacionados ao diabetes (presença e tipo de diabetes, tempo de diagnóstico médico e glicemia).

A avaliação da sensibilidade somatossensitiva foi realizada por meio de monofilamentos Semmes-Weinstein (SorriBauru®, Brasil). Seis monofilamentos de nylon, de diâmetros variados, que produzem estímulos de diferentes intensidades (de .05 a 300 gr) por meio de pressão sobre a pele, foram aplicados em 11 pontos pré-determinados, em cada pé, correspondentes aos dermátomos sensitivos dos nervos tibial anterior e fibular. Os indivíduos, com os olhos ocluídos, foram orientados a se manifestarem verbalmente a partir do momento que percebessem o toque do monofilamento em sua pele (Kamei et al., 2005; Nather et al., 2008; Sacco et al., 2009). Como a insensiblidade ao monofilamento de 10 gr, ou mais, é indicativo de NDP, o teste foi graduado com o número de pontos insensíveis a esses monofilamentos, em relação ao total (Kamei et al., 2005; Valk et al., 1997).

A força muscular isométrica do tornozelo foi realizada por meio de um dinamômetro digital portátil reversível, modelo DD – 300 (Instrutherm®, Brasil), conectado a um adaptador desenvolvido no Laboratório local (LECFisio-Laboratório de Estudos Clínicos em Fisioterapia) (Camargo, Fregonesi, Nozabieli, & Faria, 2009) (Figura 1A). Esse adaptador é constituído de dois andares, o superior possui dois orifícios por onde chega e sai um cabo de aço, formando uma alça sob a qual, num primeiro momento, a região metatarsofalângica (Figura 1B) e, num segundo, a extremidade distal da coxa do voluntário (Figura 1C), foram posicionadas, a fim de avaliar o grupo muscular dorsiflexor e plantiflexor, respectivamente. Este cabo está fixo, em uma de suas extremidades, a uma célula de carga e, na outra extremidade, a uma manivela com travas, ambas presas no andar inferior do adaptador, permitindo um perfeito ajuste. Durante o teste, foi mantido o apoio isquiático e 90° de flexão das articulações do quadril, joelho e tornozelo. Foram realizadas três execuções para cada grupo muscular, com intervalo de 30 segundos entre elas e, após, foi realizada a média desses valores.

 

Figura 1. Adaptador para mensuração de força muscular do tornozelo (A), posicionamento para o teste de força muscular de dorsiflexores (B) e posicionamento para o teste de força muscular de plantiflexores (C).

 

A avaliação do equilíbrio postural estático e dinâmico foi realizada por meio de uma plataforma de baropodometria eletrônica (Footwalk Pro, AM CUBE, France). Para avaliação estática foi utilizada a estabilometria, com mensuração do desvio do centro de pressão corporal. Para tal os indivíduos permaneceram em posição ortostática, com apoio bipodal e base de sustentação livre, com olhar localizado em um ponto imaginário à sua frente, sem contato oclusal (Michelloti et al., 2006). Com auxílio de Software Footwork Pro (versão 3.2.0.1) o deslocamento ântero-posterior (AP) e médio-lateral (ML) foi registrado, durante 30 segundos, por três vezes consecutivas e intervalos de um minuto entre elas. O valor da melhor tentativa (menor oscilação) foi utilizado. Na avaliação dinâmica foi analisada a fase de apoio do pé direito de três ciclos da marcha: período total de apoio, período de duplo apoio (soma dos períodos que ambos os pés tiveram em contado com o solo durante um passo) e período de apoio simples. Para tal cada indivíduo foi orientado a deambular por uma pista de 8.0 metros, em velocidade confortável, por três vezes consecutivas. A aquisição dos dados ocorreu apenas na região de superfície ativa da plataforma, correspondendo aos 2.0 metros intermediários da pista. A média dos resultados foi utilizada para análise.

Todos os participantes passaram por um período de adaptação ao equipamento, previamente à coleta de dados, minimizando, desta forma, alterações devido a não habituação ao meio (Campos, Hutten, Freitas, & Mochizuki, 2002). Antes de iniciar o exame cada individuo ficou parado sobre a plataforma para calibração do aparelho.

 

Análise Estatística

Para verificar diferenças entre os grupos, testes de normalidade e de homogeneidade de variância foram realizados. Inicialmente foi utilizada a estatística descritiva (medidas de tendência central e variabilidade), para caracterização dos grupos, e a ANOVA, buscando encontrar possíveis diferenças entre gênero, idade e IMC.

Análises de multivariância (MANOVAs) foram realizadas para verificar as diferenças entre força muscular, superfícies estabilométricas e períodos de apoio. Os fatores utilizados foram grupo e gênero (masculino e feminino). Para a força muscular foi também utilizado como fator o lado (direito e esquerdo), tratado como medida repetida. Todos os pressupostos para a utilização destas análises foram preenchidos e, quando necessário, testes univariados (ANOVAs) foram utilizados para discriminar diferenças nas respectivas variáveis.

Realizou-se, ainda, correlação de Spearman e Pearson entre as variáveis avaliadas, sendo classificada, segundo Vieira (1989), como: fraca (de r = .01 a r = .30), moderada (de r = .31 a r = .70) e forte (de r = .71 a r = 1.00). Finalmente, para identificar as variáveis sensoriais e motoras (preditoras) que explicariam a variância dos componentes avaliados (dependentes), foi realizada uma análise de regressão linear. As variáveis sensoriais e motoras, que foram diferentes entre os grupos, foram utilizadas como preditoras.

Em todas as análises o nível de significância foi de ≤ .05 e o programa utilizado para tratamento estatístico foi o SPSS (Statistical Package for Social Sciences, versão 17.0).

 

RESULTADOS

Os 28 indivíduos do GC (62.7 ± 3.0 anos) (10 do gênero masculino e 18 feminino) e os 25 pertencentes ao GND (60.0 ± 6.9 anos) (12 do gênero masculino e 13 feminino) apresentaram homogeneidade nas idades (p = .133). Todos os participantes do grupo GND apresentaram DM tipo 2. O teste de glicemia pós-prandial para o grupo controle (114.5 ± 11.9 mg/dL) e para o GND (193.6 ± 79.6 mg/dL) garantiu a inexistência de indivíduos diabéticos assintomáticos no grupo controle. O IMC do grupo controle (26.0 ± 3.0 Kg/m2) foi menor que o do grupo neuropata (29.7 ± 4.8 Kg/m2) (p = .002), sendo decorrente de maior massa corporal dos neuropatas (p = .007).

Foi evidenciada insensibilidade ao monofilamento de 10 gr em todos os participantes do GND. Dos 22 pontos testados, uma média de 10.16 ± 6.5 pontos insensíveis foi verificada. Todos os participantes do GC apresentaram sensibilidade normal ao monofilamento inferior a 10 gr. Assim, a sensibilidade tátil apresentou-se diminuída no GND (p < .001).

Para as variáveis da força muscular isométrica de tornozelo (dorsiflexão e plantiflexão), a MANOVA apontou diferença entre os grupos, Wilks´ Lambda = .700, r (2.47) = 10.28 (p < .001), gêneros, Wilks´ Lambda = .680, r (2.47) = 11.28 (p < .001) e lados, Wilks´ Lambda = .848, r (2.47) = 4.30 (p = .019). Análises univariadas evidenciaram diferenças entre gêneros e grupos (Tabela 1) e lados [grupo muscular dorsiflexor, r (1.48) = 5.115 (p = .028); plantiflexor, r (1.48) = 4.464 (p = .040)].

 

Tabela 1

Média ± Desvio-Padrão da força muscular isométrica de tornozelo (Kg) dos grupos dorsiflexores e plantiflexores, de ambos os lados e gêneros, do grupo controle (GC) e neuropata diabético (GND).

 

Na avaliação do deslocamento ântero-posterior e médio-lateral do centro de pressão, na postura estática, a análise multivariada não evidenciou diferenças entre os grupos Wilks´ Lambda = .965, r (2.47) = .79 (p = .524) e entre os gêneros Wilks´ Lambda = .962, r (2.47) = .82 (p = .484) (Tabela 2).

 

Tabela 2

Média ± Desvio-Padrão para o deslocamento ântero-posterior e médio-lateral do corpo em centimetros (cm), na postura estática, entre os grupos e gêneros.

 

Na análise da fase de apoio do ciclo da marcha, não foram evidenciadas diferenças entre os gêneros pela análise multivariada Wilks´ Lambda = .893, r (2.47) = 2.88 (p = .066), mas entre os grupos, foi observada alteração nessas situações Wilks´ Lambda = .730, r (2.47) = 8.79 (p < .001). A Tabela 3 mostra as análises evidenciadas pelo p-valor da ANOVA.

 

Tabela 3

Média ± Desvio-Padrão para o período total de apoio, período de duplo apoio e período de apoio simples, durante o ciclo da marcha, em milisegundos (ms), entre os grupos.

 

Na análise de correlação entre tempo de diabetes (12.2 anos) e insensibilidade ao monofilamento de 10 gr ou mais, ocorreu uma forte correlação (r = .82, p < .001), indicando maior acometimento sensitivo com o passar dos anos. Houve também correlação moderada negativa entre tempo de diabetes e força muscular, para os grupos plantiflexores e dorsiflexores (respectivamente, r = - .41, p = .003 e r= - .40, p = .003), sugerindo menor força muscular com a progressão da patologia. Quando correlacionado o valor glicêmico com tempo de diabetes e os dados sensoriomotores, foi observada uma correlação moderada positiva com o tempo (r = 55, p < .001) e insensibilidade tátil (r = .51, p < .001) e negativa com a força muscular plantiflexora e dorsiflexora (respectivamente, r = - .38, p = .004 e r = - .42, p = .002), sugerindo que o valor glicêmico aumentado desencadeia alterações sensoriais e motoras, com o passar dos anos.

Não houve correlação entre o valor do IMC com nenhuma variável estabilométrica nesta população investigada, sendo os valores encontrados para o deslocamento ântero-posterior e médio-lateral do corpo, respectivamente, r = .07, p = .642 e r = .10, p = .467.

Na análise de correlação entre a insensibilidade e os parâmetros avaliados na marcha, o tempo de duplo apoio e apoio total tiveram correlação moderada positiva, respectivamente, r = .50, p < .001 e r = .42, p = .002. Quanto maior a insensibilidade maior o tempo de duplo apoio e apoio total.

Na correlação entre força muscular e tempo de apoio total e simples, não se encontrou correlação significante. Já na análise entre força muscular de plantifexão e dorsifexão com o duplo apoio, houve correlação negativa moderada (r = - .32, p = .022 na plantiflexão e r = - .31, p = .027 na dorsifexão), sugerindo que quanto menor a força maior será o tempo de duplo apoio.

Na avaliação do equilíbrio estático e dinâmico, somente o tempo de apoio total e o duplo apoio apresentaram diferenças significantes entre os grupos e, por esse motivo, foram definidos como variáveis dependentes para o modelo de regressão.

A análise de regressão linear revelou que a variável que contribuiu significantemente para a variância do duplo apoio e o tempo de contato total, durante a marcha, foi à insensibilidade ao monofilamento de 10 gr, sendo os valores, para o duplo apoio R2= .206, r (1.38) = 13.233, resíduo = 15714, p < .001 e para o tempo de apoio total R2 = .166, r (1.38) = 10.158, resíduo = 35220, p = .002. Nesse caso, a maior insensibilidade prediz um maior tempo da fase de apoio, principalmente para o período de duplo apoio. Revelou também que a variável que contribuiu para a variância do duplo apoio, durante a marcha, foi à força muscular de plantiflexor [R2= .92, r (1.38) = 15.199, resíduo = 17962, p = .027]. Nesse caso, a menor força muscular dos plantiflexores prediz um maior tempo de duplo apoio durante a marcha.

 

DISCUSSÃO

A diminuição da sensibilidade e função muscular de membros inferiores, entre outras alterações observadas no GND, poderia ser atribuída ao processo natural de envelhecimento. Porém, ambos os grupos se encontram na faixa etária de adultos maduros (média de 60 anos) (p = .133), podendo assumir, assim, que a neuropatia proveniente da condição de diabetes seja o fator responsável pelas diferenças encontradas entre os dois grupos. O diabetes, com elevado índice glicêmico (193.6 ± 79.6 mg/dL), perdurando por longo período de tempo (12.2 anos) predispõe ao aparecimento de alterações e disfunções neurais, sensitivas e motores (Boulton, Malik, Arezzo, & Sosenko, 2004), estando estas variáveis correlacionadas entre si.

A neuropatia, evidenciada no presente estudo, desencadeia um comprometimento progressivo na estrutura nervosa periférica, inicialmente aferente e posteriormente motor, gerando denervação de distal para proximal (Petrofsky, Lee, & Bweir, 2005), sendo evidenciado por alguns autores déficits neurais (tibial, sural e plantar medial) ( Richardson, Ching, & Hurvitz, 1992) e musculares (tibial anterior, gastrocnêmico e fibular) (Sacco & Amadio, 2003). Os resultados deste estudo apontam redução da força muscular isométrica dos plantiflexores e dorsiflexores do tornozelo de indivíduos com neuropatia diabética.

Em virtude das alterações sensoriomotoras, a capacidade de manutenção do controle postural, estático e dinâmico, pode estar alterada, em maior ou menor grau (Chiari, Rocch, & Cappello, 2002; Perry et al., 2000). No presente estudo, na avaliação dos parâmetros estabilométricos (equilíbrio estático) não foram evidenciadas diferenças entre os grupos para nenhuma das variáveis (deslocamento AP e ML). Menegoni et al. (2009) relacionam o aumento de peso corpóreo com maior estabilidade de um corpo, pelo rebaixamento do seu centro de gravidade. Assim, no presente estudo, uma possível alteração na estabilidade estática pode ter sido mascarada: 1 - pelo maior peso corporal da população neuropata, visto que, mesmo os dois grupos sendo classificados como sobrepeso (IMC entre 25 e 30) (WHO, 1995), o grupo neuropata apresentou peso corporal significantemente maior (p = .002); 2 - pela opção de uma base de apoio livre, na qual o indivíduo já está adaptado, já que em condições fisiológicas, segundo Mochizuki et al. (2006), a atividade postural pode manter a estabilidade do sistema musculoesquelético em função de sua base de suporte, assegurando a orientação de cada segmento corpóreo em relação ao outro, possibilitando a representação da geometria estática e dinâmica do corpo; 3 - pela não supressão das informações sensoriais fornecidas pelo sistema visual, que, juntamente com os sistemas vestibular e proprioceptivo, influencia diretamente nos ajustes do equilíbrio postural, sendo esta última evidenciada pelo estudo de Ahmme e Mackenzie (2003) que compararam três grupos (diabéticos, diabéticos neuropatas e controle) revelando maior oscilação com os olhos fechados nos diabéticos com neuropatia, demonstrando que o estimulo visual auxilia no equilíbrio postural. Assim, podemos supor que o sistema visual e vestibular possa ter suprido a diminuição da sensibilidade proprioceptiva presente no GND.

Observou-se que o GND apresentou um aumento significante do tempo de duplo apoio e apoio total, quando comparado com o GC. Resultados semelhantes foram descritos por Kwon, Minor, Maluf e Mueller (2003), Brach, Talkowski, Strotmeyer e Newman (2008). Isso ocorreu, possivelmente numa tentativa de se buscar maior estabilidade e equilíbrio durante o caminhar, pois o tempo de apoio simples não aumentou, demonstrando que estes sujeitos tendem a ficar o menor tempo possível em apoio uni podal, provavelmente, devido a dificuldade de manter-se estável nessa posição.

O déficit sensorial no grupo neuropata também foi relacionado com o maior tempo de duplo apoio na marcha (Brach et al., 2008; Kwon et al., 2003; Santos et al., 2008). Estes sujeitos, em função das alterações em suas vias aferentes, assumiriam um padrão mais conservador de marcha, ficando com ambos os pés por mais tempo em contato com o solo, recebendo maior estímulo proprioceptivo em função do tempo de exposição (Kwon et al., 2003). Correlação moderada foi evidenciada entre essas variáveis, indicando uma relação diretamente proporcional entre diminuição da sensibilidade podal e maior tempo da fase de apoio da marcha, decorrente do maior período de duplo apoio. Verificou-se também, por meio de regressão, que a insensibilidade podal foi capaz de predizer as alterações no tempo de apoio total e duplo apoio da marcha.

A análise de correlação relacionou a diminuição da força muscular plantiflexora e dorsiflexora com uma alteração no padrão dinâmico da marcha, desencadeando um maior tempo no período de apoio. A análise de regressão evidenciou que a força de plantiflexores foi capaz de predizer alterações na dinâmica da marcha. Akashi, Sacco e Hennig (2008) observaram que o tempo de ativação do músculo gastrocnêmico lateral, durante a fase de apoio da marcha, mostrou-se deficitário, o que pode estar associado com a fraqueza da musculatura plantiflexora encontrada no presente estudo. Ainda, em consonância com esses achados, Kwon et al. (2003), em estudo com eletromiografia, concluíram que os músculos sóleo e gastrocnêmico apresentam uma ativação prematura durante a fase de apoio da marcha. Essa precocidade pode estar associada a uma reprogramação do sistema neuro-sensorio-motor para recrutar mais unidades motoras desses músculos. Tal fato acaba fazendo com que o período de apoio se torne mais longo, estratégia que pode, também, estar associada à manutenção da estabilidade.

Assim pode-se entender que, quando foi solicitada uma condição habitual aos indivíduos com NDP (posição estática), nesse estudo, não houve alteração nos padrões do equilíbrio postural, porém, em condição onde, provavelmente, o sistema somato-sensorial e neuro-motor foram mais intensamente requisitados (marcha), esse padrão se deteriora, observando uma alteração significante no equilíbrio.

Este estudo evidenciou as alterações sensoriais e motoras desencadeadas pelo processo crônico do DM, inferindo que o equilíbrio dinâmico (avaliado na marcha), é influenciado pela diminuição da força isométrica do tornozelo e insensibilidade tátil dos pés. Essa constatação demanda uma maior atenção nas possíveis intervenções que possam atenuar a degradação das informações sensóriomotoras, a fim de melhorar a manutenção do equilíbrio, principalmente dinâmico.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para Correspondência: Andréa Jeanne Lourenço Nozabieli, Departamento de Fisioterapia, Rua Guadalajara, 32, CEP 19020-740, Presidente Prudente, SP, Brasil. E-mail: andrea_noza@hotmail.com

 

Submetido: 08.02.2012 ¦ Aceite: 24.08.2012

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