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Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  no.49 Lisboa mar. 2016

 

40 ANOS DA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA: DINÂMICAS INTERNAS E EXTERNAS

 

Direitos sociais na Constituição. Uma análise da constitucionalização dos direitos sociais em Portugal, 1975-76

 

Filipe Carreira da Silva* e Mónica Brito Vieira**

* Investigador auxiliar do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e fellow do Selwyn College da Universidade de Cambridge. É, desde 2012-2013, professor convidado no Departamento de Sociologia da Universidade de Cambridge.

** Leciona no departamento de Ciência Política da Universidade de York. A sua área de especialização é a teoria política, sendo autora de várias monografias, artigos científicos e capítulos em publicações nacionais e internacionais. Entre os seus livros mais recentes contam-se Representation (Polity Press, 2008), escrito em coautoria com David Runciman (Universidade de Cambridge), The Elements of Representation in Hobbes (Brill, 2009) e O Momento Constituinte (Almedina, 2010), escrito em coautoria com Filipe Carreira da Silva, com quem tem publicado vários artigos internacionais, em revistas de referência, sobre direitos sociais, designadamente as razões e efeitos da sua constitucionalização.

 

RESUMO

Embora todas as constituições incluam direitos, e muitas delas incluam direitos sociais, nenhuma se aproxima da Constituição portuguesa de 1976 no que toca à extensão e detalhe do seu catálogo de direitos sociais, económicos e culturais. As principais teorias sobre as origens de instituições geraram hipóteses explicativas da constitucionalização desta segunda geração de direitos. Neste artigo, estas teorias e respetivas hipóteses serão testadas por relação ao caso português o qual será, sempre que se revelar necessário, comparado com o espanhol. Por um lado, pretendemos identificar as limitações das explicações dominantes, incluindo as teorias e hipóteses sobre os mecanismos causais responsáveis pela inclusão de direitos sociais nas constituições. Por outro lado, tentaremos conceber explicações alternativas sempre que as existentes se revelem inadequadas ou insuficientes.

Palavras-chave: Direitos sociais, Constituição, 25 de Abril, Portugal.

 

ABSTRACT

Despite all constitutions lock in rights and most include social provisions, none come close to the Portuguese Constitution of 1976 in the length and detail of its list of social, economic and cultural rights. Prevailing theories of institutional origins have generated hypotheses to account for the constitutionalization of second-generation rights. But they fall short of providing a full understanding of constitutionalization. In this article, we test them against the Portuguese case, which, whenever appropriate, is compared with Spain. In doing this, we aim at two things: first, to identify shortcomings in the most familiar frameworks, theories, and hypotheses concerning the causal mechanisms leading to the inclusion of social and economic rights in constitutions; second, to propose alternative explanations where existing ones prove inadequate or insufficient.

Keywords: Constitution, social rights, revolution, Portugal

 

INTRODUÇÃO1

Dos vinte e oito países membros da União Europeia (UE), Portugal destaca se pelo seu elevado grau de compromisso constitucional para com os direitos sociais e económicos. Incluindo 29 artigos, ocupando 10 páginas, o catálogo de direitos sociais da Constituição da República Portuguesa de 1976 é único quer na sua extensão, quer no seu detalhe. O contraste com os restantes países europeus é marcante. As constituições de vários países, como é o caso da Áustria, do Reino Unido ou da Alemanha, não consagram quaisquer direitos sociais. Embora a maioria das outras constituições os consagre, a verdade é que estas variam enormemente quanto ao grau de precisão com que estes direitos são definidos, na forma como estipulam que devem ser implementados, e nas categorias de indivíduos que estes direitos visam proteger ou beneficiar. À luz de todos estes critérios, a nossa Constituição é a mais exaustiva2. O seu carácter excecional torna se ainda mais evidente quando o comparamos internacionalmente. Num estudo recente em que se comparam 68 países quanto ao grau de compromisso constitucional, Portugal surge destacado em primeiro lugar3.

Apesar do carácter singular do caso do nosso país, não existem quaisquer estudos sobre as circunstâncias, mecanismos e agentes responsáveis pela constitucionalização de direitos sociais em Portugal4. Na sua maioria, os cientistas políticos têm procurado estudar as origens dos arranjos constitucionais através de metodologias tão diversas quanto a comparação de um elevado número de países, a comparação de alguns países (embora em maior profundidade do que no caso anterior), e estudos de caso de pendor histórico ou etnográfico5. No entanto, até neste último caso, a atenção tem se centrado em países como social, a Índia, a África do Sul, Israel, Hungria, Canadá e a Nova Zelândia, fazendo com que as principais teorias e hipóteses sobre a constitucionalização dos direitos sociais tenham sido testadas sobretudo por relação a estes casos6.

Este artigo propõe-se reexaminar o valor heurístico destas explicações através de uma análise detalhada dos agentes, mecanismos e motivações por detrás da constitucionalização dos direitos sociais num caso que se destaca do ponto de vista metodológico como sendo discrepante, ou seja, particularmente difícil de explicar – Portugal. Testamos ainda a robustez das explicações disponíveis contrastando o caso do nosso país com o da vizinha Espanha.

A constitucionalização dos direitos sociais é muitas vezes apresentada como estando relacionada com as condições socioeconómicas do País7, ou, mais especificamente, com a pressão exercida por clientelas influentes sobre o processo de negociação constitucional8. Por vezes, a sua constitucionalização é associada a fatores mais gerais, como certas tradições jurídicas, ou o chamado Zeitgeist do pós-guerra, caracterizado pelo ascenso dos direitos humanos e pela difusão de conceções mais igualitárias de democracia9.

Mas a teoria mais influente sobre as origens dos direitos sociais consagrados constitucionalmente concebe-os como o produto de um pré-compromisso aparentemente paradoxal, que não só elimina algumas opções políticas futuras como ainda lhes consagra de antemão uma fatia considerável da despesa pública vindoura10. A resolução deste paradoxo é suposto residir na natureza autointeressada deste «atar de mãos». O racional é simples: a luta partidária em torno destas soluções institucionais visa produzir consequências que beneficiam esses mesmos partidos políticos, entendidos como agindo de forma racionalmente estratégica. Os partidos políticos que consagram constitucionalmente direitos sociais fazem-no, à luz desta explicação, com o fito de aumentarem as suas possibilidades de alcançar ou manter o poder, quer através da criação de (ou simplesmente respondendo a) clientelas do Estado-Providência, quer através da transferência da responsabilidade por decisões potencialmente impopulares para o poder judicial11. Outros sugerem que o pré-comprometimento constitucional com direitos sociais não é tanto uma questão estratégica, mas uma forma que os partidos arranjaram de se proteger de maiorias parlamentares futuras. Esta perspetiva contrasta com a tese funcionalista igualmente comum de que os direitos sociais são a expressão de um sentimento de desconfiança num poder executivo controlado por especialistas ou técnicos, bem como da intenção de limitar o poder discricionário dos sucessivos governos a eleger no futuro12. Finalmente, há quem julgue que a inclusão dos direitos sociais nas constituições reflete a convergência ideológica dos diferentes partidos em torno de uma certa conceção do Estado-Providência, ou, em alternativa, da exploração por parte destes mesmos partidos do simbolismo estratégico dos direitos sociais13.

Estas hipóteses sustentam o nosso estudo sobre as origens da constitucionalização dos direitos sociais em Portugal entre 1975 e 1976. A seleção deste caso é justificada pelo princípio metodológico dos «casos discrepantes», segundo o qual se as explicações disponíveis se revelam insuficientes para dar conta de um dado resultado histórico, então aumenta a probabilidade de existirem outras explicações capazes de o fazer. Usualmente, nos casos discrepantes, os valores da variável dependente (no nosso caso, direitos sociais e económicos consagrados constitucionalmente) são especialmente elevados, algo que não é possível explicar à luz das teorias e hipóteses disponíveis14. Neste artigo, procuramos responder a este desafio adotando uma abordagem que reconstrói os sucessivos passos ou etapas do processo (process-tracing approach), de forma a identificar as complexas relações de causalidade que ligam a causa (ou causas) hipotética ao resultado da variável dependente15. Esta metodologia implica a recolha e análise de uma ampla panóplia de fontes primárias, desde manifestos partidários a projetos constitucionais até aos debates públicos sobre direitos sociais na Assembleia Constituinte, bem como a realização de entrevistas com alguns dos principais agentes no processo constituinte.

As hipóteses acima indicadas estruturam este artigo, cujo principal propósito é o de avaliar a sua robustez quando confrontadas com o caso português, para além de sugerir novas hipóteses que expliquem a constitucionalização de direitos sociais em casos discrepantes como o nosso16. Começamos com uma breve descrição das circunstâncias históricas em que se desenrolou o processo constituinte em Portugal (secção 2). De seguida, analisamos as condições estruturais desta constitucionalização, quer socioeconómicas (secção 3), quer jurídicas (secção 4), usando a comparação com a Espanha para identificar processos e variáveis contextuais até agora ignorados que ajudam a explicar por que razão estas condições levaram a resultados tão diferentes nos dois países. Na secção 5, testamos a hipótese de que a «política partidária» explica a inclusão de um vasto leque de direitos sociais na Constituição, chamando a atenção para algumas das «falácias funcionalistas» em que tal hipótese nos pode fazer cair. Avaliamos em seguida a explicação da «convergência ideológica» para a constitucionalização dos direitos através do escrutínio da natureza do acordo constituinte (secção 6). Finalmente, apresentamos as nossas conclusões (secção 7).

 

A CONSTITUIÇÃO DE 1976 E AS SUAS ORIGENS

O processo constituinte português é aqui analisado não tanto pelo seu inerente interesse histórico quanto pela sua relevância enquanto estudo de caso particularmente útil para testar e expandir as hipóteses atualmente utilizadas para explicar as origens da constitucionalização dos direitos sociais e económicos. Antes de prosseguirmos com a análise destas hipóteses, porém, importa enfatizar os principais elementos deste processo e os principais fatores que o condicionaram. Desde logo, temos que considerar a queda abrupta do regime político anterior, o vácuo de poder que esta queda suscitou, e a generalização e intensificação da luta política que se seguiu.

No dia 25 de abril de 1974, um pronunciamento militar, liderado por militares de baixa patente ideologicamente conotados com a esquerda, derrubou o regime autoritário de direita conhecido por «Estado Novo». Tendo granjeado um significativo e espontâneo apoio popular, a Revolução dos Cravos marcou o início de uma transição conturbada para a democracia sob tutela dos militares, eles próprios divididos entre uma fação maioritária de esquerda revolucionária e fações mais moderadas. O programa político do Movimento das Forças Armadas (MFA), a designação que viria a ser adotada pelo grupo de militares revoltosos, previa a criação de uma Junta de Salvação Nacional (JNS), dirigida por militares. A JNS, para além de assumir a iniciativa de formar o primeiro governo provisório, comprometeu se igualmente em organizar eleições livres e competitivas para uma Assembleia Constituinte no prazo de um ano. Contudo, com o crescendo de conflitualidade social e política em que o País se viu envolvido e com as fações de extrema esquerda a assumir a liderança do processo revolucionário, o destino do processo constituinte era cada vez mais imprevisível. Em 11 de março de 1975, um contragolpe liderado pelo general Spínola falhou, provocando a institucionalização dos militares num «Conselho da Revolução» soberano, o que reforçou ainda mais o seu propósito de estabelecer uma «democracia socialista» através não de eleições mas por intermédio de uma revolução popular. Foi um período de grande incerteza para os partidos políticos interessados num acordo constituinte, mas as eleições para a Assembleia Constituinte acabaram por ter lugar como previsto, no dia 25 de abril de 1975. A participação eleitoral foi esmagadora (91 por cento), e a vitória concludente das forças políticas mais moderadas – Partido Socialista (PS), 37,9 por cento e o Partido Popular Democrático (PPD), 26,4 por cento – acentuou ainda mais a derrota eleitoral do Partido Comunista Português (PCP) (12,5 por cento). A eleição tornou ainda mais evidente o conflito entre dois tipos de legitimidade política: por um lado, a legitimidade eleitoral dos partidos políticos recém-criados; por outro, a legitimidade revolucionária reclamada pela fação radical do aparelho militar e pelo PCP. A Assembleia Constituinte iniciou os seus trabalhos, que viriam a durar um ano, no auge do predomínio das forças radicais de esquerda. Em rigor, os trabalhos da Assembleia não foram totalmente livres. Foram condicionados por um «pacto» imposto a todos os partidos pelo Conselho da Revolução, dias antes da eleição de 25 de abril de 1975. Para além de prever a necessidade de quase homologação pelos militares do texto constitucional aprovado pelos constituintes, este pacto exigia igualmente a consagração constitucional das «conquistas» políticas, sociais e económicas do processo revolucionário.

A comissão responsável pelos direitos sociais reuniu entre agosto e outubro de 1975, tendo os debates no plenário sobre este tema tido lugar no chamado «verão quente». Com o País à beira de uma guerra civil entre radicais e moderados, o verão de 1975 foi um período em que a luta política ideológica se intensificou, as ruas das principais cidades foram palco de manifestações por parte de movimentos sociais e políticos, e a extrema-esquerda militar e política deu o seu aval a uma onda sem precedentes de saneamentos, greves e ocupações de casas particulares, propriedades agrícolas e unidades industriais. Não é pois de surpreender que, à medida que a clivagem entre «revolução» e «constituição» se aprofundava, os deputados à Assembleia Constituinte temessem cada vez mais pela sua dissolução. Não obstante o «cerco» à Constituinte, os trabalhos prosseguiram17. Em 25 de novembro, um golpe militar da esquerda radical foi neutralizado por um contragolpe das forças militares moderadas, tendo a balança do poder virado irrevogavelmente a favor destas últimas. A Constituição seria aprovada em abril de 1976, por seis dos sete partidos com assento na Assembleia Constituinte, tendo a secção dos direitos sociais sido aprovada anteriormente, em outubro, por unanimidade. Quão bem as teorias e explicações sobre a constitucionalização dos direitos sociais conseguem dar conta deste resultado histórico é a questão que abordamos de seguida.

 

CONDIÇÕES SOCIOECONÓMICAS

As condições socioeconómicas e as tradições jurídicas de um país são frequentemente apresentadas como explicações para a inclusão de direitos sociais na respetiva constituição. Tais fatores têm um carácter estrutural, e é assumido que exercem um impacto significativo sobre a conduta dos agentes políticos ao definirem os parâmetros no âmbito em que esta se desenrola. Os analistas políticos tentam, em regra, determinar a natureza, o âmbito e a força relativa destes fatores de modo a produzirem explicações que lhes permitam estabelecer uma relação causal entre eles e os resultados que desejam ver explicados. Por exemplo, se for possível agrupar resultados individuais em categorias que correspondam ao impacto previsível destes fatores externos, conclui-se que estamos perante uma relação causal entre uns e outros. Aplicando esta lógica ao caso dos direitos sociais, a hipótese é a de que quanto piores forem as condições socioeconómicas de um país, tal como medido pelo respetivo PIB per capita18, mais provável será a sua consagração constitucional.

Porém, este tipo de abordagem sofre de um problema geral. Os métodos estatísticos usados para estimar o efeito líquido médio de fatores tais como as condições socioeconómicas não conseguem identificar as razões porque, nem tão-pouco os processos através dos quais, estes fatores produzem os efeitos que produzem. Na ausência de uma relação significativa entre fatores e efeitos, é virtualmente impossível saber se a associação identificada estatisticamente revela uma verdadeira causalidade, ou se depende de uma outra variável por identificar para produzir o efeito verificado. De modo a esclarecer se os fatores estruturais atuam como meras condições ou como causas, é necessário analisar os resultados à luz dos mecanismos que os geraram19.

De modo a responder a esta questão, vamos de seguida examinar e comparar dois processos constituintes contemporâneos em que, apesar de influenciados por condições macroeconómicas semelhantes, os agentes políticos chegaram a dois resultados muito diferentes no que toca à constitucionalização de direitos sociais: a Constituição portuguesa de 1976 e a Constituição espanhola de 1978, ambas ainda em vigor. Ao selecionarmos estes dois países, adotamos o princípio metodológico dos «casos mais semelhantes»20: i.e., ao compararmos casos que possuem condições socioeconómicas semelhantes mas variam no tocante à variável dependente – nomeadamente, o grau de compromisso constitucional para com os direitos sociais – queremos manter constantes as variáveis menos importantes e isolar as variáveis independentes mais significativas.

Ambos os países ibéricos viveram sob ditaduras de direita desde os anos 1930, transitaram para a democracia em meados dos anos 1970, e organizaram processos constituintes com menos de dois anos de diferença. Em Portugal, a Assembleia Constituinte funcionou entre julho de 1975 e abril de 1976, enquanto que, em Espanha, as Cortes (as duas câmaras parlamentares) redigiram a atual Constituição espanhola entre agosto de 1977 e dezembro de 1978. À época, as condições socioeconómicas nos dois países eram bastante parecidas. Ambos tinham beneficiado de períodos de crescimento económico robusto nas décadas que precederam as suas transições para a democracia, ainda que este desempenho económico fosse em parte uma «ilusão estatística»21. Em 1973, a Península Ibérica era ainda a região mais pobre da Europa Ocidental e uma das mais desiguais. A subida abrupta dos preços do petróleo a partir de outubro desse ano, e a crise económica que se seguiu, infligiu um golpe fatal nas economias ibéricas, contribuindo significativamente para a queda das respetivas ditaduras22. Na medida em que as condições socioeconómicas eram desfavoráveis, e pioraram em vésperas das transições democráticas, seria de esperar um elevado grau de compromisso constitucional com direitos sociais em ambos os países.

No entanto, apesar de semelhantes no que diz respeito às suas condições socioeconómicas, Portugal e Espanha acabariam por adotar soluções muito diferentes em termos do grau de compromisso constitucional com direitos sociais. Se a Constituição portuguesa consagra um elevado número de direitos, e os concebe como direitos individuais fundamentais subjetivos, já a Constituição espanhola nem sequer possui uma secção sobre direitos sociais. Em vez de uma linguagem de direitos como benefícios ou garantias individuais, encontramos uma linguagem vaga sobre princípios. Estes são princípios reguladores, que «orientam as políticas económicas e sociais» (capítulo 3, parte i), cujo estatuto jurídico é meramente declarativo. No que concerne às exigências que os direitos sociais constitucionalmente consagrados impõem aos governos futuros, o contraste entre as duas constituições é, uma vez mais, evidente. Na Constituição espanhola, os direitos sociais são definidos de forma genérica e algo imprecisa, conferindo ao poder executivo uma grande margem de discricionariedade quanto à sua implementação.

Por seu turno, a Constituição portuguesa descreve minuciosamente cada direito social, prevendo a criação de instituições políticas de modo a garantir a sua efetiva implementação no futuro, nomeadamente um serviço nacional de saúde, um sistema de segurança social e um sistema nacional de educação. Para além disso, define os princípios fundamentais que deverão regular estas instituições (por exemplo, universalidade, generalidade, gratuitidade), bem como a sua organização interna (descentralização, representatividade, participação). A Constituição portuguesa não só especifica a forma como os direitos sociais devem ser institucionalizados em termos de políticas sociais, como especifica igualmente um mecanismo de fiscalização da constitucionalidade para os direitos sociais – a inconstitucionalidade por omissão (artigo 279). Já a Constituição espanhola adota uma fórmula bem mais difusa: «O reconhecimento, respeito e a proteção dos princípios reconhecidos no Capítulo 3 deverão guiar a legislação, a prática jurídica e as ações das autoridades públicas» (artigo 53, capítulo 4, parte i). As condições socioeconómicas per se não são suficientes para dar conta destas diferenças. Como vimos, à época da transição para a democracia a situação económica era muito semelhante em ambos os países. Para se perceber por que razão os processos e resultados constitucionais divergiram temos que considerar outras possíveis explicações para entender porque foram as condições socioeconómicas ativadas como razões num caso e não no outro. A nossa tese é que inovações jurídicas supõem a existência de inovadores jurídicos, isto é, de indivíduos que apresentam argumentos em favor de, e façam escolhas quanto ao âmbito e extensão da transformação constitucional a levar a cabo. O processo de transformação de condições em causas deve, por conseguinte, ser entendido fundamentalmente como um processo político contextualmente contingente, e cuja natureza distinta em Portugal e Espanha foi fortemente determinada pela natureza das respetivas transições para a democracia – revolucionária no primeiro caso, negociada no segundo.

Em bom rigor, no caso do nosso país, a revolta militar deu origem a um processo que pode ser melhor caracterizado como uma rutura do que como uma transição. Do programa político dos militares, que ganhou estatuto constitucional após o golpe23, ao texto final da Constituição, é bem visível o propósito de consagrar noções de justiça social. As frágeis condições socioeconómicas dos portugueses, e a necessidade de as melhorar por via da ação social do Estado, são prioridades explicitamente estabelecidas quer pelos militares, quer pelos deputados à Constituinte24. Dados os poderes tutelares dos militares, e o seu apoio a movimentos sociais que denunciavam essas condições fora da Assembleia, poderíamos ser levados a crer que os deputados estariam meramente a ceder a uma pressão externa quando tematizaram as condições socioeconómicas como razões para incluir um vasto e ideologicamente progressista catálogo de direitos sociais. Mas se as esperanças revolucionárias por uma mudança social decisiva limitaram de forma indelével o leque de escolhas constitucionais disponíveis, seria um erro inferir daqui que o ideário da Revolução era completamente contrário à visão dos partidos políticos. Os projetos constitucionais partidários revelaram um compromisso muito significativo com os programas de providência social. Os partidos estavam bem conscientes de que a legitimidade do acordo constitucional a celebrar dependia, em larga medida, da sua capacidade em romper com um passado de «miséria imerecida» (para usar uma expressão em voga na altura), e lançar as bases para uma democracia que não fosse somente procedimental, mas respondesse também às necessidades materiais da população. O primeiro sinal desta rutura foi proteger as expectativas da população através da consagração constitucional de um vasto catálogo de direitos sociais enquanto autênticos direitos de cidadania, que obrigavam futuros governos, não estando dependentes da sua boa vontade.

Os deputados à Constituinte traçaram linhas divisórias bem nítidas entre o regime assistencialista do Estado Novo e o da nova democracia25. Em primeiro lugar, encontramos a conceção da segurança social, cuidados de saúde e educação como direitos fundamentais dos cidadãos, que obrigam o Estado à sua concretização. Por exemplo, a natureza universal e obrigatória do novo sistema de segurança social foi apresentada por contraste à sua natureza opcional durante a ditadura. Para além de serem mais generosos, os benefícios sociais deviam igualmente servir um propósito emancipatório. Os direitos sociais deveriam deixar de ser concebidos simplesmente como uma forma de satisfazer as necessidades dos portugueses, com o objetivo de os controlar, para se tornarem num instrumento de uma política progressista: nas palavras de um constituinte, como uma «forma do Estado redistribuir a riqueza para aqueles que mais dela precisam»26. Da direita à esquerda, todos os constituintes concordavam que o Estado Novo havia falhado estrondosamente na sua tarefa de garantir justiça social. A nova Constituição tinha como objetivo garantir que isso não se voltaria a repetir. O Estado-Providência democrático deveria ser generoso e emancipatório, estimulando e beneficiando da iniciativa dos seus beneficiários.

Em Espanha, pelo contrário, a transição para a democracia foi evolucionária, e o processo constituinte contou com a participação de importantes segmentos do regime franquista. Embora seja um facto que as condições socioeconómicas foram um tema político saliente na eleição de 1977 para as Cortes, a verdade é que perderam relevância na subsequente negociação política sobre a nova Constituição. Outros temas mais polémicos, separando a direita conservadora religiosa da esquerda secular republicana, ocuparam a agenda dos constituintes. Aqui se incluem questões como as do divórcio, do aborto, da pena de morte, da lei eleitoral, da autonomia regional e do papel da Igreja Católica na educação, nenhuma das quais se revelou fácil de dirimir27. As Cortes espanholas viram-se envolvidas num combate político sem quartel sobre se a nova Constituição deveria romper com o passado autoritário, um combate que acarretaria negociações prolongadas e à porta fechada sobre clivagens políticas fundamentais. O resultado foi que os direitos sociais nunca ganharam a visibilidade que haviam ganho em Portugal: a ausência de um compromisso firme em torno da sua concretização traduz talvez o uso estratégico da ambiguidade por parte dos constituintes espanhóis.

 

TRADIÇÕES JURÍDICAS

A par das condições socioeconómicas, as tradições jurídicas são frequentemente usadas para explicar a inclusão de direitos sociais em constituições. A chamada hipótese das «origens jurídicas» de Rafael La Porta e dos seus colegas centra-se nos efeitos económicos das instituições jurídicas28através da categorização dos países de acordo com a sua tradição jurídica: por exemplo, prevê-se que países cujos sistemas legais tenham origem na common law enfatizem a liberdade contratual e a proteção da propriedade privada, enquanto que os países cuja tradição jurídica remonte ao direito romano tendam a favorecer um papel redistributivo mais ativo por parte do Estado. De modo a tornar esta hipótese empiricamente verificável, La Porta sugere a utilização de variáveis dummy tais como as tradições jurídicas «inglesa», «francesa», «alemã», «escandinava» e «socialista» para explicar as «origens jurídicas»29. A aplicação desta hipótese à constitucionalização dos direitos sociais é clara: prevê-se que seja menos provável aos países da common law que se comprometam constitucionalmente com os direitos sociais do que os países da tradição do direito romano. Esta correlação, porém, nada nos diz, virtualmente, sobre a variação no tempo, o âmbito e a natureza da constitucionalização dos direitos sociais em países de uma mesma tradição jurídica.

Quer Portugal quer Espanha, por exemplo, têm uma origem jurídica «francesa», que remonta ao Código Napoleónico de 1804, e à subsequente invasão francesa da Península Ibérica. Para além disso, desde essa altura que se registou uma significativa migração de ideias constitucionais entre os dois países30. Porém, não se regista qualquer influência significativa entre a secção sobre direitos sociais da Constituição portuguesa de 1976 e a Constituição espanhola de 1978. A única exceção a isto foi o Partido Comunista Espanhol (PCE) que se inspirou na Constituição portuguesa na sua proposta, de resto mal-sucedida, de um catálogo numeroso de direitos sociais, que previa a inclusão de mecanismos constitucionais para a sua concretização31. O facto de que foi apenas o PCE, o partido político espanhol mais à esquerda, que procurou inspiração na Constituição portuguesa reflete os diferentes posicionamentos ideológicos dos respetivos sistemas partidários. Emergindo da última revolução clássica de esquerda, o sistema partidário português nasceu confinado à zona mais à esquerda do espectro ideológico, enquanto que o espanhol refletia a natureza «pactada» da transição, sendo mais ideologicamente abrangente e com as principais forças políticas a competir pelo centro ideológico.

As fontes jurídicas mais imediatas da Constituição portuguesa refletem este alinhamento ideológico. Algumas delas eram politicamente sensíveis, expressando as clivagens políticas entre as diferentes forças políticas, já outras mostraram se mais consensuais refletindo a influência neutralizadora dos especialistas jurídicos sobre o processo constituinte32. Destaca-se entre estas últimas o Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC) de 1966, de que Portugal foi um dos primeiros signatários33. Este pacto acrescentava, ele próprio, uma perspetiva socialista sobre direitos à tradicional ênfase liberal sobre os direitos civis e políticos. Os partidos políticos em Portugal, com a sua orientação de esquerda e/ou de inspiração na doutrina social da Igreja, preconizaram a indivisibilidade, ou pelo menos a necessária interdependência, entre os chamados direitos de primeira e segunda geração. A formulação específica dos direitos sociais divergiu, porém, daquela constante no PIDESC pela sua natureza mais prescritiva, numa tentativa de romper com a prática salazarista de mitigar as consequências práticas das disposições constitucionais, e no seu uso ainda mais explícito de uma terminologia socialista. Isto não é surpreendente: o programa político do MFA foi uma das fontes da Constituição, e as constituições de países do Leste Europeu, como a jugoslava, figuravam no programa eleitoral do PS como um modelo para a «via original para o socialismo» do nosso país. Outras constituições de países do Bloco de Leste funcionaram menos como fontes jurídicas e mais como focos de luta política. Foi o caso, por exemplo, da Constituição soviética de 1936, também conhecida como a «Constituição de Estaline». O seu artigo 118 fazia depender o direito ao trabalho do controlo coletivo dos meios de produção e de uma economia de planeamento central. Este artigo foi parcialmente incorporado no primeiro artigo da secção da Constituição portuguesa sobre direitos sociais, numa concessão forçada dos partidos mais moderados à esquerda revolucionária. Em particular, o Centro Democrático Social (CDS) e o PPD usaram o debate em Plenário para fazer ouvir o seu descontentamento com o facto de se estar a tornar direitos sociais dependentes da coletivização e do planeamento central da economia. A discussão sobre este artigo foi acalorada, mas o artigo sobreviveu incólume tornando-se no artigo 50 da nova Constituição. Seria, no entanto, eliminado logo na primeira revisão constitucional em 1982, que marcaria o fim da tutela militar e o início da normalização democrática.

Estas diferentes, e por vezes contraditórias, fontes deram origem a algumas inovações jurídicas. Foi o caso da consagração explícita dos direitos sociais não só como universais mas também como orientados para a emancipação dos trabalhadores e a proteção de alguns dos grupos mais vulneráveis na sociedade, definidos de forma mais ambiciosa do que no Pacto Internacional de 1976, e antes de futuros tratados internacionais, tais como as crianças, a juventude, os idosos e as pessoas com deficiência (artigos 69 a 72)34. Os deputados à Constituinte referiram-se explicitamente a estas inovações nos debates em Plenário. Muitos dos seus argumentos, porém, não tinham uma base doutrinária articulada. Pelo contrário, assumiram a forma de testemunhos altamente emocionais, com os oradores a colocarem-se no papel dos grupos mais vulneráveis, cujas experiências por vezes haviam partilhado35. José Niza (PS), por exemplo, falou com a sensibilidade experiencial de um médico, quando se referia aos «gritos de miséria que são os asilos, ditos “hospitais psiquiátricos”, vergonha de um país em que os loucos, afinal, governavam». E assim o fez também Martelo de Oliveira (PPD), quando se congratulou, como alguém que foi órfão e encontrou acolhimento numa instituição de solidariedade social, pelo «reconhecimento activo da sociedade portuguesa por todos aqueles que, depois de terem dado todo o seu esforço à sociedade, foram marginalizados e atirados para o cesto do lixo». Pessoas em cuja situação, e de cujo ponto de vista, Martelo de Oliveira se sentia legitimado a falar, por ter vivido uma situação análoga de exclusão na infância e para a qual agora procurava encontrar soluções, na qualidade de deputado à Constituinte. Elevados da menoridade da sua cidadania de segunda classe pelo novo regime democrático, os mais desfavorecidos e vulneráveis eram finalmente cidadãos de pleno direito tal como os demais, e a eles ligados por um profundo laço de reconhecimento mútuo. Os «Portugueses» que figuram no texto originário do Preâmbulo da Constituição, mais do que uma descrição de uma realidade social, devem ser antes entendidos como a reivindicação de um povo reunificado ainda por criar, mas que a Constituição já previa e protegia.

Este tipo de representação por empatia revelou-se essencial para desdramatizar o conflito ideológico e para gerar plataformas de entendimento sobre formulações específicas de certos direitos sociais. Porém, muitas das atuais explicações sobre a origem dos direitos sociais ignoram este facto ou reduzem-no a uma mera figura de retórica sem importância. Isto sucede porque as palavras raramente são consideradas como uma forma de fazer coisas e nas explicações dominantes de escolha racional as motivações dos agentes são aprioristicamente consideradas como estratégicas: a esta luz, não é difícil perceber por que razão as principais explicações veem a representação por empatia, e as narrativas que ela gera, como uma mera forma de retórica plebiscitária. O que a nossa análise empírica revela, no entanto, é que o comportamento político no momento constituinte é muitas vezes uma mistura complexa de crenças sobre a legitimidade de diferentes soluções, compromissos, lealdades, emoções, solidariedades, incluindo uma dimensão estratégica orientada para a obtenção de certos objetivos. A associação apriorística de uma conceção de ação social orientada para fins com um enquadramento de maximização da utilidade corre o risco de ignorar um conjunto de fatores motivacionais que são cruciais para se dar conta do comportamento político durante revoluções constitucionais, especialmente quando estas coincidem com revoluções sociais. Considerações empáticas, entendidas como coisas que nos são caras e que nos levam a posicionarmo-nos em sua defesa, têm uma força motivacional especialmente pronunciada nestas situações, quer motivando formas de ação coletiva, quer figurando como justificações da ação ou das normas que a regulam.

 

A HIPÓTESE DO «MERCADO ELEITORAL»

Dito isto, a teoria da escolha racional domina muita da investigação na área do direito constitucional comparado, e a sua conceção de ação contrasta com a noção mais abrangente apresentada acima36. A sua hipótese mais influente para explicar a constitucionalização dos direitos sociais supõe que os agentes sociais são maximizadores de preferências e enfatiza a natureza competitiva da política partidária. Os agentes políticos, a esta luz, são entendidos como atores estratégicos interessados em criar instituições que otimizem as suas preferências. Avaliam as suas opções à luz dos respetivos custos e benefícios, e seguem o curso de ação que entendem melhor maximizar a diferença entre ambos, tendo em conta os constrangimentos da situação. Prevê-se, portanto, que o compromisso constitucional com os direitos sociais seja tanto maior quanto maximize as preferências do agente político em controlo do processo constituinte.

No caso português, os militares do MFA, combinando o monopólio dos meios de violência com uma incontestável legitimidade revolucionária, foram um agente central neste processo. Dias antes da eleição para a Assembleia Constituinte, os militares forçaram os partidos a assinar um pacto sobre o conteúdo ideológico da Constituição. Este pacto previa igualmente que caberia aos militares a supervisão dos trabalhos constituintes e que deveriam ser auscultados após a aprovação do texto da Constituição pelos partidos, numa espécie de quase homologação. Dada a proximidade ideológica entre a fação dominante dos militares e os comunistas, e o controlo destes dos sindicatos, meios de comunicação social e do Governo Provisório, a esquerda revolucionária político-militar era, sem dúvida, um agente dominante. Mas, para sua surpresa, os até então frágeis partidos políticos mais moderados saíram da eleição como uma força política que já não podia ser ignorada. O resultado eleitoral alterou a balança de poder e a dinâmica política da transição. O PS, que emergiu vitorioso com 116 dos 250 assentos em disputa, tomou as rédeas da luta contra os comunistas fora da Assembleia e assumiu-se como a principal força política no seu interior. Mas como eram necessários pelo menos 126 votos para ver aprovada a Constituição, a Assembleia Constituinte nunca funcionou como uma assembleia de um só partido37.

Tendo ficado claro quais eram os dois principais concorrentes à posição de ator político dominante, os militares e o PS, podemos agora testar a chamada hipótese do «mercado eleitoral»38. Esta prevê que quando um ator político que domina o processo constituinte calcula perder o controlo sobre o poder legislativo no futuro, o compromisso constitucional surge como uma estratégia racional para proteger as suas preferências39. Esta explicação parece dar conta do que se passou em Portugal. Com efeito, não existia uma fonte indisputada de poder político pós-revolucionário, e, em particular, os militares do MFA podiam antecipar a sua futura saída das instituições políticas bem como derrotas eleitorais em futuras eleições legislativas do partido ideologicamente mais próximo, o Partido Comunista.

O MFA

O programa político do MFA, embora não falasse em direitos sociais enquanto tal, comprometia se explicitamente em prosseguir uma «nova política social» em «defesa dos interesses das classes trabalhadoras» e a urgente «melhoria da qualidade de vida dos Portugueses»40. Estas orientações constrangeram os projetos constitucionais dos partidos. Porém, se em temas como o das instituições políticas ou o modelo económico, as preferências do mfa iam contra as dos partidos mais moderados, o mesmo não se passou no caso dos direitos sociais, onde as visões constitucionais de uns e outros estavam em maior sintonia. Esta circunstância acarreta importantes consequências para o valor explicativo da hipótese do mercado eleitoral. Se o entrincheiramento constitucional dos direitos sociais assegurava, quer aos prospetivos perdedores eleitorais, quer aos prospetivos vencedores eleitorais, que as suas preferências em termos de políticas sociais seriam salvaguardadas, essa é uma razão da robustez da secção sobre direitos sociais da nossa Constituição. A hipótese do mercado eleitoral, cuja formulação mais comum supõe a natureza oposicional desta espécie de «seguro» (i.e., que o agente constituinte dominante protege as suas preferências contra as de outros agentes forçando a sua constitucionalização), não consegue explicar a dinâmica do entrincheiramento constitucional.

OS PARTIDOS POLÍTICOS

Se o MFA não era propriamente um agente eleitoral, já o outro agente político dominante, o PS, era. Ao aplicarmos a hipótese do mercado eleitoral ao PS, deparamo-nos com a seguinte questão: podemos atribuir a paternidade do excecionalmente vigoroso entrincheiramento dos direitos sociais pela nossa Constituição aos socialistas, interpretando-o como uma forma que estes encontraram de proteger estrategicamente as suas preferências em matéria de política social em resposta aos interesses dos grupos e clientelas dos quais dependia o seu sucesso eleitoral? Pensamos que não, e isto por quatro razões diferentes.

Em primeiro lugar, parece-nos incorreto afirmar que o PS, ao lutar pela constitucionalização dos direitos sociais, estaria a proteger as suas preferências em matéria de políticas sociais contra as preferências diferentes dos demais partidos. É certo que o momento constituinte foi um momento de grande polarização político-partidária, com todos os partidos fortemente investidos em construir alianças e granjear legitimidade fora da Assembleia. Todavia, o objetivo de consagrar constitucionalmente as instituições de um Estado-Providência ativo era comum a todos eles. Tal resulta claro da análise dos respetivos projetos constitucionais. Em todos, os direitos sociais não só se encontram presentes, como são sensivelmente os mesmos. Todos os projetos descreviam estes direitos com uma precisão muito semelhante, e detalhavam as instituições e políticas necessárias à sua concretização. Se, em casos como o do compromisso com a coletivização dos meios de produção rumo a uma sociedade sem classes, a convergência ideológica entre os projetos constitucionais dos partidos se explica pela pressão (externa) do MFA, já no que toca aos direitos sociais cremos que a ênfase dos militares sobre a necessidade de uma nova política social encontrou eco no sistema de crenças e nas preferências políticas dos responsáveis partidários, ainda que por diferentes razões, e nem sempre com a mesma intensidade. A prova disto é retrospetiva. Falamos do facto de que sempre que o consenso a que se chegou tinha sido forçado ou imposto, esse mesmo entendimento foi imediatamente questionado assim que os militares perderam o seu poder negocial, nomeadamente aquando da primeira revisão constitucional em 1982. Pelo contrário, a secção de direitos sociais sobreviveu incólume a esta e a todas as subsequentes mudanças na balança de poder até aos dias de hoje. Se a persistência histórica, uma «lei morta», ou o simbolismo estratégico contribuem para explicar esta resiliência, é nossa convicção que a explicação mais convincente reside no genuíno e generalizado apoio partidário à desejabilidade e legitimidade de se constitucionalizar direitos sociais.

Em segundo lugar, temos dúvidas de que a principal razão do apoio do ps aos direitos sociais tenha sido um sofisticado cálculo eleitoral. Esta dúvida justifica se porque os socialistas não estariam confrontados com uma grande incerteza quanto à sua capacidade de sucesso eleitoral no futuro, e portanto não sentiriam necessidade de tentar conquistar o eleitorado com promessas populares, como é o caso da promessa constitucional de expandir os benefícios e proteções sociais. A incerteza eleitoral era um facto. Mas era igualmente do conhecimento de todos que o ps não tinha qualquer oposição com quem tivesse que negociar se pretendesse constitucionalizar direitos sociais, algo que ficou claro aquando dos debates em Plenário na Constituinte. Isto teve o efeito de colocar a «política partidária» em suspenso: isto é, não havia espaço político disponível aos socialistas para criarem uma clivagem eleitoral saliente em torno do tema dos direitos sociais nas eleições legislativas de abril de 1976, que, aliás, acabariam por vencer com maioria relativa, tornando-se os protagonistas na luta anticomunista pela normalização democrática.

Em terceiro lugar, poderíamos ser levados a pensar que por detrás da decisão do PS em entrincheirar direitos sociais na Constituição encontra-se a influência exercida por clientelas eleitorais ou grupos de interesse. Na base desta visão da política legislativa encontramos um modelo particular de representação. Fundado sobre a premissa da exogeneidade das preferências, assume um formato líder-agente, e pressupõe um modelo de influência linear diádico que vai das preferências das clientelas e/ou dos grupos de interesse até às preferências do legislador41. A adequabilidade deste modelo de representação, porém, tem vindo a ser questionada há já algum tempo42. É nosso entendimento que a sua adequação a episódios de política constituinte é ainda mais duvidosa, sobretudo naqueles casos em que as transições políticas do autoritarismo à democracia coincidiram com a reintrodução da competição partidária entre partidos políticos recém-formados43.

O nosso argumento é simples. Os eleitorados e as preferências não emergem diretamente de divisões sociais, nem tão-pouco se formam fora da política partidária. Pelo contrário, só existem na medida em que algum movimento social e/ou um agente político os interpreta, representa ou personifica. Por outras palavras, preferências e eleitorados são endógenos ao processo político, e não podem constituir a base empírica da responsividade partidária porque lhe falta a independência causal que lhes é usualmente imputada44. Se isto é verdade em geral, ainda o é mais quando um sistema partidário e a sua base eleitoral estão a ser criados do nada, tal como sucedeu em Portugal após o 25 de Abril. Nenhum dos novos partidos, com a possível exceção do PCP devido à experiência da clandestinidade, tinha raízes sociais consolidadas e eleitorados fiéis. Não lhes restava outra solução, pois, senão a de tentarem dar-se a conhecer aos portugueses e convencê-los a dar-lhes o seu voto, num ambiente de forte competição uns com os outros. Apesar da sua filiação na Internacional Socialista, a matriz ideológica do PS era ampla e incluía elementos distintamente marxistas e de correntes do socialismo utópico. Na véspera da eleição, os socialistas estavam inseguros quanto à sua real base eleitoral de apoio. As suas políticas públicas e discurso eram claramente esquerdistas, mas o seu anticomunismo permitia-lhes granjear algum apoio à direita. Mas convencer os eleitores de um lado, sem perder a confiança dos do outro, exigia ao PS um equilíbrio frágil de expectativas. O seu processo de representação, a exemplo do dos demais partidos, possuía uma qualidade distintamente generativa e antecipatória: todos eles competiam por moldar as preferências dos futuros eleitores através de reivindicações representativas nas quais estes se pudessem vir a rever. Neste processo, os partidos pouco sentiram a influência do eleitorado, de movimentos sociais controlados pela extrema-esquerda, ou sequer de grupos de interesses como as clientelas do Estado-Providência. O regime assistencialista do Estado Novo tinha sido tão incipiente que tais clientelas, a existirem, estavam no melhor dos casos numa fase embrionária do seu desenvolvimento. Para além disso, o objetivo confesso de todos os partidos era o de fazer substituir o sistema assistencialista corporativo, que moldava quaisquer putativas clientelas à luz das respetivas profissões, por um sistema universalista que as eliminava e, insistiam os partidos moderados, deveria coexistir com o direito à propriedade privada. Deste ponto de vista, a hipótese de que o PS, o partido que dominou o processo constituinte, estaria a responder estrategicamente a pressões de um eleitorado preexistente ou a preferências de grupos de interesse organizado quando decidiu constitucionalizar direitos sociais não resiste ao escrutínio dos factos.

Sugerir, de uma perspetiva funcionalista, que os socialistas estavam numa posição que lhes permitia determinar ex ante que o compromisso constitucional com direitos sociais em 1975 os iria beneficiar a alcançar e manter o poder através de eleições competitivas, nomeadamente através da criação de clientelas do Estado-Providência a criar, é ainda menos plausível. Isto porque tal hipótese pressupõe que o PS iria controlar todos os governos responsáveis pela criação do Estado-Providência, pela implementação das respetivas políticas públicas e programas sociais, e pela distribuição dos benefícios sociais, nas décadas subsequentes. Em 1975-1976, porém, os partidos não conseguiram – nem podiam – prever a evolução do seu desempenho eleitoral a médio e longo prazo. Isto significou que não podiam estar certos se seriam eles, ou os seus rivais, a ocupar a posição de reclamar a iniciativa de alargar o leque de benefícios sociais. A situação política era muito incerta, algo só agravado pelo papel imprevisível do Presidente da República e as consequências do sistema eleitoral proporcional adotado, sobretudo para os socialistas que não se podiam coligar com nenhuma das forças à sua esquerda nem tinham nenhum aliado «natural» à direita. Este sentimento de incerteza provou ser acertado: entre 1976 e 1983, existiram nada menos do que oito governos, alguns de iniciativa presidencial, todos eles de curta duração, minoritários, e integrando diferentes forças políticas. Daqui se conclui ter sido virtualmente impossível para qualquer partido, PS incluído, fundar a sua estratégia constituinte sobre quaisquer projeções eleitorais a médio ou longo prazo.

Isto não significa, no entanto, que o «atar de mãos» imposto pelo compromisso constituinte não resultou, a longo prazo, em benefícios para os partidos envolvidos. Mas pensar se que os partidos agiram da forma como o fizeram por terem sido capazes de prever tais resultados é implausível. Apenas com o decorrer do tempo se tornou claro que Portugal estava a evoluir no sentido de um sistema bipartidário, com os dois principais partidos, PS e PPD, a sucederem-se no poder. Só muito mais tarde é que o PCP e o PS começaram a reclamar a paternidade e o papel de guardiões da «Constituição social» e do mercado laboral protegido que aquela assegurava. À medida que o Estado-Providência se expandiu, os funcionários públicos e outras clientelas tornaram-se importantes segmentos da base eleitoral de apoio dos socialistas, o único partido de governo entre os dois, e a força simbólica da linguagem dos direitos constitucionais foi crescentemente aproveitada para marcarem terreno face aos restantes partidos. Até hoje, o entrincheiramento constitucional de direitos sociais dos anos 1970 continua a ter um impacto significativo sobre a dinâmica da competição partidária, com o debate político a ter frequentemente lugar em termos do posicionamento relativo de cada partido face a esta questão. Dada a influência das clientelas, diretas e indiretas (via família), do Estado-Providência, a mera sugestão de que um partido possa estar a equacionar retirar ou diminuir a proteção constitucional a um qualquer direito social pode ser muito punitiva do ponto de vista eleitoral.

Em quarto lugar, uma outra razão pela qual a hipótese do mercado eleitoral não se revela particularmente adequada para dar conta do processo de constitucionalização de direitos sociais no nosso país tem a ver com a sua conceção do político como um domínio caracterizado por uma racionalidade estratégica normativamente pobre. Tal conceção não nos permite perceber a dinâmica constituinte tal como reconstruída a partir de fontes primárias, nomeadamente através de entrevistas com deputados à Constituinte. A interação entre os deputados à Constituinte foi bastante condicionada quer pela natureza, quer pelo «estatuto» da Assembleia. A Assembleia Constituinte portuguesa foi um órgão quase soberano, diretamente eleito por 91 por cento da população, que não voltaria a ser consultada a propósito da ratificação da Constituição. Uma vez finda a sua missão constituinte, estava prevista a sua dissolução, tendo muitos dos seus deputados mais proeminentes optado por abandonar a vida pública. O carácter extraordinário da Assembleia contribuiu significativamente para o seu isolamento face à política partidária e ao processo de decisão política normal.

O contraste com Espanha é instrutivo. Porque a «continuidade jurídica» prevaleceu no país vizinho, a «Constituinte» espanhola era uma legislatura bicamaral, eleita com base numa «Lei para a Reforma Política» promulgada pelas últimas Cortes franquistas, e que previa uma legislatura normal de duração superior à dos trabalhos constituintes. Ou seja, em Espanha, ao contrário de Portugal, os deputados à Constituinte eram também parlamentares normais, com interesses óbvios na política pós constituinte, sendo difícil de separar os trabalhos constituintes da política partidária e de isolar aquela das pressões de grupos de interesse organizado, mormente da Igreja Católica. Com efeito, a negociação constituinte em Espanha foi tão acesa e conturbada que acabou num impasse, tendo sido necessário adotar-se um novo procedimento de tomada de decisão. A redação do texto constitucional foi delegada num pequeno grupo de representantes dos dois principais partidos, os quais viram-se obrigados a negociar noite adentro à porta fechada num restaurante madrileno de modo a conseguir chegar a um compromisso.

Diferentes na sua natureza, as assembleias constituintes dos dois países tinham também um estatuto diferente. Enquanto em Espanha as Cortes estavam sob o escrutínio público da imprensa e ocupavam o epicentro da luta política, em Portugal a Constituinte era vista como secundária relativamente ao processo revolucionário em curso. Como o líder socialista da altura, Mário Soares, afirmou, existia a convicção generalizada de que o «essencial do combate político» deveria ser feito «nas ruas, fábricas e nas conspirações político-militares em que essa época foi pródiga»45. Esta marginalização da Assembleia, a par da ameaça ocasional da sua dissolução, resultou no seu relativo isolamento face à polarização político-partidária e ao estabelecer de linhas de comunicação e de sociabilidade entre membros de diferentes partidos. A diferença marcada entre como os constituintes agiam em Plenário e à porta fechada é bem prova disto. Os partidos moderados usaram os momentos de publicidade como uma plataforma para expressar o seu descontentamento com os governos provisórios de extrema-esquerda, bem como para mandar mensagens aos próprios militares do MFA. Os debates em Plenário, em particular, foram vistos como uma oportunidade para se demarcarem daqueles aspectos do acordo constituinte com que viriam a ter que concordar, mas com os quais estavam em desacordo ideológico, bem como para se demarcarem entre eles próprios perante os eleitorados cuja confiança desejavam conquistar. Longe dos holofotes, nas comissões, a retórica plebiscitária dava lugar a uma postura mais cooperativa e dialogante. A influência de especialistas em direito constitucional facilitou ter se chegado a soluções de compromisso, tendo os «projetos» e propostas de alguns destes especialistas acabado por se impor a alternativas com uma marca partidária mais evidente46.

O isolamento relativo das comissões responsáveis por redigir as diferentes secções da Constituição face à política partidária foi reforçado pela sua liberdade face a interferências das lideranças partidárias. Muito embora isto não se tenha necessariamente aplicado aos partidos de extrema-esquerda, dado o centralismo democrático com que se organizavam internamente, a verdade é que os constituintes representantes dos partidos moderados beneficiaram de mandatos com maior autonomia. Os seus membros mais reputados e intervenientes agiram como fiéis depositários e não tanto como meros delegados da liderança partidária. Embora existissem mecanismos de coordenação partidária em funcionamento em cada grupo parlamentar, estes mecanismos eram flexíveis e permitiam uma considerável liberdade de ação, negociação, deliberação e compromisso entre as comissões. A redação do texto da Constituição pode ser, por conseguinte, algo criativa, especialmente nos casos em que as diretrizes do MFA eram menos claras.

Para além de beneficiar do isolamento relativo da Assembleia face à revolução política e social a decorrer nas ruas e campos de Portugal, o acordo constituinte sobre direitos sociais beneficiou igualmente de terem ficado entre dois assuntos mais polémicos, sobre os quais se concentraram as atenções – e a tensão. Em primeiro lugar, havia a questão da posição relativa dos direitos sociais face aos direitos civis e políticos, com os partidos moderados a insistir, contra a esquerda revolucionária, na prioridade lógica, normativa e histórica dos últimos face aos primeiros. Em segundo lugar, era necessário esclarecer a relação entre os direitos sociais e o sistema económico: os comunistas, por exemplo, defendiam que os direitos sociais deviam depender da coletivização e do planeamento central da economia, querendo, por conseguinte, que as secções sobre a organização económica e dos direitos sociais precedessem a secção dos direitos civis no texto da Constituição. Foi, portanto, em torno da prioridade relativa, tal como se viu na discussão dos diferentes regimes de proteção jurídica dos direitos de primeira e segunda geração, e não tanto da existência de uma secção de direitos sociais per se, que se concentrou a disputa política. O resultado foi que o catálogo de direitos sociais incluiu um pouco de tudo, uma amálgama de expectativas utópicas de um País pobre, a atravessar uma revolução social e política. O valor simbólico dos direitos sociais para uma Constituição em busca da legitimidade era por todos reconhecido, e era tudo menos negligenciável: pelo contrário, eram a prova provada que o significado social da revolução não se perderia, mas antes seria realizado à medida que o País caminhasse para a normalização democrática.

 

IDEOLOGIA

Embora a literatura sobre a constitucionalização dos direitos tenda a centrar-se na disputa partidária em torno de escolhas ou decisões estruturantes, a verdade é que esta disputa também pode ser motivada por considerações puramente ideológicas. Assim, surge a hipótese de que se os agentes que controlaram o processo constituinte partilhavam uma certa ideologia, é expectável que esses agentes usem a Constituição para entrincheirar políticas públicas baseadas nessa mesma ideologia. Terá sido isto que se passou em Portugal?

A secção sobre direitos sociais seria aprovada por unanimidade. Porém, isto por si só diz nos muito pouco sobre a natureza do consenso alcançado, o qual, argumentamos em seguida, deve ser entendido como tendo ficado a meio caminho entre um mero modus vivendi e um consenso ideológico no sentido pleno do termo47.

Em vez de tentarem maximizar os benefícios constitucionais de forma proporcional à força dos respetivos mandatos eleitorais, os partidos moderados, liderados pelo PS, estavam interessados em minimizar a possibilidade que ocorresse o cenário que todos queriam evitar, a saber, que o PCP abandonasse o processo constituinte e apostasse tudo na via revolucionária. O objetivo de alcançar um acordo constitucional aceitável – não necessariamente o que todos mais desejariam, mas um com que todos os partidos pudessem conviver no futuro – num prazo razoável era, portanto, a primeira das suas prioridades. O prolongamento indefinido dos trabalhos constituintes podia acarretar o risco de conduzir o País à guerra civil. É por esta razão que o projeto da Comissão de Direitos Sociais procurou fazer refletir o equilíbrio de forças entre os diferentes partidos, conjugando artigos de diferentes projetos partidários mais ou menos em função do seu peso eleitoral. Nalguns casos, isto representou uma importante concessão do PS às posições à sua esquerda ou à sua direita.

Se a ameaça de radicalização sugere a possibilidade de que o consenso alcançado não terá passado de um mero acordo estratégico (modus vivendi), parece-nos errado reduzir o comprometimento dos partidos com os direitos sociais a uma estratégica puramente instrumental. Pelo contrário, e apesar de diferenças assinaláveis, o apoio dos partidos aos direitos sociais resultava diretamente dos seus ideários programáticos. Nascido de uma revolução de esquerda, o sistema partidário português nasceu, ele próprio, com um pendor esquerdista. O PS, apesar de se distanciar da ortodoxia marxista do PCP, perfilhava ideias de índole marxista ou socialista, subscrevendo igualmente o ideário da social-democracia europeia em torno de direitos sociais generosos e de um Estado-Providência intervencionista. O segundo maior partido, o PPD, era um partido do centro social democrata, congregando social democratas, liberais e alguns católicos progressistas, enquanto que o CDS era um partido mais conservador. Em ambos estes partidos, porém, a influência da doutrina da Igreja era visível, favorecendo a regulação social do mercado e políticas ativas de combate à pobreza e exclusão social. Foi a partir destas diferentes, e por vezes confluentes, famílias ideológicas que cada partido encontrou razões para apoiar a constitucionalização de direitos sociais como uma forma de romper com as injustiças sociais do passado e fundar a cooperação social em novos, e mais justos, termos.

Dito isto, seria ingénuo pensar-se que não subsistiram profundas divergências ideológicas, nomeadamente sobre o significado histórico dos direitos sociais e sobre as formas mais desejáveis de os implementar. Se, para os comunistas, os direitos sociais eram direitos que haviam sido conquistados pelas classes trabalhadoras à burguesia, já os social democratas substituíam o materialismo histórico dos comunistas por uma interpretação idealista dos direitos sociais como o parceiro historicamente necessário dos direitos civis e políticos. Diferentes entendimentos sobre a génese dos direitos sociais conduziam a diferentes entendimentos sobre o seu significado: direitos humanos para os partidos mais à direita; direitos de cidadania para os socialistas; direitos dos trabalhadores para os comunistas. Isto, como não podia deixar de ser, tinha implicações significativas quanto à sua implementação. O PCP queria que os principais beneficiários do Estado-Providência fossem os trabalhadores e as suas famílias, e que o seu financiamento ficasse também a cargo das outras classes sociais. Os socialistas concebiam os direitos sociais de forma universalista, mas deveriam ser colocados ao serviço de uma política fortemente redistributiva. Os social-democratas concebiam os direitos sociais como instrumentos de reforma social, em benefício dos trabalhadores e dos mais pobres, no âmbito de uma economia de mercado não planificada, e relembraram os restantes partidos que a categoria «trabalhadores» devia incluir também os pequenos proprietários e empresários.

O desacordo ideológico entre os partidos estendia-se igualmente às instituições responsáveis por concretizar os direitos sociais. Enquanto para comunistas e socialistas a responsabilidade em matéria social cabia em exclusivo ao Estado, como agente coletivo da emancipação popular, já os social-democratas e cristãos-democratas insistiam que a providência social é, antes de mais, uma responsabilidade social. Deste modo, a sua concretização deveria ser assegurada pelo Estado e sociedade civil, com ênfase no papel da Igreja (que não figura na Constituição), numa parceria sobre a qual radicaria a liberdade da pessoa humana face ao Estado. À luz destas e de outras discordâncias, poderia pensar-se que os partidos só conseguiriam chegar a acordo se tivessem recorrido quer a um grande grau de abstração na definição dos direitos sociais, quer a formulações propositadamente ambíguas, tal como viria a suceder pouco tempo depois em Espanha. Todavia, em Portugal, os direitos sociais e os seus mecanismos de implementação foram constitucionalizados com um detalhe impressionante. Isto porque quando os partidos se viram perante uma situação de dissenso, conseguiram ultrapassá-la seguindo fundamentalmente duas vias. Por um lado, seguiram uma «estratégia de evitamento»: as formulações ideologicamente mais controversas e as elaborações desnecessariamente polémicas sobre o racional por detrás dos direitos, se expressas amiúde nos debates, foram cuidadosamente expurgadas do texto da Constituição. Por outro lado, os partidos decidiram manter a tensão ideológica dentro da Constituição. Um exemplo desta segunda via é a incorporação ad hoc na secção dos direitos sociais de artigos contraditórios com ela, ou entre eles: por exemplo, um artigo que tornava os direitos sociais dependentes da coletivização dos meios de produção (artigo 50), junto a outro que reafirmava o direito à propriedade privada (artigo 62).

Esta estratégia de incorporar, mas sem necessariamente integrar, perspetivas ideológicas contraditórias, embora todas elas favoráveis aos direitos sociais, explica muito do carácter «barroco» da nossa Constituição48.

 

CONCLUSÃO

Levar as origens dos direitos sociais a sério implica avaliar de forma rigorosa e empiricamente sustentada as escolhas teóricas, metodológicas e interpretativas que enformam o seu estudo, bem como as hipóteses que estas escolhas motivam. O caso discrepante estudado neste artigo por intermédio de uma abordagem que procurou reconstruir o seu processo de génese e desenvolvimento permitiu-nos testar as limitações e apontar para possíveis explicações alternativas.

Do ponto de vista teórico, mostrámos as limitações da aplicabilidade de modelos analíticos construídos para o estudo da «política normal» na análise da «política extraordinária» que caracteriza os momentos constituintes, sobretudo quando estes coincidem com transições políticas revolucionárias. A nossa etnografia constitucional permitiu-nos identificar vários fatores constringentes que tornam os modelos de «política normal» significativamente menos relevantes para o. estudo da constitucionalização de direitos sociais, o que poderá, de resto, não se limitar ao caso português. Entre estes fatores destaca-se a tutela militar e o constrangimento ideológico por ela exercido sobre a política partidária e a competição eleitoral; a prevalência do evitamento do pior cenário em detrimento da maximização de preferências;o grau de incerteza com que se confrontavam os agentes políticos; a ausência de eleitorados consolidados e/ou clientelas, com as subsequentes dificuldades de previsão estratégica; e o predomínio de uma política de confronto ideológico em detrimento de uma política partidária de escolha institucional.

É, pois, necessário expandir a conceção do político subjacente às explicações do entrincheiramento dos direitos sociais para além do domínio da política partidária institucional de modo a incluir também forças políticas extrainstitucionais, como é caso dos movimentos sociais. A sua influência sobre o direito constitucional ao oferecer, e ao agir de acordo, com visões constitucionais alternativas é muitas vezes importante e sugere a necessidade de se olhar para o processo constituinte de forma mais dialógica. O modelo usual da ciência política da interação sobre as forças políticas envolvidas nestes processos constituintes, de cariz estratégico, tende a desvalorizar estas forças societais bem como a natureza específica e a dinâmica do processo de mudança constitucional e da própria Assembleia Constituinte. Porém, como a nossa análise do caso português demonstra, pode ser impossível explicar por que razão os direitos sociais foram consagrados na nossa Constituição da forma como o foram se os ignorarmos.

As etapas do processo constituinte e os diferentes atores envolvidos em cada uma delas (incluindo, por exemplo, a formulação dos projetos constitucionais, a sua pré-negociação, e a eventual ratificação popular da nova Constituição); a natureza da Assembleia (i.e., revolucionária ou eleita; eleita direta ou indiretamente; soberana, quase soberana, ou não soberana; Assembleia Constituinte, um parlamento normal ou uma comissão de especialistas); a sua organização e composição (por exemplo, o rácio de juristas); os seus processos internos e as dinâmicas comportamentais; e o seu nível de isolamento da política partidária normal, são, todas elas, dimensões importantes a ter em conta quando se procura explicar a génese da constitucionalização dos direitos sociais.

Do ponto de vista metodológico, o nosso estudo identifica os perigos de se interpretar este processo com base numa conceção da ação humana que a restringe a um cálculo custo-benefício, reduzindo todo o processo de constitucionalização ao interesse próprio. A variante hermenêutica ou interpretativa de análise histórica por nós adotada permitiu-nos, ao invés, fazer luz sobre um amplo leque de motivações para além do interesse próprio, sem, no entanto, o descurar. Questões de temporalidade e de ação localizada revelaram-se cruciais para a análise das nossas fontes primárias – como é que os agentes políticos se viam a si próprios?, como é que pensavam o seu papel histórico?, como é que definiram o passado e o futuro da sociedade que estavam a criar? – e demonstraram ser essenciais para se determinar se as origens dos direitos sociais em Portugal foram sobretudo benevolentes e progressivas, ou fundamentalmente estratégicas e conservadoras.

A questão dos horizontes temporais dos agentes envolvidos no processo constituinte revelou-se igualmente essencial para um outro aspecto da nossa análise. A maior parte das assembleias constituintes opera na sequência de uma mudança política abrupta ou revolucionária. Nestas circunstâncias, os agentes políticos não podem contar com a ajuda de contextos institucionais estáveis e previsíveis para enquadrar as suas opções e ajudar a estruturar as suas ações. Em vários pontos do nosso estudo, vimos quão fácil teria sido interpretar erroneamente as causas da constitucionalização dos direitos sociais em resultado de se atribuir uma capacidade irrealista de previsão de médio e longo prazo aos agentes que lideraram o processo constituinte. Ter-se-ia caído na falácia funcionalista de se depreender do facto de que as instituições fazem hoje algo em seu favor a explicação da sua origem.

É certo que à medida que o Estado-Providência se desenvolveu em Portugal este se tornou funcional – ainda que em diferente medida – para os dois principais partidos, que procuraram garantir o apoio eleitoral das clientelas do Estado-Providência e o controlo sobre a composição do Tribunal Constitucional, responsável pela fiscalização da implementação dos direitos sociais. Seria, porém, ilusório concluir se deste resultado histórico que os direitos constitucionalizados devem ter sido o produto de um cálculo instrumental de ganhos eleitorais ou uma estratégia defensiva de uma coligação conservadora por parte de elites hegemónicas, mas ameaçadas.

A braços com um considerável constrangimento orçamental para as próximas décadas, as elites do nosso país veem se confrontadas com um dilema: tentar manter a sua legitimidade política ao mesmo tempo que desfazem algumas das expectativas constitucionalmente protegidas de um povo para quem democracia e direitos sociais são cooriginais e inseparáveis. Hoje, quatro décadas após a Revolução dos Cravos, a política constitucional depende mais do que nunca de se levar os direitos a sério.

 

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Data de receção: 8 de janeiro de 2016 | Data de aprovação: 25 de fevereiro de 2016

 

NOTAS

1Este artigo recupera, com alterações significativas, o texto originalmente publicado como: «Getting rights right. Explaining social rights constitutionalization in revolutionary Portugal». In I*CON. International Journal of Constitutional Law. Vol. 11, N.º 4, 2013, pp. 898-922.

2FABRE, Cécile – «Social rights in European constitutions». In DEBÚRCA , Gráinne, e DE WITTE, Bruno (coord.) – Social Rights in Europe. Londres: Oxford, 2005, pp. 15-29.

3BASSAT, Avi Ben, e DAHAN, Momi – «Social rights in the constitution and in practice». In Journal of Comparative Economics. Vol. 36, N.º 1, 2008, pp. 103-119.

4Uma exceção é MAGALHÃES, Pedro C. – «Explaining the constitutionalisation of social rights: Portuguese hypotheses and a crossnational test». Draft paper (2011).

5GINSBURG, Tom, ELKINS, Zachary, e BLOUNT, Justin – «Does the process of constitution-making matter?». In Annual Review of Law and Social Science. Vol. 5, 2009, pp. 201-223.

6Sobre a Índia, ver, por exemplo, KOTHARI, Jayna – «Social rights litigation in India: developments of the last decade». In BARAK-EREZ, Daphne, e GROSS, Aeyal M. (coord.) – Exploring Social Rights: Between Theory and Practice. Londres: Hart Publishing, 2007, pp. 171-192; sobre a África do Sul, ver, por exemplo, CHRISTIANSEN, Eric C. – «Adjudicating non--justiciable rights: socio-economic rights and the South African Constitutional Court». In Columbia Human Rights Law Review. Vol. 38, N.º 2, 2007, pp. 321-386; PIETERSE, Marius – «Possibilities and pitfalls in the domestic enforcement of social rights: contemplating the South African Experience». In Human Rights Quarterly. Vol. 26, N.º 4, 2004, pp. 892-905; sobre Israel, ver, por exemplo, HIRSCHL, Ran – «The political origins of judicial empowerment through constitutionalization: lessons from Israel’s constitutional revolution». In Comparative Politics. Vol. 32, 2001, pp. 315-336; sobre o Canadá, Israel e a Nova Zelândia, veja-se HIRSCHL, Ran – «“Negative” rights vs. “positive” entitlements: a comparative study of judicial interpretations of rights in an emerging neo-liberal economic order». In Human Rights Quarterly. Vol. 22, N.º 4, 2000, pp. 1060-1098.

7Ver, por exemplo, GARGARELLA, Roberto – «Grafting social rights onto hostile constitutions». In Texas Law Review. Vol. 89, N.º 7, 2011, pp. 1537-1538.

8Ver, por exemplo, HUBER, Evelyne, e STEPHENS, John D. – Development and Crisis of the Welfare State. Parties and Policies in Global Markets. Chicago: Chicago University Press, 2001.

9Ver, por exemplo, DWORKIN, Ronald – Freedom’s Law: The Moral Reading of the American Constitution. Harvard: Harvard University Press, 1996.

10Veja-se, por exemplo, ELSTER, Jon – Solomonic Judgements: Studies in the Limitation of Rationality. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.

11Veja-se, por exemplo, MOE, Terry – «Political institutions: the neglected side of the story». In Journal of Law, Economics & Organizations. Vol. 6, N.º 1, 1990, pp. 206-253; KNIGHT, Jack – Institutions and Social Conflict. Cambridge: Cambridge University Press, 1992; HIRSCHL, Ran – Towards Juristocracy: The Origins and Consequences of the New Constitutionalism. Cambridge, Mass.: Harvard: Harvard University Press, 2004.

12Ver, por exemplo, SWEET, Alec Stone – «Path dependence, precedent and judicial power». In SWEET, Alec Stone, e SHAPIRO, Martin. (coords.) – On Law, Politics, and Judicialization. Oxford: Oxford University Press, 2002, pp. 112-135; SHAPIRO, Martin – «Towards a theory of stare decisis». In Ibidem, pp. 90-102.

13Ver, por exemplo, HUBER, Evelyne, RAGIN, Charles, e STEPHENS, John D. – «Social democracy, Christian democracy, constitutional structure, and the Welfare State». In American Journal of Sociology. Vol. 93, N.º 3, 1993, pp. 711-749; MARCH, James J., e OLSEN, Johan P. – Rediscovering Institutions: The Organizational Basis of Politics. Nova York: The Free Press, 1989; HIRSCHL, Ran – Towards Jusristocracy.

14HIRSCHL, Ran – «On the blurred methodological matrix of comparative constitutional law». In CHOUDRY, Sujit (coord.) – The Migration of Constitutional Ideas. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, pp. 39-66.

15MAHONEY, James – «Revisiting general theory in historical sociology». In Social Forces. Vol. 83, 2004, pp. 459-464.

16HALL, Peter A. – «Aligning ontology and methodology in comparative politics». In MAHONEY, John, e RUESCHEMEYER, Dieter (coord.) – Comparative Historical Analysis in the Social Sciences. Nova York: Cambridge University Press, 2003, pp. 373-404.

17Em novembro de 1975, a Assembleia esteve literalmente sequestrada durante vinte e quatro horas por trabalhadores da construção civil, alegadamente com ligações ao PCP.

18Ver, por exemplo, BASSAT, Avi Ben, e DAHAN, Momi – «Social rights in the constitution and in practice», que usam o PIB per capita como variável de controlo; MAGALHÃES, Pedro C. – «Explaining the constitutionalisation of social rights», que usa igualmente o PIB per capita como variável de controlo na análise do caso português.

19EISENSTADT, Samuel N. – The Great revolutions and The Civilizations of Modernity. Leiden-Boston: Brill, 2006; GOLDSTONE, Jack – Revolution and Rebellion in the Early Modern World. Berkeley: University of California Press, 1991.

20Ver, por exemplo, HIRSCHL, Ran – «On the blurred methodological matrix of comparative constitutional law», pp. 40-51.

21MAXWELL, Kenneth – «The thorns of the Portuguese Revolution». In Foreign Affairs. Vol. 54, 1976, pp. 250-254.

22MUÑOZ, Rafael Durán – «A crise económica e as transições para a democracia: Espanha e Portugal em perspectiva comparada». In Análise Social. xxx (141), 1997, pp. 369-401.

23Lei 3/74, 14 de maio.

24Ver VIEIRA, Mónica Brito, e SILVA, Filipe Carreira da – O Momento Constituinte. Os Direitos Sociais na Constituição. Coimbra: Almedina, 2013, pp. 126-31. A versão completa dos debates na Assembleia Constituinte de 1975-1976 está disponível no sítio do Parlamento português: http://debates.parlamento.pt/catalog.aspx?cid=r3.dac

25LUCENA, Manuel de – «Transformações do Estado português nas suas relações com a sociedade civil». In Análise Social. x viii (2-3-4), N.º 72-73-74, 1982, pp. 897-926; PEREIRA, Victor – «Emigração e desenvolvimento da previdência social em Portugal». In Análise Social. xliv (3), N.º 192, 2009, pp. 471-510.

26Martelo de Oliveira, ppd.

27GUNTHER, Richard – «Constitutional change in contemporary Spain». In BANTING, Keith, e SIMEON, Richard (coord.) – Redesigning the State: The Politics of Constitutional Change in Industrial Nations. Toronto: University of Toronto Press 1985, pp. 51-54.

28LA PORTA, Rafael et al. – «The quality of government». In Journal of Law, Economics and Organizations. Vol. 15, N.º 2, 1999, pp. 222-279.

29LA PORTA, Rafael, LOPEZ-DE-SILANES, Florencio, e SHLEIFER, Andrei – «The economic consequences of legal origins». In Journal of Economic Literature. Vol. 46, N.º 2, 2008, pp. 285-332.

30ELKINS, Zachary – «Diffusion and the constitutionalization of Europe». In Comparative Political Studies. Vol. 46, N.º 8-9, 2010, pp. 969-999.

31POUSADA, Rafael Vallejo – «Estado y economia en la España democrática, 1975-1999». In Historia y Política. Vol. 9, 2003, pp. 159-184.

32Embora se desconheça os números correspondentes para a Assembleia Constituinte, cerca de 24 por cento dos deputados eleitos à Assembleia da República em 1976 tinham formação em Direito.

33O pacto entrou em vigor em janeiro de 1976, tendo sido subscrito por Portugal em outubro desse mesmo ano.

34A Constituição indiana de 1948 inclui garantias e proteções especiais para alguns destes grupos, mas, pelo que apurámos nas entrevistas realizadas bem como da análise dos debates, não parece ter sido uma fonte da nossa Constituição.

35Ver VIEIRA, Mónica Brito, e CARREIRA DA SILVA, Filipe – O Momento Constituinte, pp. 73-81.

36Ver, por exemplo, SWEET, Alec Stone – Governing With Judges. Constitutional Politics in Europe. Oxford: Oxford University Press, 2000.

37O PPD elegeu 81 deputados, o PCP 30, o CDS 16, o MDP/CDE, um partido-satélite do PCP, elegeu cinco deputados, e dois outros partidos de extrema-esquerda elegeram um deputado cada.

38RAMSEYER, J. Mark – «The puzzling (in)dependence of Courts». In Journal of Legislative Studies. 23, 1994.

39MAGALHÃES, Pedro – The Limits to Judicialization: Legislative Politics and Constitutional Review in the Iberian Democracies. Dissertação de doutoramento, Ohio State University, 2003.

40Programa Político do MFA, abril de 1974.

41PRZEWORSKI, Adam et al.Democracy, Accountability, and Representation. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.

42RUNCIMAN, David, e VIEIRA, Mónica Brito – Representation. Londres: Polity Press, 2008; MANSBRIDGE, Jane – «A “selection model” of political representation». In Journal of Political Philosophy. Vol. 17, N.º 4, 2009, pp. 369-398; DISCH, Lisa – «Toward a mobilization conception of democratic representation». In American Political Science Review. Vol. 105, N.º 1, 2011, pp. 100-114. Ver também PLOTKE, David – «Representation is democracy». In Constellations. Vol. 4, N.º 1, 1997, pp. 19-34.

43ELKINS, Zachary, GINSBURG, Tom, e MELTON, J. – The Endurance of National Constitutions. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.

44MANZA, Jeff, e COOK, Fay Lomax – «A democratic polity? Three views of policy responsiveness to public opinion in the United States». In American Politics Research. Vol. 30, N.º 6, 2002, pp. 630-657.

45SOARES, Mário – Soares I: Ditadura e Revolução. Lisboa: Círculo de Leitores, 1996.

46Foi o caso do projeto sobre a organização do poder político, um tema especialmente delicado, apresentado por Jorge Miranda, um eminente constituinte e constitucionalista do PPD.

47Ver, por exemplo, KOUTNATZIS, Stylia-nos-Ioannis – «Social rights as a constitutional compromise: lessons from comparative experience». In Columbia Journal of Transnational Law. Vol. 44, N.º 1, 2005, pp. 74-133.

48MIRANDA, Jorge – «A Constituição de 1976 no Âmbito do Constitucionalismo Português». In Coelho, M. B. (coord.) – Portugal. O Sistema Político e Constitucional 1974-1987, 1989, p. 630.

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