SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número32Pax Germanica: A nova paz liberal e a velha Angst europeiaAs relações entre a Alemanha e a Rússia: duas políticas externas em transição índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Relações Internacionais (R:I)

versão impressa ISSN 1645-9199

Relações Internacionais  n.32 Lisboa dez. 2011

 

Kosovo: os desafios à democratização

 

Teresa Cierco Gomes

Professora auxiliar convidada na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade da Beira Interior, onde é directora do 2.º ciclo em Relações Internacionais e vice-directora do 1.º ciclo em Ciência Política e Relações Internacionais. Doutora em Ciência Política e Relações Internacionais, é autora de vários artigos em revistas nacionais e internacionais sobre o tema dos processos de democratização nos Balcãs Ocidentais.

 

RESUMO

Este artigo foca a relação entre o Estado e a democracia no Kosovo analisando três das suas dimensões: o reconhecimento internacional, a capacidade governativa e a coesão nacional. Tendo declarado unilateralmente a independência em Fevereiro de 2008, o Kosovo tem procurado a concretização de dois grandes objectivos: obter o total reconhecimento internacional do Estado e continuar o seu processo de transição rumo à democracia e à economia de mercado, aproximando-se da União Europeia.

Palavras-chave: Democratização, Balcãs Ocidentais, Kosovo, União Europeia

 

Kosovo: the challenges to democratization

ABSTRACT

This article focuses the relation between the state and democracy in Kosovo, analysing three of its dimensions: the international recognition, the govern capacity and the national cohesion. After the unilaterally declaration of independence in February 2008, Kosovo searches to concretize two main goals: to obtain the State total international recognition and to pursue its transition process towards the democracy and market economy, approaching the European Union.

Keywords: Democratization, West Balkans, Kosovo, European Union

 

Todos os países dos Balcãs Ocidentais estão em processo de democratização. Contudo, neste conjunto variado de países, nem todos têm progredido da mesma forma. Alguns estados estão em fase de transição (como é o caso do Kosovo) e outros já estão em fase de consolidação da democracia (como é o caso da Croácia e da ex-República da Jugoslávia da Macedónia), outros, ainda, estão num regime híbrido entre estas duas fases (caso da Bósnia-Herzegovina).

O processo de transição para a democracia e economia de mercado é difícil e complicado. Mas, para este grupo de estados dos Balcãs Ocidentais, que ambicionam aderir à União Europeia (UE), a situação é ainda mais difícil dada a situação política, económica e social que os caracteriza.

O Kosovo está num processo de transição desde que ficou sob regime de protectorado das Nações Unidas, em 1999. A partir desta altura, apesar de se manter sob soberania sérvia, todo o território passou a ser administrado pelas Nações Unidas. Paulatinamente, a missão da ONU no terreno, a United Nations Interim Administration Mission in Kosovo (UNMIK), foi transferindo competências e delegando maiores responsabilidades das reformas nas Instituições Provisórias de Autogoverno do Kosovo (PISG). Foi neste contexto, simultaneamente de forte presença internacional e de iniciativa nacional que o Kosovo foi dando os primeiros passos rumo à democracia.

Após a declaração unilateral de independência, em Fevereiro de 2008, o processo de transição democrática no Kosovo tem evoluído com o forte apoio dos Estados Unidos e da maior parte dos estados da UE. Contudo, na relação entre o Estado e a democracia, é possível identificar três dimensões, cada uma das quais coloca sérios desafios ao processo de transição no Kosovo, tornando difícil a sua concretização com sucesso e comprometendo, consequentemente, a aproximação e adesão do Estado à UE num futuro próximo.

Este argumento desenvolve-se em três partes. A primeira analisa os conceitos de democracia e de democratização. A segunda refere o processo de transição democrática no Kosovo, que se iniciou em 1999. Para além de uma breve referência aos antecedentes históricos, analisa-se a forma como o processo foi evoluindo, simultaneamente, num contexto de forte presença internacional e de fragmentação nacional. A terceira e última parte foca três dimensões da relação entre Estado e democracia, abordando os respectivos desafios que cada uma delas coloca ao processo de democratização no Kosovo, a saber: o reconhecimento internacional, a capacidade governativa e a coesão nacional.

 

DEMOCRACIA E DEMOCRATIZAÇÃO

O conceito de democracia tem vindo a ser largamente discutido nas últimas décadas. De acordo com Leonardo Morlino, para compreender a democracia é importante distinguir cinco diferentes definições de um regime político democrático: geral, processual, genético, mínimo e normativo1.

Uma definição empírica geral foi dada por Dahl: todos os regimes políticos, que garantem a real participação da população adulta e a possibilidade de oposição, podem ser considerados democracias2. Por sua vez, a definição processual de democracia faz referência às normas formais e às instituições de um regime democrático, em particular às normas processuais que regulam: o voto em sufrágio universal; eleições livres, justas, competitivas e periódicas; um parlamento com tomada de decisão e controlo de poder eleito de acordo com as normas referidas; um primeiro-ministro e um governo responsável perante um parlamento; e estruturas intermédias como partidos políticos e organizações. Uma definição genética de democracia foca a forma como esse regime foi criado: as normas ou procedimentos que resultaram de um compromisso para uma resolução pacífica entre actores sociais politicamente relevantes ou outros actores institucionais da arena política. Sob a perspectiva da definição mínima de democracia, todos os regimes políticos com a) sufrágio universal, b) eleições livres, justas, competitivas e periódicas, c) mais de um partido político, d) diferentes fontes de informação, podem ser considerados democráticos.

Por fim, de acordo com Morlino, uma democracia ideal pode ser definida como o regime que cria as melhores oportunidades institucionais para realizar a liberdade e igualdade. Dahl e Beethan sugerem alguns princípios para assegurar a liberdade e igualdade: inclusão política de todos os adultos e responsabilização de quem governa3. Dahl sugere ainda a necessidade de oito garantias institucionais: liberdade de associação e organização, liberdade e pensamento e de expressão, direito de voto, direito dos líderes políticos em competir por apoio eleitoral, várias fontes de informação, possibilidade de ser eleito, eleições livres e justas, instituições que façam com que as políticas governamentais dependam do voto4. O Estado de direito tem de ser acrescentado a todos estes instrumentos. Compreende não só o respeito pelas leis, mas também uma administração eficiente, a existência de tribunais independentes, um sistema judicial capaz de resolver conflitos públicos e privados, a ausência de corrupção e criminalidade, a presença de um sistema pluralista de informação.

Segundo Morlino, democratização significa transição de um regime político não democrático, em particular autoritário, para um regime democrático, seguindo um processo de instauração, consolidação, crise ou crescente qualidade democrática. É importante definir cada um destes processos, tendo em conta que a democratização é um processo aberto e resulta da interacção de factores internos e externos.

A transição é o período intermédio, no qual o regime perde alguns dos aspectos fundamentais de regime autoritário, sem ter adquirido todas as novas características do regime que será estabelecido. Em particular, a transição tem início quando os direitos civis e políticos básicos começam a ser reconhecidos, e pode ser concluído quando se torna claro que a democracia será estabelecida. O processo de instauração democrática envolve um reconhecimento dos direitos civis e políticos; a completa civilização da sociedade; a emergência de mais partidos políticos e de um sistema partidário, e outras organizações colectivas; a adopção das principais instituições democráticas e procedimentos como a lei eleitoral ou o estabelecimento de uma relação entre o legislativo e o executivo.

É importante sublinhar que a consolidação democrática é um dos resultados possíveis da instauração da democracia. A consolidação começa quando as novas instituições e normas são criadas e entram em funcionamento. Por exemplo, a instauração pode terminar com a aprovação da Constituição e o aparecimento de um sistema partidário depois das eleições; e a consolidação pode começar logo de seguida. A consolidação democrática pode ser definida como o processo de definição, fixação e adaptação das diferentes estruturas e normas do regime democrático.

A crise democrática surge quando há limites à expressão de direitos civis e políticos. Por sua vez, uma democracia com qualidade ou uma «boa» democracia implica uma «estrutura institucional estável que implementa a liberdade e igualdade entre os seus cidadãos através do correcto e legítimo funcionamento das suas instituições e mecanismos»5.

Estas fases do processo de democratização não evoluem automaticamente e nem todos os regimes em transição terminam com democracias consolidadas. Alguns processos, nomeadamente, nos Balcãs Ocidentais, podem terminar numa «zona cinzenta» entre a democracia e alguma forma de ditadura.

No Kosovo, o processo de transição rumo à democracia tem vindo a ser implementado com grande dificuldade e com uma total dependência de actores externos, particularmente da UE. Na relação entre o Estado e a democracia, identificamos três diferentes dimensões que colocam algumas dúvidas quanto à concretização, com sucesso, do processo de democratização no Kosovo.

 

O PROCESSO DE TRANSIÇÃO NO KOSOVO

ANTECEDENTES HISTÓRICOS

O Kosovo foi, durante várias décadas, uma província autónoma da República da Sérvia no seio da ex-Jugoslávia6. Apesar de nunca ter tido estatuto de república, o Kosovo era uma província dotada de grande autonomia. Com a revogação desta em 1989, e com as sucessivas declarações de independência da Eslovénia, Croácia, Macedónia e Bósnia, a população do Kosovo foi sendo alvo de políticas restritivas e discriminatórias por parte das autoridades sérvias. Numa situação de grande pobreza, os albaneses, liderados por Ibrahim Rugova, desenvolveram ao longo da década de 1990 uma sociedade paralela, criando hospitais, escolas e uma administração civil própria. Paralelamente a esta resistência passiva, surgiu um movimento separatista radical, o Exército de Libertação do Kosovo (KLA), em 1995, que empreendeu um conjunto de ataques a interesses sérvios na província, o que provocou uma violenta resposta por parte das autoridades sérvias. Nesta altura, foram cometidas atrocidades e assistiu-se à violação de direitos humanos de forma sistemática nas diferentes acções militares e policiais da Sérvia na província.

A comunidade internacional decidiu intervir, tendo sido constituído o grupo de contacto (Estados Unidos, Reino Unido, França, Itália e Rússia). No entanto, as negociações políticas promovidas juntamente com as duas comunidades (sérvios e albaneses) sobre a situação do Kosovo falharam, não tendo sido possível chegar a consenso.

Com a contínua repressão da Sérvia no Kosovo, a NATO lançou uma campanha de ataque aéreo obrigando o Governo sérvio a retirar do território. Esta situação veio agravar ainda mais o problema humanitário7. Na sua sequência, o Conselho de Segurança emitiu a Resolução 1244 (1999), que colocou o Kosovo sob administração das Nações Unidas, UNMIK, e estabeleceu um enquadramento geral para resolver, no futuro, o estatuto político e legal do Kosovo8. Esta resolução definiu o compromisso para com a soberania e integridade territorial da Sérvia, mas permitiu, ao mesmo tempo, a criação de instituições provisórias de autogovernação. Esta autonomia e autodeterminação, baseada na divisão de responsabilidades entre a UNMIK e as autoridades do Kosovo, permitiu que, nove anos depois, o Kosovo estivesse em condições de proclamar a independência.

 

A CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA

O processo de transição no Kosovo tem início em 1999, quando o território fica com o estatuto de protectorado das Nações Unidas. A estabilidade do território passou a ser assegurada pela KFOR (NATO-led Kosovo Force), força de manutenção da paz da NATO, composta por 16 mil efectivos de 32 países9.

Desde 1999, o Kosovo manteve-se num certo limbo político, oficialmente parte do então Estado da Sérvia e do Montenegro, mas, na realidade, com grande independência de qualquer influência directa de Belgrado e administrado primeiramente pela missão das Nações Unidas. Apesar de os líderes nacionais solicitarem a independência, a comunidade internacional foi relutante em concedê-la e a governação do Kosovo foi sendo partilhada entre as entidades nacionais e internacionais. Mesmo numa situação de inexistência do Estado e de ausência da independência política, e com uma forte presença internacional a nível nacional, o desenvolvimento político do Kosovo foi marcado pela incerteza sobre o seu estatuto e a possibilidade de um autogoverno democrático.

Durante nove anos, o Kosovo foi desenvolvendo as Instituições Provisórias de Autogoverno e uma administração pública de acordo com os princípios democráticos, se bem que num contexto significativo de presença da comunidade internacional. Toda a evolução empreendida, desde a criação das instituições, ao surgimento dos partidos políticos e ao conjunto de processos eleitorais realizados no território entre 1999 e 2008 (ao todo quatro), tem assim de ser analisada como um processo de interacção entre actores nacionais e internacionais.

Em todo este processo, a presença e a acção da UNMIK no Kosovo foi crucial, uma vez que permitiu a criação de instituições provisórias de autogoverno10. A gradual delegação de poderes e de responsabilidades da UNMIK nas instituições nacionais deu à missão das Nações Unidas um papel instrumental na construção do regime democrático no Kosovo. A missão dividiu-se em quatro pilares, cada um liderado por uma organização internacional, mas com um representante especial do secretário-geral para coordenar as diferentes organizações envolvidas. Com o alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados encarregue dos assuntos humanitários e a União Europeia a liderar o esforço de reconstrução económica, as Nações Unidas ficaram encarregues da administração civil. Por sua vez, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) coordenou o pilar da construção das instituições. Esta estrutura deu às Nações Unidas e à OSCE um papel fundamental na transição política do Kosovo11.

A nível interno, os partidos políticos tiveram também um papel importante no desenvolvimento político do Kosovo. Após o conflito de 1999, o nível de antagonismo continuou elevado entre os albaneses e os sérvios kosovares. A minoria sérvia recusou frequentemente participar na vida política de Pristina, relegando autoridade apenas nas instituições paralelas criadas entretanto por Belgrado no território. Com esta atitude de não participação, a comunidade sérvia procurava ajudar à concretização do objectivo da Sérvia de levar o Kosovo a integrar-se novamente sob a sua soberania12.

O espaço político albanês foi também marcado por divergências interpartidos, sobretudo quando a influência do LDK nos anos 1990 se dispersou, dando origem a dois partidos sucessores. O maior, o Partido Democrático do Kosovo (PDK), liderado pelo actual primeiro-ministro Hashim Thaçi, foi formado logo a seguir ao conflito. No período que marcou um certo vazio político, entre o ataque da NATO e a entrada da UNMIK, o PDK conseguiu estabelecer autoridade a nível local e proclamou um governo provisório, tendo como primeiro-ministro Thaçi. Em Maio de 2000, um segundo partido foi criado quando um antigo comandante do KLA, Ramush Haradinaj, estabeleceu a Aliança para o Futuro do Kosovo (AAK). Apesar de alguma cooperação durante o período da administração internacional, a relação entre os dois partidos sempre foi tensa, dadas as diferentes estratégias de resistência à autoridade sérvia13.

O contexto interno do Kosovo a partir de 1999 foi assim marcado pela presença de uma forte missão internacional, com um mandato explícito, que a envolveu e comprometeu na criação e desenvolvimento das instituições democráticas de autogoverno no Kosovo, juntamente com uma fragmentada e, muitas vezes, antagónica elite política nacional. Foi através deste ambiente, ora de cooperação, ora de conflito de interesses e prioridades a nível nacional, e de imposição internacional, que as acções dos dois partidos foram promovendo a criação e o desenvolvimento das instituições e a eleição de uma assembleia e governo nacionais.

 

DESAFIOS À DEMOCRATIZAÇÃO

Na bibliografia que aborda a relação entre o Estado e a democracia é possível identificar três dimensões do Estado, cada uma das quais coloca diferentes desafios à democratização. Cada uma destas três dimensões é distinta e tem implicações específicas na natureza e perspectivas da democratização. Em certas circunstâncias, quando há alteração de regime político dentro de um Estado homogéneo e estabilizado, onde o governo central detém a autoridade política, todo e qualquer assunto relacionado com o Estado pode não ter um papel significativo na política de transição. No caso do Kosovo, contudo, onde a capacidade do governo central está limitada e não há consenso nacional, alguns dos factores relacionados com o Estado apresentam sérios obstáculos à transição e à consolidação da democracia.

Os capítulos seguintes exploram estas três dimensões fazendo referência aos desafios que cada uma coloca actualmente ao processo de democratização do Kosovo.

 

O RECONHECIMENTO INTERNACIONAL

A primeira dimensão diz respeito ao reconhecimento do Estado e está relacionada com um requisito: que a entidade política seja um Estado reconhecido na comunidade internacional antes de se poder afirmar como democracia. Linz e Stepan, por exemplo, argumentam que um Estado soberano é um «pré-requisito para a democracia», e que os desafios de alcançar uma democracia não podem ser conseguidos sem que a entidade territorial seja reconhecida como Estado soberano14, «[a] democracia é uma forma de governar um Estado moderno. Logo, sem o Estado, não é possível uma democracia»15.

Embora raramente aceite explicitamente, esta perspectiva é reforçada pela atenção dada aos processos de democratização apenas em estados reconhecidos internacionalmente. Contudo, em certas circunstâncias, a análise da democratização pode e deve aplicar-se também a estados como o Kosovo que, embora ainda não seja reconhecido pela totalidade dos estados no sistema internacional, é já um Estado independente, que conta com o apoio dos Estados Unidos e da maior parte dos estados da União Europeia (22 dos 27). Tal como Laurence Whitehead argumenta, é possível analisar o processo de democratização na ausência do total reconhecimento16.

O reconhecimento no direito internacional público é um acto político unilateral, com consequências legais nacionais e internacionais, no qual um país reconhece um acto ou estatuto de outro Estado ou governo. O reconhecimento da independência de um Estado permite estabelecer acordos internacionais, condição fundamental para o estabelecimento da soberania.

Em situações difíceis como a do Kosovo, o assunto da legalidade passa, frequentemente, de uma questão de legalidade da secessão para uma questão de legalidade do reconhecimento da secessão. No memorando da UE sobre a Resolução 1244 afirma-se que «geralmente, quando uma entidade emerge como Estado no sentido do direito internacional, pode ser adoptada uma decisão política de o reconhecer». Isto reflecte a compreensão de que o reconhecimento, por si só, não é um requisito do Estado17. Pelo contrário, o reconhecimento apenas aceita uma ocorrência factual. Logo, o reconhecimento é «declaratório» por oposição a «constitutivo».

No reconhecimento de uma entidade como Estado pela comunidade internacional há duas concepções que se opõem. De acordo com a teoria constitutiva, o Estado só pode ser sujeito de direito internacional quando é reconhecido como soberano pelos outros estados18. Por oposição, a teoria declarativa defende que o reconhecimento do Estado tem apenas um alcance declarativo porque o seu único objecto é o de verificar a existência do novo Estado, sem lhe conferir qualquer qualidade jurídica. O reconhecimento condiciona em certa medida os efeitos internacionais da soberania do novo Estado, mas não cria a soberania nem o Estado. O Estado deve cumprir os critérios estruturais (um povo, um território e um governo), independentemente do seu reconhecimento por parte dos outros estados. Esta é a posição do Instituto de Direito Internacional: «o reconhecimento tem um efeito declarativo. A existência de um novo Estado, com todos os efeitos jurídicos relacionados com a sua existência não é afectada pela recusa de reconhecimento por um ou vários Estados» (Resolução de 1936, sessão de Bruxelas)19. Assim, a recusa de reconhecimento não impede um Estado de existir. Inversamente, a concessão do reconhecimento não é suficiente para criar um Estado: se os elementos constitutivos não se verificarem, a entidade reconhecida não é por isso um Estado.

O enquadramento dado pelo direito internacional permite argumentos a favor e contra a secessão. No entanto, no interesse da estabilidade sistémica, o direito internacional é contra a secessão. Um dos argumentos que pode ser elaborado é o de que os estados não devem reconhecer um novo Estado se esse reconhecimento perpetua uma falha no direito internacional. Este é o argumento defendido pela Rússia e pela Sérvia. Enquanto a Sérvia não consentir numa alteração no seu território e respectivas fronteiras, não pode haver reconhecimento legal do Kosovo. Ambos os estados, Sérvia e Rússia, argumentam que a Resolução 1244 não permite a secessão do Kosovo sem o acordo da Sérvia. Em particular, referem-se ao preâmbulo da resolução que reafirma o compromisso de todos os estados-membros para com «a soberania e integridade territorial da República Federal da Jugoslávia»20.

Contudo, a alteração das fronteiras de um Estado soberano, neste caso da Sérvia, não torna por si só a independência do Kosovo ilegal porque a comunidade internacional aceita a legalidade da secessão em determinadas circunstâncias. Apesar dos assuntos de secessão raramente receberem adjudicação formal, a prática do Estado e as opiniões dos tribunais apontam alguns «casos extremos» ou «circunstâncias cuidadosamente definidas» sob as quais o privilégio da secessão existe. Qualquer tentativa de evocar secessão legal deve, pelo menos, mostrar que os secessionistas são um «povo» (sentido etnográfico); o Estado do qual eles se estão a separar violou seriamente os seus direitos humanos; e não há outra solução para o problema, quer sob a legislação interna, quer sob o direito internacional.

O primeiro aspecto, a existência ou não de povo, não levanta qualquer dúvida. Os albaneses kosovares têm fortes traços que os unem e os caracterizam enquanto nação. Relativamente ao segundo ponto, o argumento é válido na medida em que os sérvios foram de facto responsáveis por sérias violações de direitos humanos contra os albaneses kosovares e, tal como refere a Resolução 1244, estava-se perante uma «situação humanitária grave» e uma «ameaça à paz e segurança internacional». Foram estes acontecimentos que levaram à intervenção da NATO em 1999. Quanto ao terceiro aspecto, a situação política anterior à declaração de independência não parece oferecer qualquer alternativa real à secessão. Até Dezembro de 2007, as duas partes não resolveram as suas diferenças, e as negociações, sobre o estatuto final do Kosovo não tiveram qualquer resultado. Sendo improvável que qualquer tentativa militar conseguisse manter o Kosovo na Sérvia, parece também que qualquer outra opção realista para além da separação falhasse.

Como já foi referido, o Kosovo não tem ainda o reconhecimento da totalidade dos estados do sistema internacional. Contudo, isso não contraria o facto de que já é independente desde 2008, nem impede que o seu processo de transição continue a desenvolver-se. Comparado com outros movimentos secessionistas noutras partes do mundo, como Taiwan ou a República de Nagorno-Karabakh, o Kosovo dispõe de algo que nenhum outro tem: o forte apoio da União Europeia e dos Estados Unidos. Adicionalmente, a decisão do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) em Julho de 2010, considerando que a declaração de independência «não viola o direito internacional», veio dar uma nova força a este processo de afirmação do Kosovo enquanto Estado de direito no sistema internacional. Apesar de ter apenas um carácter consultivo e não vinculativo, esta decisão resulta de uma análise efectuada por especialistas de direito internacional a nível mundial, sendo, por isso, uma clara vitória às pretensões kosovares. É provável que, em virtude desta posição do TIJ, outros estados venham a reconhecer o Kosovo.

No entanto, a oposição de estados como a Rússia, a China e a Índia, para além da própria Sérvia, entre outros, continua a trazer alguma instabilidade e incerteza ao panorama internacional. Também no seio da União Europeia as divergências continuam. Durante as audições no TIJ, a representante espanhola, Concepción Escobar Hernández, argumentou que «a declaração unilateral de independência do Kosovo não está de acordo com o direito internacional porque viola o princípio da integridade territorial e soberania da Sérvia» e que a Resolução 1244 «está ainda em vigor… o processo político para encontrar uma solução ainda decorre até o Conselho de Segurança tomar uma decisão»21. Por seu lado, a Rússia considerou que o parecer do TIJ foi sobre a legalidade da declaração e não sobre a questão mais abrangente do direito do Kosovo se separar da Sérvia unilateralmente.

O assunto do reconhecimento é, por isso, um dos desafios que o Estado kosovar enfrenta num futuro próximo, não só porque tem ambições de entrar para a União Europeia, e, para isso, precisa do consenso de todos os estados-membros, como também entrar para a Assembleia das Nações Unidas, precisando, para isso, de ter a aprovação do Conselho de Segurança.

 

A CAPACIDADE GOVERNATIVA

A segunda dimensão da relação entre Estado e democracia diz respeito à capacidade do Estado. Em particular, até que ponto o Estado tem recursos e presença no território para manter a sua autoridade e proteger a sua população. Neste contexto, a importância do Estado está relacionada com a capacidade em estabelecer o Estado de direito no seu território. De acordo com O’Donnell, há três elementos do Estado que são necessários para apoiar a democracia: um sistema legal que defenda os direitos e liberdades definidos num regime democrático, um conjunto de instituições que aplique esses direitos no território, e discursos ideológicos e/ou práticas que assegurem que a capacidade do Estado é utilizada para reforçar os valores democráticos22. Os níveis de jurisdição, a presença e a autoridade do Estado definem o contexto político que pode ser de constrangimento ou, pelo contrário, de oportunidade e incentivo à democratização23.

A capacidade do Estado é fundamental para o exercício da democracia. Se as instituições centrais do Estado não conseguirem exercer autoridade em todo o território no qual têm jurisdição, não é possível ter governo efectivo. As regras da democracia liberal exigem que os direitos políticos e o Estado de direito possam ser gozados, e que as autoridades do Estado providenciem os fundamentos legais para que isso aconteça, criando os mecanismos que ajudam à sua implementação24. A democracia (e por sua vez, a paz) pode ser ameaçada quando as estruturas centrais do Estado são fracas ou quando as instituições locais e os actores agem de acordo com as prioridades locais ou não respeitam as regras e normas definidas pelo governo central25.

No Kosovo, estes problemas são significativos. As instituições políticas são ainda frágeis, o que levanta algumas questões sobre a capacidade em implementar e fazer respeitar políticas, leis e direitos em todo o território do Estado. Em várias áreas, as estruturas institucionais do governo e da administração têm sido incapazes de estender a sua autoridade a todo o território e em assegurar que todos os membros da população sejam tratados de forma igual e tenham igual acesso ao sistema político e legal instituído.

Apesar de o Kosovo ter um governo eleito de forma livre (se bem que, com ausência de participação da minoria sérvia), este não controla a totalidade do território. Na parte habitada pela minoria sérvia, especificamente, na parte mais a norte, a sul no município de Strpce e nos pequenos enclaves espalhados pelo território, as autoridades kosovares não exercem qualquer soberania. Todas estas parcelas do território estão sob supervisão da missão das Nações Unidas (UNMIK). A população sérvia, se bem que uma minoria, recusa participar nos actos eleitorais e, desta forma, reconhecer o Governo kosovar, continuando a sua relação de nacionalidade para com a Sérvia. Nestas áreas habitadas maioritariamente por sérvios, há uma série de estruturas políticas paralelas que foram criadas e são controladas pelo Governo sérvio. Estas estruturas incluem serviços de segurança, tribunais, educação e saúde. Para complicar ainda mais, as municipalidades sérvias do Kosovo tomaram a iniciativa de formarem, em Junho de 2008, a «Assembleia da União dos Municípios da Província Autónoma do Kosovo e Metohija», numa clara posição de recusa da independência, mantendo-se, desta forma sob a soberania de Belgrado.

A nível central, a autoridade do Governo é também fragilizada com a falta de recursos e de mão-de-obra qualificada26. Falta capacidade para desenvolver políticas e elaborar legislação em conformidade com as orientações da UE.

Quanto à administração local, há uma série de problemas. As nomeações e o emprego na administração pública estão muitas vezes dependentes dos partidos, o que dificulta a imparcialidade e independência do serviço público, e levanta questões de desempenho e de ética. O emprego está assim conectado com a lealdade ao partido e não à eficiência27.

Para além dos problemas com o governo central e a administração local, o sistema judicial do Kosovo enfrenta também problemas de capacidade e de imparcialidade. Apesar de alguns desenvolvimentos neste sector ao nível do enquadramento legal, graças à forte orientação e pressão internacional, persistem ainda alguns problemas. A capacidade em resolver efectiva e imparcialmente os processos, sobretudo na área dos direitos de propriedade, é preocupante28. As questões de propriedade e, particularmente, de ocupação ilegal de casas de sérvios por albaneses kosovares continua a ser fonte de fortes tensões no Kosovo. Esta situação impede que a população sérvia se torne membro efectivo do novo Estado. A incapacidade de processar estes e outros casos representa uma séria barreira ao desenvolvimento democrático do Kosovo.

Outro problema está relacionado com a capacidade do sistema judicial em assegurar a imparcialidade dos juízes quando se trata de casos com uma dimensão étnica. A maioria dos juízes pertence à comunidade albanesa, o que levou a administração internacional a introduzir juízes internacionais29. No entanto, mantêm-se as preocupações sobre a imparcialidade da justiça no Kosovo.

A ausência de Estado de direito e o ineficiente sistema judicial, sujeito a interferências políticas, juntamente com o crime organizado e a corrupção são algumas das características apontadas pela Comissão, como sendo as mais difíceis de resolver30. Num inquérito realizado em 2009, cerca de 82 por cento da população do Kosovo acreditava na existência de corrupção ao mais alto nível. O Índice da Percepção da Corrupção de 2008, da Transparency International, identificou o Kosovo como uma das quatro economias mais corruptas do mundo juntamente com a da Albânia, dos Camarões e do Camboja31.

Um último factor que demonstra a falta de capacidade do Estado está relacionado com questões de segurança, concretamente, com a violência e intimidação da minoria sérvia32. Este factor revela falhas não só nas estruturas nacionais de segurança (Corpo de Polícia do Kosovo), como também nas instituições de segurança internacionais, constituindo um desafio ao processo de democratização no Kosovo.

É certo que a estabilidade política se tem mantido, mas não por mérito próprio. A relativa estabilidade que existe hoje no Kosovo deve-se à forte presença da comunidade internacional no terreno. De acordo com a constituição, que entrou em vigor em Junho de 2008, o Presidente e a Assembleia do Kosovo têm autoridade governamental no Kosovo. No entanto, este documento, essencial na organização interna do próprio Estado, baseia-se na «Proposta Compreensiva para o Acordo sobre o Estatuto do Kosovo», cuja implementação é supervisionada pelo Representante Civil Internacional (ICO). Este tem autoridade para verificar se a legislação e as decisões adoptadas pelo Governo kosovar, em matéria de direitos humanos e de protecção de minorias, estão em conformidade com o Plano Athisaari33. Se bem que a Constituição do Kosovo esteja de acordo com os princípios europeus que requerem a estabilidade das instituições garantindo assim a democracia, o Estado de direito, o respeito pelos direitos humanos e pela protecção das minorias, na prática a situação continua a não ser satisfatória a vários níveis34. Desde logo, a ausência de Estado de direito, fundamental para garantir o respeito e a implementação das leis, para além da violação dos direitos humanos, particularmente das minorias sérvia e roma, têm provocado um profundo descontentamento e instabilidade social35.

Nesta dimensão, quando se fala da capacidade governativa referimo-nos à questão da soberania. A soberania, atributo fundamental do Estado, consiste no poder supremo sobre o território e os seus habitantes36. Segundo Verdross, um Estado soberano é «uma comunidade que se governa plenamente a si própria»37. A supremacia e a independência de um Estado soberano manifestam-se, respectivamente, nas relações do poder político com o elemento humano do Estado (povo) e com os outros estados do sistema internacional (soberania interna e externa). A soberania interna consiste na competência exclusiva do Estado para determinar as suas instituições, assegurar o seu funcionamento, criar direito e garantir o seu respeito por todos os que vivem no seu território. Por sua vez, a soberania externa é a faculdade de cada Estado dirigir o agregado nas relações com os outros estados, sem que, no exercício de tal faculdade, esteja sujeito a outro poder38.

No caso do Kosovo, algumas questões se levantam em termos de soberania interna e externa. Internamente, a forte presença da comunidade internacional assegura algumas das funções básicas do Estado ao nível da segurança e da estabilidade política, económica e social.

 

Como se pode ver no gráfico 1, a comunidade internacional, com particular destaque para a UE (com a presença de quatro instituições no terreno), vai administrando de facto o território. A UNMIK, apesar de ter reduzido a sua presença para cerca de dez por cento, continua a ter importantes funções de monitorização, facilitando, sempre que possível, o envolvimento internacional do Kosovo em acordos internacionais e na sua representação externa39. Procura também promover o diálogo entre Pristina e Belgrado sobre algumas preocupações de ambas as comunidades ao nível da polícia, tribunais, alfândega, transportes e infra-estruturas, fronteiras e património sérvio. Para além destas funções, continua também a ser responsável pela cooperação judicial internacional com estados que ainda não reconheceram o Kosovo.

 

Gráfico 1 > A comunidade internacional no Kosovo

 

Por sua vez, a KFOR é responsável pela segurança no território, sobretudo na parte norte do Kosovo (habitada maioritariamente pela minoria sérvia), e ainda sob soberania de facto da Sérvia. Ajuda também a promover a estabilidade no relacionamento entre as duas comunidades.

Quanto à presença da UE, há quatro instituições no terreno. O European Union Special Representative (EUSR), instituído pelo Conselho Europeu, aconselha e apoia o Governo do Kosovo no processo político de futura integração na Europa. É responsável pela coordenação da presença da UE e contribui para o desenvolvimento e consolidação do respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais no território. A European Union Rule of Law in Kosovo (EULEX) é a maior missão civil lançada sob os auspícios da Política Europeia de Segurança e Defesa40. Procura assistir e apoiar as autoridades kosovares na implementação do Estado de direito, especificamente nas áreas de polícia, justiça e alfândega. Apesar de não ter objectivos de governo, a missão monitoriza e aconselha as autoridades kosovares em vários domínios, retendo alguns poderes executivos. O facto de a EULEX estar enquadrada no âmbito da Resolução 1244, levanta a questão de saber sob que lei (Pristina, UNMIK ou Belgrado) a EULEX actua no Norte do Kosovo, não existindo consenso nesta matéria. O European Commission Liaison Office (ECLO) ajuda à prossecução das reformas através de políticas regulares e diálogo técnico. Procura obter apoio para o reforço das instituições, o desenvolvimento da economia e o cumprimento dos princípios europeus por parte do Governo kosovar. No fundo, apoia o processo de estabilização e de associação, criado pela UE e no qual o Kosovo participa. Por último, o International Civilian Representative (ICR), cujo responsável é também o EUSR no Kosovo, tem como função supervisionar o cumprimento do acordo sobre o estatuto do Kosovo concebido por Martti Ahtisaari. O facto de o ICR ser mandatado pelo International Steering Group (ISG), gera por si só alguns problemas. Enquanto a UE tem uma posição neutral face à independência do Kosovo (devido à recusa de cinco estados-membros em reconhecer o Estado kosovar: Espanha, Roménia, Eslováquia, Grécia e Chipre), o ISG compreende apenas os estados europeus que reconheceram a independência do Kosovo.

Apesar da influência que todas estas organizações (ONU, NATO e UE) têm na vida política, económica e social do Kosovo, este ainda não é Estado-membro de nenhuma delas, não participando, por isso, nas suas decisões.

Resta assim concluir que a capacidade governativa do Kosovo é limitada em áreas tão importantes como a segurança ou a representação externa do Estado. O processo de democratização no Kosovo enfrenta desafios em termos de governo efectivo na totalidade do território e de capacidade em assegurar adequada protecção dos direitos e segurança de todos os seus cidadãos, independentemente da etnia a que pertençam.

E, se é certo que a presença internacional no Kosovo contribui de certa forma para resolver algumas das fragilidades do Estado, tem também o efeito nefasto de reduzir a capacidade governativa das autoridades nacionais.

 

A COESÃO NACIONAL

A terceira dimensão está relacionada com a coesão do Estado, e tem sido tratada por Linz e Stepan. Os problemas do Estado surgem quando há falta de harmonia entre a polity e a demos. No caso do Kosovo, isto levanta algumas questões, não só ao nível das fronteiras/limites do território, como também da adesão da população à comunidade política instituída. Especificamente, Linz e Stepan argumentam que quanto maior for a percentagem de população no território que não queira pertencer ao Estado, mais difícil será consolidar a democracia. Se a população num determinado território estiver dividida, linguista, religiosa e culturalmente, o desafio em alcançar um acordo sobre os fundamentos da democracia, especialmente os direitos dos cidadãos, torna-se ainda mais difícil41. Estas hipóteses vão no seguimento do que Dankwart Rustow defende ao afirmar que a unidade nacional, no que respeita às fronteiras territoriais e comunitárias, é a única condição necessária para uma transição com sucesso para a democracia42.

No Kosovo, a comunidade albanesa está em maioria (cerca de 88 por cento) e cumpre os requisitos do conceito de povo. Este conceito é utilizado normalmente como factor primordial para a definição de nação: conjunto de indivíduos ligados por uma determinada língua, religião, usos, tradições, passado histórico43.

Contudo, como em qualquer outro território na zona dos Balcãs, o Kosovo é um Estado multiétnico, constituído por sérvios (seis por cento), bósnios e goranis (três por cento), roma e ashkali (dois por cento) e turcos (um por cento)44. A concentração da comunidade internacional e dos actores e instituições nacionais no conflito entre os albaneses e os sérvios kosovares, tornou ainda mais difíceis as circunstâncias e a integração das outras minorias, a maior parte das quais vive ainda em campos de refugiados45. A declaração de independência veio piorar ainda mais esta situação46. De acordo com um relatório do Grupo dos Direitos das Minorias o «vacum na efectiva protecção internacional de minorias» e «a falta de vontade política entre os albaneses, para além do pouco investimento em mecanismos de protecção, provocou uma erosão nos direitos das minorias no período pós-independência»47.

O processo de democratização no Kosovo tem assim que enfrentar alguns desafios significativos no que respeita à coesão nacional. Tal como Linz e Stepan sublinham, a falta de consenso sobre a adesão a um Estado apresenta um desafio ao desenvolvimento democrático48. No Kosovo, assim como noutros contextos pós-conflito, a ausência de consenso é profunda relativamente a assuntos de coesão de Estado, e tem na sua base as visões irreconciliáveis e antagónicas das duas comunidades no que diz respeito ao governo do território. Para os sérvios kosovares, o Kosovo é uma província da Sérvia, tendo como capital Belgrado. Por sua vez, para os albaneses kosovares, o Kosovo é um Estado independente com fronteiras perfeitamente definidas. Estas posições irreconciliáveis têm sérias consequências no desenvolvimento político do Kosovo e no seu processo de transição para a democracia.

Em termos sociais, as duas comunidades vivem separadas e com pouca ligação entre si. Como já foi referido, a maior parte da minoria sérvia vive na parte norte do território (com uma grande concentração na cidade de Mitrovica), e em pequenos enclaves isolados e dispersos pelo Sul e Leste do Kosovo. A tensão entre as duas comunidades é permanente e elevada. Registam-se frequentes casos de violência contra os sérvios kosovares, sendo a sua liberdade de movimento muito restrita. Esta restrição tem, por sua vez, sérias implicações no que respeita ao acesso da minoria sérvia aos serviços públicos no Kosovo, para além de dificultar o regresso da população sérvia ao território. Esta fragilidade da relação interétnica reforça o papel das instituições paralelas sérvias que, num círculo vicioso, reduzem as oportunidades de uma interacção e comunicação interétnica49.

Esta divisão entre as duas comunidades é também visível na confrontação política entre os seus respectivos partidos e na relutância da população sérvia em participar nas instituições políticas kosovares. Cada comunidade é representada por partidos separados, não existindo partidos multiétnicos que congreguem as duas comunidades. Estes partidos encaram o desenvolvimento político no Kosovo como parte da dinâmica soma zero, em que cada parte interpreta os desenvolvimentos da outra como avanços ou recuos nos seus objectivos exclusivos no que respeita ao estatuto político do território. O resultado é a resistência por parte de um dos lados a quase todos os desenvolvimentos políticos e evolução do processo de transição no Kosovo.

A falta de coesão nacional é ainda realçada pela recusa por parte dos partidos sérvios em envolverem-se na vida política do Kosovo. Durante os anos de protectorado, os sérvios foram adiando o envolvimento nas instituições que foram sendo criadas, e apenas aderiam quando os interesses de Belgrado eram acautelados. Apesar de participarem nas eleições para a Assembleia em 2001, houve uma fraca participação nas eleições municipais de 2002 e um total boicote das eleições para a Assembleia em 2004. Estes boicotes foram apoiados e encorajados por Belgrado, e reflectiram as divisões existentes no Kosovo. Sem o envolvimento dos sérvios nas instituições políticas do Kosovo, será difícil alcançar a consolidação da democracia.

A falta de coesão tem claramente implicações para a transição democrática no Kosovo. Tal como Linz e Stepan afirmam: «se um grupo significativo de pessoas não aceita um Estado como legítimo, porque não querem ser parte do Estado, apesar de democraticamente constituído, isto coloca um problema sério para a transição democrática e ainda mais sério para a consolidação democrática.»50 No Kosovo, a segregação social (quer voluntária quer involuntária), as estruturas paralelas, os boicotes políticos e o sistema político partidário monoétnico ilustram a existência de um problema de legitimidade para um sector da população (mesmo que seja uma minoria). Num regime democrático, a resolução destes problemas só é possível com a participação da minoria sérvia, logo, este é mais um dos desafios ao processo de democratização no Kosovo.

 

CONCLUSÃO

O processo de transição democrática no Kosovo teve início em 1999. Apesar de não ter o total reconhecimento internacional, as estruturas nacionais foram-se desenvolvendo e estiveram envolvidas num sistema político partilhado entre as instituições provisórias de autogovernação e a comunidade internacional, concretamente, as Nações Unidas, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa e a União Europeia.

Mesmo com o forte apoio da comunidade internacional, o sucesso dos esforços de transição no Kosovo não estão garantidos. Neste novo Estado, são vários os desafios que se colocam ao processo de transição. Neste artigo, identificámos três dimensões na relação entre Estado e democracia, que colocam desafios ao processo de democratização no Kosovo, comprometendo a sua concretização com sucesso, desde logo, a incerteza do processo de reconhecimento internacional, a capacidade governativa do próprio Estado e a falta de coesão nacional entre a população.

A natureza da presença internacional significa que estes desafios não são apenas um assunto interno, e que os actores internacionais continuam a desempenhar um papel crítico em todo o processo de transição do Kosovo. Podemos assim afirmar que a democratização do Kosovo está intrinsecamente ligada a considerações internacionais no que diz respeito não só ao estatuto e ao desenvolvimento político do Estado, como também à estabilidade na região.

A grande questão que se coloca é se o progresso conseguido sob os auspícios da presença internacional é ou não sustentável, caso as organizações internacionais decidam sair. O teste final para a transição política no Kosovo será, sem dúvida, quando, e se, a comunidade internacional sair do território. Só nessa altura é que as autoridades nacionais do Kosovo ganham uma real independência e soberania política. E o sucesso do processo de democratização dependerá das orientações e estratégias adoptadas para enfrentar os desafios que agora estão sob limitada capacidade nacional.

24 de Novembro de 2010

 

NOTAS

1 MORLINO, Leonardo – Democrazie e Democratizzazioni. Bolonha: il Mulino, 2003, pp. 18-31.         [ Links ]

2 DAHL, Robert – «Response to Philip Green on “What is political equality?». In Dissent, Verão de 1979, pp. 263-268.         [ Links ]

3 DAHL, Robert – On Democracy. Londres: Yale University Press, 1998;         [ Links ] Beethan, D. – Democracy and Human Rights. Cambridge: Polity, 1999.         [ Links ]

4 DAHL, Robert – The Dilemmas of Pluralist Democracy. New Haven: Yale University, 1982, pp. 10-11.         [ Links ]

5 MORLINO, Leonardo – What is a «Good» Democracy? Theory and Empirical Analysis. In Conference at University of California, Berkeley, 2002. [Consultado em: 3 de Agosto de 2010]. Disponível em: http://ies.berkeley.edu/research/files/CP02/CP02-What_is_Good_Democracy.pdf         [ Links ]

6 Centro do império sérvio até 1389, o Kosovo é considerado o berço da cultura e identidade sérvia. Habitado maioritariamente por albaneses (90 por cento da população total), que se consideram descendentes dos illyrians (povo autóctone que vivia na província antes da chegada dos sérvios), o Kosovo tem sido palco de conflito étnico entre sérvios e albaneses, existindo fortes ligações históricas e emocionais por parte de ambos os povos ao território.

7 SIMMA, B. – «NATO, the un and the use of force: legal aspects». In European Journal of International Law. Vol. 10, N.º 2, 1999, pp. 1-22.         [ Links ]

8 YANNIS, Alexandros – «The un as Government in Kosovo». In Global Governance. Vol. 10, N.º 1, 2004, pp. 67-81.         [ Links ]

9 Cf. KERMORVANT, C. Yves – «KFOR’s main concern local government reform – challenges for Kosovo». In Focus Kosovo, Setembro-Outubro de 2004.         [ Links ] A paz e a segurança no território sempre foram frágeis nestes últimos anos. Em 2004, registaram-se casos de violência entre a população sérvia e albanesa (VRIEZE, Franklin de – «Kosovo after the March 2004 Crisis». In Helsinki Monitor. Vol. 15, N.º 3, 2004, pp. 147-159).         [ Links ] Desde 1999, cerca de 30 monumentos (mosteiros e igrejas) sérvios foram destruídos e a população sérvia foi sendo expulsa de algumas regiões, migrando para o Norte do Kosovo e para a Sérvia (FREDDOM HOUSE – Kosovo – Nations in Transit. [Consultado em: 23 de Janeiro de 2010]. Disponível em: http://www.freedomhouse.org/inc/content/pubs/fiw/inc_country_detail.cfm?year=2009&country=7757&pf). Neste processo, nem a UNMIK, nem a KFOR, conseguiram evitar a hostilidade e violência entre ambas as comunidades, tendo sido fortemente criticadas pela população (MITIC, Aleksandar – UN Envoy calls for policy reversal in Kosovo, International Relations and Security Network. [Consultado em: 14 de Outubro de 2009]. Disponível em: http://www.globalpolicy.org/security-council/index-of-countries-on-the-security-council-agenda/israel-palestine-and-the-occupied-territories/38700.html).

10 Resolução 1244, S/RES/1244, ONU, 10 de Julho de 1999.

11 Para mais informação sobre a estrutura da missão, cf. «Report of the Secretary General Pursuant to Paragraph 10 of Security Council Resolution 1244», ONU, S/1999/672, 12 de Junho de 1999.

12 INTERNATIONAL CRISIS GROUP – «Kosovo: toward final status». In Europe Report. N.º 161, 24 de Janeiro de 2004.         [ Links ]

13 INTERNATIONAL CRISIS GROUP – «Kosovo after Haradinaj». In Europe Report. N.º 163, 26 de Maio de 2004.         [ Links ]

14 LINZ, Juan, e STEPAN, Alfred – Problems of Democratic Transition and Consolidation: Southern Europe, South America and Post-Communism Europe. Baltimore: John Hopkins University Press, 1996, p. 18.         [ Links ]

15 Ibidem, p. 17.

16 WHITEHEAD, Laurence – «Freezing the flow: theorizing about democratization in a world in flux». In Taiwan Journal of Democracy. Vol. 1, N.º 1, 2005, pp. 4 e 6.         [ Links ]

17 Esta é também a opinião do Comité de Arbitragem Badinter.

18 Esta concepção foi proposta por autores voluntaristas clássicos (Triepel, Jellinek, Cavaglieri) que consideraram que a existência de um novo Estado deve ser aceite pelos outros estados do sistema internacional. Muitos rejeitam a teoria constitutiva porque, entre outras razões, promove a subjectividade na noção de Estado. A teoria constitutiva é apenas uma construção teórica uma vez que nunca foi codificada por um tratado ou reconhecida no direito internacional.

19 No mesmo sentido, o artigo 3.º da Declaração de Montevideu, de 27 de Dezembro de 1933 (VII Conferência Panamericana), sobre os direitos e deveres dos estados, dispõe: «a existência política do Estado é independente do seu reconhecimento pelos outros Estados». Também a jurisprudência aponta em direcção à tese declarativa, afirmando que o Estado existe por si próprio e o reconhecimento não é mais do que declaração da sua existência reconhecida pelos estados de que emana (DINH, Nguyen, DAILLIER, Patrick, e PELLET, Alain – Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, p. 498).         [ Links ]

20 BORGEN, Christopher – «Kosovo’s Declaration of Independence: self-determination, secession and recognition». In American Society of International Law, 2008. [Consultado em: 14 de Dezembro de 2009]. Disponível em: http://www.asil.org/insights080229.cfm        [ Links ]

21 BANCROFT, Ian – «EU divisions over Kosovo get deeper». In The Guardian. [Consultado em: 5 de Março de 2010]. Disponível em: http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2010/feb/17/kosovo-quint-europe-divisions?INTCMP=SRCH        [ Links ]

22 O’DONNELL, Guillermo – Counterpoints: Selected Essays on Authoritarianism and Democratization. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1999, pp. 135-137.         [ Links ]

23 GONZALEZ, F., e KING, D. –«The state and democratization: the United States in comparative perspective». In British Journal of Political Science. Vol. 34, N.º 2, 2004, p. 193.         [ Links ]

24 Ibidem, p. 196.

25 MANNING, Carrie – «Local level challenges to post-conflict peace building». In International Peacekeeping. Vol. 10, N.º 3, 2003, pp. 25-43.         [ Links ]

26 COMISSÃO EUROPEIA – Comission Staff Working Document. Kosovo under UNSCR Progress Report. SEC (2009) 1340, Bruxelas, 14 de Outubro de 2009, p. 9.         [ Links ]

27 DŽIHIC, Vedran, e Kramer, Helmut – «Kosovo after independence». In International Policy Analysis, Friedricht Ebert Stiftung, Julho de 2009, p. 12.         [ Links ]

28 COMISSÃO EUROPEIA – Comission Staff Working Document. Kosovo under UNSCR Progress Report, pp. 9-10.         [ Links ]

29 Ibidem, p. 17.

30 COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS – Kosovo – Fulfilling its European Perspective. Bruxelas, COM (2009) 5343, 14 de Outubro de 2009, p. 5.         [ Links ]

31 FREDDOM HOUSE – Freedom in the World – Kosovo [Serbia]. [Consultado em: 23 de Janeiro de 2010]. Disponível em: http://www.freedomhouse.org/inc/content/pubs/fiw/inc_country_detail.cfm?year=2009&country=7757&pf

32 Ibidem, p. 3.

33 O Plano de Martti Ahtisaari (ex-primeiro-ministro finlandês – mediador designado pela troika Estados Unidos, Rússia e União Europeia), surge em Fevereiro de 2007. Propunha a independência do Kosovo, mas sob supervisão internacional. No entanto, perante a recusa da Sérvia, não foi possível chegar a consenso. No fim de 2007, a troika emitiu uma declaração onde afirmava que as partes tinham sido «incapazes de alcançar um acordo sobre o estatuto final do Kosovo», não estando dispostas «a ceder na sua posição sobre a fundamental de soberania do Kosovo» (BORGEN, Christopher – «Kosovo’s Declaration of Independence: self-determination, secession and recognition». In American Society of International Law, 2008. [Consultado em: 14 de Dezembro de 2009]. Disponível em: http://www.asil.org/insights080229.cfm        [ Links ]

34 COMISSÃO EUROPEIA – Kosovo Under UNSCR 1244/99 2009 Progress Report. Bruxelas, 14 de Outubro de 2009. SEC (2009) 1340, p. 6.         [ Links ]

35 COMISSÃO EUROPEIA – Conclusions on Kosovo (under unscr 1244/99) (extract from the Communication from the Commission to the Council and the European Parliament «Enlargement Strategy and Main Challenges 2009-2010», COM(2009)533 final), 2009, p. 3.         [ Links ]

36 CUNHA, J. da Silva – Direito Internacional Público. Coimbra: Almedina, 1987, p. 29.         [ Links ]

37 VERDROSS, Alfred – Völkerrecht. Derecho Internacional Público. 4.ª edição castelhana. Madrid, 1963, pp. 10-11.         [ Links ]

38 CUNHA, J. da Silva – Direito Internacional Público, p. 29.         [ Links ]

39 COMISSÃO EUROPEIA – Kosovo Under UNSCR 1244/99 2009 Progress Report, 2009, pp. 5 e 20.         [ Links ] A missão da UNMIK é signatária, em nome do Kosovo, de uma série de acordos internacionais e de iniciativas regionais (Tratado Comunitário de Energia, Acordo Europeu Comum da Área de Aviação, Observatório de Transporte Sudoeste Europeu, Acordo de Livre Comércio da Europa Central, Conselho de Cooperação Regional). De acordo com a constituição, as autoridades kosovares asseguram a representação regional e internacional do Kosovo. No entanto, não são aceites como sucessores da UNMIK pelos estados que se recusam a reconhecer o Estado kosovar.

40 A EULEX tem um orçamento de 265 milhões de euros até 14 de Junho de 2010, para o qual contribui a maior parte dos estados-membros, juntamente com a Noruega, Suíça, Turquia, Croácia, Estados Unidos e Canada. [Consultado em: 23 de Dezembro de 2009]. Disponível em: http://www.eulex-kosovo.eu/?id=7

41 LINZ, Juan, e STEPAN, Alfred – Problems of Democratic Transition and Consolidation: Southern Europe, South America and Post-Communism Europe, p. 29.         [ Links ]

42 RUSTOW, Dankwart – «Transitions to democracy: toward a dynamic model». In Comparative Politics. Vol. 2, N.º 3, 1970, p. 350.         [ Links ]

43 SOARES, Albino de Azevedo – Lições de Direito Internacional Público. Coimbra: Coimbra Editora, 1988, p. 275.         [ Links ]

44 BASHOTA, S., e KOKOLLARI, B. – «Kosova libraries: history and development». [Consultado em: 3 de Agosto de 2010]. Disponível em: http://www.ifla.org/files/hq/papers/ifla76/136-bashota-en.pdf

45 DŽIHIC, Vedran, e KRAMER, Helmut – «Kosovo after independence», p. 9.         [ Links ]

46 Ibidem, p. 9.

47 Ibidem.

48 LINZ, Juan, e STEPAN, Alfred – Problems of Democratic Transition and Consolidation: Southern Europe, South America and Post-Communism Europe.         [ Links ]

49 Segundo Lambert Zannier, o Kosovo «remained stable, but the potential for volatility remained because little progress had been made in reconciling the ethnic Albanian and Serb communities there». «The absence of a significant process of reconciliation between the communities continued to be a challenge, which, coupled with economic difficulties, continued to present the risk of social unrest». CONSELHO DE SEGURANÇA – UNMIK – Kosovo Remains Stable, but Slow Progress on Reconciliation Could Lead to Volatility, Special Representative Tells Security Council. 6314th Meeting (PM), 17 de Maio de 2010. [Consultado em: 20 de Março de 2010]. Disponível em: http://www.un.org/News/Press/docs/2010/sc9928.doc.htm

50 LINZ, Juan, e STEPAN, Alfred – Problems of Democratic Transition and Consolidation: Southern Europe, South America and Post-Communism Europe, p. 27.         [ Links ]

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons