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Revista Lusófona de Educação

versão impressa ISSN 1645-7250

Rev. Lusófona de Educação  no.17 Lisboa  2011

 

Estética e arte na formação do professor da educação básica

 

Adair de Aguiar Neitzel*, Carla Carvalho**

*Professora e investigadora da Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI- Brasil. neitzel@univali.br

**Professora e investigadora da Universidade do Vale do Itajaí, UNIVALI- Brasil.

 

Resumo

Investigamos as concepções de professores dos anos finais do Ensino Fundamental de uma rede de ensino de um município brasileiro, acerca do ensino de música, linguagem cênica, literatura e artes visuais a partir dos estudos e vivências artísticas possibilitadas no curso de especialização em Docência na Educação Básica. O objetivo foi avaliar o impacto dessas atividades propostas na prática pedagógica do professor. Esta é uma pesquisa descritiva, em parte de análise documental, cujo tratamento dos dados apresentou uma abordagem qualitativa e quantitativa. Para coleta de dados propomos duas ações básicas: análise dos documentos norteadores do projeto e aplicação de questionários aos professores. Para a análise dos questionários adotamos a metodologia de análise de conteúdo que prevê o delineamento de um referencial de codificação, a mecânica da codificação e a construção de tabelas de freqüência para a análise de conteúdos. Os resultados apontaram que 60% dos professores perceberam mudanças no currículo. Atividades que envolveram a literatura foram indicadas como as mais promovidas entre os professores, seguidas das atividades de artes visuais. 70% apontaram que houve mudanças no repertório pessoal, principalmente por conta das vivências em artes visuais e das apresentações culturais. 40% demonstraram uma visão pedagógica das artes e 60% conceberam a arte como fruição.

Palavras-chave: Formação de professores; cultura; estética; arte.

 

The esthetics and art in professional development of basic education teachers

Abstract

This research investigates the concepts of teachers of the municipal education network of Balneário Piçarras, SC, Brazil, in relation to the teaching of music, scenic language, literature and visual arts, based on studies and artistic experiences gained on the specialization course in Teaching in Basic Education. The objective was to evaluate the impact of these proposed activities on the teaching practice. This was a descriptive study; partly document analysis, in which the data were analyzed using a qualitative and quantitative approach. For the data collection, we proposed two basic actions: analysis of guiding documents of the project and application of questionnaires to teachers. For the analysis of the questionnaires we adopted the methodology of content analysis, which includes outlining a codification framework, the codification process itself, and the construction of frequency tables for the content analysis. The results indicate that 60% of teachers perceive changes in the curriculum. Activities involving literature were adopted as the most promotional activities among teachers, followed by visual arts activities. 70% said there had been changes in the personal repertoire, particularly as a result of their experiences of visual arts and cultural presentations. 40% demonstrated a pedagogical vision of the arts, and 60% conceived art as enjoyment.

Keywords: Teacher Training; Culture; Esthetics; Art.

 

Introdução: educação estética e constituição do sujeito

- E depois, como é que um ano depois eu já era

um mestre de ceticismo, escrevendo, com aquela

história do copo, alegorias de um mundo sem propósito – porque era isso que eu queria dizer,

posso senti-lo.

- Simplesmente porque mudou de professor. Um novo professor pode liberar o espírito crítico que um

outro não permitia que se desenvolvesse.

E depois, naquela idade, nove meses de

diferença é um século.

(ECO, 2005 p.214-215)

Dia 25 de abril de 1991. Giambattista Bodoni, conhecido como Yambo, perde a memória aos sessenta anos. De sua história pessoal nada lembra, ficaram apenas os poemas, os romances lidos durante sua existência. Os fragmentos de suas leituras enchem sua boca, em francês, em inglês, em italiano, sem titubear, e Yambo se vê na companhia de Píndaro, Flaubert, Alexandre (o grande), Balzac, Santo Agostinho, Rimbaud, Dante, Pirandello e muitos, muitos outros. Mas sua história pessoal está apagada. Precisa recuperá-la. Como trazê-la à tona? Vai para Solara, a casa de seus avós e pais, e mergulha nos livros, nos cadernos de sua infância. Como é um homem culto, conhecedor de música clássica, pintura e literatura, se questiona acerca de sua formação cultural e busca acordar, por meio das leituras infantis, suas lembranças, agora tão remotas.

Não há dúvidas que Umberto Eco com este romance, A misteriosa chama da rainha Loana, quer pôr em discussão a formação cultural do homem, atentando principalmente para as influências do texto literário no processo de construção identitária de cada um. Na epígrafe acima, um diálogo entre Yambo e Paola (sua esposa) traz à cena um dos elementos responsáveis pela nossa formação: o professor. Yambo, ao reler suas redações, percebe que de um ano para o outro elas destoam em conteúdo e forma. Entre um texto com jargões que parecem ter sido reproduzidos a partir dos clichês escolares encontra uma crônica produzida nove meses depois sobre um copo inquebrável, uma alegoria de um mundo sem propósito, como afirma o próprio personagem. Como tal mudança ocorreu?

À medida que avançamos na leitura do romance descobrimos o mundo cultural no qual Yambo estava imerso. Leitor voraz quando criança, apreciador de histórias em quadrinhos, Yambo efetuou a passagem para o mundo adulto não perdendo de vista o livro, ao contrário, ele se torna um bibliófilo. Por que este romance de Umberto Eco nos interessa? Porque ele traz à tona questões relativas à educação estética, e o faz de forma impactante, levando o leitor a concluir que somos feitos daquilo que lemos, ouvimos e vivemos (como já disse Poe).

Ana Mae Barbosa (2007), ao discutir a função da arte em um país com tantos problemas sociais como o Brasil, afirma que a arte ultrapassa o conceito de que é mercadoria ou quadro para se pendurar na parede. Se por um lado o contato com a arte encaminha o público à reflexão, à busca de mudanças, como exemplifica Barbosa com os vários projetos desenvolvidos no continente americano, ela também possibilita o desenvolvimento cultural e individual.

Para Barbosa, a arte pode possibilitar o re-conhecimento, a reflexão na relação entre conteúdos históricos culturais e conceitos de arte. A autora escreve que tem uma visão mais política do conceito de re-conhecimento: “Para mim é ir além da própria obra em busca do campo de referencias culturais que determinam a identidade histórica e questionam a distorcida visão (“misrecognition”) dos colonizadores” (2007, p. 27). Esse re-conhecimento é resultado da experiência estética que “promove a autoconsciência, impulsiona atitudes, contribui para processos de formação humana” (Pessi, 2007, p. 60), nesse sentido por meio dele é possível compreender a existência do sujeito na relação com o contexto em que vive.

O que procurava Yambo nos livros que fizeram parte de sua arca de palimpsestos? O caminho que percorreu na infância e as marcas da constituição de suas subjetividades, as marcas do humano, pois são elas que vão determinar nossa humanidade. As referências culturais que foram se sedimentando ao longo de sua existência permitiram que nosso personagem ficcional se constituísse como um sujeito fruídor de arte, com um repertório erudito. Sua sagacidade em perscrutar o sentido segundo das coisas – para além do sentido obtuso, como denomina Barthes (1982, p.45) - constitui seu perfil, um bibliófilo pensador. A epígrafe que selecionamos para iniciar este artigo suscita um ponto importante para nossa pesquisa, o espírito investigador de Yambo se construiu em parte pelas mãos do professor que lia suas redações e fazia indicações ao final do texto, em parte pela leitura e outra pela interferência familiar. Aqui, nos interessa discutir principalmente sobre o papel do professor na formação do sujeito.

O professor, como sujeito da cultura precisa apropriar-se de uma sensibilidade estética, desenvolvida nas relações com os objetos culturais e artísticos. Ao fruir a arte, o sujeito relaciona-se consigo e com o contexto que o cerca, neste sentido, ao entrar em contato com o que o outro faz, numa relação dialética o apreciador experimenta, por meio dos seus sentidos, um diálogo com a produção humana. Vê-se nela, vê o outro e o contexto social, pois a arte é parte do humano. Ainda, na condição de criador percebe que pode livremente expressar o que pensa e sente dialogando consigo e com o contexto que o cerca.

Diante destes aspectos, acreditamos ser importante que a arte esteja presente na formação do professor, pois quando ele passa a ter contato com a arte como fruidor e também criador, se constituirá um profissional cuja educação estética o permitirá perceber o seu entorno de forma diferente. A arte poderá possibilitar ser um mediador no processo ensino-aprendizagem que compreenda a relação intima entre a arte, o contexto em que foi produzida e os vieses presentes nessa relação.

Estévez, ao abordar o papel da educação estética na formação de personalidades criativas, afirma que

La práctica pedagógica, orientada estéticamente, debe desencadenar uma espiral de automovimento de la personalidad y concluir em um movimiento estético superior: la autoeducación estética. Pero esse movimiento superador no se logra espontáneamente, sino que requiere la conjugación de numerosos médios (sobre todo El arte – su médio fundamental – la naturaleza y el trabajo), métodos apropiados y, como condición sine qua non que el profesor sea primeramente educado (2007, p. 136)

A partir de Estevez, afirma-se a relevância de se pensar acerca da formação do professor, compreendendo que neste processo ele se constitui sujeito sensível e capaz de desenvolver a autoeducação estética.

Contextualizando a pesquisa: aspectos metodológicos

Esta pesquisa investigou as concepções dos professores dos anos finais do ensino fundamental da rede municipal de Balneário Piçarras, SC, Brasil, acerca do ensino de música, linguagem cênica, literatura e artes visuais, a partir dos estudos e vivências artísticas possibilitadas no Curso de Especialização em Docência na Educação Básica.[1] Nosso objetivo foi avaliar qual o impacto das atividades artísticas propostas na prática pedagógica do professor. Este curso foi construído para ser um programa de formação continuada aos professores e consistiu em promover o aperfeiçoamento da formação de professores e gestores da Educação Básica por meio do aprofundamento dos referenciais teóricos que norteiam a prática pedagógica e gestora, a fim de qualificar o processo de ensino aprendizagem no município. A matriz do curso se assentou sobre dois eixos: 1) Saberes Pedagógicos e 2) Cultura e Formação Geral (ver quadro1).

 

Quadro 1: matriz curricular do curso

Matriz Curricular

Temática

Eixos

Número de horas

Estudos Linguísticos, Artísticos e literários

2

35

Tópicos Especiais em Educação

1 e 2

15

Metodologia do Currículo Integrado

1 e 2

60

Laboratório de Vivências Pedagógicas

1 e 2

45

Planejamento de Ensino

Avaliação Educacional

Educação Inclusiva

1

1

1

95

35

15

Seminários Temáticos

1 e 2

60

Total

360 horas

 

As temáticas artísticas, contempladas em diversas disciplinas como Estudos Lingüísticos, Artísticos e Literários, Tópicos Especiais em Educação, Metodologia do Currículo Integrado, Laboratório de Vivências Pedagógicas e Seminários Temáticos, tinham como objetivo promover a reflexão acerca do ensino das artes na Educação Básica e possibilitar a compreensão de conhecimentos básicos para o desenvolvimento de atividades nas áreas de: música, literatura, artes cênicas e artes visuais. Partiu-se do princípio segundo o qual a arte tem função básica na formação do homem e que não é apenas por meio de atividades de natureza lógica e objetiva que o homem desenvolve as competências necessárias para atuar no meio profissional, pois “[...] a arte no processo criativo-fruitivo constitui fonte de humanização e educação do homem” (Peixoto, 2003, p. 94).

O curso foi oferecido aos 160 professores da rede, divididos em três grupos: Educação Infantil, Anos Iniciais e Anos Finais. Ao todo os professores totalizaram 60 horas de formação na área artística, no decorrer dos anos de 2007 e 2008, assim divididas: 04 horas de música, 12 de literatura, 08 de linguagem cênica e 36 de artes visuais. O projeto do curso estava pautado na premissa de que sendo o professor a variável fundamental para se efetivar o processo de ensino e de aprendizagem, um programa de formação necessita, para além da formação profissional, considerar a formação cultural do professor, articulando saberes relativos à prática pedagógica aos saberes culturais e específicos de cada área e às políticas institucionais.

Além de serem oferecidas como temáticas de estudo, ao longo do curso os professores participaram do Fórum do Programa de Formação Continuada com o intuito de promover trocas de experiências entre docentes e gestores. Durante esse evento, que era anual, foram promovidas sessões culturais, como exposição de artes visuais, apresentação de teatro, sessões musicais, contação de histórias com o intuito de colaborar para a formação estética dos professores. Além disso, foi proporcionado um estudo de campo que consistiu em uma visita ao teatro (onde os professores assistiram a uma peça, uma contação de histórias e uma sessão musical), à Igreja Matriz de Itajaí (SC) para estudo de sua arquitetura, à Galeria Municipal de Arte de Itajaí para ver uma exposição de fotografias e ao Mercado Público com exposições de artesanato local.

Este programa pretendia, assim, ampliar a cultura pedagógica, levando em conta aspectos culturais que auxiliem a percepção do professor acerca dos envolvidos no processo de ensino aprendizagem, de seus pares, da comunidade e do mundo que o rodeia, repensando os valores que o cercam, pois o sensível, o cognitivo e o ético são esferas essenciais para a formação do homem. Por isso, o foco desta pesquisa foi o segundo eixo, Cultura e Formação Geral.

Este eixo visou possibilitar o estudo de temáticas que colaborassem para a formação geral do professor e ampliassem a sua formação cultural e humanística, uma vez que se acredita que esta irá corroborar o seu papel de mediador, ampliar os horizontes cognitivos do professor e sua sensibilidade e capacidade perceptiva em relação ao fenômeno artístico e a questões de formação geral. Neste sentido, buscamos compreender o que a arte pode possibilitar ao educador:

construir uma prática pedagógica em que conhecimento, imaginação e expressão conjugam-se dinamicamente, beneficiando o desempenho do estudante, favorecendo o desenvolvimento da imaginação e das habilidades, o exercício da criatividade, do senso crítico e da melhor absorção do conteúdo das aulas (Bufrem & Carvalho; 2006, p. 48).

Tendo em vista a crença nesta premissa, de que a formação estética do sujeito interferirá na sua forma de agir em sala de aula, pois ela possibilitará um olhar mais sensível aos problemas educacionais, esta pesquisa investigou junto aos docentes como a sua participação nas temáticas que envolveram o estudo das artes interferiu na sua forma de lidar com o aluno, em selecionar os conteúdos, em efetuar as avaliações, etc.

Esta é uma pesquisa descritiva, em parte de análise documental, cujo tratamento dos dados apresentou uma abordagem qualitativa e quantitativa. Para coleta de dados propomos duas ações básicas: a) análise dos documentos norteadores do projeto, a saber: objetivos, concepção, metodologia e matriz curricular do projeto, ementas das disciplinas; b) aplicação de questionários a 10 professores dos Anos Finais. O critério para escolha dos professores foi a assiduidade (mínimo de 75%) no curso e a área, pois tentamos contemplar todas as áreas do Ensino Fundamental. Para a análise dos questionários adotamos a metodologia de conteúdo de Rose (2003) que prevê o delineamento de um referencial de codificação, a mecânica da codificação e a construção de tabelas de freqüência para a análise de conteúdos.

O acesso aos bens estéticos e as contribuições da arte no ensino:

discussão dos resultados

Para compreendermos melhor a concepção de arte dos sujeitos entrevistados, procuramos traçar o seu perfil. Todos os sujeitos de pesquisa possuem licenciatura plena concluída e 90 % deles têm mais do que 5 (cinco) anos de experiência docente, sendo que 50% possuem mais do que 11 anos de experiência. A área de atuação dos entrevistados é bem diversificada: 10% na Educação física, 10% Ciências/Biologia, 10% Matemática, 20% História, 20% Artes e 30% Língua Portuguesa.

 

Quadro 2: Gráfico sobre as áreas de atuação dos professores.

Áreas de actuação dos professores

Área de Actuação

Porcentagem

Ed. Física

10%

Ciências/Biologia

10%

Matemática

10%

História

20%

Artes

20%

Língua Portuguesa

30%

 

Podemos perceber também, com base nos dados coletados, que esse grupo de professores costuma ler bastante e têm um repertório literário bem diversificado. Dentre os entrevistados 90% lê mais do que 1 (um) livro por semestre, sendo que 40% lê mais do que 3 livros por semestre. Nas preferências podemos observar: 3% livros de auto ajuda, 3% livros religiosos, 9% apostilas, 13% literaturas infantis, 22% livros especializados em educação, 22% científicos (que auxiliam na profissão) e 28% literatura.

 

Quadro 3: Gráfico sobre os livros mais lidos, segundo a preferência dos entrevistados.

Áreas de actuação dos professores

Tipologia textual

Porcentagem

Autoajuda

3%

Religiosos

3%

Apostilas

9%

Literaturas infantis

13%

Livros especializados em Educação

22%

Científicos

22%

Literatura

28%

 

A pesquisa Retratos de Leitura no Brasil, 2008, desenvolvida pela Câmara Brasileira de Livros, a BRACELPA, SNEL e ABRELIVROS com um público estimado de 86 milhões de pessoas, nas várias regiões do país, considera pessoas leitoras aquelas que leram ao menos um livro no último trimestre. Se compararmos os dados dessa pesquisa com a edição de 2000/2001 veremos que cresceu o número de leitores no Brasil. O estudo averiguou que 55% da população, ou seja, 95 milhões de pessoas possuem o hábito de ler, contrapondo-se ao número de 45% das pessoas que declararam não ser leitoras, representando o número de 77 milhões. O número médio de livros lido pelos brasileiros corresponde anualmente a 4,7 exemplares anuais. Nossa pesquisa indicou que a média de livros lidos por ano é três, um pouco abaixo da média nacional.

Outro indicador revelado por esta pesquisa é que esses professores formam um grupo que ouve bastante música e que o seu repertório também é variado, 80% deles responderam que sempre ouvem música. Quanto à preferência musical: 9% ouvem pop nacional, 9% blues, 9% jazz, 9% música anos 70/80, 18% todas e 46% MPB (Música Popular Brasileira). Apesar de 80% desses professores se mostrarem fruidores de música, a pesquisa demonstrou que não há projetos de música em andamento nas escolas e que são raros os momentos de apreciação musical oportunizados aos anos finais. Mesmo o professor conhecendo a importância da música no cotidiano do sujeito, ele pouco se mobiliza para inseri-la no contexto de sala de aula.

 

Quadro 4: Repertório musical

Repertório musical

Preferência musical

Porcentagem

Pop nacional

9%

Blues

9%

Jazz

9%

Músicas anos 70/80

9%

MPB

46%

Todas

18%

 

Já no que diz respeito ao cinema, a maioria não costuma ir. Acerca da relação dos professores com a arte, Oliveira (2007), menciona a dificuldade de se ter acesso a ela quando a cidade não possui eventos ou lugares que possibilitem esse acesso. Sabemos que o município de Piçarras não possui um cinema e assim, 70% dos sujeitos afirmaram que somente às vezes vão ao cinema. Como introduzir a arte na escola se não somos consumidores de arte? Não podemos praticar aquilo que não faz parte do nosso repertório. Não basta uma formação para mudar os conceitos já formados há tanto tempo, precisamos “respirar” a arte e dela sentir falta como o ar que respiramos. Lanier (1997) chama atenção para o fato de experiências artísticas normalmente serem desviadas de sua principal função, que é a formação estética, e propõe um movimento de devolução da arte. Como deflagrar esse movimento na escola? Um dos caminhos é pelo domínio conceitual do professor, mas também de sua postura como fruidor.

Embora os professores tivessem acesso a várias oficinas, pudemos perceber que a maioria não usufruiu de tudo o que foi oferecido, pois questionados sobre quais temáticas na disciplina de Estudos Lingüísticos, Artísticos e Literários cursaram durante os anos de 2007 e 2008, no curso de Especialização em Educação Básica, apenas 10% dos sujeitos cursaram todas as temáticas oferecidas (Música, Artes Visuais, Linguagem Cênica – Teatro, Literatura, Criatividade e atividades no teatro Municipal de Itajaí e outras visitações culturais); 20% dos sujeitos deixaram de cursar Criatividade. Essa ausência se justifica porque o professor dos anos finais é horista, e poucos deles mantinham uma carga horária de 40 horas, o que inviabilizava a sua presença em todas as atividades de formação continuada promovidas pela Secretaria Municipal de Educação.

O fato de os professores não terem participado de todas as temáticas, assim como atuarem em áreas específicas, dificulta a sua participação num projeto que envolva elementos de natureza artística. Sabemos que a formação inicial do professor não contempla uma formação cultural, dificultando seu entendimento acerca dos benefícios que o contato com a arte pode trazer ao sujeito. Por isso, a importância de políticas institucionais que garantam o desenvolvimento de projetos dessa natureza, junto aos docentes e aos discentes. Ao serem questionados acerca das contribuições que as atividades artísticas trouxeram para a sua formação, os professores centraram suas respostas:

a) na criatividade

Sujeito 03 – Desenvolvimento da criatividade e outros olhares para o “ensinar” e o “aprender” e o “avaliar”.

Sujeito 06 – Sempre é bom participar de atividades de disciplinas diferentes, pois nos ajudam a ter mais criatividade e dinamismo nas aulas.

b) na prática pedagógica

Sujeito 05 – As possibilidades de efetivamente trabalhar com meus alunos estas questões. Discussões e novas técnicas destes temas.

Sujeito 07 – Ajudaram na minha prática pedagógica.

c) na reflexão sobre a prática

Sujeito 08 – Vieram a reforçar o que eu já fazia, pois apesar de trabalhar o Português, utilizo bastante as atividades artísticas (algumas delas).

d) na organização curricular

Sujeito 01 – Várias, mas a mais relevante foi a elaboração em conjunto de um plano de ensino, com a professora [de Artes], onde pudemos discutir, analisar e escolher os conteúdos que melhor se encaixem em cada série, desde o ano inicial.

Questionados se a partir das experiências artísticas vivenciadas durante o curso houve alguma mudança no currículo e/ou no cotidiano de sua escola, 60% dos professores declararam que sim, no que diz respeito à elaboração de projetos, às aulas de contação de histórias que passaram a fazer parte do currículo, à introdução de mais atividades de música nas aulas. Um dos professores apontou que a formação suscitou uma “maior percepção da importância das artes no currículo escolar” (sujeito 05).

Procuramos também identificar se houve ampliação do repertório artístico e cultural; 80% dos professores responderam que sim, indicando as apresentações artísticas promovidas durante a formação como momento central dessa ampliação.

Sujeito 01 – Durante algumas apresentações artísticas e culturais: teatros, exposições, corais, etc.

Sujeito 05 – Sim, nos momentos de interação cultural.

Sujeito 06 – Na utilização de mais recursos e no contato com o teatro e exposições.

Sujeito 07 – Nas apresentações.

Com relação à literatura, 70 % do grupo apontaram a contação de história como uma das atividades promovidas pela escola. A capoeira foi citada por 20% dos pesquisadores como uma atividade que envolve expressão corporal/teatro, lembrando que ambas (literatura e capoeira) fazem parte de um projeto institucional. A capoeira é oferecida apenas em uma das escolas da rede. Com relação às atividades de Artes Visuais, 60% dos pesquisados apontaram a exposição de trabalhos realizados por alunos como a atividade principal promovida pela escola.

Questionados se há a preocupação por parte do pesquisado em possibilitar aos alunos atividades de contato com as artes, 90% responderam positivamente. No entanto, ao observarmos o tipo de atividade que estes oferecem aos alunos, percebemos que para este grupo a arte está impregnada de um caráter utilitário, ou seja, para ensinar conteúdos.

Sujeito 02 – Na minha área (matemática), a relação artes x matemática é forte na geometria (simetria, forma) nos fractais. Sempre que possível faço uso do cubismo, para enriquecer as aulas. Alfredo Volpi é um artista muito citado na matemática.

Sujeito 04 – Penso na minha área, trabalhos com leitura, trabalhar quem sabe, arte dramática.

Tendo em vista que o professor é um sujeito formador de opinião e que sua disposição para o desenvolvimento de projetos pode movimentar culturalmente a escola, questionamos que atitudes o professor pode ter para movimentar projetos artísticos no seu ambiente de trabalho. Foram citadas, entre outras:

Sujeito 01 – Conhecimento, vontade, recursos, materiais, etc.

Sujeito 02 – Valorizar a arte dentro da sua disciplina.

Sujeito 03 – Tempo para planejar atividades diferenciadas.

Sujeito 04 – Sentar com colegas (penso que isso acorre em conjunto) e planejar um projeto.

Sujeito 05 – Começando em sala de aula, com propostas de atividades mais dinâmicas.

Podemos observar que dois movimentos se configuram pelas suas falas, um que procura mobilizar o grupo, o conjunto, para se pensar um projeto mais amplo e outro que parte da expressão individual do professor, na sala de aula. Ambos são movimentos que ocorrem no espaço escolar se o professor possui uma visão da função educativa das artes. A arte ensina pelo que tem de mais artístico e essa visão do professor pode provocar mudanças no cotidiano escolar.

Ao se propor uma iniciação à formação estética do professor, tinha-se como pressuposto que a educação poderá ter uma mudança qualitativa quando o docente tiver um olhar mais sensível para com o aluno. Por isso, efetuamos um questionamento acerca de como o professor pode se tornar um sujeito mais sensível e que implicações pode desencadear nas aulas esse “olhar sensível”. As considerações efetuadas foram de duas ordens:

a) professores que acreditam que é possível movimentar a sala de aula por meio da cultura, contribuindo para a formação humanística dos seus alunos

Sujeito 01 – Tendo mais perseverança, paciência, leitura de mundo, conhecimento... As implicações podem ser várias, mas a principal é tornar a educação um meio para a transformação em um mundo melhor, com menos violência, mais justiça, onde os pais estejam mais “presentes” na vida de seu filho e onde haja mais preocupação com o meio em que vivem.

b) professores que negam a necessidade desse olhar sensível ao se justificar pelo viés dos conteúdos curriculares ou da valorização da categoria.

Sujeito 04 – Penso que o professor da escola pública briga com o fator tempo, vive cheio de tarefas como planejamento, conteúdos e conteúdos para trabalhar e, muitas vezes, não há um “momento” para “esse olhar”.

Sujeito 07 – Quando for valorizado.

Por último, chegamos ao problema de pesquisa que é identificar as contribuições que as atividades artísticas trouxeram para a ação pedagógica. Os sujeitos de pesquisa indicaram contribuições diversas, entre elas:

a) auxílio no planejamento

Sujeito 01 – Várias, mas a mais relevante foi a elaboração em conjunto de um plano de ensino, [...], onde pudemos discutir, analisar e escolher os conteúdos que melhor se encaixem em cada série, desde o ano inicial.

b) reflexão sobre a prática

Sujeito 02 – Todos os cursos nos levam a uma reflexão sobre a nossa prática. É como se fossemos sacudidos em nossos pensamentos, redirecionando-os à uma prática mais prática.

c) diversificação das estratégias de ensino:

Sujeito 03 – Diversifiquei um pouco as aulas.

Sujeito 04 – Formas de como fazer. Às vezes. Como fiz colocações acima ou como disse anteriormente, esses procedimentos mostram que temos realidades diferentes.

d) sensibilidade para com a obra

Sujeito 05 – Olhar sensível à arte como um todo. Discussões acerca do meio cultural ao qual vivemos. Práticas pedagógicas diferenciadas, propostas mais dinâmicas de trabalhos diferenciados.

e) mudanças

Sujeito 06 – Trouxeram uma nova forma de visualizar a escola, agora como um espaço de produção cultural em suas mais variadas formas.

Um curso de formação continuada para docentes com foco na cultura e na formação geral se justifica porque mais do que um elemento essencial para a reflexão, a arte contribui para ampliar o campo de percepção do sujeito pelas imersões que provoca. “A arte no processo criativo-fruitivo constitui fonte de humanização e educação do homem” (Peixoto, 2003, p. 94), e como tal tem a necessidade de extrapolar o limite prático utilitário, cumprindo uma função simbólica.

Com Yambo, em A misteriosa chama da rainha Loana, aprendemos que por meio da convivência reflexiva com a arte, o homem estabelece uma relação estética com o mundo, e esta relação depende do envolvimento do sujeito com a fruição. A nossa relação estética com o objeto resulta de uma relação contemplativa, mas também reflexiva. Foi na convivência com jornais, discos, quadrinhos como Corriere dei Piccoli, figurinhas de álbuns, canções populares e clássicas, uma rica linguagem verbal, mas também sonora e visual, que Yambo alimentou o desejo pelo conhecimento.

O acesso à arte é o primeiro passo. Ele pode mudar alguns hábitos cristalizados, possibilitar outros olhares, provocar o alargamento da prática educativa por meio da capacidade criadora. Como já afirmamos inicialmente, Ana Mae Barbosa (2007) discorre sobre vários projetos com crianças e adolescentes no Brasil que promovem a ampliação de seu potencial criador e conseqüentemente seu poder de reflexão e análise, revertendo em qualidade de vida. O que nos faz crer que a inclusão da arte no currículo escolar como na formação do professor não pode ser percebida como mero capricho, ou apenas como uma forma de cumprir a legislação, ela é vital para o exercício da cidadania. Goergen nos lembra que

a cidadania não deriva apenas do direito de ir e vir, das condições de participar das atividades econômicas e do respeito à dignidade pessoal. Além desses direitos básicos, que sem dúvida devem ser respeitados, cidadania representa o direito de participar da esfera pública que confere ao ser humano a possibilidade de decidir e instituir, mediante o diálogo, as condições de convivência. (Goergen, 2006, p. 116).

E essas condições incluem o acesso aos bens imateriais que contribuem para a formação geral do homem, para sua formação cognitiva, ética, estética e política.

Concepção dos professores e reflexões sobre o processo

Para que possamos apontar com mais clareza e precisão as concepções dos professores acerca do ensino de música, linguagem cênica, literatura e artes visuais, a partir dos estudos e vivências artísticas possibilitadas no curso de especialização em Docência na Educação Básica, assim como para identificarmos qual o impacto dessas atividades propostas na prática pedagógica do professor, estabelecemos as seguintes categorias.

Categoria A – Mudanças que as experiências artísticas trouxeram no currículo da escola e no repertório do professor

Categoria B – Atividades artísticas promovidas na escola

Categoria C – Concepção do professor de arte

Categoria D – Contribuições que as atividades trouxeram para a prática pedagógica

Acerca das mudanças que as experiências artísticas trouxeram no currículo da escola e no repertório do professor, percebemos dois indicadores: mudanças no currículo e incremento de dinâmicas em sala de aula.

Dos professores dos anos finais, 60% apontaram que perceberam mudanças no currículo principalmente no que diz respeito à elaboração de projetos e à introdução de atividades literárias e musicais. Também indicaram o incremento de dinâmicas em sala de aula para a melhoria do ensino e aprendizagem. 70% do grupo apontaram que houve mudanças no repertório por conta das vivências em artes visuais e das apresentações culturais.

 

Quadro 5: Questões XI e XII

Categorias

A - Mudanças que as experiências artísticas trouxeram

A1-Mudanças no currículo

A2-Mudanças no repertório

60%

70%

Elaboração de projetos/literatura/música/novos instrumentos e dinâmicas em sala

Artes visuais/apresentações culturais

 

Interessante observar que os professores indicaram a contribuição das atividades de promoção artístico/cultural desenvolvidas durante o curso, no qual os professores participaram de atividades artísticas em sala de aula, bem como extra sala, em atividades de visita a espaços culturais na cidade. Percebe-se que há uma certa relação entre as mudanças no repertório, isto é, há aspectos pessoais de constituição do saber em arte e experiências estéticas, com o incremento no currículo escolar. Isso nos possibilita afirmar a importância da relação do professor conhecer para arte poder, de alguma forma, sistematizar momentos que envolvam esses saberes com seus alunos. Quanto espaço de formação de professores, percebemos a importância de momentos nos quais se compreenda o professor como um sujeito em permanente formação pessoal e profissional.

Sobre as atividades artísticas promovidas na escola, identificamos que 70% dos professores indicaram atividades ligadas à literatura como: Contação de histórias, leitura, sala de leitura, oficina de leitura, exposição das produções textuais. Esta é uma área que foi densamente explorada no curso, bem como em projetos institucionais que de alguma forma estão presentes na escola.

Observamos que muito vêm se falando sobre contação de histórias e projetos de leitura em diversos municípios da região. O município investigado ofereceu cursos nessa área nos últimos anos e tem um projeto institucional de leitura. Vários professores envolvidos nessa pesquisa participaram dessas formações e atuam em escolas nas quais esses projetos são realizados. Estes dados podem nos fazer compreender esse indicador que é muito significativo para o contexto dessa investigação. Observamos com isso que de alguma maneira os processos formativos e as atividades nas escolas interferem na forma com a qual os professores lidam com a literatura, e com isso constituem seus saberes em arte e outros conhecimentos. Isto nos faz acreditar que são diversos os aspectos que se relacionam na formação estética do professor.

 

Quadro 6: Atividades artísticas promovidas na escola.

Categorias

B - Atividades artísticas promovidas na escola

B1-Música

B2-Literatura

B3-Expressão Cultural/ teatro

B4-Artes Visuais

40%

70%

50%

60%

Coral/banda/conto/paródias

Contação de histórias/leitura/sala de leitura/oficina de leitura/exposição das produções textuais

Capoeira/teatro

Exposição de trabalhos realizados por alunos/pintura/modelagem/oficinas de artes

 

Percebemos que 60% dos professores pesquisados apontaram que foram desenvolvidas nas escolas atividades de Artes Visuais. Este dado aparece em registros como: exposição de trabalhos realizados por alunos, pintura, modelagem, oficinas de artes. Um dos aspectos que justifica esse indicador é o fato de que a carga horária oferecida pela Formação Continuada nas Atividades envolvendo Artes Visuais foi de 36 horas, maior em relação às outras temáticas (tabela 1). Esta constatação demonstra a importância de uma ação intencional de acesso à cultura visual, com isso, a ação do grupo gestor do projeto interfere no processo de seleção e organização das atividades realizadas pelos professores. Acena-se aí a relevância de ações intencionais em todas as áreas, para uma equação dessas diferenças. Observamos ainda que não apenas essa ação justifica esse dado.

Ainda, ao se referirem às Artes Visuais, no município pesquisado e na realidade do estado no qual este se encontra, temos certa primazia do ensino dessa linguagem artística visual em detrimento das outras. Percebemos que diversos aspectos, inclusive a formação dos professores, interferem nesse dado, pois aqueles que atuam com o ensino da arte nesta rede de ensino são formados em cursos de Artes Visuais, e os documentos curriculares apontam que os professores podem enfatizar suas áreas de formação na seleção e organização dos conteúdos a serem ministrados nas aulas de arte. Outro aspecto importante a ser refletido é acerca da história da própria área no contexto escolar brasileiro, tendo em vista a primazia dessa linguagem nos currículos escolares.

Sobre as atividades artísticas promovidas na escola, 40% dos professores apontam a área da música, citando corais, bandas, atividades que envolvem canto e paródias. 50% apontam a expressão corporal e o teatro como atividades presentes nas escolas. Os projetos coral, banda, capoeira e teatro também são projetos institucionais. Uma observação que se pode perceber é que nem sempre os projetos institucionais envolvem todos os alunos, pois muitos são realizados em atividades extra classe, isto é, em horários de contra turno, assim são atividades nas quais os alunos são convidados a participar. No entanto, percebe-se que na medida em que a escola abre espaço para que estes projetos existam, há uma mobilização por parte dos alunos e de alguns professores que se envolvem nos projetos e os fazem ganhar corpo. Assim, mesmo que algumas dessas atividades artísticas não façam parte do currículo obrigatório, elas coexistem no mesmo ambiente, se relacionam com o que existe na escola e se tornam parte da vida dos alunos.

Segundo Oliveira (2007, p. 39), é necessário essa discussão sobre o acesso não apenas o acesso à obra de arte, mas principalmente o acesso à significação, que consiste

na apreensão de conhecimentos de uma área específica e, como tal, exige um processo de aprendizagem como as demais áreas do saber. Mas em que espaços sociais caberiam um ensino dessa natureza? Na educação informal, ou seja, no ambiente familiar e nas demais relações interpessoais, de um modo geral, não há o hábito da circulação de conhecimentos sobre arte e estética.

A discussão sobre o acesso à significação ganha força com o exposto por Lanier (1997). Para o professor que não teve esse acesso em meio a sua família, que obteve formação acadêmica não voltada para esse olhar estético (o que acontece na maioria das vezes), é necessário um trabalho intenso de fruição e reflexão acerca da arte. Pois como afirma Oliveira, o contato com a arte, não garante o acesso. Por mais que o sujeito tenha um contato com a arte, se ela não trouxer significância alguma para este, não houve o acesso. A autora então insiste na qualificação dos docentes para que se inicie um processo de formação estética nas escolas, para que o sujeito torne-se

mais do que um mero espectador ou receptor, mas um enunciatário da imagem, isto é, um interlocutor que também produza significados, um leitor que, de certa forma, recrie a imagem, ultrapassando a tentação de partir pelo caminho da intuição. (Oliveira, 2007, p.48)

Percebemos então que as questões que envolvem a formação estética não constituem um processo simples, elas dependem de políticas institucionais e das relações desses profissionais nos contextos nos quais vivem, das suas iniciativas e interesses. Ainda observamos que a iniciativa pessoal é um aspecto importante para a formação estética do sujeito, no entanto, para isso é importante que o sujeito tenha clareza acerca do que deseja e dos aspectos referentes à arte e à estética.

Outra categoria analisada foi a concepção de arte dos professores. Sobre esta categoria observamos que deste grupo, 40% têm uma visão pedagógica das artes e 60% concebe a arte como fruição. Apesar de a maioria conceber a arte como fruição, constatou-se que nem todos os professores participantes deste grupo têm a preocupação em promover atividades artísticas para seus alunos. Muitos afirmam que o professor de artes é o único responsável por essa aproximação. Percebemos ai um equívoco, pois a formação estética está muito além das especificidades das áreas, neste sentido acreditamos que é na relação de parceria e compromisso que possamos atingir transformações em nível de cognição e afetividade.

 

Quadro 7: Concepção de arte

Categorias C - Concepção de arte

C1 - Arte como conteúdo

C2 - Arte como fruição

C3 - Arte como conteúdo e fruição

40%

60%

B3-Expressão Cultural/ teatro

 

Ainda é importante salientar que o espaço escolar é sim um espaço pedagógico, no qual as pessoas se relacionam, constituem saberes e vivencias. Por muito tempo acreditou-se na arte apenas como elemento de diversão ou ainda como espaço do desenvolvimento da técnica e habilidades. No entanto, defendemos a arte como manifestação do sujeito na relação com o contexto em que vive, com os outros seres humanos e consigo mesmo. Neste sentido, na escola ela precisa ser percebida como produção humana com características culturais, históricas que é constituída por uma materialidade que a caracteriza.

Sobre as contribuições que as atividades trouxeram aos professores - outra categoria analisada - podemos afirmar que cada um foi, de certa forma, afetado pelas vivências que objetivaram a sensibilização e a fruição. As respostas manifestadas trouxeram a evidência de que paira sobre este grupo um entendimento da arte como algo utilitário. Mas podemos ampliar nossa compreensão, se pensarmos que a arte sensibiliza o sujeito e por meio dessa sensibilização o professor passa a lidar de outra forma com os elementos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.

Acerca das contribuições que as atividades trouxeram, 50% dos professores indicaram contribuições humanísticas e 90% indicaram contribuições pedagógicas. Compreendemos que na escola, espaço de formação sistematizada, um aspecto não pode ser apartado do outro nem se sobrepor ao outro. Neste sentido, entendemos que há sim uma relação entre a formação humana e a preocupação pedagógica no espaço escolar. No entanto, questionamos: se a arte faz parte do processo de humanização do homem, quais aspectos são privilegiados na escola, que de alguma forma apartam essa relação?

Talvez esses indicadores possam nos auxiliar nessa indagação. Não desejamos ter uma resposta pronta e acabada, entendemos que este estudo é parte de um processo no qual o nosso grupo de pesquisa vem se atendo e investigando. Observamos que os saberes pedagógicos não estão encerrados nos espaços de formação inicial e continuada dos professores, e que além desses o exercício efetivo da docência e suas experiências pessoais se relacionam na constituição dos saberes docentes. No que se refere à estética, observamos que há sim elementos importantes a serem discutidos e sistematizados nos espaços de formação continuada dos professores, tendo em vista a diversidade de formação e a fragilidade de uma formação intencional nesse âmbito.

Com Yambo, personagem de A misteriosa chama da rainha Loana, percebemos que nos constituímos daquilo que lemos, ouvimos, vemos... vivemos, o que nos leva a perceber que a educação estética perpassa a formação profissional do sujeito, aqui em especial do professor. Acreditamos nessa relação dinâmica entre arte, vida e estética, e a arte como práxis, é resultante da ação consciente do sujeito consigo, com os outros e com o mundo.

 

Referências bibliográficas

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Notas

1 Ressaltamos que os professores dos anos finais atuam em áreas específicas: Matemática, História, Geografia, Ed. Física, Língua Portuguesa, Ciências e Ed. Artística.