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Cadernos de Estudos Africanos

versão impressa ISSN 1645-3794

Cadernos de Estudos Africanos  no.26 Lisboa jul./dez. 2013

 

“Dos Subúrbios da Lourenço Marques Colonial aos Campos de Futebol da Metrópole”, uma Entrevista com Hilário Rosário da Conceição

 

Nuno Domingos*

*Instituto de Ciências Sociais - Universidade de Lisboa 1600-189 Lisboa, Portugal

nuno.domingos@ics.ul.pt

 

Entrevistei Hilário Rosário da Conceição em 2007. Encontrava-me nessa altura a meio de um projecto de doutoramento sobre Lourenço Marques[1]. O futebol oferecera-me um laboratório para estudar as dinâmicas desta cidade colonial, em especial a vida do seu subúrbio. Voltei a falar com ele, pelos mesmos motivos, em 2008. Mais recentemente, em Setembro de 2013, contactei-o para nova conversa, desta vez com vista a esta publicação nos Cadernos de Estudos Africanos. Hilário acedeu. Concordou também que utilizasse partes das entrevistas anteriores, em alguns aspectos mais precisas em relação ao conjunto de assuntos focados. O que se apresenta de seguida é uma montagem dessas três entrevistas. Todos estes encontros decorreram no café Bóia Verde, junto ao Estádio de Alvalade[2].

Hilário Rosário da Conceição foi um dos jogadores de origem moçambicana da famosa selecção nacional portuguesa de futebol que, no campeonato do Mundo de 1966, realizado em Inglaterra, alcançou um inesperado terceiro lugar. Ao lado de outros moçambicanos, como Mário Coluna, Vicente Lucas e Eusébio da Silva Ferreira, confirmou neste campeonato o valor que vinha demonstrando na equipa do Sporting Clube de Portugal. No clube de Lisboa venceu três campeonatos de Portugal, três Taças de Portugal e uma Taça das Taças. Internacional português por 39 vezes, Hilário ingressou no Sporting em 1958, ano em que deixou a cidade de Lourenço Marques (actual Maputo), onde nascera em 1939. Na capital do Moçambique colonial representara a filial laurentina do Sporting desde 1953, no então campeonato da Associação de Futebol de Lourenço Marques (AFLM). Antes disso, porém, jogara no campeonato da Associação Africana de Futebol (AFA), onde representou o Munhuanense “Azar”, equipa do bairro da Munhuana. Esta competição juntava um conjunto de clubes do subúrbio da cidade. Na periferia da capital de Moçambique, também conhecida por “caniço”, vivia maioritariamente a população de origem africana, composta sobretudo por negros, mão-de-obra de que dependia a cidade colonial. Mestiço, filho de pai português e mãe africana, Hilário cresceu na Mafalala, um destes bairros periféricos. A vivência do subúrbio encontra-se presente de forma viva nas suas memórias.

O raro percurso de mobilidade social de Hilário, proporcionado pelo processo de semiprofissionalização do futebol, ofereceu-lhe experiências diversificadas. O seu discurso enuncia a riqueza desta dinâmica. Ídolo dos adeptos que enchiam os estádios metropolitanos, que ouviam o relato das suas jogadas pela rádio e liam os seus feitos pelos jornais, Hilário havia sido, nos bairros de Moçambique, e de acordo com as suas palavras, um “mulato de segunda”. A divisão entre o centro de Lourenço Marques e o seu subúrbio projectava sobre o espaço o processo de radicalização da estratificação social e o teor da discriminação racial que definia o regime colonial português. Este assentava num sistema de indigenato, abolido no papel em 1961, que distinguia “indígenas” de “civilizados”, os seus direitos e deveres. Em algumas ocasiões, as palavras de Hilário colocam-no a olhar o mundo a partir do subúrbio, como um todo oposto à “cidade dos brancos”. Mas o seu discurso desvenda também uma cidade mais complexa que, por detrás daquela divisão matricial, apresentava outras fracturas. Põe assim a descoberto um universo menos conhecido e estudado, que desenvolveu uma organização social própria, colocando em interacção indivíduos com origens distintas e posições e estatutos diferentes. Quando se recorda deste espaço particular, Hilário fala a partir da sua condição de “mulato de segunda”, longe dos privilégios dos “mulatos de primeira”, que habitavam a “cidade de cimento”, mas também relativamente afastado dos emigrantes moçambicanos negros que iam para as minas da África do Sul, ou dos indivíduos acabados de chegar do campo, aqueles que depois da independência vieram a ocupar, e a destruir, nas suas palavras, as casas da cidade dos colonos. Esta condição de mulato “entre mundos” garantiu-lhe a possibilidade de aceder com maior facilidade ao “cimento”. Apesar da sua tez clara, exigiam-lhe aí um traje adequado e um comportamento respeitável, não confundível com a representação colonial do “indígena não civilizado” ou com o “novo-riquismo” folclórico do mineiro emigrado; que soubesse, enfim, o seu lugar. Esta transitoriedade de experiências, acentuada com a saída de Lourenço Marques, torna a análise retrospectiva mais rica mas, por vezes, também hesitante e mesmo contraditória. Isto verifica-se na avaliação do colonialismo português e de Portugal de modo mais geral. O país que o celebrou como jogador, numa esfera laboral muito particular pelo modo como promove estatutos públicos, foi também a potência que administrou um colonialismo segregador e racista. Ao atribuir este racismo à influência sul-africana Hilário parece procurar, como noutras ocasiões, criar uma retórica que apazigúe o passado e o torne hoje mais lógico.

Os bairros do subúrbio e o futebol

P – O Hilário nasceu na Mafalala, na antiga Lourenço Marques, em 1939, filho de uma mãe africana e de um pai português...

H – Sim, a minha mãe é uma chope. É tribal. É uma daquelas que tem tatuagem na cara e na barriga. E de modo que ela era muito bonita e tinha sorte com os namorados. E então foi assim que nasceu o Hilário.

P – Nunca conheceu o seu pai...

H – Nunca conheci o meu pai. Mas os meus irmãos todos conhecem os seus pais. Os pais dos meus irmãos criaram-me a mim. Simplesmente a minha mãe vinha da Manhiça para a cidade... Era uma miúda muito bonita e muito querida e não tinha ainda conhecimentos sobre como é que... epá... sobre como é que podia evitar ter filhos de uma pessoa que não era pai.

P – O seu pai depois nunca reconheceu...

H – Não, nunca... até hoje não sei.

P – Isso acontecia… este tipo de relações em que o pai, quase sempre português, desaparecia.

H – Desaparecia. Desaparecia porquê? Porque muitas das vezes os portugueses saíam daqui de Portugal para Moçambique e largavam as suas mulheres ou as mulheres estavam aqui, tinham filhos, eram casados e então divertiam-se com as africanas. Mas depois quando havia casos com responsabilidade, como no caso de terem engravidado aquela fulana com quem eles andavam a passear, fugiam.

P – Portanto o Hilário cresceu no mundo do subúrbio, no mundo da Mafalala...

H – No subúrbio, porque a minha mãe sempre morou no subúrbio, no bairro da Mafalala.

P – E como é que era a vida na Mafalala? Como é que se vivia? Havia uma pobreza grande?

H – Não, a pobreza era normal. Tínhamos as nossas casas de madeira e zinco, nos alimentávamos com farinha e arroz e peixe e camarão. Era o que havia naturalmente. Quer dizer não havia assim uma miséria, como direi, de passarmos fome. Não, vivíamos bem dentro das possibilidades que nós tínhamos. (…) A malta, vamos lá, no subúrbio as pessoas eram felizes, já habituados desde pequeno a comer o nosso caril de amendoim, as nossas verduras, o nosso ananás, a matapa, a mandioca. Não era como hoje. A cidade hoje foi arruinada. E porquê? Depois da independência as pessoas que estavam nas casas fugiram para cá, e as pessoas que estavam no mato fugiram e ocuparam essas casas e destruíram-nas completamente. Até na banheira tinham plantações. As casas que tinham parquet no chão, como a RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana) não deixava ir buscar lenha, as pessoas usavam aquilo para acender fogueiras. Depois apareciam pessoas com mais posses. Chegavam ao pé de uma pessoa que estava ali, numa vivenda, e tinha a piscina cheia de capim, e pagava um x para aquela pessoa que estava habituada ao subúrbio e que depois voltava para esses sítios onde se jogava futebol e fazia uma palhotazinha, e o outro recuperava a vivenda. Hoje, apesar de tudo, a coisa está diferente. Eu estive lá a treinar no tempo quente da RENAMO e da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) e havia carências de tudo.

P – E nesse subúrbio viviam pessoas de origens muito diferentes?

H – O bairro da Mafalala era habitado normalmente por muçulmanos que vinham de Nampula. Aquele bairro tornou-se conhecido como Mafalala porque os “macuas”, como chamávamos aos muçulmanos de Nampula, gostam muito de fazer aquela brincadeira de saltar à corda. E eles então, conforme estão a saltar à corda, cantam. Então esta música que eles cantavam era “Falala”. Cantavam enquanto se divertiam a saltar à corda. Então o bairro ficou Mafalala, derivado aos muçulmanos que vinham de Nampula.

P – E o que é que as pessoas da Mafalala faziam? Quais as suas ocupações?

H – Eram bons trabalhadores porque o moçambicano foi sempre trabalhador, não foi homem de renegar o trabalho. Sei lá, havia pedreiros, havia carpinteiros, pescadores, havia mecânicos, havia um pouco de tudo...

P – E as suas memórias dos jogos de futebol?

H – Todos nós, nos bairros ou nas escolas tínhamos a mania de fazermos jogos entre bairros, entre o bairro da Mafalala, o bairro de Xipamanine e o bairro da Malhangalene. E como também tínhamos disputas de organizações entre bairros através do atletismo... Era o futebol e o atletismo. Eu digo atletismo porque nós tínhamos na Mafalala o poeta José Craveirinha[3]. Ele vivia lá na Mafalala também, e nunca quis ir para a Polana[4]. E ele então é que incutiu que nós praticássemos basquete, que nós praticássemos atletismo, que nós praticássemos futebol. Era através do Craveirinha que nos incentivava para nos tirar... para não sermos bandidos, para não sermos gatunos. Então nós nos preocupávamos além da escola com a prática do desporto. Para nos tirarem esses vícios maldosos que havia por aí. Tudo o que eu sou hoje, tudo o que o Eusébio é hoje, devemos ao falecido José Craveirinha. Porque ele é que incutiu no nosso espírito esta maneira de fazer desporto. E nós tínhamos orgulho de fazer isso... porque era uma ocupação que nós tínhamos.

P – Como é que eram os jogos de bairro no subúrbio de Lourenço Marques?

H – Como é que nascem os Hilários, os Colunas, os Matateus, etc. No tempo colonial havia duas federações, a Associação de Futebol Africana (AFA) [criada em 1924] e a Associação de Futebol de Lourenço Marques (AFLM) [criada em 1923]. Esta tinha o Ferroviário, o Desportivo, o 1.º de Maio ao Alto Maé e por aí fora. Na AFA, jogava-se no campo de Xipamanine, o campo do Mahafil Isslamo, e no campo do Beira-Mar, que já não existe. Eram duas associações diferentes e, não querendo falar mal, aquilo dava a sensação que havia racismo em Moçambique. Havia a associação dos pretos e a associação dos brancos. Eu podia estar inscrito nas duas associações. Jogava domingo aqui e sábado lá. Eu fui a primeira pessoa de cor a jogar no Sporting de Lourenço Marques, em cinquenta e poucos. No Desportivo apareciam não-brancos, mas no Sporting... Mas o nosso começo foi nos bairros. Havia espaço para tudo e mais alguma coisa, quem quisesse fazer desporto fazia. Nós éramos de bairros pobres com várias carências. O que estava mais aconchegado podia arranjar uma bola da Focobol (fábrica de borracha) que era uma bola de borracha. Quem não tinha essa possibilidade pegava na meia, enchia de pano e fazia uma bola de meia e começava a jogar no bairro. Nós, no bairro, na escola ou fora da escola, estávamos sempre a praticar desporto. Mesmo nas escolas jogávamos jogos contra outras escolas. Havia aqueles espaços, terrenos baldios, onde fazíamos os primeiros jogos. Depois, quando atingíamos uma certa idade era diferente. Na Mafalala chegavam notícias da Europa e nós, no bairro, fundámos uma equipa que era o Arsenal, tínhamos umas camisolas vermelhas...

P – Como é que sabiam que existia o Arsenal[5]?

H – Havia notícias. No intervalo dos filmes, por exemplo, havia noticiários e a malta via, a informação circulava. Nós tínhamos um campo, na Munhuana, por detrás da escola onde eu andei a estudar. Quem dirigia a escola eram umas freiras e uns padres. E nas traseiras da escola havia um campo de futebol. E nós jogávamos lá, 11 contra 11, jogos entre bairros. Até havia um padre holandês que gostava muito de futebol e que assistia aos jogos. Levava um banco e via os jogos todos. Infelizmente, para o bem ou para o mal, nesse sítio onde estava o campo fizeram uma igreja. O que me entristece um pouco, estar ocupado por uma igreja. Os miúdos deixaram de ter um espaço para praticar futebol. O mais grave que aconteceu foi que quando começou a guerra as pessoas que estavam no campo fugiram para a cidade, sem nada, sem casa, e então aproveitaram-se de todos os terrenos, para fazer uma barraca, sem higiene nenhuma. Uma das coisas que me chocou bastante... quem vai para o aeroporto, onde tinha uma lixeira, hoje está um bairro em cima da lixeira. Isto é que fez com que os miúdos não tivessem hoje espaço para jogar à bola.

P – As pessoas que jogavam na AFA não seriam das mais pobres do subúrbio, naquele contexto, já teriam, pelo menos, dinheiro para comprar umas botas de futebol.

H – Isso é verdade, o facto de viverem no subúrbio não queria dizer que fossem pobres. Havia moderados, pessoas com estudos, pessoas bem empregadas...

P – A maior parte dos jogadores da AFA vivia pelos bairros ou o Hilário tinha colegas emigrantes na África do Sul?

H – Eu tinha muita gente conhecida na África do Sul que nós chamávamos os aventureiros, que entravam ilegalmente na África do Sul. Quando ele dizia vou aventurar-me, já se sabia que ia dar o salto.

P – Mas iam para as minas?

H – Não, os que iam para as minas iam contratados. Estou a falar, por exemplo, de um gajo que era um bom mecânico, um bom electricista, chegava uma hora e dizia: vou aventurar-me. Se corria bem, no fim do ano aparecia, ou num carro alugado, ou num carro dele, passeava, gastava o seu dinheiro. Nas minas, normalmente, só trabalhava quem ia através de um contrato.

P – Não havia muitos jogadores que jogavam na AFA que estivessem nessas condições?

H – Não.

P – O que faziam então, eram filhos de comerciantes, de trabalhadores...

H – Os jogadores eram os gajos que moravam nos bairros, nas palhotas digamos assim, casas de madeira e zinco.

P – Que trabalham em fábricas...

H – Fábricas, bombas de gasolina, ou no cais, no caminho-de-ferro.

P – As pessoas acabadas de chegar do campo a Lourenço Marques jogavam futebol ou não se interessavam...

H – Era pouca gente dessa. O que havia no subúrbio era jogos com as equipas sul-africanas. Na “baixa” havia uma equipa que aparecia muito, os Springbooks. Os clubes tinham dificuldade em levar as equipas à África do Sul, por caso do racismo, porque lá só brancos entre brancos. O Desportivo aceitou uma vez um torneio na África do Sul e uns amigos meus mulatos, que eram do meu bairro, não puderam ir e deixaram de jogar. Eram da família Caliano.

P – Esse racismo também atingia os mulatos?

H – Mas mesmo entre nós, mistos ou mulatos, como queiram dizer, havia uma separação, havia mulato de primeira e mulato de segunda. O mulato de primeira era o que vivia na cidade, na “baixa”, digamos assim. O mulato de segunda era o Hilário, vivia no subúrbio, como havia muitos mulatos. (...) Essa diferença, essa superioridade, houve sempre. Porque havia pessoas de raça negra que tinham uma certa cultura, tinham habitações. Havia mulatos, como havia brancos, que só tinham a quarta classe, e não tinham mais nada. Isto aqui foi sempre influenciado pela África do Sul. Porque praticamente nós em Moçambique não tínhamos nada disto. Derivado à influência da África do Sul é que começou a haver essa separação. Se bem me lembro, um branco, um mulato não usava calças de ganga. Um branco, um mulato não usava ténis porque isto era aquilo que os pretos que iam trabalhar na África do Sul, das minas, traziam da África do Sul para cá. A pessoa branca ou mista era humilhada por usar umas calças de ganga e uns ténis. Hoje por todo o mundo todas as pessoas usam ténis, todas as pessoas usam ganga.

P – E havia essas diferenças nos bairros?

H – Mas aquilo era o nosso bairro, nós não queríamos sair dali para a “baixa”. Eu estava na Mafalala, se me quisessem dar uma casa na Polana não ia; ali nasci, a malta estava ali. (…) Nós saíamos dali, íamos a bailes noutros bairros, mas estávamos tão habituados, de ter nascido ali: um gajo vai morrer ali, sair dali para quê? Aquilo era uma fronteira. Até se houvesse um indivíduo, mesmo da mesma cor, que quisesse ir ali namorar uma miúda, não entrava. Se eu quisesse ir namorar uma miúda ao Chamanculo tinha que ser bem aceite lá, senão levava um enxerto de porrada e corriam comigo e era insultado. As rivalidades que havia no futebol havia no ambiente normal. (…) Naquele tempo aquilo era assim. O futebol era transmitido de pais para filhos, primos, compadres. Imagina que eu sou o Hilário do Beira-Mar, o meu filho é do Beira-Mar, o meu cunhado é do Beira-Mar... O caso do Munhuanense Azar, o clube era o do bairro da Munhuana, eram os Calianos. Depois havia o Mahafil, que era dos gajos do Islão, dos maometanos, e aquilo era daquela família toda e a tradição passava-se de geração para geração. Eu e o Eusébio somos da Mafalala. (…) Os bairros eram uma fronteira, eu para entrar no Chamanculo tinha que ter gajos conhecidos, não quer dizer que não pudesse entrar. As pessoas trabalhavam, arranjava-se emprego, vinha comida do interior, a nossa comida era à base do arroz e da farinha, cada gajo tinha um cajueiro em casa, ou uma mangueira.

P – O que fazia a fronteira?

H – Era ter nascido ali, ter as suas barracas, ter um sítio onde ouvir música, falar de futebol, formar uma equipa para jogar noutro bairro, a malta conhecia-se nas escolas também. Nas escolas de bairro não havia brancos, o mulato podia ir para a escola de brancos, mas o preto não.

P – Ainda havia aqueles clubes que tinham uma base regional?

H – O Inhambanense era de Inhambane. A tradição era o gajo que vinha de Inhambane jogava no Inhambanense. O Gazense de Gaza. O Zambeziano com malta da Zambézia. Isto não quer dizer que se um gajo não fosse zambeziano não podia jogar. O Nova Aliança não sei de onde vinha. O Centro Africano de Lourenço Marques era de pretos. Era ali perto de Xipamanine, perto do campo do Mahafil, e havia aqui ao pé do Alto Maé a Associação Africana que era de mulatos[6]. Nessa Associação Africana era onde o Craveirinha tinha O Brado Africano[7]. Fazíamos uns bailaricos, arranjávamos uma banda, e eram quase todos mulatos. Nas festas do Centro Africano eram os pretos, não quer dizer que não aparecesse lá um mulato ou dois. Essas festas eram organizadas para arranjar fundos, e para, como hei-de dizer, para juntar a malta.

P – Se o Beira-Mar fizesse uma festa, o Hilário podia ir?

H – Podia. Mas era capaz de aparecer só um Hilário. Nós organizávamos festas na Associação Africana e era capaz de aparecer um ou outro branco. Mas só aparecia porque era meu amigo.

P – Essas festas tinham conjuntos musicais... havia batuques.

H – Os batuques não. Eram conjuntos mesmo, com saxofone, guitarra. No subúrbio já não havia conjuntos, era com discos.

P – Havia campeonatos paralelos, entre bairros.

H – Não eram bem campeonatos. Nós convidávamos um clube de outro bairro. Esses jogos eram à base de dinheiro. Era uma tradição antiga, jogar a dinheiro. Arranjávamos um árbitro. E respeitávamos o árbitro, havia porrada mas respeitávamos, foi golo não foi golo. A baliza não tinha barra, era um fio, se a bola bateu no fio e entra era golo, a malta respeitava.

P – E jogava-se bem na Associação de Futebol Africana?

H – Digo sinceramente, era onde existiam os melhores jogadores em Moçambi-que. Simplesmente a malta nunca deu valor e depois, claro, nunca iam fazer a selecção de Moçambique com duas associações. Não podia, mas de qualquer maneira, a Associação Africana, na minha opinião, tinha melhores jogadores e praticava melhor futebol do que na Associação de Futebol de Moçambique.

P – Há quem diga que os jogos na AFA eram jogos mais duros do que os jogados no campeonato da “baixa”.

H – Precisamente pela rivalidade dos bairros. (...) No subúrbio, chega o director e diz, se tu ganhares levas uma caixa de cerveja, se tu ganhares levas um garrafão de vinho. Só para vencer o outro bairro. Não direi que eram superiores aos outros porque enquanto o Desportivo e o Sporting treinavam três a quatro vezes por semana, aquelas equipas do subúrbio não tinham condições, encontravam-se e jogavam. Quando eu estava no Munhuanense Azar, havia jogadores que às vezes saíam às quatro ou às cinco da manhã dos bailaricos e jogavam no dia seguinte, não havia condições, havia falta de formação, mas não se podia pedir mais. Era o amadorismo. Ainda me lembro que o Matateu e o Vicente, quando iam para o campo jogar, já iam equipados. Chegavam lá, não havia prelecção. Só que eram bons jogadores. Havia um melhor, que era uma fera. Esse ficou por lá, não queria. Lá não era como aqui que a malta treina todos os dias. Lá não, não treinavam, a malta encontrava-se... às vezes fazia-se um apelo, epá deita-te mais cedo, amanhã precisamos de ti, não andes aí na farra mas...

P – Não havia treinos...

H – Na AFA só jogávamos, não treinávamos, não tínhamos horários para cumprir, encontrávamo-nos, cada um tinha o seu equipamento, que lavava. Todos tinham um emprego, podia haver um que não tivesse, mas quase todos trabalhavam na “baixa”, poucos trabalhavam no subúrbio, tinham que ir para a “baixa”. O futebol era renhido porque havia muitas rivalidades, dos bairros, das terras e das regiões. Na “baixa”, já se treinava. Nós só íamos jogar na “baixa” se nos arranjassem emprego, porque se não ficávamos em Xipamanine.

P – Mas havia treinadores? Havia alguém que dizia “Tu jogas ali, tu jogas acolá”?

H – Era um director, depois era o capitão de equipa que dizia: “Hilário vai jogar aqui, ali joga fulano...”

P – Mas quer dizer, havia uma ideia de futebol, no sentido em que havia um defesa, meio-campistas...

H – Sim, isso havia! Defesa... Simplesmente, quem depois dirigia... era a pessoa mais credenciada. Não havia um treinador no banco a dizer “Sai este, entra aquele, joga em cima”. Não, não, não. Eram 11 e depois nós é que sabíamos que o Hilário era extremo direito, o Hilário era não-sei-quê...

P – Não havia uma dimensão táctica, quer dizer havia uma coisa mínima, uma distribuição dos jogadores mas não muito mais do que isso..

H – Não havia mais nada... eram só 11 em campo. Vamos embora. Nós já sabíamos os lugares que a malta gostava de jogar e... porque nós tínhamos uma academia em África que era o espaço que tínhamos para praticar desporto, não é? Hoje essa academia acabou...

P – Desapareceu?

H – Desapareceu... Desapareceu porquê? A cidade cresceu... Isto agora tem de ser tudo científico. Tem que ter academias, tem de ter ginásios. Tem de ter campos relvados sintéticos...

P – Isso altera o modo como se joga futebol?

H – Altera, porque no nosso tempo o que era a nossa força, naquela altura, era a força natural, hoje a força é fabricada no ginásio. Eu joguei 15 anos no Sporting e nunca entrei no ginásio. Nunca entrei... O Eusébio jogou no Benfica, não sei quantos anos, nunca entrou no ginásio. Eu hoje estive na formação do Sporting, na Academia. Um miúdo com 14 ou 15 anos já faz ginásio duas vezes por semana. É o corpo trabalhado. Nós não.

O Vovô

Actividade relevante na vida quotidiana do subúrbio de Lourenço Marques, o futebol local absorveu um conjunto de saberes tradicionais, a que o poeta José Craveirinha, em vários artigos em O Brado Africano, chamou de “práticas feiticistas”[8]. Curandeiros e feiticeiros conciliaram as suas artes com as idiossincrasias do fenómeno desportivo. Chegado ao subúrbio, o futebol engendrara confrontos organizados onde se jogavam reputações individuais e colectivas, carentes de protecção e de defesa, como tantas outras actividades na vida instável e precária do subúrbio de Lourenço Marques. A reinterpretação destas práticas, a inovação ritual decorrente da sua aplicação ao futebol, apresentava-se como um caso específico de adaptação de saberes e mundivisões tradicionais ao mundo urbano e às suas solicitações particulares. No subúrbio de Lourenço Marques chamava-se vovô, por vezes de forma indistinta, tanto a quem aplicava as “preparações” como às próprias preparações. No futebol do subúrbio, estas crenças possuíam um evidente efeito prático sobre a performance dos atletas. No entanto, estas práticas não se confinaram ao espaço da periferia da cidade. Elas chegaram ao mundo do colono, o que sugere uma curiosa inversão do processo de assimilação preconizado pelo regime colonial português. Primeiro ao futebol da “baixa”; depois, como explica Hilário, atravessaram o hemisfério e instalaram-se nos campeonatos da metrópole, onde permaneceram. Quem poderia imaginar que a célebre vitória do Benfica sobre o Sporting por 6-3, no antigo Estádio de Alvalade em 14 de Maio de 1994, pode ter sido influenciada por um vovô guineense?

H – Eu lembro-me perfeitamente... no Munhuanense Azar. Como era o mais novo e não bebia, não tinha relações sexuais... Isto faz parte do vovô. Ia a pessoa mais pura para poder levar o remédio que o vovô dava. Era o Hilário que ia ser recebido pelo vovô: “Epá Hilário tens de levar isto não-sei-quê. Porque és o tipo mais puro”. Porque o vovô exige que não se possa ter relações sexuais. O vovô exige que não se beba bebidas alcoólicas. O vovô exige que não sei quantos. E então eu é que era o portador de tudo o que o vovô queria que se fizesse.

P – Cada clube tinha o seu?

H – Cada clube tinha o seu...

P – E os jogadores acreditavam no poder do vovô?

H – Sim, os jogadores acreditavam, por exemplo, vou-lhe contar uma. Quando eu fui treinar a equipa militar [o Matchedje] já depois da independência, eu tive um vovô que tinha andado com a FRELIMO na guerra. Acabou a guerra e ele, como era militar, ficou o vovô da equipa militar. Ele uma vez teve uma conversa comigo. Disse-me: “Epá, senhor Hilário, eu penso que as minhas raízes estão a perder forças. Já perdemos agora, empatamos, depois perdemos...”, não me lembro do nome dele. “Epá, tu não tens culpa nenhuma, o que é que interessa tu dares essas coisas todas, se eles andam na bebedeira”. Todos os bons jogadores vinham para a tropa para jogar na equipa militar mas se eles não treinam como deve ser, por mais que dê o remédio que tu quiseres, ou o veneno que tu quiseres, eles não rendem. “Haaaa... está bem, obrigado”, disse ele. Ele próprio, o vovô, estava desnorteado. O que é que ele fazia na guerra? Queriam atacar os portugueses e ele ia lá bater as pedras dele e dizia: “Hoje não atacam, senão vamos ser derrotados”. Agora, esperavam por 2 dias ou 3 dias... “Epá, hoje é o dia D. Vamos atacar”. Psicologicamente, eu não acredito nisso. Mas como estava a trabalhar em África, psicologicamente eu aceitava que fosse feito, porque eles acreditam naquilo. Até aqui em Portugal já acreditam. (…) Já conheci curandeiros aqui dos clubes, já conheci gajos bruxos...

P – Mesmo nos clubes principais?

H – Nos clubes principais... já conheci muitos (…) aqui em Portugal também. Porque há brancos que acreditam nisso.

P – Mas o Hilário acredita.

H – Se me perguntarem, ó Hilário tu acreditas no vovô, eu digo que não. Se o vovô fosse importante, e é importante, as equipas africanas eram campeãs do mundo. Agora o vovô tem importância na parte psicológica dos jogadores, porque se eles não forem ao vovô não conseguem jogar.

P – A origem do termo vovô tem a ver com a pessoa, é um velhote com conhecimentos...

H – É um velhote em termos de sabedoria. (…) Sou contra os vovôs mas tive que admitir os vovôs, porque sei que a minha equipa não ia render se não tivesse o vovô. Isto é uma outra história engraçada. O meu irmão, quando eu estava lá, disse-me: “Há aí um vovô, o gajo adivinha os resultados todos. Vamos lá”. Lá estava o velhote. Ele perguntou: “Qual é a equipa?” Lá enviou as pedras e disse: “Vais ganhar fácil”, e eu perguntei “Quanto?”, e ele disse: “Quando era mais novo eu conseguia dizer o resultado, agora tenho a memória cansada”. Estava nessa altura a treinar o Ferroviário. Na semana seguinte fui lá, o meu irmão é que insistia, e o gajo disse: “Vais ganhar à rasquinha”. E foi assim. Fiz um campeonato a ir todos os dias a este gajo. Era só eu e o meu irmão. O gajo bebia muito bagaço, aguardente. Disse ao gajo, “Se eu for campeão ofereço-te um garrafão de cinco litros de aguardente”. E ele disse: “Xi patrão, cinco litros”. Era ali assim ao pé do cemitério, ele tinha ali uma barraca. Ganhei o campeonato, e havia ali uma loja ao lado, fui buscar um garrafão de cinco litros e ofereci ao gajo. Eu também cheguei a uma altura em que o gajo me convencia psicologicamente como é que eu ia orientar a equipa. Imagine esta influência no jogador. É fortíssima. Com estas tradições todas é fortíssima. O teu vovô diz assim: “Não entras por aquela porta porque aquela porta está minada”, isto é já há pozinhos e mezinhas. “Se passas por ali ficas com as pernas presas e vais perder o jogo.” “Por onde é que vamos entrar?” “Saltem o muro.” Está a ver, 18 gajos a saltar o muro. Estás a ver o Hilário com quarenta e tal anos, cinquenta, a saltar muros. Porque se passas por ali depois... Quando fazem o aquecimento tens que jogar sal para desviar não sei quê... São tradições lixadas e a gente tem que aceitar. Porque se não aceitar, o melhor é não treinares em África. Eu aqui em Portugal nunca tive um vovô, embora, atenção, eu tenho uma história gira. Esteve cá um guineense, havia um Sporting-Benfica e o guineense foi ter com o Cintra[9], e disse ao Cintra: “O meu vovô faz feitiço para o Sporting ganhar ao Benfica”. E diz o Cintra: “Mas ele tem poderes para isso?” “Tem.” “Mas como é que é?” “Mil contos por golo.” E diz o Sousa Cintra: “Eu quero seis”. Deu-lhe telefone, ligaram, e disseram é um Sporting-Benfica, era o [Carlos] Queiroz o treinador. O resultado final foi 6-3 a favor do Benfica e diz-me assim o Sousa Cintra: “Queres ver que o filho da puta se enganou no nome do clube”.

P – Essas pessoas que faziam preparações no subúrbio faziam outras coisas...

H – Faziam a vida deles, normal, eram povo, só que depois... Em Moçambique havia vovôs que tinham prémio de jogo quando ganhavam.

P – Se começavam a perder eram postos de lado?

H – O vovô nunca falha. Por exemplo, se o gajo diz: “Não se pode ter relações sexuais”. Ou “Não se pode beber bebidas alcoólicas”, ou uma porcaria qualquer. O gajo fez o feitiço e a malta perde e ele dizia: “Houve um que falhou”. Ele dizia assim: “Não se pode entrar naquela porta”, e eu passava. “Eu não disse que não se podia passar? O treinador passou, lixou tudo.” O gajo tem sempre razão.

Futebol, emprego e racismo

Poucos jogadores não-brancos jogaram no campeonato da AFLM antes de meados da década de cinquenta. A posição de classe permitiu a alguns membros de famílias crioulas, os tais “mulatos de primeira” a quem se referia Hilário, ter acesso a alguns clubes da “baixa”. Mas ver um habitante do subúrbio nas competições dos colonos era quase impossível. Esta situação começou a mudar, muito lentamente, já na década de cinquenta. A procura de talentos proporcionada pelo processo de semiprofissionalização do futebol foi um motivo fundamental para romper com um persistente bloqueio racial que, a partir de certa altura, começou também a ser politicamente incómodo, dado que o governo português procurava passar internacionalmente uma imagem de mudança. Os que foram entrando no futebol da “baixa” eram quase todos mestiços, sempre preferidos aos negros. Todos deviam ser assimilados. O sucesso de jogadores negros, como Sebastião Lucas da Fonseca, conhecido por Matateu, no menos elitista 1.º de Maio, e a sua ida para a metrópole, para o Belenenses de Lisboa, ajudou a colocar em marcha um processo de procura de talentos. Como se sabe, outros grandes jogadores moçambicanos se seguiriam. A mudança luso-tropical da ideologia colonial facilitou este processo. Acabou, no entanto, por criar uma representação propagandística acerca da mobilidade destes jogadores mestiços e negros que está muito longe de corresponder à história de um futebol, como o moçambicano, que durante muito tempo, pelo menos até à dissolução da AFA em 1959, foi formalmente segregado. Neste contexto em mudança, o caso de Hilário revela a lógica dos mecanismos em marcha do semiprofissionalismo futebolístico instalado na capital de Moçambique. As redes empresariais a que estavam ligados os dirigentes dos principais clubes da “baixa” permitiam que a oferta de empregos aos jogadores mais talentosos se estabelecesse como a plataforma de aceleração de uma relação desportiva de tipo profissional. O seu relato pessoal permite também reconstituir as tensões que envolveram este processo, os motivos que guiaram a vontade dos jogadores em realizar uma transição, movidos fundamentalmente por estratégias de sobrevivência económica, mas também o modo como essa decisão foi contestada no subúrbio, a partir de um orgulho próprio e de uma atitude de oposição.

H – Nos tempos em que havia espaço, como é que o Ferroviário, o Desportivo, o Sporting, o Alto Maé iam buscar jogadores? Iam ao campo de Xipamanine e viam, e diziam, olha o Hilário é jeitoso. Não havia profissionais, ninguém ganhava dinheiro com a bola naquela altura. O que se dava era um emprego. Eu fui para o Sporting porque me puseram a trabalhar na Companhia das Águas. O director era o Dr. Nunes Pantaleão, que era sportinguista. Todos os que quisessem trabalhar na Companhia das Águas e ser jogador do Sporting, tinham tacho.

P – Mas qualquer jogador que jogasse no subúrbio podia jogar na “baixa” ou tinha que ter o estatuto de assimilado?

H – Houve uma altura... assimilado, ou preto, ou mulato podia jogar no Desportivo porque o Desportivo aceitava. Agora se o Sporting quisesse contratar um assimilado a malta já não aceitava.

P – Mas não havia nada escrito que impedisse?

H – Não havia nada escrito. Eu vou-lhe contar o meu caso. Eu jogava no Atlético de Lourenço Marques, nos miúdos. (…) Um senhor de nome Camilo Antunes, um olheiro do Sporting, o Antunes da “Pedro e Sousa”, veio falar comigo para saber se eu queria ir para o Sporting. Eu disse-lhe: vou, mas o Sporting tem que me dar um emprego. O Camilo Antunes aceitou, o Atlético levou, naquela altura, 20 contos de equipamento. Eu fui para a Companhia das Águas trabalhar como canalizador, mas, na Mafalala, os meus amigos todos não perdoaram, porque o Sporting era o clube que não aceitava nenhuma gente de cor. O Sporting era o clube dos polícias, e eu disse: “Epá, mas eu preciso de viver”. Os meus amigos olharam para mim de forma diferente.

P – Mas o Hilário foi o primeiro...

H – Eu fui o primeiro... Fui a primeira pessoa não-branca a jogar no Sporting. Quando fiz o contrato e cheguei no bairro. Claro, a gente encontra-se logo, a primeira novidade foi: “Epá, assinei contrato com o Sporting!” “Epá, assinaste o contrato com esses racistas?” E não-sei-quê... Quase que me deixaram de falar. “Epá, eu preciso de comer, preciso de sustentar a minha mãe, e os meus irmãos, porque não tenho dinheiro, eu não sou rico. Eu assinei um contrato porque arranjaram-me um emprego.” E continuei a trabalhar na Companhia das Águas até vir para Portugal.

P – Quando o Hilário começou a jogar no Sporting de Lourenço Marques foi bem aceite pelos seus colegas?

H – Fui. O único problema foi no bairro. Aí ficaram chateados. Deixaram de me falar. Jogar numa equipa que não aceitava pretos.

P – Esse racismo...

H – Não havia um racismo declarado, mas por influência da África do Sul. Eu sou preto. Quando fui para o Sporting os meus amigos deixaram de me falar e diziam: “Então vais jogar pelos chacais?”. Chacais lá [na África do Sul] são os brancos.

P – Mas para entrar era preciso documentos?

H – Eu era misto, o Coluna era misto, já o Matateu era preto. Para entrar tinha que ser assimilado, tinha que ter uma certa posição. Eu tinha o bilhete de identidade, o preto assimilado andava com uma caderneta que provava a assimilação. Mas o racismo era entre nós todos. Se um branco quisesse entrar na Mafalala para namorar uma miúda, se nós não gostássemos levava porrada.

P – Havia muito poucos brancos no subúrbio?

H – Sim, eram muito poucos mesmo.

P – Comerciantes...

H – Os comerciantes eram os donos daquilo. Eram os donos daquilo... do comércio.

P – Das cantinas...

H – Das cantinas, tinham contactos diariamente com imensas pessoas africanas. Quer dizer eram brancos-pretos. Porque com o negócio no subúrbio tinham... de tolerar muita coisa...

P – Mas foi uma adaptação fácil ao Sporting na altura?

H – Foi, foi porque a malta quer é jogar à bola. O que nós queríamos era jogar à bola.

P – Mas o facto de ter sido o primeiro não-branco houve alguma reacção quando...

H – Não houve reacção nenhuma. E até digo, sinceramente, pessoalmente fui sempre bem tratado. Fui sempre bem tratado.

P – Era muito comum as pessoas do subúrbio irem ao centro da cidade?

H – Nunca houve problemas. Nunca houve problemas dessa natureza.

P – Não?

H – Simplesmente, é que nós estávamos habituados a viver no subúrbio e era no subúrbio que nós estávamos e não éramos felizes se vivêssemos na cidade. Depois havia pessoas mulatas como a família Wilson, que eram mulatos mas que viviam na cidade.

P – Mulatos de primeira?

H – Mulatos de primeira.

A narrativa metropolitana

O sucesso dos jogadores moçambicanos do subúrbio de Lourenço Marques na metrópole foi decisivo para disseminar pela capital de Moçambique os acontecimentos regulares que faziam parte do que podemos chamar de “narrativa futebolística metropolitana”. O interesse de muitos habitantes do subúrbio pelo que sucedia na vida desportiva do campeonato nacional, por clubes como o Benfica, o Sporting e o Belenenses, foi promovido pelos êxitos destes ilustres habitantes do subúrbio. Os jornais e sobretudo a rádio trataram de ampliar ainda mais esta narrativa, na qual alguns dos marginalizados do sistema colonial se viam representados. A chegada constante de colonos diversificou os meios de difusão da notoriedade clubista. O conhecimento sobre o futebol metropolitano serviu então como substância de múltiplos encontros e interacções. Nas cantinas, nas escolas e noutros espaços de lazer dos subúrbios mas também em contextos laborais na “baixa” da cidade. Aqui, actuando como um repertório da interacção, o futebol garantiu a tantas relações entre colonos e colonizados um mínimo denominador comum. A narrativa metropolitana possuía localmente um indelével carácter de modernidade. Para muitos adeptos do subúrbio o conhecimento acumulado sobre os clubes e as competições da metrópole constituía-se como um precioso capital social e um veículo de aspirações de mudança e de mobilidade.

P – Quando é que os clubes da metrópole começaram a ser famosos no subúrbio africano, quando é que se começou a falar...

H – Houve sempre informação. Mas com a ida do Juca, do Mário Wilson, do Matateu, do Coluna, as pessoas começaram a interessar-se mais com isso. Depois do Sporting foram a Moçambique o Benfica, o Marítimo, o Ajax, a Académica. A malta começou a inteirar-se sobre tudo. Na altura era a Emissora Nacional, depois a malta discutia, a malta acompanhava os jogos, havia os do Benfica, os do Sporting, a malta discutia.

P – Era possível uma pessoa do subúrbio ter um clube do subúrbio, um clube da “baixa”, um clube da metrópole.

H – Sim, e a malta falava sobre tudo. (…) A malta acompanhou sempre e cada vez mais. Por exemplo, [na altura] eu não conhecia muitos portistas, mas hoje há muitos portistas em Moçambique.

P – E onde é que essas discussões aconteciam, nos cafés, em todo o lado?

H – Em todo o lado, uma pessoa tinha um rádio de pilhas, e juntava-se um grupo de malta para ouvir, para beber copos.

P – Na sua infância, com os amigos, já discutiam...

H – Já discutíamos.

P – E depois na escola e no trabalho.

H – Sim, mas onde isso começa mesmo a ganhar força é quando os jogadores começaram a vir.

P – Quando foi trabalhar para a Companhia das Águas os seus colegas eram todos europeus?

H – A maior parte.

P – E também falavam sobre futebol.

H – Falávamos porque havia adeptos do Benfica, do Sporting. Lembro-me no emprego de falar com um senhor sobre a minha ida para o Sporting de Portugal e ele disse-me: “quando chegares lá vais ser um senhor, um jogador de futebol em Portugal é uma pessoa muito importante”. Eu não fazia ideia, não conhecia.

Futebol e política

A relação entre o futebol e a política no terreno colonial é um espaço de interrogações próprias. Do interesse em perceber a existência de uma actividade política organizada no quadro da rede de clubes africanos, não apenas em Moçambique, até à instrumentalização do futebol por parte do Estado Novo, nomeadamente durante a guerra colonial, várias pistas merecem ser seguidas de modo sistemático. Presente em vários destes contextos onde existia a possibilidade de uma relação entre política e futebol, Hilário é uma fonte privilegiada. Significativo, também, é o modo como concebe as condições de formação da militância política no contexto colonial e, depois, na metrópole. Para além de sugerir que a tomada de posição política, no sentido mais formal do termo, era apanágio de quem possuía capital educativo e um estatuto reconhecido – caso de José Craveirinha, por exemplo – o seu discurso acaba por atribuir à política um papel de desestabilizador social. Existia uma estabilidade, mesmo se fundada na iniquidade generalizada, que a política abalava, dando um sentido explícito a divisões, vincando diferenças. Ao se remeter ao universo do futebol, como tantos outros jogadores o fazem, Hilário parece proteger o reconhecimento que obteve no seu espaço profissional de fracturas impostas por algo exterior a este mundo de relações e afinidades. Não deixa de ser relevante, porém, que hoje Hilário justifique o seu afastamento da política utilizando palavras semelhantes àquelas que estes jogadores repetiam nos interrogatórios realizados pela PIDE por ocasião de viagens ao serviço das suas equipas e da seleção a países comunistas. Isto é, assumindo que a sua existência se confinava ao mundo do futebol e rejeitando o mundo fracturante da política.

P – No subúrbio havia alguma ligação política ao futebol ou o futebol era um mundo à parte?

H – Ali a malta dava-se bem, ninguém lixava ninguém, cada um vivia à sua maneira, cada um tinha o seu estatuto. Cada um aceitava como nasceu. Havia mulatos que tinham pais com uma condição superior aos meus pais e viviam no meio de brancos. Eles viviam em “Cascais” e eu vivia na “Musgueira” e encontrávamos e falávamos. Eu era feliz na “Musgueira”.

P – Mas havia um conjunto de reivindicações face ao poder colonial. O facto de os jogadores não poderem jogar nas equipas da “baixa” não era um incómodo?

H – Sim, podiam na “baixa” não querer, mas os gajos do subúrbio também não queriam, por uma questão de princípio, não era a “baixa” que dizia não queremos aqui os gajos. No subúrbio eu não me lembro de ver um branco a jogar, nunca.

P – E os indianos?

H – Também não. Os indianos meteram-se pouco no futebol. O Indo-português jogava na “baixa”, só jogavam indianos. Tinham a sede em frente ao 1.º de Maio.

P – Portanto não havia uma dimensão de resistência, nada disso?

H – Mesmo essa malta toda, politicamente ninguém se meteu. Nunca fui de me meter na política. (…) O Craveirinha meteu-se na política porque era uma pessoa com uma cultura fora do normal. De modo que só por isso tudo o que o Craveirinha dizia para nós era sagrado. Se o Craveirinha quisesse que aquela malta da Mafalala fosse toda para a FRELIMO e para a guerra nós íamos. Mas ele não, ele não queria que nos metêssemos nisso, só no desporto... e conseguiu. E conseguiu, e graças a ele, é que nós não estivemos envolvidos em partidos nem em guerras, nem...

P – Como é que acompanhava a situação política, durante a guerra colonial, houve problemas com a PIDE?

H – A PIDE era aqui como lá. A PIDE só incomodava quem era político. A mim nunca me incomodou. A única coisa que fez, quando as equipas viajam para países comunistas, o jogador africano que estava num clube ou na selecção era chamado à PIDE, como me aconteceu várias vezes, e perguntavam-lhe: “Sabes para onde é que vais, sabes o que vais fazer?” “Sei, jogar futebol.” Todas as viagens os africanos eram chamados. Não sou político. Se dissermos, Moçambique não merecia a independência? Merecia. Mas não daquela maneira como for, agora desenrasca-te, não estávamos preparados para isso. Deviam ter dado a independência lentamente, para as pessoas se formarem... Quantas pessoas formadas africanas havia naquela altura, quem é que podia tirar um curso, se não fosse um assimilado, se não fosse um branco? O preto tinha dificuldade. Havia pouca gente formada, para poder governar um país. Depois veio a guerra civil, que ainda veio piorar tudo.

P – Sobre o Mundial de 1966 há quem diga que o regime de Salazar tentou usar a ideia de que havia uma equipa multirracial para assim defender a sua posição na guerra colonial. O Hilário tem alguma ideia sobre isto?

H – Eu nunca me apercebi disso, nem nunca me passou nada que estivesse relacionado com isso. Simplesmente, no Benfica, por exemplo, tinha o [Daniel] Chipenda e o [Augusto Germano] Araújo que eram angolanos e eram activistas do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola). Mas cá, estive com o Eusébio, com essa malta toda, e nunca tivemos uma conversa sobre a FRELIMO. Não me recordo, nunca. Mas o Chipenda, Araújo e companhia já eram activistas porque estavam a jogar na Académica e a PIDE soube. Foram perseguidos, até alguns chegaram a ser presos, mas a nível de Moçambique...

P – Vocês nunca se envolveram neste tipo...

H – Não, não, nem uma conversa de porta fechada...

P – E também ninguém lhes pediu da parte do governo português para tomarem uma posição...

H – Não não...

P – Nunca?

H – A única coisa que eu me lembro quando nós íamos jogar para países comunistas e tal, éramos chamados à PIDE e diziam: “Olha, sabes o que vais fazer e tal?” “Sim, vou jogar à bola.” “Então tem cuidado e tal e não sei quê.” Porquê? Porque havia miúdos nos países comunistas que tinham bolsas de estudo...

P – Africanos?

H – Os gajos sabiam que o Eusébio ou o Hilário estavam ali no hotel tal e iam para lá falar connosco. Falar em dialecto, falávamos em não sei quantos. Epá, mas sem... Eu também se chegasse lá se calhar ia fazer uma visita para falar um bocadinho da terra e...

P – Como é que o Hilário viveu a independência de Moçambique?

H – Vivi naturalmente...

P – E quando é que o Hilário volta depois a Moçambique depois da independência?

H – Voltei quando o Estado moçambicano no 10º aniversário da independência convidou-me a mim e ao Eusébio, Coluna e companhia. O Coluna já lá estava... Para irmos à festa do 10º aniversário da independência. Era o Samora Machel ainda como presidente da República.

P – E vocês foram?

H – Fomos, combinámos, eles pagaram as passagens, o hotel e...

Em Lisboa

A passagem da pobreza remediada do subúrbio de Lourenço Marques para Lisboa representava para os jogadores de futebol moçambicanos um salto significativo. O desenvolvimento do campo desportivo na capital de Moçambique garantiu a estes atletas uma aprendizagem técnica e táctica e uma preparação física mínimas que facilitaram a integração no ambiente mais profissionalizado do futebol metropolitano. Em Moçambique, a circunstância de o futebol lhes garantir um emprego conferia à actividade uma notória seriedade. Tal facto traduzia-se numa ética de trabalho próxima da atitude do profissional e distante da relação que o amador desenvolveu com o futebol. Essa mesma ética de trabalho, muito presente no discurso dos mais conhecidos jogadores moçambicanos, foi posta à prova no ambiente da metrópole. A capacidade de resistir às tentações proporcionadas por uma vida financeiramente mais estabilizada distinguiu aqueles que conquistaram um lugar importante no futebol português dos que se perderam. O talento e a ética do profissional, traduzida em performances desportivas e numa notoriedade própria, facilitaram a integração destes jogadores africanos. Tais factores são fundamentais para interpretar a adaptação destes não-brancos no Portugal metropolitano. É arriscado, desta forma, iludindo o efeito singular provocado pela representação clubista, assumir a verdade de uma retórica luso-tropical sobre a pressuposta predisposição racial dos portugueses para aceitarem a diferença. Sobre esse assunto, porém, o discurso de Hilário vai ao encontro das teses de Gilberto Freyre.

P – A diferença foi muita quando veio para Lisboa. Como foi a passagem de Lourenço Marques para Lisboa?

H – Um indivíduo que vive no subúrbio com carências disto e daquilo e mais alguma coisa e de repente chega aqui e tem uma boa casa, um bom carro, boa comida, um bom ordenado, viaja muito, joga num campo com 50 mil pessoas, 40 mil pessoas e sem preparação para encarar esta situação. Há muitos jogadores que vieram que não aguentaram. Há uma disciplina, e depois um gajo começa a ser assediado para isto para aquilo. Uma pessoa tem que ter alguém que acompanhe, mas naquela altura não havia, não havia empresários nem nada. Um gajo chegava aqui e, ou era humilde e as coisas não lhe subiam à cabeça, ou então estava mal.

P – Essa passagem é uma grande ascensão, é como subir uma montanha.

H – É um salto muito grande.

P – E como é que foi esse processo do contrato? Houve um interesse aqui do Sporting na metrópole?

H – Naquela época de 58 estavam já cá muitos... Em Moçambique estava muita gente daqui da metrópole, que eram benfiquistas, sportinguistas. Eles iam ver os jogos e viam as pessoas que estavam a evidenciar-se no futebol. E depois davam as informações para aqui, a dizer: “Olha, está ali um jogar tal e tal. O Hilário a jogar no Sporting como defesa-esquerdo e tal. Está aqui o Eusébio e tal”. E era daí que tinham os contactos de Portugal para Moçambique ou de Moçambique para Portugal. É daí que aparecem... que nós aparecemos para podermos vir representar...

P – Nessa altura já jogavam na metrópole o Matateu, o Coluna...

H – Sim, o Matateu já estava cá, o Coluna já estava cá... foram os primeiros.

P – E qual foi o efeito no subúrbio de Lourenço Marques destas carreiras de sucesso do Matateu, do Coluna depois do Hilário e do Eusébio?

H – Esta formação que nós tivemos e pudermos vir representar aqui... fez com que no subúrbio a malta começasse a trabalhar para ver se se vinham juntar a nós cá. Porquê? Porque era uma forma de sobrevivência financeira, etc. E de maneira que isto aqui foi um doping para a juventude que estava em África a praticar desporto para tentar vir para Portugal.

P – O futebol era uma área em que os africanos poderiam ter uma ascensão...

H – Pois... (...) Era uma chance que tínhamos para sair daquele fosso para melhor.

P – E também o sucesso destes jogadores também foi importante para o Benfica, o Sporting e o Belenenses ficarem ainda mais conhecidos no subúrbio, a tornarem-se ainda mais populares.

H – Por exemplo, eu não conhecia o Belenenses. Quando o Matateu veio para aqui eu conheci o Belenenses. O Matateu foi o impulsionador do Belenenses. O Coluna veio para o Benfica. O Costa Pereira veio para o Benfica. O Costa Pereira era um grande jogador, guarda-redes do Ferroviário, branco.

P – O Hilário alguma vez sentiu algum tipo de racismo dentro dos campos em relação ao público, bocas, esse tipo de coisas?

H – Nunca...

P – Nunca?

H – Nunca. Pelo contrário, éramos bem tratados. Éramos queridos por toda a gente...

*

P – O Hilário quando regressa a Maputo ainda vai à Mafalala?

H – Todos os dias. De manhã e de tarde.

P – E continua com os seus amigos lá...

H – Continuo, uns mais velhos e uns mais novos.

P – Portanto se estivesse a morar hoje em Moçambique, preferia viver na Mafalala?

H – Não. Ia para a cidade... mas quer dizer, ia sempre à Mafalala visitar os meus amigos, os meus irmãos. Agora se eu fosse solteiro, até era capaz de viver na Mafalala. Mas sou casado e não vou sacrificar a minha mulher... E viver na Mafalala, pela alma de quem?

 

Notas

[1]  Entretanto, a respectiva dissertação foi publicada em livro: Futebol e colonialismo. Corpo e cultura popular em Moçambique, Imprensa de Ciências Sociais, 2012.

[2]  Entrevistas concedidas em 11/12/2007, 28/5/2008, e 27/9/2013.

[3]  José João Craveirinha nasceu em Lourenço Marques, em 1922. Poeta consagrado, jornalista, colaborou em diversas publicações periódicas, nomeadamente em O Brado Africano, no Itinerário, no Notícias, na Mensagem, no Notícias do Bloqueio e no Caliban. Nestas colaborações, o desporto foi um dos seus temas mais recorrentes. Foi funcionário da Imprensa Nacional de Lourenço Marques. Jogou futebol em clubes da cidade. Foi preso pela PIDE e ficou encarcerado durante cinco anos. Após a independência de Moçambique foi membro da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e presidiu à Associação Africana. Foi Prémio Camões em 1991. É um dos mais reconhecidos poetas da língua portuguesa e um dos maiores escritores africanos. A sua primeira obra, Xibugo, data de 1964.

[4]  Polana era o bairro da parte oriental da cidade, na zona mais nobre do “cimento”. Muitas vezes, porém, o seu nome era utilizado como se de toda a zona residencial do “cimento” se tratasse.

[5]  Equipa inglesa de Londres.

[6]  O Centro dos Negros de Moçambique foi criado em 1932 sob o nome de Instituto Negrófilo. Associação de negros assimilados, mudou de nome em 1937. Também em 1937, o Grémio Africano de Lourenço Marques, criado em 1908 e composto fundamentalmente por elites mestiças, alterou o nome para Associação Africana.

[7]  Jornal sucessor de O Africano, fundado em 1918 e órgão do Grémio Africano de Lourenço Marques.

[8]  José Craveirinha, “O Negro, o Desporto e o Feiticismo”, O Brado Africano, 22 de Janeiro de 1955, p. 8.

[9]  José Sousa Cintra, presidente do Sporting Clube de Portugal entre 1989 e 1996.

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