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A Síndrome de Burnout é um objeto de estudo recente, tendo na psicologia geral um de seus pioneiros Herbert Freudenberger (1974). Percebendo a alta intensidade de trabalho na clínica voluntária que prestava serviço comunitário, Freudenberger e os demais membros de sua equipe começaram a utilizar o conceito “burn-out” para descrever o estado de exaustão que passavam. Com isso, Freudenberger (1974) definiu o burnout como um sentimento de fracasso, de desgaste ou de exaustão provida de esforço excessivo e energético.
Maslach e Jackson (1981) notaram a prevalência dessa síndrome em profissionais que atuavam continuamente em instituições de serviços humanos com uma alta demanda de interação “pessoal-cliente”. Maslach e Jackson (1981) conceituam o burnout como uma síndrome de exaustão emocional e cinismo, construindo uma síndrome tridimensional caracterizada por um esgotamento emocional, despersonalização e insatisfação com suas realizações pessoais. Além disso, desenvolveram um instrumento avaliador do burnout para a ampla gama de trabalhadores de serviços humanos e que futuramente seria utilizado em outros meios - o Maslach Burnout Inventory (MBI).
A partir da década de oitenta a síndrome de burnout passa a ser investigada no âmbito esportivo. Caccese e Mayerberg (1984) pesquisam no âmbito universitário o nível de burnout entre técnicos do sexo masculino e feminino, para isso, foi utilizado o MBI como base da pesquisa.
Segundo Feigley (1984, p.109):
O esgotamento psicológico faz com que muitos atletas de alto nível abandonem o esporte antes de atingir seu potencial. Perfeccionistas energéticos que são fortemente influenciados por outros e que não possuem habilidades interpessoais assertivas são particularmente suscetíveis ao burnout. Fatores de desmotivação incluem a natureza mutável do feedback (porque o atleta está refinando habilidades em vez de aprender novas), a necessidade crescente de autonomia pessoal, e aumentar a consciência das consequências físicas, competitivas e sociais da intensa participação.
O estudo de Feigley sugere uma maior prevalência da síndrome em atletas do sexo feminino e na maioria dos casos em atletas de performance jovens. Apesar de ser considerado um distúrbio progressivo, alguns sintomas se manifestam particularmente nos estágios finais da síndrome. Feigley (1984) descreve as características físicas, emocionais e de comportamento dos atletas através dos estágios de manifestação do burnout desde seu início até sua evidência em forma mais avançada.
No estudo de Smith (1986) nota-se a incorporação do modelo atlético de burnout através das descobertas empíricas na população não-atlética, questionando não apenas suas causas e consequências, mas também suas prevenções e a falta de material epidemiológico.
Atualmente o instrumento psicométrico mais utilizado para a mensuração do burnout é o Athlete Burnout Questionnaire (AQB) (Raedeke & Smith, 2001), um questionário composto por três dimensões: exaustão emocional e física, sentimento reduzido de sucesso e desvalorização (Raedeke, 1997), totalizando 15 perguntas relativas à síndrome (5 perguntas por dimensão) no formato 5 pontos-Likert, cujas perguntas especificam o nível de concordância com uma determinada afirmação, sendo elas: (1) “quase nunca”, (2) “raramente”, (3) “as vezes”, (4) “frequentemente”, (5) “quase sempre” (Raedeke & Smith, 2001).
Nesse sentido, essa pesquisa tem por objetivo analisar a produção científica no contexto atual, relacionada ao burnout no esporte a partir de artigos publicados no período entre 2012 a 2019. Para isso, adotamos como metodologia a bibliometria utilizando como fonte de pesquisa artigos completos publicados na base de dados do Periódicos CAPES e do Science Direct, os quais foram selecionados a partir dos seguintes termos de busca: 1) burnout e esporte (burnout and sports) e 2) burnout e atletas (burnout and athletes).
O interesse pela pesquisa surge após a leitura da revisão sistemática feita por Andrade (2012), que constatou um baixo número de artigos brasileiros relacionados ao tema, apesar de não apresentarem quantitativamente tal pressuposto. Por isso se fez pertinente avançar nesse tipo de pesquisa para compreender os avanços, redundâncias e modismos ligados ao tempo, porém em outro recorte temporal. Nesse sentido, avança-se ainda na utilização de produções internacionais, com o intuito de estendermos melhor o campo de pesquisa e compreender como o campo científico se movimenta em relação ao objeto em questão.
Diante do exposto, esta pesquisa se propõe a responder a seguinte questão: como a literatura científica nacional e internacional tem pesquisado o burnout no âmbito esportivo? Assume como objetivo analisar as produções científicas, nacionais e internacionais, a partir de artigos publicados no período entre 2012 a 2019, relacionadas ao Burnout no esporte.
Método
Delineamento
Este trabalho consiste em uma pesquisa documental, amparada pela Bibliometria, através da seleção de uma amostra de conveniência com direcionamento temporal, propondo uma revisão sistemática de investigações científicas sobre Burnout.
A bibliometria surge no início do século XIX devido a necessidade de estudo e avaliação das produções científicas da época, porém seu termo apenas se torna popular no final da década de 60 com um artigo publicado por Pritchard (Statistical Bibliography or Bibliometrics, 1969), no Brasil seu desenvolvimento esteve presente inicialmente através do Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação (IBBD) na década de 70.
A bibliometria é uma técnica quantitativa e estatística para medir índices de produção e disseminação do conhecimento científico (Fonseca, 2013), trazendo como foco principal a análise de produções existentes sobre um determinado assunto (Araújo, 2006), sistematizando e agrupando dados ou resumos de um determinado tema muitas vezes podem auxiliam e facilitar o seu entendimento.
Pesquisa e Seleção dos Artigos
Para a elaboração dessa pesquisa foram realizadas buscas utilizando as palavras chaves “burnout e esporte”, “burnout and sports”, “burnout and athletes” e “burnout e atletas” através das plataformas do Periódicos Capes e Science Direct entre os anos de 2012 a fevereiro de 2019, totalizando 762 artigos. Justifica-se o recorte temporal, a partir de 2012, devido ao estudo de Pires et al. (2012) que contém dados revisados de pesquisas publicadas até maio de 2011. Já a utilização de duas plataformas (uma nacional e outra global) faz-se necessária devido ao objetivo de ampliação de dados, vide que a pesquisa de Pires e colaboradores contempla apenas publicações no idioma português e na plataforma Capes.
Dos 762 artigos, 44 foram encontrados na plataforma CAPES e entre estes foram selecionadas 10 publicações. Na plataforma Science Direct foram encontrados 718 artigos, dos quais foram selecionados 31. Todos os artigos que não tratassem de algum modo o burnout no âmbito esportivo ou entre atletas e coachs foram descartados. Além disso, como critério de seleção optou-se por pesquisas no idioma português e inglês.
Resultados
Ao analisarmos as publicações no período temporal de 2012 e 2019 (Figura 1) pudemos notar dois anos os quais apresentam um maior número de artigos produzidos, 2016 e 2018, respectivamente anos de Olimpíada e Copa do Mundo. Por se tratarem de megaeventos esportivos e de grande impacto mundial, infere-se que eles podem vir a influenciar o interesse em se pesquisar sobre o assunto.
Quando comparamos a quantidade de artigos encontrados no recorte temporal de Pires et al. (2012) com a quantidade de artigos encontrados nessa pesquisa, percebe-se um crescimento em número de publicações no Brasil (Figura 2), indo de 8 para 10 pesquisas realizadas, porém é notório que apesar de poucas publicações o tema se mantém presente no espaço das discussões científicas. Vale ainda sinalizar que no mapeamento de Pires et al ele abrange temporalmente artigos publicados até 2011.
Comparação entre a quantidade de artigos publicados no Brasil
Este estudo identificou 14 diferentes revistas utilizadas para as publicações nacionalmente e internacionalmente desses artigos. Dentre elas encontramos a “Psychology of Sport and Exercise” como sendo a principal em circulação, com 21 produções. No Brasil a revista Motricidade vem sendo a principal utilizada, com 4 das 10 publicações no país.
Em resposta aos resultados do figura 3 analisamos as classificações das duas principais revistas científicas encontradas através da Plataforma Qualis, com o objetivo de averiguar a procedência dessas produções. Dentre as avaliações para a classificação estão: os números de artigos publicados, a periodicidade, acessibilidade, entre outros. Sendo A1 a classificação mais alta que uma revista pode ter e a C a classificação mais baixa. A revista Psychology of Sport and Exercise é considerada uma revista A1, já a Motricidade B1 na área da educação física, gerando uma maior credibilidade para o presente estudo.
Fontes de Circulação
Os artigos em suas características textuais se apresentam como “[...] síntese de conteúdo e facilidade de produção e distribuição, constituem-se no veículo mais utilizado para divulgar o saber produzido. Eles representam de alguma forma um processo de finalização da ciência” (Stumpf, 1997, p. 46). Para Targino e Garcia (2000), os artigos em periódicos possibilitam ao pesquisador uma comunicação e difusão rápida do conhecimento produzido, uma vez que as revistas circulam suas publicações em intervalos regulares. Ademais, trazem consigo as práticas avaliativas entre os pares que criticam, sugerem e aprovam ou desaprovam tais estudos para posterior publicação
Nesse período, também se faz importante levantar os autores do campo que têm constituído trajetórias de pesquisas relacionadas com o burnout no esporte. Acredita-se que alguns dos principais autores utilizados, por serem as vozes autorizadas do campo ditam o ritmo de interesse e produção do tem em si, conforme Figura 4.
Recorrência autoral da produção
Quanto à recorrência autoral percebemos um número elevado de autores que desenvolveram apenas um artigo relacionado com a temática (n=113), participando tanto como autores principais ou não. Em contrapartida, encontramos Henrik Gustafsson como sendo o principal autor do tema e consequentemente deste presente estudo bibliométrico, tendo 6 artigos publicados, três como autor principal e três como coautor. No Brasil, Daniel Alvarez Pires vem sendo o principal pesquisador do tema, tendo publicado três artigos sobre o burnout, um deles utilizado como embasamento justificatório desse estudo.
Ao analisarmos a Figura 5 sobre as principais recorrências autorais dentro dos 41 artigos deste estudo, nota-se um valor destoante do Brasil com 10 autorias, contudo, esses trabalhos foram encontrados apenas na plataforma de periódicos CAPES, cuja parcela significativa dos artigos é publicada em português. A partir do momento que direciona-se o olhar para uma perspectiva mais ampla e global (utilizando a plataforma Science Direct), observa-se a presença de apenas um autor brasileiro dentre todas as publicações encontradas.
Ao empreender um indicador bibliométrico referente a procedência territorial (Figura 5), colabora-se para compreender o estágio de desenvolvimento, o panorama de potencialidade e interesses da produção cientifica de uma região para outra. Assim, destacam-se países como a Suécia, EUA, França e Reino Unido como os principais polos de estudos a respeito do tema. Vale destacar novamente a influência do autor Henrik Gustafsson como peça fundamental para a disseminação dos estudos de Burnout em âmbito internacional.
Recorrência Autoral de Primeira Autoria
Com o intuito de descobrirmos quais eram os principais estudiosos e pesquisadores da área utilizamos não somente os nomes dos autores e autoras dos 41 trabalhos que orientaram este estudo, mas também todos os autores presentes nas referências desses trabalhos para essa explanação. Em um primeiro momento realizamos toda a coleta de dados das referências desses artigos, onde estipulamos a utilização apenas do nome e sobrenome do primeiro autor de cada trabalho, vide que a lista se tornaria muito mais longa e difícil de se analisar, caso optássemos por adicionar todos os nomes de coautores. Toda essa coleta resultou em 2.060 nomes, organizados em ordem alfabética.
Porém, constatamos que diversas vezes no decorrer diversos autores apareciam apenas uma ou duas vezes, o que nos fez filtrar ainda mais a coleta visto que o objetivo principal era o de analisarmos os principais pesquisadores da área. Com isso, adicionamos à tabela apenas aqueles nomes que apareciam mais de 8 vezes. Procedimento que se justifica pela dificuldade em elaboração sintética do Figura 1 de análise. O resultado final foi gerado na Quadro 1.
Quadro 1 Principais referências por origem de publicação
| Origem | Quantidade |
|---|---|
| EUA | 258 |
| Raedeke, T. D. | 75 |
| Maslach, C. | 30 |
| Gould, D. | 23 |
| Ryan, R. M. | 17 |
| Deci, E. L. | 17 |
| Smith, R. E. | 16 |
| Smith, A. L. | 14 |
| Muthén, L. K. | 14 |
| Cohen, J. | 13 |
| Eklund, R. C. | 11 |
| Lazarus, R. S. | 11 |
| Coakley, J. | 9 |
| Amorose, A. J. | 8 |
| INGLATERRA | 130 |
| Hill, A. P. | 27 |
| Goodger, K. | 21 |
| Stoeber, J. | 18 |
| Quested, E. | 13 |
| Jowett, G. E. | 12 |
| Madigan, D. J. | 12 |
| Defreese, J. D. | 11 |
| Bartholomew, K. J. | 8 |
| Curran, T. | 8 |
| SUÉCIA | 85 |
| Gustafsson, H. | 73 |
| Stambulova, N. B. | 11 |
| AUSTRÁLIA | 85 |
| Cresswell, S. L. | 51 |
| Lonsdale, C. | 21 |
| Ntoumanis, N. | 13 |
| FRANÇA | 35 |
| Isoard-gautheur, S. | 26 |
| Martinent, G. | 9 |
| FINLÂNDIA | 26 |
| Salmela-aro, K. | 11 |
| Ryba, T. V. | 8 |
| Sorkkila, M. | 8 |
| NORUEGA | 21 |
| Lemyre, P. N. | 21 |
| BRASIL | 20 |
| Pires, D. A. | 20 |
| CANADÁ | 17 |
| Gotwals, J. | 9 |
| Pelletier, L. G. | 8 |
| NOVA ZELÂNDIA | 11 |
| Hodge, K. | 11 |
| SINGAPURA | 10 |
| Li, C. | 10 |
| HOLANDA | 9 |
| Schaufeli, W. B. | 9 |
| SUÍÇA | 9 |
| Gerber, M. | 9 |
| Total | 716 |
Através da análise da Figura 6 notamos uma prevalência de estudos do burnout sem a especificidade da modalidade esportiva, abrangendo diversos esportes, sendo eles individuais ou não. Algo interessante à se ressaltar é o fato de que quando analisamos os artigos que tratam exclusivamente de modalidades coletivas ou individuais, existe uma prevalência maior e até mesmo bem consistente quanto ao número de trabalhos voltados para modalidades coletivas.
Em contrapartida, os estudos de Smith (1986), mostram (em seu contexto temporal) a prevalência de trabalhos e casos de burnout em modalidades individuais. No que se percebe na temporalidade assumida por esta pesquisa é um aumento significativo dos estudos sobre burnout nas modalidades coletivas
Essa predominância se faz ainda mais presente quando buscamos separá-las especificando os esportes estudados em cada uma delas, conforme Figura 7.
Modalidades Esportivas Pesquisadas
A presença de modalidades como o futebol, basquete, hockey no gelo e voleibol (esportes coletivos) demonstra uma possível mudança no olhar dos pesquisadores e estudiosos da área, talvez a procura de novas perspectivas para a síndrome, assim como novos cenários e características. Inclusive, para identificar quais estruturas comuns a essas práticas podem ser determinantes no desenvolvimento do Figura de Burnout
Nota-se que o futebol constitui-se como modalidade coletiva que apresenta maior interesse de investigação, acompanhada do track e field. Uma das possíveis causas para esse Figura se dá pela popularização do futebol e de sua tradição em alguns países, como por exemplo, o Brasil. Com um maior número de praticantes, tanto no esporte amador quanto no profissional é possível o surgimento de indagações quanto ao surgimento da Síndrome de Burnout provenientes do esgotamento físico e mental, além do sentimento de desvalorização e abandono (Pires et al., 2015).
Discussão
Conclui-se que o Burnout no esporte é um tema relevante e recorrente nas pesquisas em âmbito nacional e internacional. É possível destacarmos essa crescente no cenário brasileiro ao compararmos o estudo de Pires et al. (2012), onde ele encontra apenas 8 artigos sobre o tema, enquanto o presente estudo, em um recorte temporal consideravelmente menor, mapeou 10 artigos. Indicando um interesse significativo de pesquisadores brasileiros em estudar este objeto.
Averígua-se também o interesse em ampliar esses estudos no contexto dos esportes coletivos, abrangendo a visão sobre o assunto e até mesmo modificando antigas visões e pensamentos a respeito do burnout. Aspecto que confirma-se a partir do ritmo de produção para esportes como futebol, rúgbi, basquete e vôlei que destacam-se entre as principais modalidades estudadas. Todavia, sinaliza-se também o crescimento das pesquisas para modalidades individuais como natação, tênis e track and field que também compartilham os primeiros postos de interesse entre os pesquisadores da área. Elemento que pode ser apontado em relação ao estudo de Pires et al. (2012), mas que demonstra avanços no que tange ao comportamento do campo cientifico em avançar em pesquisas inéditas e evitando assim os modismos e redundâncias.
Por fim, identifica-se a relevância das produções dos artigos para mapear e discutir o modo como esse objeto tem circulado no campo científico do esporte. Sinaliza-se ainda a necessidade de estudos que se direcionem para identificar correlações e particularidades entre as modalidades estudadas e as causas de Burnout. Bem como compreender elementos de natureza longitudinal na formação do atleta e as possíveis ressonâncias para o acometimento de Burnout.
Contribuição dos autores
Murilo Nazário: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Supervisão; Validação; Administração do projeto; Visualização; Recursos; Redação - revisão e edição.
Camille Barcellos: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Metodologia; Visualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.
