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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.24 no.3 Lisboa dez. 2023  Epub 31-Dez-2023

https://doi.org/10.15309/23psd240308 

Artigo

Comportamento de risco para transtorno alimentar e fatores associados entre estudantes universitários

Risk behavior for eating disorder and associated factors among college students

1Departamento de Saúde Coletiva, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Amazonas, Manaus, Amazonas, Brasil.

2Faculdade de Saúde e Humanidades Ibituruna, Montes Claros, Minas Gerais, Brasil.

3Instituto de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Minas Gerais, Montes Claros, Minas Gerais, Brasil.

4Departamento de Nutrição, Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, Minas Gerais, Brasil.


Resumo

Este estudo objetivou identificar a prevalência e os fatores associados ao comportamento de risco para transtorno alimentar entre estudantes universitários da área da saúde. Trata-se de um estudo epidemiológico de corte transversal, analítico, exploratório e abordagem quantitativa. Os dados foram obtidos por meio de um questionário que abordava as características sociodemográficas, econômicas e hábitos de vida. Para avaliar o comportamento de risco para transtorno alimentar (variável dependente), utilizou-se o Eating Attitudes Test(EAT-26). Foram coletadas ainda as medidas antropométricas. Utilizou-se o modelo de regressão de Poisson para obter estimativas do efeito das variáveis no comportamento de risco para transtornos alimentares. Participou do estudo 364 universitários, com idade média de 22,8±4,7 anos. Foi possível observar prevalência de comportamento de risco para transtorno alimentar em 21,7% dos investigados. As variáveis que se mostraram associadas à maior prevalência do desfecho investigado na análise ajustada foram: presença de insatisfação com a imagem corporal (RP=2,63; IC 95% : 1,68-4,10), realizar tratamento para perder peso (RP=1,64; IC 95% : 1,05-2,57) e risco de doença cardiovascular avaliado através da circunferência da cintura (RP=1,54; IC 95% : 1,02-2,31). Conclui-se que a prevalência de comportamento de risco para transtorno alimentar entre os participantes do estudo foi elevada e hábitos de vida e perfil antropométrico são fatores que se associaram ao desfecho observado.

Palavras-Chave: Comportamento alimentar; Saúde do estudante; Ciências da saúde; Epidemiologia

Abstract

This study aimed to identify the prevalence and factors associated with risk behavior for eating disorders among university students in the health area. This is an epidemiological cross-sectional, analytical, exploratory study with a quantitative approach. Data were obtained through a questionnaire that addressed sociodemographic and economic characteristics and lifestyle habits. To assess risk behavior for eating disorders (dependent variable), the Eating Attitudes Test (EAT-26) was used. Anthropometric measurements were also collected. The Poisson regression model was used to obtain estimates of the effect of variables on risk behavior for eating disorders. 364 university students participated in the study, with a mean age of 22.8±4.7 years. It was possible to observe the prevalence of risk behavior for eating disorders in 21.7% of those investigated. The variables that were associated with a higher prevalence of the investigated outcome in the adjusted analysis were: presence of dissatisfaction with body image (PR=2.63; 95%CI: 1.68-4.10), undergoing treatment to lose weight (PR=1.64; 95%CI: 1.05-2.57) and risk of cardiovascular disease assessed through waist circumference (PR=1.54; 95%CI: 1.02-2.31). It is concluded that the prevalence of risk behavior for eating disorders among the study participants was high and lifestyle habits and anthropometric profile are factors that were associated with the observed outcome.

Keywords: Eating behavior; Student health; Health sciences; Epidemiology

A vida universitária é um período estressante e as estratégias que necessitam de adaptação para conviver com diferentes pessoas de origens socioculturais, dificuldades financeiras e a necessidade de organizar horários de trabalho, afetam a saúde mental dos estudantes e favorecem o desenvolvimento de transtornos alimentares (Trindade et al., 2019).

Os transtornos alimentares são condições psiquiátricas que podem estar associadas à morbimortalidade e resultar em comprometimento socioemocional e danos aos sistemas metabólico e endócrino. Têm uma etiologia multifatorial caracterizada por comportamentos alimentares perturbados e preocupação excessiva com o peso e a forma do corpo. De acordo com a quinta edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorder da American Psychiatric Association (2013), os tipos de transtornos alimentares mais comuns são anorexia e bulimia nervosa, compulsão alimentar e outros transtornos alimentares ou alimentares especificados (OSFED). Os comportamentos alimentares desordenados, compulsão alimentar e comportamentos compensatórios, são mais frequentemente observados do que a síndrome completa dos transtornos alimentares (American Psychiatric Association, 2013).

Aproximadamente 1% da população mundial apresenta sintomas de anorexia nervosa e 4% de bulimia nervosa (Fortes et al., 2015). Conforme dados da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (2019), observa-se uma maior prevalência desses transtornos no sexo feminino, seja em adolescentes e adultos, com uma proporção homem-mulher de 1:10. Tais disfunções alimentares podem estar relacionadas com questões como a busca do corpo perfeito e insatisfação com a imagem corporal, que é um comportamento recorrente principalmente entre as mulheres (He et al., 2021).

Embora possam estar presentes em todas as idades (Stice et al., 2019), são mais frequentes na adolescência e nos adultos jovens (Lacroix et al., 2019). A literatura tem evidenciado uma elevada prevalência de comportamento de risco para transtornos alimentares em jovens universitários, especialmente em acadêmicos dos cursos da área da saúde (Cardoso et al., 2020; Reis et al., 2014).

Destaca-se que o processo de iniciação à graduação em instituições de ensino superior é um período rodeado de estresse, e a inadequação no comportamento alimentar pode ser percebida como estratégia de enfrentamento a tal situação. Atitudes alimentares inadequadas podem estar associadas ainda às alterações repentinas que os estudantes enfrentam, como mudanças no estilo de vida, pressão psicológica e diminuição do tempo disponível para alimentação devido à estrutura curricular e a dedicação ao estudo (Bandeira et al., 2016; Costa et al., 2010; Ponte et al., 2019).

Considerando que os transtornos alimentares são transtornos psiquiátricos graves, causam sérios problemas de saúde pública, de origem multifatorial, elevam as taxas de mortalidade, morbidade física e psicológica, reduz a capacidade funcional e compromete diretamente a qualidade de vida (Nascimento et al., 2020), somando-se á escassez de estudos epidemiológicos sobre comportamento de risco para transtornos alimentares em graduandos da área da saúde, estudos desta natureza se tornam relevantes. Neste contexto, o objetivo deste estudo foi identificar a prevalência e os fatores associados ao comportamento de risco para transtorno alimentar entre estudantes universitários da área da saúde.

Método

Trata-se de um estudo epidemiológico de corte transversal, analítico, exploratório e abordagem quantitativa, realizado em uma Instituição de Ensino Superior (IES) privada, localizada na cidade de Montes Claros, Minas Gerais, Brasil.

Participantes

Participaram do estudo os graduandos da área da saúde, com idade entre 18 e 46 anos, regularmente matriculados e frequentes nos cursos oferecidos pela IES, a saber: Bacharelado em Biomedicina, Ciências Biológicas, Farmácia, Nutrição e Psicologia.

Realizou-se um cálculo amostra, considerando-se a população de estudo 1810 graduandos, matriculados na IES no 1º semestre do ano de 2019, uma prevalência de comportamento para transtorno alimentar desconhecida (50%), margem de erro de 5% e nível de confiança de 95%. Foram acrescidos ao resultado do cálculo 10% para possíveis perdas, totalizando uma amostra de 364 graduandos, que foram selecionados de forma aleatória, por sorteio, a partir da lista frequência fornecida pela IES, sendo elegíveis os acadêmicos com maior idade (≥ 18 anos); e que aceitaram participar voluntariamente do estudo mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O sorteio dos estudantes universitários foi realizado dentro das salas de aula, e quando o sorteado não estava presente ou se recusava a participar do estudo, o graduando subsequente era convidado.

Material

Para obtenção dos dados, foram utilizados seis instrumentos autoaplicáveis: questionário sociodemográfico econômico e hábitos de vida adaptado da Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico (Brasil, 2007), oEating Attitudes Test(EAT-26) (Garner et al., 1982), oBody Shape Questionnaire(BSQ) (Cooper et al., 1987) e o Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ) (Matsudo et al., 2001). Foram coletadas ainda as medidas antropométricas.

A variável de desfecho investigada foi comportamento de risco para transtorno alimentar (presença; ausência). Na perspectiva de identificar os fatores associados ao desfecho, foram coletadas variáveis sociodemográficas, econômicas, hábitos de vida e antropométricas, tratadas neste estudo, como independentes.

As variáveis sociodemográficas e econômicas foram: idade (em anos e posteriormente categorizada a partir da média em ≤22,8; >22,8), sexo (feminino; masculino), raça (branca; não branca), estado civil (com companheiro [a]; sem companheiro [a]), renda (em salários mínimos: R$ 998,00 no ano de 2019, posteriormente categorizada em > 1 salário mínimo; ≤ 1 salário mínimo). Os hábitos de vida investigados foram: consumo de tabaco (não; sim), consumo de bebida alcoólica (não; sim), insatisfação com a imagem corporal (ausência; presença), realizou tratamento para perder peso (não; sim) e nível de atividade física (ativo; sedentário). As variáveis relacionadas às características antropométricas foram: circunferência da cintura (CC) (sem risco de doença cardiovascular; com risco de doença cardiovascular) e índice de massa corporal (IMC) (eutrófico; sobrepeso/obeso).

Procedimento

A coleta de dados ocorreu no Laboratório de Avaliação Nutricional da instituição. Para mensuração da variável dependente, comportamento de risco para transtorno alimentar, utilizou-se o Eating Attitudes Test(EAT-26) (Garner et al., 1982). Trata-se de um questionário autoaplicável, composto por 26 itens com seis alternativas de respostas em escala do tipo Likert. Para cada resposta, é atribuída uma pontuação, que varia de 0 a 3, sendo que, quando o participante marca: sempre (3 pontos); muitas vezes (2 pontos); às vezes (1 pontos); poucas vezes (0 pontos); quase nunca (0 pontos) e nunca (0 pontos). Há uma exceção para a pergunta 4 deste instrumento, dando à inversão na escala, que neste caso, para as respostas sempre, muitas vezes e às vezes é atribuída uma pontuação 0, já para as respostas poucas, quase nunca e nunca, atribui-se pontuação 1, 2 e 3 pontos, respectivamente. Ao final, somam-se os pontos atribuídos em cada item que constitui o instrumento, e a pontuação final varia de 0 a 78 pontos, sendo que aqueles participantes que obtiverem uma pontuação > 21 pontos, foram classificados com presença, e aqueles que obtiveram pontuação ≤ 21 pontos, ausência de comportamento de risco para transtornos alimentares (Bighetti et al., 2004; Fortes et al., 2015; Garner et al., 1982).

O Body Shape Questionnaire(BSQ), instrumento utilizado para investigar a percepção dos estudantes sobre a imagem corporal, analisa a frequência da preocupação e descontentamento dos participantes do estudo, em relação à sua percepção com a forma corporal, aparência e peso. Trata-se de um questionário autoaplicável, é constituído por 34 perguntas com 6 opções de respostas em escala do tipo Likert, sendo 1 (nunca); 2 (raramente); 3 (às vezes); 4 (frequentemente); 5 (muito frequentemente) e 6 (sempre). Para obtenção da resposta final, somam-se todos os pontos obtidos e classifica-se a percepção do participante com relação percepção com a imagem corporal de acordo com os pontos de corte: 110 (nenhuma insatisfação); > 110 e ≤ 138 (leve insatisfação); > 138 e ≤ 167 (moderada insatisfação); > 167 (grave insatisfação) (Cooper et al., 1987; Cordás & Neves, 1999; Di Pietro & Silveira, 2008). No presente estudo, essa variável foi categorizada em ausência (≤ 110 pontos) e presença (> 110 pontos) de insatisfação com a imagem corporal.

Para avaliar o nível de atividade física, foi utilizado o Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ), na sua forma curta, traduzido e validado para a população brasileira por Matsudo et al., (2001). Neste estudo, consideraram-se ativos, os estudantes universitários que relataram praticar atividade vigorosa: ≥ 3 dias na semana e ≥ 20 minutos por sessão; ou atividade moderada ou caminhada: ≥ 5 dias na semana e ≥ 30 minutos por sessão; ou qualquer atividade somada: ≥ 5 dias na semana e ≥ 150 minutos na semana. Os estudantes sedentários foram aqueles que relataram não realizar nenhuma atividade física por no mínimo 10 minutos contínuos ao longo da semana. Os universitários que foram classificados como irregularmente ativos foram aquelas que relataram praticar atividade física, porém insuficientemente para serem classificados como ativos, visto que não cumpriram as recomendações quanto à frequência ou duração.

Foi realizada a aferição em duplicada da circunferência da cintura (CC) no ponto médio entre a última costela e a crista ilíaca no momento da expiração, utilizando-se uma fita métrica inelástica de 200 cm e variação de 0,1cm (World Health Organization, 1998). A aferição da CC foi realizada pelo mesmo colaborador da pesquisa e repetida quando o resultado apresentou um erro de aferição entre as duas medidas maior que 1cm. O valor resultante das aferições foi a média entre os dois valores mais próximos. Quando o valor da CC ≥ 80cm para mulheres e ≥ 94cm para homens, estes foram classificados risco para doenças cardiovasculares (World Health Organization, 1998).

Para calcular o IMC, a mensuração da estatura ocorreu com auxílio do estadiômetro SECA 206 numa parede com noventa graus em relação ao chão e sem rodapés com os estudantes universitários na devida posição para avaliação desse dado; do peso (kg) usando balança portátil SECA OMEGA 870 digital e do IMC pelo produto da divisão do peso corporal pela altura ao quadrado (P/E2), sendo que foram classificação em eutróficos (18,5-24,9), sobrepeso (25,0-29,9) e obesidade (30,0- acima) (World Health Organization, 1998).

Os dados foram digitados no Microsoft Excel®, e posteriormente transportados para o Statistical Package for the Social Sciences - SPSS®, versão 21, onde foram realizadas as análises estatísticas. Inicialmente, realizou-se uma análise univariada, com distribuição de frequências relativas e absolutas das variáveis investigadas. Em seguida foram realizadas análises bivariadas utilizando-se o teste de qui-quadrado de Pearson, para investigar possíveis associações entre o desfecho estudado (comportamento de risco para transtorno alimentar) e as variáveis independentes (sociodemográficas, econômicas, hábitos de vida e antropométricas), sendo selecionadas para a análise multivariada, as variáveis associadas até o nível de 20% (p ≤ 0,20).

Na fase analítica, as variáveis independentes foram inseridas no modelo de regressão de Poisson com variância robusta, onde foram calculadas as razões de prevalência (RPs) bruta e ajustada e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%). Essa medida de associação foi escolhida, por se tratar de uma alternativa para a análise de estudos transversais com resultados binários e prevalência do desfecho acima de 10%. Para inserção das variáveis no modelo foi utilizado o critériobackward stepwise. Para a análise final, considerou-se um nível de significância de 5%, ou p < 0,05.

O estudo cumpriu com as diretrizes e normas que regulamentam as pesquisas envolvendo seres humanos, conforme Resolução n° 466 de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, foi submetido para apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa das Faculdades Integradas do Norte de Minas, e aprovado sob o parecer de nº. 3.485.448 (CAAE: 14064419.9.0000.5141).

Resultados

Participaram do estudo 364 graduandos da área de ciências da saúde. Entre os investigados, 83,5% possuía idade ≤ 22,8 anos, 81,0% eram do sexo feminino, 77,7% se autodeclararam não brancos, 91,8% possuía companheiro [a] e 50,5% recebia ≤ 1 salário mínimo. A prevalência de comportamento de risco para transtorno alimentar avaliado pelo EAT-26 entre os universitário foi de 21,7%. As demais características sociodemográficas, econômicas, hábitos de vida e antropométricas, constam no Quadro 1.

A distribuição (%) do comportamento de risco para transtorno alimentar (EAT-26) entre os graduandos da área de ciências da saúde, segundo características sociodemográficas, econômicas, hábitos de vida e antropométricas dos universitários da área da saúde estão apresentadas no quadro 2. Na análise bivariada, verificou-se que as seguintes variáveis se mostraram associadas ao nível de 20% e foram selecionadas para a análise múltipla: insatisfação com a imagem corporal (p = 0,001), realizar tratamento para perder peso (p = 0,001), circunferência da cintura (p = 0,001) e índice de massa corporal (p = 0,001).

No modelo final, entre os graduandos da área de ciências da saúde, o comportamento de risco para transtorno alimentar esteve associada aos fatores: presença de insatisfação com a imagem corporal (RP=2,63; IC 95% : 1,68-4,10), ter realizado tratamento para perder peso (RP=1,64; IC 95% : 1,05-2,57) e com risco de doença cardiovascular avaliado através da circunferência da cintura (RP=1,54; IC 95% : 1,02-2,31) (Quadro 3).

Quadro 1 Caracterização dos graduandos em ciências da saúde, segundo características sociodemográficas, econômicas, hábitos de vida e antropométricas - Montes Claros, Minas Gerais, Brasil, 2019 (n = 364). 

Variáveis n %
Idade (em anos)
≤ 22,8 304 83,5
> 22,8 60 16,5
Sexo
Feminino 295 81,0
Masculino 69 19,0
Raça
Branca 81 22,3
Não Branca 283 77,7
Estado Civil
Com companheiro [a] 334 91,8
Sem companheiro [a] 30 8,2
Renda (em salários mínimos)
> 1 180 49,5
≤ 1 184 50,5
Consumo de tabaco
Não 333 91,5
Sim 31 8,5
Consumo de bebida alcoólica
Não 190 52,2
Sim 174 47,8
Insatisfação com a Imagem Corporal
Ausência 331 90,9
Presença 33 9,1
Realizou tratamento para perder peso
Não 349 95,9
Sim 15 4,1
Comportamento de risco para transtorno alimentar (EAT-26)
Ausência 285 78,3
Presença 79 21,7
Nível de atividade física
Ativo 103 28,3
Sedentário 261 71,7
Circunferência da Cintura
Sem risco de doença cardiovascular 294 80,8
Com risco de doença cardiovascular 70 19,2
Índice de Massa Corporal
Eutrófico 253 69,5
Sobrepeso/Obeso 111 30,5

Discussão

Este estudo permitiu verificar uma prevalência de 21,7% de comportamento de risco para transtorno alimentar entre os acadêmicos da área da saúde, utilizando como instrumento o EAT-26, e essa maior ocorrência esteve associada aqueles acadêmicos que estão insatisfeitos com a imagem corporal, que realizam tratamento para perder peso e com risco de doenças cardiovasculares aferidas através da circunferência da cintura aumentada.

Quadro 2 Distribuição (%) do comportamento de risco para transtorno alimentar (EAT-26) entre graduandos da área de ciências da saúde, segundo características sociodemográficas, econômicas, hábitos de vida e antropométricas de universitários da área da saúde - Montes Claros, Minas Gerais, Brasil, 2019 (n = 364). 

Variáveis Comportamento de risco para transtorno alimentar (EAT-26) p valor (x²)
Presença Ausência
n % n %
Idade (anos) 0,738
≤ 22,8 65 21,4 239 78,6
> 22,8 14 23,3 46 76,7
Sexo 0,522
Feminino 66 22,4 229 77,6
Masculino 13 18,8 56 81,2
Raça 0,859
Branca 17 21,0 64 79,0
Não Branca 62 21,9 221 78,1
Estado Civil 0,250
Com companheiro [a] 70 21,0 264 79,0
Sem companheiro [a] 09 30,0 21 70,0
Renda (em salários mínimos) 0,987
> 1 39 21,7 141 78,3
≤ 1 40 21,7 144 78,3
Consumo de tabaco 0,740
Não 73 21,9 260 78,1
Sim 06 19,4 25 80,6
Consumo de bebida alcoólica 0,753
Não 40 21,1 150 78,9
Sim 39 22,4 135 77,6
Insatisfação com a Imagem Corporal 0,000
Ausência 58 17,5 273 82,5
Presença 21 63,6 12 36,4
Realizou tratamento para perder peso 0,000
Não 69 19,8 280 80,2
Sim 10 66,7 05 33,3
Nível de atividade física
Ativo 26 25,2 77 74,8 0,303
Sedentário 53 20,3 208 79,7
Circunferência da Cintura 0,000
Sem risco de doença cardiovascular 53 18,0 241 82,0
Com risco de doença cardiovascular 26 37,1 44 62,9
Índice de Massa Corporal 0,000
Eutrófico 38 15,0 215 85,0
Sobrepeso/Obeso 41 36,9 70 63,1

Nota. (x²) = Teste Qui-quadrado de Pearson; p valor = Nível de significância p<0,20.

A prevalência de comportamento de risco para transtorno alimentar aqui encontrada corrobora achados de outros estudos com acadêmicos da área da saúde, os quais relataram, prevalências de atitudes indicativas de transtornos alimentares em 26% (Almeida et al., 2016), 21,8% (Kessler & Poll, 2018) e 33,3% (Silva et al., 2018) dos universitários entrevistados. Revisão sistemática e meta-análise mostrou que estudos sobre transtornos alimentares na América Latina foram prevalentes na população geral acima de 10 anos (Kolar et al., 2016) e poucos estudos brasileiros com delineamento epidemiológico foram encontrados sobre transtorno alimentar na área acadêmica (Gralle et al., 2017; Oliveira et al., 2019).

Quadro 3 Análise bruta e ajustada dos fatores associados ao comportamento de risco para transtorno alimentar (EAT-26) entre estudantes universitários da área da saúde - Montes Claros, Minas Gerais, Brasil, 2019 (n = 364). 

Variáveis Comportamento de risco para transtorno alimentar (EAT-26) %
RP bruta (IC 95% ) RP ajustada (IC 95% )
Idade (em anos)
≤ 22,8 21,4 1 -----
> 22,8 23,3 1,09 (0,65 - 1,81) -----
Sexo
Feminino 22,4 1 -----
Masculino 18,8 1,18 (0,69 - 2,02) -----
Raça
Branca 21,0 1 -----
Não Branca 21,9 1,04 (0,64 - 1,68) -----
Estado Civil
Com companheiro [a] 21,0 1 -----
Sem companheiro [a] 30,0 1,43 (0,79 - 2,56) -----
Renda (em salários mínimos)
> 1 21,7 1 -----
≤ 1 21,7 0,99 (0,67 - 1,47) -----
Consumo de tabaco
Não 21,9 1 -----
Sim 19,4 0,88 (0,41 - 1,86) -----
Consumo de bebida alcoólica
Não 21,1 1 -----
Sim 22,4 1,06 (0,72 - 1,57) -----
Insatisfação com a Imagem Corporal
Ausência 17,5 1 1
Presença 63,6 3,63 (2,56 - 5,14) 2,63 (1,68 - 4,10)
Realizou tratamento para Perder Peso
Não 19,8 1 1
Sim 66,7 3,37 (2,22 - 5,10) 1,64 (1,05 - 2,57)
Nível de Atividade Física
Ativo 25,2 1 -----
Sedentário 20,3 0,80 (0,53 - 121) -----
Circunferência Cintura
Sem risco de DCV 18,0 1 1
Com risco de DCV 37,1 2,06 (1,39 - 3,04) 1,54 (1,02 - 2,31)
Índice de Massa Corporal
Eutrófico 15,0 1 -----
Sobrepeso/Obeso 36,9 2,45 (1,68 - 3,59) -----

Nota. DCV = Doença Cardiovascular; RP = Razão de Prevalência; IC 95% = Intervalo de 95% de confiança.

Os transtornos alimentares são distúrbios que levam a perdas biopsicossociais com taxas de morbimortalidade na população. Estudos mostram que tem aumentando consideravelmente a prevalência de transtornos alimentares na população universitária (Almeida et al., 2016; Kessler & Poll, 2018; Oliveira et al., 2019; Silva et al., 2018). Sugere-se que esses achados são ainda maiores quando se trata de cursos da área de ciências da saúde, principalmente aqueles em que são apresentados como importantes - destacando-se os cursos de Biomedicina, Ciências Biológicas, Farmácia, Nutrição e Psicologia, objetos do presente estudo.

Assim como no presente estudo, a insatisfação com a imagem corporal também esteve associada a presença de comportamento de risco para transtornos alimentares em outros estudos realizados com universitários (Costa et al., 2010). Esse achado não se restringe somente à população brasileira, um estudo europeu realizado em Murcia, Espanha, avaliou transtornos alimentares em universitários, e de maneira semelhante identificou risco elevado em indivíduos que apresentavam insatisfação corporal (Castejón-Martínez et al., 2016).

Os transtornos de ansiedade e imagem corporal são os principais fatores que levam ao desenvolvimento dos transtornos alimentares (Nascimento et al., 2020). Fatores psicológicos, sociais e familiares contribuem para a idealização de um corpo e forma perfeitos impostos pela sociedade. O desejo de perder peso e o medo constante de ganho de peso são os principais motivadores das preocupações relacionadas à alimentação, e a adoção de programas de exercícios físicos e alimentares autoguiados visando à perda de peso socialmente perceptível (Nascimento et al., 2020).

Alterações no comportamento alimentar e práticas de controle de peso estão associados à insatisfação pessoal e baixa autoestima, o que pode culminar na perda de peso (Bernardino et al., 2020). Além disso, com o intuito de emagrecer de maneira rápida, verifica-se a utilização de drogas supressoras de apetite ou outros medicamentos/substâncias com o objetivo de perder peso, sendo uma prática comum entre os universitários (Silva et al., 2018). E que foi um dos fatores associados ao comportamento de risco para transtorno alimentar entre os acadêmicos da área da saúde aqui investigados.

Nota-se um elevado consumo de formulações e emagrecedores entre o público universitário por diversos fatores, entre os quais, destaca-se a perda de peso, a insatisfação com a imagem corporal, a falta de tempo disponível para praticar alguma atividade física e/ou alta demanda com as atividades acadêmicas, além da busca incessante pelo estereótipo mais magro e musculoso, que são considerados símbolo de beleza para alguns universitários (Bandeira et al., 2016).

Também, observou associação entre comportamento de risco para transtorno alimentar, com a circunferência da cintura dos universitários. Por meio dos métodos antroprométricos, a circunferência da cintura permite avaliar o risco para as doenças cardiovasculares, além de analisar a distribuição central da gordura corporal. Essa medida tem recebido atenção importante na avaliação do risco cardiovascular, pois é um forte preditor da quantidade de gordura visceral, principal responsável pelo aparecimento de alterações metabólicas e doenças cardiovasculares (Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2005).

Além do risco de doenças cardiovasculares, a literatura tem apontado que existe relação entre excesso de peso e obesidade abdominal em universitários e insatisfação com a imagem corporal, sendo que esses acadêmicos com obesidade, apresentam de cinco a sete vezes mais chances de ficarem insatisfeitos com a imagem corporal, quando comprados aos eutróficos, sendo que o maior percentual de gordura corporal e elevado perímetro da circunferência da cintura também aumenta a insatisfação com o corpo entre os universitários (Souza & Alvarenga, 2016), sugerindo-se que isso potencializa o risco de desenvolvimento de comportamento de risco para transtornos alimentares (Hinojo-Lucena et al., 2019).

Sendo assim, o profissional de Nutrição tem um papel fundamental a desempenhar na conscientização de uma alimentação saudável, sendo fortemente cobrado pela sociedade para ter um corpo e uma dieta ideal de acordo com os padrões atuais. Este profissional está presente na equipe que atua no manejo dos transtornos alimentares, bem como apresenta notável papel na atenção à saúde e nutrição, principalmente nas práticas de promoção à saúde (Bandeira et al., 2016).

As variáveis relacionadas com o risco de desenvolvimento de transtornos alimentares entre universitários da área de saúde descritas nesse estudo emerge a urgente necessidade de se trabalhar a educação nutricional desde a infância, para que haja consciência de forma precoce do quão prejudicial o comportamento alimentar inadequado pode ser. Pode-se ainda por meio da identificação dos fatores de risco, preparar melhor os profissionais de saúde para que possam atuar na prevenção não somente com os indivíduos vulneráveis, mas também com a população em geral.

Cabe destacar algumas limitações do presente estudo, sendo que a primeira é o uso de questionários respondidos a partir de autoavaliação dos universitários, que mesmo que os instrumentos tenham sido validados, alguma das questões que integram os questionários podem ter sido mal interpretada, e respondidas de forma distorcida. Além disso, destaca-se que considerando o público alvo do estudo tratar-se de universitários da área de ciências da saúde, é passível de questionamento se, em algum momento, houve omissão de hábitos reconhecidos como prejudiciais à saúde dos participantes, neste contexto, o autorrelato pode subestimar a real prevalência do comportamento de risco para transtornos alimentares, e, portanto, representar uma fonte de viés na interpretação dos resultados do inquérito. Outra limitação que aqui também pode ser apresentada, é que o questionário aqui utilizado para avaliar o comportamento de risco para transtorno alimentar, não é suficiente para confirmar diagnósticos de distúrbios alimentares.

Apesar dessas limitações, cabe destacar que, trata-se de um estudo relevante que contribui para investigar possíveis comportamentos de risco para transtornos alimentares, e os fatores associados a esse desfecho em um número representativo de universitários de diversos cursos da área de ciências da saúde, que é considerado um grupo vulnerável à esse tipo de risco. Além disso, reforça-se a necessidade da realização de novos estudos voltados para a prevalência de comportamentos de risco para transtornos alimentares, principalmente entre adolescentes e jovens, como os universitários, grupos vulneráveis à adoção de estilos de vida não saudáveis influenciados pelas mídias, além da transição etária e mudanças na rotina de vida.

A prevalência de comportamento de risco para transtornos alimentares nos universitários da área de ciências da saúde foi considerável, e fatores relacionados aos hábitos de vida (insatisfação com a imagem corporal e tratamento para perder peso) e antropométricos (circunferência da cintura) mostraram-se associados a essa prevalência. Neste contexto, as evidências de estudos com bom rigor metodológico de pesquisas epidemiológicas mostrou o quanto é necessário enfatizar a importância de medidas educativas de promoção de mudanças no estilo de vida, principalmente entre grupos que apresentam constantes mudanças no estilo de vida, como os universitários, com o objetivo de diminuir a adoção de hábitos de vida não saudáveis, e que podem comprometer a saúde de pessoas que estão se formando, para promover saúde.

Contribuição dos autores

Ronilson Freitas: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Supervisão; Validação; Visualização e Redação - revisão e edição.

Kamila Souza: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Validação; Visualização, Redação - revisão e edição.

Paloma Sousa: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Validação; Visualização, Redação - revisão e edição.

Danilo Gomes: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Validação; Visualização, Redação - revisão e edição.

Thaís Baldo: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Validação; Visualização, Redação - revisão e edição.

Ramine Almeida: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Validação; Visualização, Redação - revisão e edição.

Celsa Souza: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Validação; Visualização, Redação - revisão e edição.

Angelina Lessa: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Supervisão; Validação; Visualização e Redação - revisão e edição.

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Recebido: 27 de Fevereiro de 2023; Aceito: 04 de Dezembro de 2023

Autor de Correspondência: Ronilson Ferreira Freitas (ronnypharmacia@gmail.com)

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