SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.24 número1Conscientização da hipertensão arterial sistêmica na educação básica: um relato multiprofissionalAconselhamento genético para síndrome de down: revisão integrativa da literatura índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.24 no.1 Lisboa abr. 2023  Epub 30-Jun-2023

https://doi.org/10.15309/23psd240121 

Artigo

A percepção do paciente portador de Hanseníase acerca da doença

A Hansen's patient perception on their illness

Ana Lúcia Sobrinho1 

Raiane Cardoso1 
http://orcid.org/0009-0005-5611-5442

Flávia Lima2 
http://orcid.org/0000-0003-1603-0952

Fabrícia de Brito1 

Wanessa de Sousa3 
http://orcid.org/0000-0002-6841-1338

Ana Pereira4 
http://orcid.org/0000-0001-5719-1635

1. Centro Universitário Maurício de Nassau Aliança, Rio Grande do Norte, Brasil

2. Universidade Maurício de Nassau, Uninassau, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil

3. Prefeitura do Natal, Rio Grande do Norte, Brasil

4. Prefeitura de Ceará Mirim, Ceará Mirim, Rio Grande do Norte, Brasil


Resumo

O presente estudo teve como objetivo compreender a percepção do paciente portador de hanseníase após o diagnóstico da doença. Para tal foi utilizado o método de abordagem qualitativa de natureza descrito-exploratória, onde se fez uso de um roteiro de perguntas semiestruturado e análise do conteúdo coletado conforme a proposição de Bardin. Participaram do estudo 14 pacientes que estavam em tratamento no Centro de Saúde de uma cidade do nordeste brasileiro no ano de 2019. Dos participantes a maioria era do sexo masculino (71,43%), com idade acima de 50 anos (85,71%). Apresentaram déficit no conhecimento sobre a doença, e demonstraram sentimentos de medo, insegurança, aflição e vergonha diante do recebimento do diagnóstico. Foi possível compreender que a percepção do portador de hanseníase acerca da doença é um procedimento de larga importância pelo fato de se encontrar correlacionado ao recurso terapêutico, a forma com que o portador verá a vida após ser diagnosticado.

Palavras-Chave: Hanseníase; Percepção; Preconceito; Diagnóstico

Abstract

The current study aimed to understand the perception of the leprosy patient after the diagnosis of the disease. For this purpose, the method was used a qualitative study of a described-exploratory nature, using a semi-structured questionnaire and analysis of the content collected according to Bardin's proposal. The study included 14 patients who were undergoing treatment at the Health Center of a city in northeastern Brazil in 2019. Of the participants, most were male (71.43%), aged over 50 years (85.71%). They had a deficit in knowledge about the disease, and showed feelings of fear, insecurity, distress and shame when receiving the diagnosis. The study allowed us to understand that the perception of leprosy patients about the disease is a procedure of great importance because it is correlated to the therapeutic resource, the way the patient will see life after being diagnosed.

Keywords: Leprosy; Perception; Prejudice; Diagnosis

A Hanseníase é uma doença infectocontagiosa milenar, de característica crônica e com alto poder incapacitante, cujo agente etiológico é o Mycobacterium leprae (M. leprae), que por sua vez, infecta os nervos periféricos, mais especificamente as células de Schawnn (Brasil, 2017).

O processo infeccioso se inicia pelas vias aéreas, por meio de contato prolongado com indivíduos em plena manifestação da doença e que não esteja em tratamento, descartando qualquer hipótese de transmissão através da troca ou contato com objetos utilizados pelo paciente. Pode haver o contágio de qualquer pessoa, independente do sexo ou idade. Atingindo principalmente os nervos superficiais da pele e dos troncos nervosos periféricos, podendo acometer órgãos como os olhos, baço, mucosa, dentre outros (Loures & Marmara, 2017; Ribeiro, Silva & Oliveira, 2018).

A hanseníase possui altos índices de infectividade, entretanto poucos registros de patogenicidade, ou seja, existe um grande número de pessoas infectadas que não desenvolvem a doença. Alguns, por possuírem defesas imunológicas contra o agente etiológico, bloqueiam o desenvolvimento da infecção (D’Azevedo et al., 2018).

Os principais sintomas que acometem os indivíduos portadores são os dermato-neurológicos, podendo se classificar de duas maneiras: a operacional, que se divide em Paucibacilar e Multibacilar e a clínica que se divide em indeterminada, tuberculóide, dimorfa e virchowiana (Ribeiro et al., 2018)

O autocuidado é fundamental para diminuição e prevenção de algumas consequências provenientes da hanseníase, a adesão às orientações sobre os cuidados e a evolução da doença que cooperam com o favorecimento da compreensão sobre as possíveis alterações corporais que a doença possa causar (Batista, Vieira & Paula, 2014).

A resistência ao tratamento pode trazer consequências e malefícios ao paciente e aos que o cercam, por ser nesse período o momento de transmissão latente. É possível observar também a existência de grande estigmatização da doença, apesar de possuir tratamento e cura, dado que durante muitos séculos essa patologia foi relacionada à impureza e pecado, onde os indivíduos eram marginalizados e exilados, mas essas experiências persistem até a atualidade. Ter hanseníase significa em grande proporção experiências dolorosas, de constrangimento e isolamento, pelo preconceito cultural (D’Azevedo et al., 2018).

Além disso, os impactos após o diagnóstico positivo para hanseníase afetam diferentes aspectos como o social, físico e psicológico. As alterações físicas acontecem devido aos ferimentos, nódulos e mudança na textura da pele, o que reflete na autoimagem e como o indivíduo se coloca em sociedade, assim ocorrerá um afastamento social e possível rejeição, que ocasionam isolamento, depressão, negação e o sentimento de morte (Faria & Santos, 2015).

Logo, os sentimentos de tristeza, medo, insegurança, desespero e angústia precisam ser identificados, devendo receber um amparo efetivo dos profissionais. É preciso sanar todas as dúvidas, fornecer informações, abrir espaço para que esses indivíduos possam externar todos os sentimentos confusos, suas dúvidas e seus medos, para que possam ser desmistificados. Dessa forma, será afastada a ciência do senso comum, auxiliando no processo de diagnóstico e no tratamento efetivo (Silveira et al., 2014).

Através da consulta de enfermagem explora-se o surgimento de um vínculo com o cliente na qual se cria um sentimento de confiança e bem-estar para que o mesmo tenha liberdade de dialogar, desfazer quaisquer dúvidas tendo como principal finalidade fornecer uma assistência de qualidade que priorize a cura e reabilitação física e social do portador de hanseníase (Lima et al., 2015).

Apesar de existirem políticas públicas voltadas para a promoção da saúde, a prevenção, o diagnóstico, tratamento e acompanhamento de portadores de hanseníase, ainda se tem número consideráveis de casos em todo o Brasil. Considera-se que o estudo contribua de forma positiva para o compartilhamento de informações acerca da doença, do autocuidado e tratamento, tanto para o portador quanto para a sociedade.

Com a pesquisa, é possível perceber como se dá a vivência, os sentimentos existentes por parte do cliente, bem como identificar as dificuldades encontradas por eles quando diagnosticados com hanseníase. Acredita-se que a compreensão do paciente sobre os principais aspectos de sua doença seja de suma importância para o quadro evolutivo no que se refere ao tratamento do mesmo. O presente estudo teve como objetivo compreender a percepção do paciente portador de hanseníase após o diagnóstico da doença.

Método

Participantes

Efetuou-se o recolhimento de dados no mês de março de 2019 junto a 14 participantes diagnosticados com hanseníase. Foram incluídos somente os pacientes que estavam em tratamento pela doença na instituição e que aceitaram participar do estudo. Contudo, foram excluídos aqueles que possuem idade inferior a 18 anos ou que se recusassem a participar da pesquisa. Para garantir o sigilo das entrevistas coletadas, os participantes foram identificados por uma letra do alfabeto (H) escolhida de forma aleatória seguida de um número (de 1 a 14).

Material

Utilizou-se um formulário de entrevista semiestruturado contendo questões desenvolvidas pelos pesquisadores com informações sociodemográficas e perguntas abertas relacionadas ao conhecimento, sentimentos e dificuldades que os portadores de hanseníase têm acerca da doença e as entrevistas tiveram o áudio gravado para análise posterior.

Dentre as perguntas do roteiro de entrevistas constavam: (1) Você poderia nos relatar como foi dado o diagnóstico da doença e a abordagem do profissional de saúde? (2) Qual o seu sentimento ao ser diagnosticado com hanseníase? Como ficou sua vida após o diagnóstico? (3) Qual o seu conhecimento acerca do tratamento para hanseníase? (4) Quais as principais dificuldades enfrentadas por ser portador de hanseníase? (5) Você acredita que exista preconceito em relação à doença? Se sim, poderia nos explicar? (6) Como você considera o atendimento recebido pelos profissionais do centro de saúde em relação ao paciente com hanseníase?

Procedimento

Realizou-se uma pesquisa de abordagem qualitativa de natureza descritivo-exploratória. Inicialmente fez-se uma análise das fichas de notificação compulsória e investigação do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN) dos pacientes portadores de hanseníase que realizam tratamento e acompanhamento em um centro de saúde, localizado na cidade de Teresina-PI.

Subsequentemente fez-se contato pessoal através de ligações telefônicas com os pacientes e estes foram convidados a participarem da pesquisa, na qual foi informado o objetivo, riscos e benefícios da mesma. Aos participantes que concordaram em participar foi entregue um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O local da pesquisa foi a própria instituição, sendo agendadas antecipadamente conforme a disponibilidade dos pacientes a serem entrevistados e respeitando os princípios da resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Os dados foram analisados segundo a proposta de Bardin (2011). Realizou-se transcrição literal das falas e análise de conteúdo por meio da análise de termos, com aplicação do teste de associação de palavras e, logo após, organização das ideias com decodificação dos dados em categorias.

Todos os participantes, após o aceite, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Integral Diferencial (FACID), com número de parecer: 3.178.290.

Resultados

Foram entrevistados 14 pacientes que estavam em tratamento no centro de saúde pesquisado até o ano de 2019. Do total, 71,43% eram do sexo masculino e 28,57% do sexo feminino. Observou-se a predominância de idade acima de 50 anos (85,71%). Relativamente ao estado civil, prevaleceram os que se declararam casados ou em união estável (71,42%). Tratando-se de escolaridade obteve-se maior número de entrevistados com ensino fundamental incompleto (42,85%). Em relação à renda familiar, (57,1%) declararam receber até um salário mínimo, 35,7% afirmaram ter renda entre R$ 954,00 e R$1.500,00 e 7,1% acima de R$1.500,00. Quanto ao número de integrantes da família houve predomínio dos que vivem com até 3 pessoas (50,0%) e que residem em moradia urbana (85,71%).

Pôde-se perceber o déficit de conhecimento dos portadores de hanseníase, como mostra os relatos dos entrevistados H3, H5 e H9, através dos quais constatou-se que obtiveram algum conhecimento da doença apenas após início do tratamento:

“[...] é como o dizer da história né? Nem tenho muito conhecimento e já tenho porque tô dentro dela né? Mas, eu acho meio complicado pra gente explicar assim.... Mas, eu não me escondo atrás dela, porque tem gente que se não quer conversar sobre, o que a pessoa pergunta e eu sei responder, eu respondo [...]” - H3

“[...] ôh, eu não sei muito não, eu já vim saber mesmo do conhecimento o tempo que eu fiz tratamento. Aí eles dizem que a gente fica bom mas não fica. O problema não é o tratamento. É uma sequela que ela deixa na gente [...]” - H5

“[...] o que eu sei é o seguinte, eles falam que é uma doença perigosa [...]” - H9

Os relatos evidenciaram as dificuldades para lidar com o recebimento do diagnóstico devido essa falta de conhecimento acerca da doença, conforme o afirmado por H1 “[...] ah, eu fiquei muito assustado principalmente de preocupação né? Porque a gente sabe que tem muitos problemas graves [...]” e por H4 “[...] eu só imaginei que eu ia me sentir muito mal assim, porque ela limita a gente em várias coisas e eu gostava de fazer minhas coisas né? [...]”.

Apesar da maioria dos participantes apresentarem déficit no conhecimento acerca da doença, alguns demonstraram certa compreensão da situação na qual se encontram e enfatizam sentimentos de aceitação, conforme os relatos de H5 e H11, respectivamente: “[...] eu nem tanto fiquei assustado, mas é ruim a doença. A gente tem que enfrentar porque é o jeito, porque se for pensar aí fica pior [...]”; “[...] eu não fiquei muito chocada, minha vida não ficou muito diferente... eu aceitei bem, tratei direitinho e minha família compreendeu quase que o normal [...]”.

Os entrevistados demonstraram sentimentos de insegurança e autoexclusão: “[...] então assim... muda a convivência, porque a gente procura se afastar até mesmo com medo da gente passar pra pessoa, aí a gente termina se recuando um pouco [...]” - H3. E referiram vivenciar situações de preconceito:

“[...] o preconceito é principalmente no interior que não tem conhecimento, aí sem falar na própria família mesmo...o preconceito é grande e não é só eu que falo não, é todo mundo. Aí a gente se sente mal com isso, não sabem, não tem o conhecimento aí não pode falar, tem que deixar de mão [...]” - H1

“[...] aí, eu num tô lhe dizendo que eu moro só? Agora lhe pergunto, eu morando só o que aconteceu nesse morado meu só? A mulher se afastou, fez uma confusão disse que a doença pegava nela [...]” - H8

Somente dois participantes relataram não ter dificuldade em receber o diagnóstico e/ou conviver com a doença, como verificado no discurso dos entrevistados H10 e H14: “[...] não, eu não tive uma pequena reação não, eu enfrentei mesmo, não achei essas coisas que fosse pra me abater não, demais não. É eu aceitei tranquilamente, na mesma hora eu fui tomar o medicamento[...]”; “[...] não, a minha vida não teve diferença [...]”.

Discussão

Constatou-se o domínio de entrevistados do sexo masculino, com idade superior a 50 anos acometidos por hanseníase, dados semelhantes aos encontrados na realidade nacional (Brasil, 2020) o que pode ser justificado pela influência dos aspectos culturais da população masculina relacionados a baixa procura pelos serviços de saúde, pouca valorização do adoecimento e a maior resistência ao autocuidado.

Ficou evidenciado o baixo nível de escolaridade e a baixa renda familiar da população estudada, apresentando forte relação com situações de vulnerabilidade social o que favorece as possibilidades de contágio devido a presença de riscos ampliada por fatores relacionados a higiene corporal e ambiental e a procura tardia pelos serviços de saúde, apesar de a hanseníase não atingir apenas pessoas pobres ou indigentes (Lopes & Rangel, 2014).

Posteriormente à coleta de dados sociodemográficos, foi feita a aplicação de um roteiro de perguntas abertas e subjetivas, com as quais possibilitou compreender sobre a percepção do paciente em relação à hanseníase. Com base nos depoimentos coletados, surgiram três categorias, a saber: O déficit de conhecimento dos portadores acerca da doença; O estigma da Hanseníase e o preconceito sofrido pelo portador da doença e a vida após o diagnóstico.

O déficit de conhecimento dos portadores acerca da doença

É imprescindível que se conheça o nível de conhecimento da população, objetivando compreender como essas pessoas lidam com a doença e até que ponto elas a conhecem para que assim sejam elaboradas ações de promoção em saúde (Gomes et al., 2014). Baseando-se nisso, pode-se compreender o déficit de conhecimento dos portadores de hanseníase, que obtiveram algum conhecimento da doença apenas, após início do tratamento.

Acredita-se que o conhecimento sobre a hanseníase é de extrema importância para o paciente, pois a ausência do mesmo pode influenciar na maneira como o portador irá receber o diagnóstico (Loures et al., 2016). É importante ressaltar que a ausência de conhecimento acarreta em dificuldades no momento de lidar com o diagnóstico positivo.

Algumas ações que busquem a erradicação da hanseníase devem ser fortalecidas. Desse modo, considera-se que a forma mais eficaz de obter o controle da doença é o diagnóstico precoce, mas para que isso aconteça é necessário um trabalho articulado de orientação da população, sobre os principais sinais e sintomas. Ações de educação em saúde são extremamente necessárias nesse contexto, pois possuem a capacidade de proporcionar a participação ativa dos portadores em rodas de discussões, encurtando as barreiras do conhecimento da doença e contribuindo para prevenção e diagnóstico precoce (Moreira et al., 2014).

Quando ocorrem ações que proporcionam a promoção do autoconhecimento, os portadores tem a oportunidade de explanar suas dúvidas e anseios, assim também lhes concedendo o direito de compreender a situação na qual se deparam (Araújo et al., 2016). Apesar da maioria dos participantes apresentarem déficit no conhecimento acerca da doença, alguns demonstraram certa compreensão da situação na qual se encontram e enfatizam sentimentos de aceitação. Neste sentido, é indispensável que haja ações de educação em saúde que objetivem que o paciente adquira conhecimento, compreenda a importância do autocuidado, e evolução da doença, para assim, seguir as orientações sobre cuidados básicos e domiciliares, sanar algumas possíveis dúvidas e fazer o acompanhamento e tratamento completo, que é fundamental para a cura da doença.

O estigma da Hanseníase e o preconceito sofrido pelo portador da doença

O estigma na hanseníase pode atingir a vida dos portadores de maneira considerável, uma vez que existe a possibilidade de afetar a qualidade de vida, a saúde mental e outras consequências relacionadas à vida pessoal e social desses sujeitos (Leite, Sampaio & Caldeira, 2015). Ainda nos tempos bíblicos, a doença era conhecida pelas manchas, limitações físicas e principalmente pela exclusão social decorrente da falta de conhecimento e aversão ao contágio da doença (Silva, 2015). Não diferentemente dos séculos passados, a hanseníase ainda causa preconceito e receio entre os portadores, principalmente no que se refere ao convívio social dos mesmos. Apesar de vivenciarmos em um século no qual o acesso à informação está ao alcance de todos, é perceptível que algumas classes sociais não têm esta oportunidade. Em outras palavras, não possuem o conhecimento sobre os avanços da doença, formas de transmissão e cura, que resulta não somente num déficit de conhecimento, mas no preconceito e exclusão social dos portadores de hanseníase.

Dessa forma, os danos psicológicos ocasionados em decorrência do preconceito na hanseníase, tendem a tornar-se um empecilho no convívio familiar e social dos portadores, que por sua vez, podem optar por não compartilhar informações sobre seu estado de saúde pelo receio da reação popular e familiar (Souza & Martins, 2018). Percebe-se que o preconceito pode partir do ao afirmar o sentimento de “retração” ao descobrir o diagnóstico, enfatizando a autonegação e autoexclusão a partir do momento que a doença é confirmada. Muitos pacientes portadores de hanseníase preferem não expor a doença, com medo do afastamento de seus amigos e familiares, a quem eles mais buscam apoio no decorrer do tratamento e recuperação de sequelas (Santos & Bertelli, 2017). O apoio familiar é de suma importância em qualquer fase do tratamento, fortalecendo a confiança em terminar o tratamento e seguir com o processo de reabilitação. A exclusão social decorrente do preconceito imposta pela sociedade desinformada, faz com que esses pacientes procurem omitir seu estado de saúde quando diagnosticados.

Neste contexto, observa-se que apesar de ser uma doença milenar, o preconceito na hanseníase ainda causa danos e impactos psicossociais nos pacientes acometidos, uma vez que a doença é estigmatizada socialmente. Contudo, esses danos podem ser reversíveis quando existem ações que objetivem desmistificar a doença e informar ao paciente e sociedade sobre os principais aspectos da patologia.

A vida após o diagnóstico

São essenciais as atividades desenvolvidas pelo enfermeiro da Estratégia da Saúde da Família (ESF), que trabalha no combate e controle da hanseníase, conscientizando e informando a população sobre a doença e a necessidade da busca pelo diagnóstico, acompanhando o tratamento, advertindo sobre as consequências do não tratamento ou abandono do mesmo, para as incapacitações, gerenciamento das atividades de controle, com sistemas de registro e vigília da epidemiologia (Arruda et al., 2016).

No momento em que foi dado o devido diagnóstico da patologia, a maior parte das pessoas descreve um pesar negativo, demonstrando através de desânimo, receio e preocupação, sendo que alguns citam também sentimentos de susto e alívio. Esse sentimento de alívio relacionou-se, por conta do espaçamento no período em que se esperava receber a indicação da patologia, e neste instante os mesmos esclareceram a causa de suas queixas, fazendo-se corretamente a devida intervenção (Loures et al., 2016).

As limitações físicas são os principais receios dos portadores de hanseníase, uma vez que se encontram visíveis aos demais indivíduos e em sua maior parte as condições se tornam inevitáveis, como inchaço nas mãos e nos pés, úlceras de pernas e pés, e nódulos no corpo. A formação deste quadro de “horror”, até então, encontra-se eventualmente conectada a um pregresso dessa afecção, da qual apresenta-se completa de aflição, extirpação, discriminação, afastamento e solidão (Marinho et al., 2014).

Em um esforço aflitivo de buscar acobertar a doença, a farsa começa a constituir uma parcela do cotidiano do afetado pela patologia, visto que os receios em se expor e em ser desprezado lhe causam certa aflição no seu psicológico. Com base nesse empenho de esconder a existência da doença, a mentira começa a se tornar um caminho vicioso, em que o paciente com a afecção decide suprimir a verdade a fim de que nunca sofra discriminação, exclusão social e assim termina angustiado já que não se permite expor a realidade (Marinho et al., 2014).

Com relação aos familiares, a doença pode ocasionar alterações na rotina diária principalmente em questões relacionadas ao temor de contágio entre si e o portador (Silva et al., 2014). Nesse contexto observa-se que é de grande importância que o indivíduo ao ser diagnosticado portador de hanseníase seja devidamente acompanhado pelo serviço de saúde, tanto na questão de fortalecer a importância do tratamento, quanto no sentido de assistência, visto que alguns não terão o apoio esperado e que tanto necessitam da sua família. Alguns irão esconder a doença, o que não traz benefícios para si, somente preocupação em pensar que caso seja descoberto ele possa ficar sozinho e ocasionar outros problemas de saúde.

É perceptível a carência de conhecimento dos portadores em relação a doença, a maioria dos portadores entrevistados relata só possuir algum conhecimento acerca da doença após serem diagnosticados e iniciarem tratamento. A falta de informação clara e concisa implica na forma de aceitação e como ficará a vida desses sujeitos após o diagnóstico e tratamento. Ademais, outro obstáculo observado e bastante persistente é o fato do preconceito atingir significantemente a vida social, familiar e pessoal desses pacientes, que inclusive pode trazer consequências que podem perdurar durante todo o tratamento. É explicito que a falta do apoio familiar e o receio de exclusão social é a principal queixa dos portadores, porém acredita-se que ações de promoção e melhoria em saúde, apoio familiar e apoio da equipe multiprofissional que fazem o acompanhamento do paciente durante e após o tratamento, informações básicas sobre a doença e inclusão social auxiliem a transformar o dia-a-dia dos pacientes em dias menos dolorosos.

Ressalta-se a necessidade da criação de mais ações que sensibilizem de forma coletiva sobre a hanseníase, que enfatizem o tratamento, transmissão e principalmente a possibilidade de cura. É válido enfatizar que, ações como essas contribuem de forma positiva na evolução da doença e no cotidiano do portador. O artigo aqui apresentado possibilitou de forma satisfatória que fossem analisadas explanações importantes dos pacientes portadores de hanseníase acerca da doença reforçando a importância do apoio ao portador e sua família.

Contribuição dos autores

Ana Lúcia Sobrinho: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.

Raiane Cardoso: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.

Flávia Lima: Concetualização; Análise formal; Metodologia; Administração do projeto; Supervisão; Validação; Redação - revisão e edição.

Fabrícia Brito: Concetualização; Análise formal; Metodologia; Administração do projeto; Supervisão; Validação; Redação - revisão e edição.

Wanessa de Sousa: Concetualização; Curadoria dos dados; Validação; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.

Ana Pereira: Concetualização; Curadoria dos dados; Validação; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.

Referências

Araújo, L. S., Santiago, I. S., Araújo, T. M. E., Almeida, P. D., Sena, I. V. O., & Araújo, O. D. (2016). Ações de enfermagem na prevenção e controle de hanseníase: uma revisão integrativa. Revista de Enfermagem da UFPI, 5(2), 69-74. [ Links ]

Arruda, M. R., Silva, F. M., Santos, B. R. S., Silva, A. A., Ramos, Y. T. M., Silva, R. A., & Silva, R. P. L. (2016). Avaliação do déficit do autocuidado em indivíduos portadores de hanseníase baseado na teoria de Dorothea Orem. Revista Saúde, 10(1), 59-64. [ Links ]

Bardin, L. (2011). Análise de Conteúdo. Edições 70. [ Links ]

Batista, T. V. G., Vieira, C. S. C. A., & Paula, M. A. B. (2014). A imagem corporal nas ações educativas em autocuidado para pessoas que tiveram hanseníase. Physis Revista de Saúde Coletiva, 24(1), 89-104. https://doi.org/10.1590/S0103-73312014000100006 [ Links ]

Brasil. (2017). Ministério da Saúde. Secretaria de vigilância em saúde. Guia prático sobre Hanseníase. [ Links ]

Brasil. (2020). Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim Epidemiológico da Hanseníase. [ Links ]

D’Azevedo, S. S. P., Freitas, E. M., Nascimento, L. O., Santos, D. C. M., & Nascimento, R. D. (2018). Percepção de pacientes com hanseníase acerca dos grupos de autocuidado. Revista Enfermagem UFPE, 12(6), 1633-1639. https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i6a230855p1633-1639-2018 [ Links ]

Faria, L., & Santos, L. A. C. (2015). A hanseníase e sua história no Brasil: a história de um “flagelo nacional”. História, Ciência e Saúde-Manguinhos, 22(4), 1491-1495. https://doi.org/10.1590/S0104-59702015000400016. [ Links ]

Gomes, F. C., Oliveira, T. C., Araújo, J. E. R., Felix, L. G., & Araújo, K. M. F. A. (2014). Conhecimento do usuário da atenção primária a saúde acerca da hanseníase. Revista Enfermagem UFPE, 8(2), 3669-3676. https://doi.org/10.5205/1981-8963-v8i10a10108p3669-3676-2014 [ Links ]

Leite, S. C. C., Sampaio, C. A., & Caldeira, A. P. (2015). “Como ferrugem em lata velha”: o discurso do estigma de pacientes institucionalizados em decorrência da hanseníase. Physis Revista de Saúde Coletiva, 25(1), 121-138. https://doi.org/10.1590/S0103-73312015000100008 [ Links ]

Lima, D. A. Q., Cassemir, A. V. S., Mendes, R. S., Branco, C. S. N., & Pamplona, Y. A. P. (2015). Consulta de Enfermagem ao portador de hanseníase: revisão integrativa. Revista Enfermagem Contemporânea, 4(2),199-208. https://doi.org/10.17267/2317-3378rec.v4i2.387 [ Links ]

Lopes, V.A.S., & Rangel, E.M. (2014). Hanseníase e vulnerabilidade social: uma análise do perfil socioeconômico de usuários em tratamento irregular. Saúde em Debate, 38(103), 817-829. https://doi.org/10.5935/0103-1104.20140074 [ Links ]

Loures, L. F., Marmora, C. H. C., Barreto, J., & Dupre, N. C. (2016) Percepção do estigma e repercussões sociais em indivíduos com hanseníase. Psicologia em Estudo, 21(4), 665-675. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v21i4.30037 [ Links ]

Loures, L. F., & Mármora, C. H. C. (2017). Suporte e participação social em indivíduos com hanseníase. O Mundo da Saúde, 41(2), 244-252. https://doi.org/10.15343/0104-7809.20174102244252 [ Links ]

Marinho, F. D., Macedo, D. C. F., Sime, M. M., Paschoal, V. D., & Nardi, M. T. (2014). Percepção e sentimentos diante do diagnóstico, preconceito e participação social de pessoas acometidas pela hanseníase. Arquivo Ciência Saúde, 21(3), 46-52. [ Links ]

Moreira, A. J., Naves, J. M., Fernandes, L. F. R. M., Castro, S. S., & Walsh, I. A. P. (2014). Ação educativa sobre hanseníase na população usuária das unidades básicas de saúde de Uberaba-MG. Saúde Debate, 38(101), 234-243. https://doi.org/10.5935/0103-1104.20140021 [ Links ]

Ribeiro, M. D. A., Silva, J. C. A., & Oliveira, S. B. (2018). Estudo epidemiológico da hanseníase no Brasil: reflexão sobre as metas de eliminação. Revista Panamericana de Salud Publica, 42. https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.42 [ Links ]

Santos, E. A. S., & Bertelli, E. V. M. (2017). Mudanças no convívio social de pacientes com hanseníase. Revista UNINGÁ Review, 30(2), 64-67. [ Links ]

Silva, A. C. C. (2015). Autoimagem em hanseníase: influências na participação social. (Trabalho de conclusão de curso, Graduação em Terapia Ocupacional, Universidade Federal da Paraíba). [ Links ]

Silva, R. C. C., Vieira, M. C. A., Mistura, C., Lira, M. O. S. C., & Sarmento, S. S. (2014). Estigma e preconceito: realidade de portadores de hanseníase em unidades prisionais. Revista de pesquisa Cuidado é Fundamental, 6(2), 493-506. https://doi.org/10.9789/2175-5361.2014v6n2p493 [ Links ]

Silveira, M. G. B, Coelho, A. R., Rodrigues, S. M., Soares, M. M., & Camilo, G. N. (2014). Portador de hanseníase: impacto psicológico do diagnóstico. Psicologia & Sociedade, 26(2), 517-527. https://doi.org/10.1590/S0102-71822014000200027 [ Links ]

Souza, A. O., & Martins, M. G. T. (2018). Aspectos afetivos e comportamentais do portador de hanseníase frente ao estigma e preconceito. Revista de Iniciação Científica do Rio Verde, 8(1), 104-113. [ Links ]

Recebido: 27 de Junho de 2020; Aceito: 08 de Maio de 2023

Autor de Correspondência: Wanessa de Sousa (wanessa_sousa@live.com)

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons