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Psicologia, Saúde & Doenças

Print version ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.23 no.2 Lisboa Aug. 2022  Epub Sep 30, 2022

https://doi.org/10.15309/22psd230211 

Artigos

Obstáculos à adesão ao tratamento em adultos portugueses com diabetes tipo 1

Obstacles to adherence to treatment in portuguese adults with type 1 diabetes

1Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal, 35416@ufp.edu.pt, isabels@ufp.edu.pt


Resumo

A adesão ao tratamento é fundamental para a gestão da diabetes tipo 1, mas revela-se uma tarefa complexa que implica a adoção de comportamentos de autocuidado. O presente estudo empírico tem como objetivo identificar os obstáculos que dificultam a autogestão em adultos com diabetes tipo 1 e compreender como estes podem estar associados com a adesão ao tratamento recomendado. Foi estudada uma amostra não aleatória, constituída por 268 adultos com diabetes tipo 1, com idades compreendidas entre 18 e 88 anos, residentes em várias regiões de Portugal. Os participantes responderam a um Questionário Sociodemográfico e Clínico, à Escala de Atividades de Autocuidado na Diabetes, à Escala de Barreiras no Tratamento da Diabetes e à Escala Hospitalar da Ansiedade e Depressão, através de um formulário eletrónico. Os obstáculos que se revelaram mais impeditivos para a autogestão da diabetes tipo 1 foram os relacionados com a dieta e o exercício físico. A alimentação e a atividade física também se revelaram as atividades de autocuidado com menores índices de adesão. A perceção de obstáculos ao tratamento recomendado nos adultos com diabetes tipo 1 relaciona-se com a autogestão desta doença crónica, especificamente com as atividades de autocuidado.

Palavras-Chave: Diabetes tipo 1; Adultos; Obstáculos; Adesão ao tratamento; Autocuidado

Abstract

Adherence to treatment is essential for the management of type 1 diabetes, but it proves to be a complex task that implies the adoption of self-care behaviors. The present empirical study aims to identify obstacles that hinder self-management in adults with type 1 diabetes and understand how these may be associated with adherence to recommended treatment. A non-random sample was studied, consisting of 268 adults with type 1 diabetes, aged between 18 and 88 years, living in various regions of Portugal. Participants answered a Sociodemographic and Clinical Questionnaire, the Diabetes Self-Care Activities Scale, the Diabetes Treatment Barriers Scale and the Hospital Anxiety and Depression Scale, using an electronic form. The obstacles that proved to be the most impeding to the self-management of type 1 diabetes were those related to diet and physical exercise. Food and physical activity also proved to be the self-care activities with lower adherence rates. The perception of obstacles to the recommended treatment in adults with type 1 diabetes is related to the self-management of this chronic disease, specifically with self-care activities.

Keywords: Type 1 diabetes; Adults; Obstacles; Adherence to treatment; Self-care

A diabetes é uma doença crónica que está a tomar proporções epidémicas, uma vez que apresenta uma prevalência elevada e crescente a nível mundial (Moura, 2019; World Health Organization [WHO], 2016). Portugal não é exceção, registando uma das taxas mais elevadas da Europa (International Diabetes Federation [IDF], 2019).

Segundo a Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal [APDP] (2021), a diabetes tipo 1 é mais rara e atinge na maioria das vezes crianças e jovens, mas também poderá aparecer em adultos. As células beta do pâncreas deixam de produzir insulina, devido a um processo de destruição das mesmas (APDP, 2021).

Logo após o diagnóstico, os indivíduos com diabetes tipo 1 devem efetuar um complexo plano de ações comportamentais de cuidados diariamente, ao longo de toda a vida, de modo a manterem um controlo metabólico adequado e reduzirem a probabilidade de complicações (IDF, 2019; Serrabulho et al., 2014). As atividades de autocuidado resumem-se, de forma genérica, à administração de insulina, à monitorização da glicemia, à realização de uma alimentação saudável, à prática de atividade física, aos cuidados com os pés e aos hábitos tabágicos (APDP, 2021; IDF, 2019; Serrabulho et al., 2014). Uma vez que a gestão da diabetes implica mudanças na rotina familiar e pessoal, a adesão ao tratamento é uma preocupação atual e o desafio dos profissionais de saúde (APDP, 2021; Serrabulho et al., 2014).

Os obstáculos à adesão ao tratamento devem ser analisados na perspetiva do indivíduo e incluem fatores intrapessoais (e.g. ausência de planeamento, défices de conhecimento) e ambientais (e.g. interferências sociais, ausência de suporte), que competem com a tentativa de seguir o regime terapêutico prescrito (Almeida, 2003). No estudo de Alvarado-Martel et al. (2019) averiguou-se que a maioria dos indivíduos com diabetes tipo 1 considera ser difícil seguir as recomendações para a gestão desta doença crónica. Por outro lado, Marques (2015) verificou que estes sujeitos apresentam poucas dificuldades globais no tratamento da diabetes. Nas investigações de Almeida et al. (2012) e de Serrabulho et al. (2014) constatou-se uma dificuldade muito significativa, por parte dos adultos com diabetes tipo 1, para cumprir a automonitorização, a alimentação e o exercício físico. De acordo com Pires e seus colaboradores (2016), os indivíduos com diabetes têm dificuldades na aplicação de insulina e na realização de uma alimentação saudável. E ainda, no estudo de Raulino (2015), observou-se que os obstáculos gerais e os obstáculos à toma da medicação são os que mais influenciam a autogestão nos sujeitos com diabetes tipo 1. Sendo assim, vários estudos têm demonstrado que a perceção de obstáculos ao tratamento se associa à capacidade de autocuidado na diabetes tipo 1, pelo que os indivíduos que relatam dificuldades em seguir o regime terapêutico, obtêm pontuações mais baixas na adesão às atividades de autocuidado (Adu et al., 2019; Alvarado-Martel et al., 2019; Raulino, 2015; Umeda et al., 2020).

O presente estudo, de natureza exploratória e de desenho transversal, tem como objetivo identificar os obstáculos que dificultam a autogestão, nomeadamente a realização das atividades de autocuidado, e compreender como estes podem estar associados com a adesão ao tratamento recomendado em adultos portugueses com diabetes tipo 1.

Método

Participantes

Foi estudada uma amostra não aleatória, do tipo “bola de neve”, constituída por 268 indivíduos com o diagnóstico de diabetes tipo 1, com idades compreendidas entre os 18 e os 88 anos (M=39,27; DP=12,59), residentes em várias regiões de Portugal.

Desta amostra, destacam-se as seguintes características: 70,9% (n=190) do sexo feminino e 28,0% (n=75) do sexo masculino; 34,7% são solteiros/as (n=93) e 34,0% são casados/as (n=91); 86,2% vive acompanhado/a (n=231); 54,5% frequentou o ensino superior (n=146); 69,4% é trabalhador/a (n=186); 76,5% utiliza caneta/seringa (n=205); 87,7% refere que atualmente não tem qualquer acompanhamento psicológico/psiquiátrico (n=235).

Material

Os participantes responderam aos seguintes instrumentos: (1) Questionário Sociodemográfico e Clínico, desenvolvido especificamente para o presente estudo; (2) Escala de Atividades de Autocuidado na Diabetes (Summary of Diabetes Self-Care Activities - SDSCA) (Toobert et al., 2000; versão portuguesa de Bastos, 2004), escala de medida multidimensional de autogestão da diabetes, que mede indiretamente a adesão, através dos níveis de autocuidado; (3) Escala de Barreiras no Tratamento da Diabetes (Barriers to Self-Care Scale - BSCS) (Glasgow, 1993; versão portuguesa de Almeida, 2003), questionário que pretende identificar componentes ambientais e cognitivos que interferem com os objetivos da adesão ao tratamento da diabetes; (4) Escala Hospitalar da Ansiedade e Depressão (The Hospital Anxiety and Depression Scale - HADS) (Zigmond & Snaith, 1983; versão portuguesa de Pais- Ribeiro et al., 2007), escala que tem como objetivo a deteção de estados de depressão e ansiedade. Estes mesmos instrumentos foram reunidos num formulário eletrónico.

Procedimento

O presente estudo foi devidamente autorizado pela Comissão de Ética da Universidade Fernando Pessoa. Para a recolha dos participantes, foram contactadas algumas Associações de Pessoas com Diabetes em Portugal, por via correio eletrónico, com o objetivo de pedir a colaboração nesta investigação. Abordadas formalmente, duas destas instituições aceitaram contribuir no apoio a este estudo, divulgando e convidando os seus associados adultos com diabetes tipo 1, através das redes sociais (Facebook) e mailing lists, a responderem a um questionário online, disponível no Google Forms, que incluiu a autorização informada e os quatro instrumentos referidos anteriormente. Os dados foram recolhidos entre janeiro e março de 2021, e posteriormente, analisados através do programa estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences - Versão 27.0).

Resultados

Relativamente à SDSCA, a estatística descritiva revelou que os Medicamentos (insulina) foram a dimensão de autocuidado com uma média superior (M=6,43; DP=1,82), seguindo-se a Monitorização da glicemia (M=6,33; DP=1,49), os Cuidados com os pés (M=5,61; DP=1,34) e a Alimentação específica (M=5,45; DP=0,84). Os comportamentos de autocuidado que registaram uma menor adesão, por parte dos participantes, foram a Alimentação geral (M=4,91; DP=1,51) e a Atividade física (M=2,20; DP=2,11). No domínio dos Hábitos tabágicos, 70,9% dos inquiridos afirma que não fumou um cigarro nos últimos 7 dias (n=190).

Os valores da estatística de tendência central da BSCS revelaram uma média superior nos problemas relativos aos Obstáculos gerais (M=2,04; DP=0,89), à Dieta (M=1,97; DP=0,65) e ao Exercício físico (M=1,87; DP=0,66). As subescalas Pesquisa de glicemia (M=1,51; DP=0,54) e Medicação (M=1,58; DP=0,57) apresentaram médias inferiores. E os problemas globais apresentaram uma média de 1,76 (DP=0,53), numa escala do tipo Likert de 1 a 5.

No que se refere à associação entre os obstáculos no regime terapêutico, avaliados pela BSCS, e a autogestão da diabetes tipo 1, avaliada pela SDSCA, os resultados indicam, como podemos ver no Quadro 1, que foram observadas correlações altamente significativas, inversas e fracas, entre os autocuidados Alimentação geral e Atividade física, e os problemas no tratamento. A atividade de autocuidado Alimentação específica revelou estar negativamente correlacionada, de forma fraca, com os problemas relacionados com a Dieta, o Exercício físico, a Pesquisa de glicemia e a Medicação, bem como positivamente correlacionada, de forma fraca, com os problemas globais. O comportamento de autocuidado Medicamentos revelou estar negativamente correlacionado, de forma fraca, com os problemas associados à Dieta, à Pesquisa de glicemia, à Medicação, e ainda, com os problemas globais. Em contrapartida, não existe uma relação estatisticamente significativa entre os autocuidados Monitorização da glicemia e Cuidado com os pés, e os obstáculos no tratamento da diabetes (p>0,05) (Quadro 1).

Quanto aos níveis de ansiedade e depressão, avaliados pela HADS, 48,1% e 70,5% da amostra apresentou um índice “normal” (n=129; n=189), respetivamente. Por sua vez, o nível de ansiedade está relacionado de forma significativa, direta e moderada, com os problemas no tratamento da diabetes. E o nível de depressão demonstrou estar positivamente correlacionado, de forma fraca a moderada, com os obstáculos no tratamento da diabetes (Quadro 2).

Quadro 1 Correlação de Pearson entre as Dimensões da BSCS e da SDSCA 

Nota. AG = Alimentação geral; AE = Alimentação específica; AF = Atividade física; MG = Monitorização da glicemia; CP = Cuidados com os pés; M = Medicamentos.

Quadro 2 Correlação de Pearson entre as Dimensões da BSCS e da HADS 

Discussão

Os resultados obtidos neste estudo empírico revelam que as atividades de autocuidado que os adultos com diabetes tipo 1 aderem mais são os Medicamentos (insulina), a Monitorização da glicemia, os Cuidados com os pés e a Alimentação específica. Por outro lado, os comportamentos de autocuidado que os participantes aderem menos são a Alimentação geral e a Atividade física, dados estes que são congruentes com a literatura (Moura, 2019; Visentin et al., 2016).

Relativamente às dificuldades encontradas pelos indivíduos no tratamento da diabetes tipo 1, destacam-se os Obstáculos gerais, os obstáculos relacionados à Dieta e ao Exercício físico. Deste modo, as áreas de tratamento em que os inquiridos referiram menos barreiras foram a Pesquisa de glicemia e a Medicação. Estes resultados vão de encontro aos apresentados anteriormente quanto a adesão às atividades de autocuidado. Na literatura foram encontrados estudos com diversas conclusões, sendo que alguns confirmam o predomínio destes obstáculos (Almeida et al., 2012; Serrabulho et al., 2014) e outros não (Pires et al., 2016; Raulino, 2015).

Na presente investigação observou-se que os adultos não percecionam muitas dificuldades no tratamento da diabetes tipo 1, uma vez que a média obtida nos problemas globais foi de 1,76, numa escala do tipo Likert de 1 a 5. Este resultado, idêntico ao apresentado por Marques (2015), pode ser explicado pela hipótese da desejabilidade social, pelos participantes possuírem uma boa educação terapêutica, um bom acompanhamento multidisciplinar, um maior autocontrolo e apoio dos pares, resultante da integração destes em Associações de Pessoas com Diabetes.

Quanto à relação entre os obstáculos no tratamento e a autogestão da diabetes tipo 1, os problemas globais revelaram uma correlação inversa com a adesão à Alimentação geral, à Atividade física e aos Medicamentos. Estas conclusões vão de encontro às apresentadas noutros estudos, sendo consensual que as barreiras no regime terapêutico estão associadas a uma menor capacidade de autocuidado na diabetes tipo 1, ou seja, quando a perceção de obstáculos é elevada, a adesão ao autocuidado geralmente é baixa (Adu et al., 2019; Alvarado-Martel et al., 2019; Raulino, 2015; Umeda et al., 2020).

Contrariamente, os problemas globais mostraram-se positivamente correlacionados com a autogestão da Alimentação específica, ou seja, quanto maior a identificação de obstáculos, maior a adesão a este autocuidado, revelando maiores dificuldades nesta área. Uma possível explicação deste resultado, que inclusive é coerente com a investigação de Raulino (2015), pode estar relacionada com o trabalho da equipa multidisciplinar que acompanha estes inquiridos, que poderão estar a providenciar uma boa educação sobre a alimentação, nomeadamente sobre o consumo de alimentos não recomendados. Averiguou-se assim que a perceção de obstáculos ao tratamento recomendado em adultos portugueses com diabetes tipo relaciona-se com a autogestão desta doença crónica, especificamente com as atividades de autocuidados.

O presente estudo teve, no seu decurso, algumas limitações: (1) A amostra ter sido selecionada de forma não probabilística, por “bola de neve”, o que implica o risco desta não ser representativa; (2) Os participantes serem provavelmente “bons doentes”, pelo que não terão respondido ao questionário aqueles que têm um péssimo autocontrolo; (3) A amostra não possuir um número muito elevado de inquiridos em comparação com a população portadora de diabetes em Portugal, podendo não ilustrar a realidade e as suas características; (4) Os respondentes serem maioritariamente jovens adultos e diferenciados; (5) Este ser um estudo transversal, que não permite inferir uma relação de causa e efeito.

Sendo assim, sugere-se a realização de investigações futuras acerca desta temática, noutro contexto que não o pandémico (e.g. cuidados de saúde primários e cuidados hospitalares), a partir de uma amostra de maior dimensão, com um desenho de investigação longitudinal e que contemplem dados quantitativos e qualitativos. Ademais, apurou-se que esta é uma área muito importante e pouco estudada em Portugal, à qual dever-se-á prestar maior atenção.

Contribuição dos autores

Telma Rodrigues: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Validação; Visualização; Redação do rascunho original.

Isabel Silva: Concetualização; Análise formal; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Supervisão; Validação; Visualização; Redação - revisão e edição.

Referências

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Recebido: 14 de Junho de 2022; Aceito: 10 de Setembro de 2022

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