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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.22 no.1 Lisboa abr. 2021  Epub 30-Abr-2021

https://doi.org/10.15309/21psd220108 

Artigo

Relação com animais de estimação está associada com saúde de adultos portugueses?

Is relationship with pets associated with the health of portuguese adults?

Isabel Silva1 

Glória Jólluskin1 

1Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal, isabels@ufp.edu.pt, gloria@ufp.edu.pt


Resumo

O presente estudo de natureza transversal teve como objetivo analisar se ter um animal de estimação e a forma como o dono se relaciona com ele poderão estar associados a diferenças na saúde. Foram estudados 263 adultos, 82,82% dos quais tinham animais de estimação e 17,18% que não tinham, que responderam a um protocolo que pretendia avaliar variáveis sociodemográficas, qualidade da relação dono-animal e variáveis relacionadas com a saúde. Os resultados revelam globalmente não existirem diferenças significativas entre quem tem e quem não tem um animal de estimação quanto a variáveis relacionadas com a saúde, ainda que os homens que têm um animal apresentem maior bem-estar mental, social e psicológico, e maior satisfação com a vida. Uma maior Proximidade Emocional revelou estar associada a menos sintomas de psicopatologia. Ao mesmo tempo, quanto maiores os Custos Percebidos de ter o animal, pior é a perceção de saúde e de qualidade de vida, e menor o bem-estar mental. Conclui-se que a qualidade da relação estabelecida com o animal é mais importante do que ter um animal de estimação. Face à complexidade dos fatores nela envolvidos, será importante desenvolver estudos longitudinais, com controlo de variáveis sociodemográficas, clínicas e relacionadas com os animais de estimação.

Palavras-Chave: animais de estimação; saúde; relação dono-animal de estimação; adultos portugueses

Abstract

This cross-sectional study aimed to analyse whether having a pet and how the owner relates to it may be associated with differences in health. 263 adults were studied, 82.82% of whom had pets and 17.18% who did not, responded to a protocol that aimed to assess sociodemographic variables, quality of the owner-pet relationship and health-related variables. The results reveal that, globally, there are no significant differences between those who have and those who do not have a pet in terms of health-related variables, even though men who have a pet show greater mental, social and psychological well-being, and greater satisfaction with life. A greater Emotional Proximity is associated with fewer symptoms of psychopathology, whereas a higher Perceived Costs of having a pet is associated with poor health and quality of life perception, as well as lower mental well-being. It is concluded that the quality of the relationship that it is established with the pet is more important than having the pet in itself. In view of the complexity of the factors involved, it will be important to develop longitudinal studies, with control of sociodemographic, clinical and pet-related variables.

Keywords: pets; health; pet-owner relationship; Portuguese adults

Os animais de estimação são considerados por muitos como mais um elemento da família, chegando os seus donos a manifestar sentimentos de luto quando o animal morre, de forma similar aos que são experimentados quando uma pessoa próxima falece (Spain et al., 2019), sentimento que tem sido relacionado com a proximidade sentida, seja esta em relação ao animal ou à pessoa falecida (Eckerd et al., 2016).

De facto, uma revisão da literatura sobre ligações ser humano-animal indica que esta relação geralmente atende aos quatro pré-requisitos para um relacionamento de vinculação: busca de proximidade, porto seguro, base segura e angústia de separação (Zilcha-Mano et al., 2011).

Uma vez que o laço emocional entre seres humanos e animais pode ser tão intenso como o estabelecido entre as pessoas, o senso comum pode levar-nos a pensar que ter um animal é positivo para a nossa saúde, bem-estar psicológico e longevidade. Essa hipótese é designada por “efeito animal de estimação” (“pet effect”) (Allen, 2003).

Barker e Wolen (2008), realizaram uma revisão narrativa de vários estudos científicos que exploravam a associação entre ter um animal de estimação e a saúde física e emocional, e a interação social dos seus donos, alertando, já nessa altura, para o facto de que a investigação sobre este efeito tem conduzido a resultados não consensuais e mesmo contraditórios. Herzog (2011) também se debruçou sobre o “efeito animal de estimação”, concluindo que, apesar do crescente corpo de estudos sobre os laços entre pessoas e animais de estimação, o efeito desses laços na saúde e felicidade dos seres humanos permanece mais uma hipótese que deve ser testada do que um facto.

Barker e Wolen (2008) verificaram que alguns estudos analisados suportavam a ideia de que os donos de animais de estimação, quando comparados com indivíduos que não têm animais de estimação, apresentam menor risco de doença cardiovascular e, quando já sofreram enfarte do miocárdio, apresentam menor risco de mortalidade um ano após, bem como apresentam maior adesão ao tratamento durante a reabilitação cardíaca. Porém, Parker et al. (2010) verificaram que as pessoas que têm animais de estimação apresentam um maior risco de morte ou re-hospitalização após um ataque cardíaco, depois de controladas variáveis psicossociais e médicas. E, outros estudos, ainda, demonstram não existirem diferenças entre donos de cães, donos de gatos e pessoas que não têm animais de estimação em relação à tensão arterial e à diabetes (Schreiner, 2016), nem quanto à saúde geral e índice de massa corporal (Saunders et al., 2017).

Algumas investigações sugerem que os donos de animais de estimação consultam menos frequentemente o seu médico de família, poupando uma considerável quantia de dinheiro ao sistema de saúde, e apresentam menor solidão e maior rede social de apoio (Barker & Wolen, 2008). Outros mostram que os donos de cães fazem caminhada mais frequentemente (Barker & Wolen, 2008; Utz, 2014), podendo ter esta uma duração maior (Gretebeck et al., 2013) ou não (Barker & Wolen, 2008) do que a que é realizada por quem não tem animais. A literatura discute a possibilidade deste efeito ser uma vantagem apenas para grupos específicos, que realizariam uma menor atividade física se não tivessem um cão, beneficiando pouco outros grupos, como, crianças ou pessoas que costumam praticar desporto (Saunders et al., 2017).

Mais recentemente, Poestges et al. (2016) afirmaram que as pessoas idosas que têm animais de estimação visitam o médico com menor frequência, mas não se distinguem quanto à toma de medicação. Outros estudos afirmam a existência de diferenças em termos de risco cardiovascular, procura de cuidados de saúde, estado emocional, interação social, estado mental, sintomas psicológicos, capacidade física, uso diário de medicação, presença de problemas médicos, mortalidade e comportamentos de saúde (Barker & Wolen, 2008). No que diz respeito à saúde psicológica e social, Barker e Wolen (2008) concluem igualmente que os resultados não são consensuais relativamente aos sintomas depressivos, de stress, felicidade, satisfação com a vida, ter passatempos e interesses, solidão ou humor positivo.

No estudo longitudinal de Gilbey et al., (2007) foi avaliado o nível de solidão em pessoas que procuravam um animal de companhia. Os autores verificaram que, seis meses depois, os indivíduos que adquiriram animais de estimação estavam tão solitários quanto estavam antes de terem o animal de companhia e não se sentiam mais felizes do que os indivíduos que não tinham adquirido um animal.

Outros estudos centrados na população idosa mostram que os idosos com animais de estimação apresentam um menor sentimento de solidão (Stanley et al., 2013) e que a interação entre idosos e cães pode promover a rede de suporte social, favorecendo a interação com outros donos de cães (Knight & Edwards, 2008). Num sentido oposto, Miltiades e Shearer (2011) constataram que os indivíduos idosos que são muito apegados aos seus cães tendem a estar mais deprimidos do que indivíduos que não são tão apegados aos animais de companhia, o que os levou a colocar a hipótese explicativa de que níveis mais elevados de vinculação ao animal de estimação possam indicar que este desempenha um papel central na vida do idoso, podendo ser uma tentativa de substituir a companhia humana inexistente. Por sua vez, Müllersdorf et al. (2010) verificaram que os donos de animais tinham melhor saúde geral, mas sofriam mais de problemas de saúde mental do que os indivíduos que não eram donos de animais. Um estudo realizado com profissionais com ocupações de alto risco (ex., profissionais de saúde, polícias e bombeiros) concluiu que ter um animal de estimação não tem, no geral, um efeito benéfico na saúde (Lass-Hennemann et al., 2020).

Em Portugal, Reis et al. (2018) realizaram um estudo com adolescentes, concluindo que estes (em particular as raparigas e rapazes mais novos) consideram que os animais lhes proporcionam sensações de felicidade, companheirismo, proteção, segurança e responsabilidade, e que ter um cão está associado a maior perceção de bem-estar, maior satisfação com a vida e menos sintomas de psicopatologia. Os resultados contraditórios em relação aos efeitos de ter um animal de estimação na saúde parecem estar relacionados com diferentes aspetos metodológicos, designadamente a ausência de controlo de variáveis sociodemográficas (por exemplo, sexo, estado civil, idade, número de pessoas com quem se vive) e clínicas (por exemplo, presença de doença medicamente confirmada), bem como de outras variáveis como o sentido de responsabilidade pela saúde e bem-estar do seu animal de estimação e a utilização de diferentes estímulos stressores nos estudos experimentais (Barker & Wolen, 2008). Saunders et al. (2017) destacam a dificuldade para realizar estudos experimentais neste domínio, assim como o insucesso em estudar a separação dos potenciais efeitos de ter o animal de estimação de outros fatores, como, por exemplo, a escolha de ter ou não o animal ou o motivo pelo qual a pessoa escolhe ter o animal. Para além disso, o desenho transversal da maioria dos estudos não permite explicar se ter um animal produz efeitos positivos ou negativos na saúde ou se é porque se tem maior ou menor saúde que se decide ter um animal de estimação. Estas limitações podem de alguma forma explicar o motivo pelo qual os estudos realizados neste âmbito oferecem muitas vezes resultados contraditórios, chegando até a ser questionados os efeitos benéficos de conviver com animais de estimação (Herzog, 2018).

O controlo de variáveis sociodemográficas é particularmente importante se tivermos em atenção a possibilidade de as diferenças em saúde estarem relacionadas com as características das pessoas que tomam a decisão de ter um animal de estimação, e não com o fato de ter um animal. Assim, alguns estudos mostram que as pessoas que têm um animal de estimação diferem das que não o têm em características como sexo, idade, etnia ou rendimentos (Saunders et al., 2017), variáveis que também podem ser importantes no que respeita ao estado de saúde. Neste sentido foram criados alguns modelos que tentam predizer a probabilidade de ter um animal de estimação a partir de características pessoais. Segundo Downes et al. (2009), muito embora os modelos construídos não pareçam muito eficazes para a predição de ter um gato, a investigação mostra que algumas variáveis, como ser mulher ou ter entre 45 e 64 anos, estão relacionadas com a escolha deste animal. As pessoas que vivem em apartamentos têm menor probabilidade de ter cães ou gatos e viver numa pequena quinta, ter filhos ou ter um gato aparecem como fatores preditores de ter um cão.

Um estudo realizado por Westgarth et al. (2007) mostrou que as pessoas que têm cães costumam constituir famílias mais alargadas, entre as quais habitualmente existem mulheres, jovens adultos e crianças mais velhas. Também as famílias que têm outros animais (ex., gatos, cavalos ou pássaros) apresentam maiores probabilidades de ter um cão. Saunders et al. (2017) constataram que as pessoas que têm um cão têm uma maior probabilidade de apresentarem as seguintes características: serem mulheres, independentemente do estado civil; homens e mulheres casados; pessoas brancas; pessoas idosas; possuir uma casa; ter melhor saúde geral; maior rendimento familiar; a localização da sua habitação ser mais rural; viver numa casa; ter atualmente asma; viver numa habitação onde todos trabalham a tempo integral; trabalhar mais horas por semana; estar empregadas em período integral; ter um cônjuge que é empregado em tempo integral.

Estes fatores podem mediar a relação entre ter um animal de estimação e a saúde, pelo que parece fundamental considerar os mecanismos subjacentes a essa relação. Numa tentativa de organizar os resultados científicos, McNicholas et al. (2005) descrevem a associação entre ter um animal de estimação e os benefícios em relação à saúde recorrendo a três possíveis explicações: 1) A primeira defende que não existe uma associação causal entre ambos fenómenos, mas sim com outros fatores, como por exemplo os traços de personalidade, idade, fatores económicos ou de saúde, que influenciam a decisão de possuir um animal de estimação. Assim, a relação entre o convívio com animais de estimação e o estado de saúde seria apenas aparente; 2) A segunda explicação centra-se na ideia de que os animais de estimação podem ajudar a melhorar as relações sociais e as interações com outras pessoas, promovendo de forma indireta o bem-estar. Os animais de estimação seriam um catalisador de um maior contato social, que tem sido reconhecido como benéfico, pois alivia sentimentos de solidão e isolamento social. Esta explicação implicaria o reconhecimento da importância de programas centrados no estabelecimento de vínculos com animais destinados a certos grupos sociais, mais vulneráveis ao isolamento (por exemplo, idosos, pessoas com deficiência física, pessoas em situação de privação de liberdade); 3) A terceira explicação centra-se na forma pela qual ter um animal de estimação pode ter uma influência direta no estado de saúde e bem-estar das pessoas, centrando-se na natureza dessa relação. As relações pessoais próximas relacionar-se-iam com o bem-estar porque proporcionam suporte social e emocional, sendo protetoras em relação ao stress e à ansiedade, e esse efeito estaria relacionados com uma maior probabilidade de recuperação de doenças graves como cancro ou enfartes de miocárdio. As relações sociais, ou a falta das mesmas, podem, nesse sentido, constituir um importante fator de risco para a saúde, situando-se ao mesmo nível de fatores como o tabagismo, pressão arterial, concentrações de lípidos no sangue, obesidade ou sedentarismo.

Com o presente estudo, pretendemos analisar se ter um animal de estimação está associado a diferenças na saúde considerada nesta perspetiva abrangente e se existe uma relação estatisticamente significativa entre a forma como as pessoas se relacionam com os animais de estimação e variáveis relacionadas com a sua saúde, tendo em conta os seguintes domínios: perceção geral de saúde; perceção geral de qualidade de vida; satisfação com a forma como se relaciona com a sua família e amigos; bem-estar mental; bem-estar emocional, psicológico e social; satisfação com a vida; sintomas de stress, ansiedade e depressão, e medo de ser feliz.

Estas variáveis foram consideradas no presente estudo tendo em consideração que para, a comunidade científica, a saúde é mais do que a ausência de doença e que constitui uma importante dimensão do bem-estar psicológico, bem como que o bem-estar psicológico influencia a saúde em geral e é influenciado por esta (Leite et al., 2019). A investigação tem vindo a demonstrar que o bem-estar psicológico tem efeitos protetores, diminuído o risco de doença e promovendo uma vida mais longa, está associado com uma melhor perceção subjetiva de saúde, com a adoção de mais comportamentos de saúde e com melhor ajustamento à doença (Bowling, 2005) e prediz uma melhor regulação biológica, medida em termos de hormonas do stress (como o cortisol), marcadores inflamatórios e fatores de risco cardiovascular (Ryff, 2014). Por outro lado, a perceção subjetiva de saúde está associada de forma significativa e independente com problemas de saúde, uso de serviços de saúde, mudanças no funcionamento, recuperação de episódios de doença e mortalidade (Bowling, 2005).

Para além disso, a World Health Organization (2021) define qualidade de vida como a perceção que o indivíduo tem da sua posição na vida no contexto da cultura e sistemas de valores em que vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. A qualidade de vida é entendida como um bem-estar geral que compreende descritores objetivos e avaliações subjetivas de bem-estar físico, material, social e emocional, bem como a avaliação da extensão do desenvolvimento pessoal e de atividade intencional, ponderados por um conjunto pessoal de valores (Karimi & Brazier, 2016).

Finalmente, o medo da felicidade aparece associado a uma maior probabilidade de apresentar dificuldade em recuperar de episódios stressantes que ocorram nas suas vidas, menor bem-estar subjetivo e pior funcionamento psicológico, sendo que a resiliência medeia a relação entre medo da felicidade, obem-estar subjetivo e florescimento (Yildrim, 2019).

Assim, assumiu-se que a avaliação da saúde não deve ser limitada à presença ou ausência de estados negativos de saúde e funcionamento, devendo contemplar dimensões positivas.

Método

Participantes

Participaram 263 indivíduos maiores de idade, portugueses ou com domínio da língua portuguesa, que foram organizados em dois grupos:

  • Grupo 1: 46 Indivíduos que não tinham animais de estimação no momento da sua participação no estudo, 75,6% do sexo feminino, com idades compreendidas entre 18 e 60 (M = 33,58; DP = 12,47), com uma escolaridade que variava entre o ensino secundário e o 3º ciclo do ensino superior, sendo maioritariamente situada no ensino superior (80%); 88,9% residente em meio urbano; coabitando com entre zero e 5 pessoas (M=2,39; DP=1,06).

  • Grupo 2: 217 indivíduos que tinham animais de estimação; com idades compreendidas entre 18 e 82 (M =33,49; DP =13,57), 89,9% do sexo feminino; com uma escolaridade compreendida entre o 3º ciclo do ensino básico e o 3º ciclo do ensino superior, tendo maioritariamente como habilitação o ensino superior (77,9%); 77% residente em meio urbano; coabitando com entre zero e 7 pessoas (M=2,28; DP=1,31); 70,5% têm como animal de estimação cães; 47,5% têm gatos; 6% pássaros; 7,8% peixes; 2,3% porquinhos da índia; 5,1% outros animais. Os participantes incluídos neste grupo tinham entre 1 e 25 animais de estimação, sendo que, em média possuíam 2,64 (DP=2,82).

Quadro 1 Frequências e percentagens do grupo de participantes com animais de estimação 

No que respeita ao tipo de animais, homens e mulheres apenas se distinguem de forma estatisticamente significativa no que respeita aos cães, sendo que mais mulheres do que homens são donas de cães (χ2=5,61; p<0,05). Estes dois grupos não se distinguem de forma estatisticamente significativa (p>0,05) quanto à sua idade, nível de escolaridade, meio onde residem e número de pessoas que vive consigo, ainda que no Grupo 2 existam mais participantes do sexo feminino (χ2=6,93; p<0,01).

Material

Os participantes responderam aos seguintes instrumentos:

  1. Questionário sociodemográfico e de caracterização de animais de estimação, desenvolvido especificamente para o presente projeto com objetivo de recolher dados relativos a: sexo, idade, número de pessoas que residem consigo, escolaridade, se tem atualmente animais de estimação, que animais. Foram igualmente recolhidos dados relacionados com a perceção geral de saúde, perceção geral de qualidade de vida, assim como a satisfação com o relacionamento com família e amigos. A perceção geral de saúde foi avaliada com a questão “Em geral, como diria que a sua saúde é?”, oferecendo 5 opções de resposta (ótima, muito boa, boa, razoável, fraca). A perceção geral de qualidade de vida foi avaliada a partir da questão “Em geral, como diria que a sua qualidade de vida é?”, oferecendo as mesmas 5 opções de resposta. A satisfação com o relacionamento com família e amigos foi avaliada a partir de duas questões - “Quão satisfeito está com a forma como se relaciona com a sua família?” e “Quão satisfeito está com a forma como como se relaciona com os seus amigos?” - respondidas numa escala com 5 opções, que variavam entre “Muito satisfeito” e “Muito insatisfeito”.

  2. Cat/Dog-Owner Relationship Scale (C/DORS), desenvolvida por Howell et al. (2017) com o objetivo avaliar o relacionamento dono-animal de estimação. É constituído por 33 itens, respondidos numa escala tipo Likert com 5 opções de resposta, encontrando-se testado para administração com donos de cães e donos de gatos. A C/DORS tem 3 sub-escalas: Interação entre dono e animal; Proximidade Emocional e Custos Percebidos. A versão original apresenta boa consistência interna e boa validade de construto. A versão portuguesa (em estudo), na presente amostra demonstrou apresentar um alfa de 0,87.

  3. Questionário de Vinculação com Animais de Estimação (PAQ), desenvolvido por Zilcha-Mano et al. (2011), com o objetivo de avaliar a vinculação ansiosa e evitante com animais de estimação. É constituído por 26 itens, respondidos numa escala tipo Likert com 7 opções de resposta. A versão original apresenta boa validade convergente e discriminante, e boa fidelidade (Zilcha-Mano et al., 2011). A versão portuguesa em estudo apresentou um alfa de Cronbah de 0,79 para a escala total, de 0,83 para a subescala Vinculação Ansiosa e de 0,77 para a subescala Vinculação Evitante.

  4. Fear of Happiness Scale, desenvolvida por Joshanloo (2013), constituída por 5 itens, respondidos numa escala tipo Likert com 7 opções de resposta (que variam entre Concordo fortemente e Discordo fortemente) e organizados num fator único, que pretende avaliar o medo da felicidade. A versão original apresenta boa fidelidade e boa validade, tendo as versões adaptadas para outros 14 países revelado igualmente boas qualidades psicométricas (Joshanloo, 2013). A versão portuguesa (versão em estudo), na presente investigação, apresenta um alfa de Cronbach de 0,94.

  5. Mental Health Continuum- Short Form (MHC-SF) (versão portuguesa de Fonte et al., 2020): É constituída por 14 itens, que pretendem avaliar 3 componentes do bem-estar - emocional, social e psicológico -, oferecendo uma escala tipo Likert com 6 opções de resposta (que variam entre Nunca e Todos os dias). A versão portuguesa revelou apresentar boa validade, boa sensibilidade e boa fidelidade (Fonte et al., 2020). No presente estudo, verificou-se um alfa de Cronbach de 0,95

  6. Versão Portuguesa da Escala de Bem-Estar Mental de Warwick-Edinburgh (WEMWBS): Escala que se encontra a ser adaptada para Portugal por Fonte et al. (versão em estudo). Este instrumento avalia bem-estar mental focando-se apenas em aspetos positivos deste. É constituída por 14 itens, organizados num fator único, sendo oferecidas 5 opções de resposta (que variam entre Nunca e Sempre). A escala apresenta boas qualidades psicométricas. No presente estudo, apresentou um alfa de Cronbach de 0,87.

  7. Escala de Satisfação com a Vida, que inclui 5 itens que constituem afirmações às quais o indivíduo responde numa escala tipo Likert de sete posições, que variam entre “Totalmente em desacordo” e “Totalmente de acordo”. Adotou-se a versão portuguesa disponibilizada por Diener no seu website (https://internal.psychology.illinois.edu/~ediener/SWLS.html). No presente estudo, este instrumento apresentou um alfa de Cronbach de 0,88.

  8. Escala de Ansiedade, Depressão e Stress (EADS) (versão portuguesa de Pais-Ribeiro et al., 2004): Instrumento que pretende avaliar os sintomas associados à ansiedade, depressão e stress, sendo constituído por 21 itens, agrupados em três subescalas, constituídas por 7 itens cada. Todos os itens são avaliados através de uma escala de resposta de tipo Likert, de 4 pontos, que variam entre “não se aplicou nada a mim” e “aplicou-se a mim a maior parte das vezes”. Os valores mais elevados correspondem a estados afetivos mais negativos. A versão portuguesa do instrumento revelou apresentar boas qualidades psicométricas (Pais-Ribeiro et al., 2004). No presente estudo, apresenta um alfa de Cronbach de 0,96.

Procedimento

Após a obtenção de um parecer positivo da Comissão de Ética da Universidade Fernando Pessoa, realizou-se um convite à participação no estudo através da mailing list institucional da UFP, através das redes sociais e pessoalmente, solicitando diretamente a possíveis respondentes a sua colaboração. Pretendeu-se, desta forma, estudar uma amostra não aleatória, do tipo “bola de neve”.

A seleção de participantes obedeceu às seguintes condições de seleção: (a) serem maiores de idade; (b) serem capazes de dar a sua autorização livre e informada. Os participantes responderam aos questionários após darem a sua autorização de forma livre e esclarecida. Os questionários foram informatizados de forma a possibilitar a sua administração de forma eletrónica, sendo autopreenchidos pelos respondentes. Não foram recolhidos dados pessoais dos participantes que os permitissem identificar, assegurando-se o anonimato e confidencialidade os dados. Relativamente à CDORS, o valor das suas subescalas foi calculado para os participantes que eram apenas donos de um cão ou de um gato, uma vez que o instrumento se encontra estudado até ao momento apenas para donos destes dois animais de estimação.

Os participantes foram organizados em grupos etários, considerando os seguintes intervalos: 18-25 anos, correspondente aos jovens adultos que se encontram a finalizar os estudos e/ou a preparar a transição da vida inativa para a vida ativa; 26-40 anos, correspondente à adultez jovem ativa; 41-65 anos, correspondente à meia idade e a uma idade de trabalho madura; e ≥66 anos, correspondente aos participantes com idade para aceder à reforma. Com vista a analisar as diferenças entre o Grupo 1 e o Grupo 2, e entre homens e mulheres com e sem animais de estimação quanto às variáveis relacionadas com a saúde alvo de estudo e com a relação estabelecida com o animal, procedeu-se ao cálculo do teste Mann-Whitney. Para analisar a associação entre a interação que o dono estabelece com animal de estimação e as variáveis relacionadas com a saúde, procedeu-se à análise da correlação de Pearson, recorrendo-se à análise das correlações parciais para controlar variáveis sociodemográficas. Procedeu-se, ainda, ao cálculo do One-Way Anova e teste de Bonferroni para comparar grupos etários e participantes com diferentes habilitações literárias quanto às variáveis relacionadas com a saúde e à relação estabelecida com o animal de estimação.

Resultados

Quando comparados globalmente, verificou-se não existirem diferenças estatisticamente significativas (p > 0,05) entre quem possui e quem não possui animais de estimação quanto a domínios positivos como perceção geral de saúde, perceção geral de qualidade de vida, satisfação com o relacionamento com família e amigos, bem-estar psicológico, bem-estar emocional, bem-estar social, bem-estar mental e satisfação com a vida. Também não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas quanto a domínios negativos como níveis de ansiedade, depressão, stress e medo da felicidade.

No entanto, quando considerados apenas os homens, aqueles que têm um animal de estimação apresentam maior bem-estar mental, maior bem-estar social e psicológico, assim como maior satisfação com a vida do que os que não têm (Quadro 1), ainda que não se distingam (p > 0,05) quanto à sua perceção geral de saúde, perceção geral de qualidade de vida, satisfação com a forma como se relacionam com a sua família e amigos, bem-estar emocional, níveis de ansiedade, depressão e stress, nem quanto ao medo de ser feliz.

Quadro 2 Comparação entre homens que têm e homens que não têm animais de estimação 

A análise comparativa entre mulheres com e sem animais de estimação revela não existirem diferenças estatisticamente significativas (p > 0,05) entre elas quanto à sua perceção geral de saúde, perceção geral de qualidade de vida, satisfação com o relacionamento com família e amigos, bem-estar psicológico, bem-estar emocional, bem-estar social, bem-estar mental e satisfação com a vida, níveis de ansiedade, depressão, stress e medo de ser feliz.

Analisando as respostas daqueles que têm cães ou gatos, os resultados revelaram que a Interação que o dono estabelece com o seu animal não está associada de forma estatisticamente significativa (p>0,05) com a sua perceção geral de saúde, perceção geral de qualidade de vida, bem-estar mental, bem-estar emocional, psicológico e social, satisfação com a vida, sintomas de stress, ansiedade e depressão, medo de ser feliz, nem com a satisfação com a família e os amigos. No entanto, quanto maior é a Proximidade Emocional que o dono sente em relação ao seu gato ou cão, menor é a ansiedade que este apresenta (r = -0,25; p < 0,01), menor a depressão (r = -0,19; p < 0,05), menor o stress (r = -0,22; p < 0,01) e menor o medo de ser feliz (r = -0,21; p < 0,01), ainda que essa Proximidade revele não estar associada de forma estatisticamente significativa com o bem-estar mental, psicológico, emocional e social, perceção de saúde, perceção de qualidade de vida, nem com a satisfação com a família e os amigos (p>0,05). Paralelamente, quanto maior é o Custo Percebido associado ao cão ou gato para o seu dono, menor revela ser o bem-estar mental (r = -0,17; p < 0,05), a perceção geral de saúde (r = -0,17; p < 0,05) e a perceção geral de qualidade de vida deste (r = -0,19; p < 0,05). Porém, esse Custo revela não estar associado de forma estatisticamente significativa com os sintomas de ansiedade, depressão e stress, nem com o medo da felicidade sentido (p>0,05). As dimensões Interação Dono-Animal e Proximidade Emocional revelaram não estar associadas entre si de forma estatisticamente significativa (p>0,05), mas o Custo Percebido, ainda que não esteja associado de forma estatisticamente significativa com a Interação Dono-Animal (p>0,05), revelou estar associado com a Proximidade Emocional, sendo que quanto maior esta é, maior revela ser esse Custo (r=0,22; p<0,01).

Considerando todos os donos de animais de estimação, observou-se que não existe uma associação significativa entre o estabelecimento de uma vinculação evitante com o animal de estimação e qualquer um dos domínios relacionados com a saúde avaliados, ainda que essa vinculação revele estar negativamente associada com a satisfação com a família (r = -0,14; p < 0,05) e com os amigos (r = -0,20; p < 0,05). No entanto, uma vinculação ansiosa com este está associada a pior perceção de saúde (r = -0,18; p < 0,01), pior perceção de qualidade de vida (r = -0,17; p < 0,05), menor bem-estar psicológico (r = -0,26; p < 0,0001), emocional (r = -0,25; p < 0,0001) e social (r = -0,26; p < 0,0001), menor bem-estar mental (r = -0,28; p < 0,0001) e menor satisfação com a vida (r = -0,26; p < 0,0001), menor satisfação com a família (r = -0,18; p < 0,05) e com os amigos (r = -0,20; p < 0,05), assim como a maiores níveis de ansiedade (r = 0,25; p < 0,0001), depressão (r = 0,38; p < 0,0001) e stress (r = 0,38; p < 0,0001) e maior medo de ser feliz (r = 0,34; p < 0,0001). Porém, quando controladas variáveis sociodemográficas como o sexo, idade e nível de escolaridade, verificou-se que todas estas associações perdem significância estatística.

Esse facto levou-nos a analisar se o tipo de relação que o dono estabelece com o seu animal de estimação varia em função do sexo, idade e nível de escolaridade daquele. Homens e mulheres não se distinguiram de forma estatisticamente significativa quanto à Interação Dono-Animal, mas os participantes do sexo masculino revelam uma maior Proximidade Emocional ao seu animal de estimação, U = 691,50; p < 0,01 (M = 2,22; DP = 0,65/ M = 1,76; DP = 0,64, respetivamente) e maior Vinculação Evitante com este, U = 1325,00; p < 0,01 (M = 10,14; DP = 8,43/ M = 6,39; DP = 5,34, respetivamente) do que os participantes do sexo feminino.

A análise comparativa entre grupos etários mostra diferenças estatisticamente significativas entre os participantes com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos e os participantes com idades compreendidas entre os 41 e os 65 anos quanto à Proximidade Emocional (F = 6,28; p < 0,0001 ) e à Vinculação Ansiosa (F = 5,27; p < 0,01), sendo que é o grupo mais jovem que apresenta maiores níveis de Vinculação Ansiosa (M=24,62; DP=11,97/ M=17,21; DP=10,52, respetivamente) e menores níveis de Proximidade Emocional (M=1,58; DP=0,54/ M=2,04; DP=0,72, respetivamente). Os participantes dos 4 grupos etários não se distinguem de forma estatisticamente significativa quanto ao seu bem-estar psicológico, bem-estar mental, satisfação com a vida, satisfação com o relacionamento com família e amigos, mas diferem no que respeita ao seu bem-estar emocional (F =3,43 ; p < 0,05), bem-estar social (F = 3,62; p < 0,05), ansiedade (F = 4,65; p < 0,01), depressão (F = 5,03; p < 0,01) e stress (F = 4,82; p < 0,01). O teste de Bonferroni permitiu verificar que os participantes com idades compreendidas entre os 18 e os 25 anos se distinguem de forma estatisticamente significativa dos participantes com idades compreendidas entre os 41 e os 65 anos, apresentando o grupo mais jovem menor bem-estar emocional (M = 10,69; DP = 3,25/M=12,04; DP=2,68, respetivamente) e menor bem-estar social (M = 11,68; DP =6,16/M=14,63; DP=5,99, respetivamente), assim como níveis mais elevados de ansiedade (M = 5,14; DP =5,45/M=2,51; DP=3,29, respetivamente), depressão (M = 5,96; DP = 5,59/M=2,95; DP=3,56, respetivamente) e stress (M = 8,10; DP =5,61/M=5,01; DP=3,76, respetivamente).

Verificou-se a existência de diferenças estatisticamente significativas entre participantes com diferentes níveis de escolaridade quanto à Interação Dono-Animal (F = 3,55; p < 0,01) e à Proximidade Emocional (F = 3,55; p < 0,01), mas não no que respeita aos Custos Percebidos, Vinculação Ansiosa e Vinculação Evitante. A análise do teste de Bonferroni revelou que os participantes com habilitações ao nível do ensino secundário (M = 2,23; DP = 0,62) apresentam níveis mais elevados de Interação Dono-Animal do que os participantes com habilitações ao nível do 2º ciclo do ensino superior (M = 1,67; DP = 0,60). Para além disso, os indivíduos com o 3º ciclo do ensino superior apresentam maior Proximidade Emocional do seu animal de estimação (M = 2,14; DP = 0,78) do que os indivíduos com o ensino secundário (M = 1,52; DP = 0,60). Verificou-se não existirem diferenças estatisticamente significativas entre participantes com diferentes habilitações académicas no que respeita à perceção geral de saúde; perceção geral de qualidade de vida; satisfação com o relacionamento que estabelece com a família e com os amigos; bem-estar mental; bem-estar emocional, psicológico e social; satisfação com a vida; sintomas de stress, ansiedade e depressão, e medo de ser feliz.

Discussão

Os resultados do presente estudo mostram não existir diferenças estatisticamente significativas entre donos de animais e pessoas que não têm animais de estimação nas variáveis relacionadas com a saúde quando estes dois grupos são considerados globalmente, ressaltando a importância de considerar as características sociodemográficas dos participantes, já anteriormente sublinhada por Saunders et al. (2017). Ainda que, nas mulheres, ter ou não ter um animal de estimação não esteja associado a diferenças nas variáveis relacionadas com a saúde, para os homens, ter um animal associa-se a melhor bem-estar psicológico, social e mental, e a maior satisfação com a vida. Este último resultado vai ao encontro de outros estudos (Reis et al., 2018).

Homens e mulheres distinguem-se na forma como se relacionam com os seus animais de estimação, sendo que os homens apresentam maior proximidade emocional com estes - domínio que, de acordo com Howell et al. (2017), avalia o laço emocional estabelecido com o animal de estimação - e maior vinculação evitante - que Zilcha-Mano et al. (2011) caracterizam como estando relacionada com uma sensação de desconforto com a proximidade física e emocional com o animal; esforço para manter a distância do animal de estimação; evitamento da intimidade com ele, impedindo-o de se intrometer no seu espaço pessoal; e dificuldades em depender do animal e em voltar-se para ele quando em distress. Assim, os homens sentem que o laço emocional estabelecido é mais forte, mas parecem sentir-se mais inseguros, apresentando expectativas menos positivas acerca da disponibilidade e responsividade do animal de estimação, vendo-o mais frequentemente como apresentando características negativas ou problemáticas. Se a vinculação evitante não revela estar associada com a saúde, o mesmo não acontece com a proximidade emocional com o animal de estimação, que está associada a menores níveis de ansiedade, depressão e stress, e a menor medo de ser feliz.

Quando considerados os participantes com animais de estimação de uma forma global, quanto maior é a vinculação ansiosa que com eles o dono estabelece, pior revela ser a perceção geral de saúde e de qualidade de vida, o bem-estar psicológico, emocional, social e mental e a satisfação com a vida, e mais elevados os níveis de ansiedade, depressão e stress. Estes resultados parecem ir ao encontro dos apresentados por Zilcha-Mano et al. (2011), que revelaram que a vinculação ansiosa com o animal de estimação está inversamente associada com o bem-estar psicológico e positivamente associada com o distress psicológico. No entanto, no presente estudo, estas associações perdem significância do ponto de vista estatístico quando controladas variáveis como sexo, idade e escolaridade.

Os participantes mais jovens revelam estabelecer uma maior interação com o animal de estimação, porém, também revelam sentir menor proximidade emocional com os animais, apresentando maior vinculação ansiosa e menor bem-estar emocional e social, e maior ansiedade, depressão e stress. Uma menor escolaridade também demonstrou estar associada a uma maior interação com o animal, mas com menor proximidade emocional. Estes resultados sugerem que o contexto cultural e a maturidade cognitiva e emocional podem desempenhar um papel importante na relação estabelecida com o animal de estimação. Assim, mais do que ter um animal de estimação, o importante parece ser a qualidade da relação que com ele estabelecemos, o que sugere que as diferenças em saúde entre pessoas com e sem animais de estimação identificadas por outros estudos poderão estar relacionadas com fatores como as características pessoais, os motivos pelos quais as pessoas tomaram a decisão de ter um animal de estimação, o estabelecimento de laços e/ou o sentimento de proximidade em relação ao mesmo, como sugerem Saunders et al. (2017).

Ter um animal de estimação poderá constituir um desafio para o seu dono. Verificou-se que quanto maior é a perceção dos custos (ex., despesas económicas relacionadas com alimentação ou serviços veterinários, tempo e trabalho investido nos cuidados) de ter um animal de estimação, pior é o bem-estar mental, a perceção geral de saúde e de qualidade de vida do dono. Estes custos não estão associados de forma significativa com a interação dono-animal de estimação, nem com a proximidade emocional sentida com ele, sugerindo tratar-se de uma variável independente destas. Desta forma, parece que esta perceção dos custos poderá estar mais relacionada com o esforço que as pessoas fazem para prestação dos cuidados do que com a função que o animal de estimação assume na vida do ser humano.

A relação entre ter um animal de estimação e saúde revela ser muito mais complexa do que, por vezes, parece evidenciar-se na literatura científica. É muito possível que os animais de estimação tenham tanto efeitos positivos, como negativos na saúde. Se, por um lado, podem proporcionar companhia (Barker & Wolen, 2008) e a oportunidade de desenvolver um estilo de vida mais organizado e ativo (Barker & Wolen, 2008; Utz, 2014), por outro podem produzir sentimentos negativos (por exemplo, se ficam doentes ou morrem), ou exigir um investimento que implique que as pessoas percam parte da sua qualidade de vida. É possível que produzam efeitos menos positivos naquelas pessoas que não pretendiam ter um animal ou não estabeleceram uma relação próxima com o mesmo. Também é possível que, mesmo entre as pessoas que querem ter animais, os efeitos sejam positivos em algumas circunstâncias de vida, mas negativos noutras, ou até positivos em alguns momentos do dia e negativos noutros. Seria importante explorar se os efeitos positivos de ter um animal de estimação na saúde seguem princípios semelhantes aos encontrados no que diz respeito à relação entre saúde e as relações parentais (ex. Martins, 2019; Simon & Caputo, 2019;), pois as relações que o ser humano estabelece são, de facto, complexas.

O presente estudo sofre de limitações importantes. A amostra é bastante pequena para que se possam generalizar quaisquer conclusões e sendo um estudo transversal, não podemos concluir sobre relações causa-efeito, desconhecendo se é porque os participantes têm animais de estimação e porque com eles estabelecem determinado tipo de relação que têm ganhos/perdas em saúde ou se a sua condição de saúde determina que se relacionem de determinada forma. Igualmente, devemos considerar as diferenças de dimensão dos grupos, sendo que no Grupo 2 havia um maior número de participantes do sexo feminino, o que pode ter tido impacto nos resultados encontrados.

Parece-nos fundamental a realização de estudos prospetivos, com controlo de variáveis sociodemográficas, clínicas e relacionadas com a decisão de ter um animal de estimação alargadas, e que adotem abordagens mistas, de forma a permitir aprofundar as razões que levam as pessoas a ter ou não ter animais de estimação, o tipo de relação que com eles estabelecem, a forma como as suas condições de vida poderão afetar a relação com o animal, mas também a sua saúde, em diferentes momentos do ciclo de vida.

Apesar das dificuldades identificadas, tanto na literatura como no presente estudo, para construir um modelo que permita determinar as relações entre as diferentes variáveis de saúde e o fato de se conviver ou não com um animal de estimação, não queremos finalizar este trabalho sem realizar algumas considerações que possam ser de utilidade para os profissionais que considerem a possibilidade de incluir um animal de estimação como parte de um processo terapêutico. Como foi referido, as relações humanas são complexas, entendendo-se que um animal de estimação poderá ter efeitos positivos na família na qual se integra, no entanto não devemos deixar de ter em consideração os potenciais efeitos negativos, com o objetivo de os diminuir ou os neutralizar. Assim, a consideração de animais de estimação como parte de uma intervenção (por exemplo, com intenção de diminuir a solidão em pessoas idosas, desenvolver competências sociais ou treino de responsabilidade em crianças) deverá ser ponderada, tendo em atenção as características e o estilo de vida da família, assim como os recursos pessoais que os diferentes elementos da família possam ter, mas também as características do próprio animal. Esta ponderação parece muito mais isenta de riscos, tanto para a família como para o animal, quando são conhecidas as caraterísticas deste (carácter, tamanho, etc.), o que apenas acontece quando o animal é adulto. A eleição de animais por motivos estéticos, pela reação emocional imediata que este produz nas pessoas ou baseada nas crenças de que apenas os animais mais jovens são capazes de se adaptarem ao contexto familiar, mesmo que respeitável, poderá não ser sempre a melhor opção. Não devemos esquecer que o temperamento dos animais pode ser muito diferente, mesmo entre animais da mesma espécie ou raça. Neste sentido, o profissional que pretenda recomendar a adoção de um animal poderá colaborar com a família na sua escolha, realizando em conjunto uma análise do papel que se pretende que o mesmo tenha na família, e das consequências tanto positivas como negativas que a incorporação do animal poderá ter. Nesta análise, deverá ser tida em atenção não apenas a espécie (um cão, um gato ou um pássaro, tec.), mas também as características do animal (ex. cão tranquilo vs cão ativo; gato independente vs gato próximo), favorecendo a decisão de incorporar um animal que se adeque melhor aos objetivos da intervenção. Nesta decisão poderão ser igualmente envolvidos os responsáveis das associações de animais, que, pelo seu contato diário com estes, poderão identificar quais deles apresentam as características mais adequadas para cada pessoa.

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Recebido: 22 de Novembro de 2020; Aceito: 23 de Fevereiro de 2021

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