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Psicologia, Saúde & Doenças

Print version ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.21 no.3 Lisboa Dec. 2020  Epub Dec 31, 2020

https://doi.org/10.15309/20psd210329 

Artigo

Relação da autopercepção de saúde, capacidade funcional e cognição em idosos octogenários

Relationship between self-perception of health, functional capacity and cognition in octogenarians

Roberto Duarte1 

Guilherme Brech1  2 

Amanda dos Santos1 

Josiane Iwamoto1 

Carla Witter2  3 

Claudia Gil1 

Angélica Alonso1  2 

1 Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, Brasil, roberto.duarte2006@hotmail.com, guibrech@gmail.com, amandasj.nutricao@hotmail.com, josianecadedo@gmail.com, claudiagil@uol.com.br, angelicacastilho@msn.com

2 Laboratório do Estudo do Movimento (LEM) -FMUSP, São Paulo, Brasil

3 Universidade Anhembi-Morumbi (UAM), São Paulo, Brasil, cwitter12@gmail.com


Resumo

A satisfação com a vida e a percepção de saúde dependem de avaliações cognitivas e subjetivas, portanto baseiam-se em um critério próprio sobre a vida e a maneira como enfrenta os problemas pessoais e de saúde. O objetivo deste estudo foi relacionar a capacidade funcional e cognição com a autoperceção sobre seu estado de saúde de octogenários. Foram avaliados 103 idosos de ambos os sexos, sendo 30 homens com média de 82,7(±2,98) e 73 mulheres com idade média de 82,6 (±2,97) anos. As avaliações foram realizadas pelos questionários: Short Physical Performance Battery (SPPB), Variáveis de saúde e psicossociais, o Mini Exame do Estado Mental (MEEM), capacidade funcional para AAVDs e AIVDs e o teste de força de preensão manual (FPM). Foram avaliados 103 idosos, sendo a maioria do sexo feminino (70,9%) com idade entre 80 e 94 anos. A autoperceção negativa se associou com a presença de sarcopenia, MEEM alterado, dependência nas atividades instrumentais de vida diária (AIVD) e escolaridade baixa. A autoperceção de saúde dos idosos longevos é multifatorial e está relacionada presença de alterações funcionais que levam a dependência, baixa escolaridade e alterações cognitivas.

Palavras-Chave: Longevidade; envelhecimento; funcionalidade; percepção

Abstract

Life satisfaction and health perception depend on cognitive and subjective assessments; therefore they are based on their own criteria of life itself and the way it faces personal and health problems. The study aim was to relate functional capacity, cognition, mood with self-perception about their health status of octogenarian elderly. A total of 103 elderly individuals of both genders were evaluated, with 30 men with average age of 82.7(±2.98) years and 73 women with average age of 82.6(±2.97) years. The evaluations were carried out by the questionnaires: Short Physical Performance Battery (SPPB), Health and psychosocial variables, Geriatric Depression Scale (GDS), Mini-Mental State Examination (MMSE), functional capacity for Advanced Activities of Daily Living (AADLs) and Instrumental Activities of Daily Living (IADLs), and handgrip strength test. A total of 103 elderly individuals were evaluated, the majority being female (70.9%) aged between 80 and 94 years. Negative self-perception was associated with the presence of Sarcopenia, altered MMSE, dependence on instrumental activities of daily living (IADLs) and low schooling. And there was no association with mood (GDS). The self-perception of health of the elderly individuals is multifactorial and is related to the presence of functional alterations that lead to dependence, low schooling and cognitive alterations.

Keywords: Longevity; aging; functionality; perception

A população idosa corresponde a uma ampla faixa etária de aproximadamente 30 anos e tornou-se necessário dividi-los em idosos jovens (60 a 79 anos) e os mais idosos (acima de 80 anos). Estes últimos também são conhecidos como idosos longevos, idosos velhos ou conforme a década em que se encontram como octogenários, nonagenários e centenários. Na composição desses grupos existem uma heterogeneidade no processo de envelhecimento com características e necessidades diferentes, pois nem todos apresentam limitações de saúde. No Brasil, o fenômeno “envelhecimento” começou tardiamente e, diferente do que ocorreu em outros países, está progredindo de forma acelerada. Esse fato se deve em grande parte à elevação substancial da expectativa de vida dos brasileiros, ao aumento da qualidade de vida e melhorias no sistema de saúde com tecnologias mais avançadas (Predovan et al., 2012).

Quando um país envelhece, suas características epidemiológicas também passam por transformações. Tal transição epidemiológica acontece quando uma mudança nos padrões de morbimortalidade se torna perceptível, principalmente com o declínio das doenças infecto-parasitárias e o aumento das doenças crônico-degenerativas, resultando no aumento da expectativa de vida (Rikli & Jones, 2013).

O tema satisfação com a vida em idosos tem sido amplamente discutido e pesquisado desde o início deste século. Sua construção é particularmente importante para os profissionais da saúde, cujo trabalho objetiva melhorar a qualidade de vida na velhice. Determinada pela realização de nossas necessidades, desejos e vontades, é uma situação ou um resultado de uma comparação entre as nossas próprias expectativas (aquilo se quer) e os pertences de um real (aquilo que se tem agora) (Wanderley et al., 2011).

Compreender até que ponto a autoperceção do estado de saúde está relacionada com o desempenho funcional dos idosos longevos parece bastante importante, pois esta relação pode contribuir para minimizar discrepâncias e eventuais desajustamentos entre a implementação de programas de atividade física eficazes e as necessidades percebidas pelo indivíduo idoso (Maslow et al., 2016; Mathus-Vliegen, 2012; Tanimoto et al., 2012).

Sendo assim, o objetivo deste estudo foi relacionar a capacidade funcional e cognição do indivíduo octogenário com a autoperceção que este mesmo apresenta sobre sua situação de saúde.

Método

Trata-se de um estudo transversal composta por uma amostra de conveniência, que faz parte do projeto intitulado “Padrões de envelhecimento físico, cognitivo e psicossocial em idosos longevos que vivem em diferentes contextos” aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Judas Tadeu (USJT), com o número CAAE 49987615.3.0000.5404 oriundo do Processo no. 88881.068.447∕2014-01 CAPES∕PROCAD proposto pela Universidade de Campinas em parceria com a Universidade Católica de Brasília, Universidade de Passo Fundo e USJT.

Participantes

Foram avaliados 103 idosos de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 80 anos. Oriundos de quatro instituições que trabalham com idosos da comunidade localizadas no Estado de São Paulo. Critérios de inclusão: Indivíduos idosos que apresentaram condições cognitivas para responder os questionários (avaliados pelos próprios pesquisadores), além de condições motoras para realizar os testes de capacidade funcional. A exclusão da pesquisa se deu para aqueles que não completaram os questionários ou não conseguiram realizar os testes funcionais.

Mensurações

Questionário sócio demográfico: Foram coletados dados referentes a idade, variáveis antropométricas, escolaridade e sexo dos idosos.

Avaliação subjetiva da saúde

Trata-se de um questionário com cinco questões que avaliam de forma subjetiva o estado de saúde atual do indivíduo, a partir da sua própria perspectiva. São questões simples, com alternativas objetivas de respostas, que variam de “melhor/muito bom” a “ruim/muito pior” conforme cada questão.

Estas questões são comparativas, ou seja, levam o indivíduo a avaliar sua situação atual de saúde comparando com o estado que se encontrava há um ano atrás. Para este estudo, utilizamos apenas uma questão do questionário: “Como o senhor(a) avalia sua saúde hoje, se comparado com a de 1 anos atrás? As respostas foram dicotomizadas em BOM e RUIM para fins estatísticos.

Mini exame do estado mental (MEEM)

Para os testes de triagem cognitiva utilizamos o MEEM7, as quais avaliam as funções cognitivas: orientação, atenção e cálculo, habilidade visual-construtiva, linguagem e evocação. Os escores variam de 0 a 30 pontos, sendo simples e de rápida aplicação. O ponto de corte utilizado para este estudo foi o estabelecido por Lourenço e Veras (2006), 18-19 e 24-25, segundo ausência e presença de instrução escolar formal prévia, respectivamente.

Short physical perfomance battery (SPPB)

Trata-se de um teste multidimensional e objetivo que rastreia a presença e/ou risco dos idosos desenvolverem incapacidades futuras. Este teste que avalia o equilíbrio dos participantes nas posições: pés paralelos, assimétricos e um a frente do outro por 10 segundos. A pontuação para cada teste varia numa escala de zero (pior desempenho) a quatro pontos (melhor desempenho) (Freire et al., 2012).

A velocidade de marcha em 4 metros, medido duas vezes, e utilizado o menor tempo. E a força muscular dos membros inferiores (MMII) por meio do tempo do movimento de levantar-se da cadeira e sentar-se nela cinco vezes consecutivas e sem o auxílio dos membros superiores. O escore total do SPPB é obtido pela soma das pontuações de cada teste, variando de zero (pior desempenho) a 12 pontos (melhor desempenho) (Baltes et al., 1993).

Atividades avançadas de vida diária (AAVDs) e Atividades instrumentais de vida diária (AIVDs)

A capacidade funcional para atividades AAVDs, AIVDs” foi utilizado o conjunto de questões relativas às AIVDs, que questiona sobre as realizações de atividades pessoais, religiosas e deazer. As AAVDs envolvem tanto fatores pessoais quanto ambientais. Os fatores pessoais reúnem características de interesse, motivação, autoeficácia e autocontrole. Esses, por sua vez se relacionam à aprendizagem e personalidade, além de habilidades físicas, cognitivas, emocionais e sociais. As respostas foram indicadas nas alternativas “nunca fez”, “parou de fazer” e “ainda faz” (Baltes et al., 1993; Souza et al., 2006).

Força de preensão manual (FPM)

Durante a avaliação da FPM os participantes ficaram posicionados de forma sentada, sem apoiar os braços, com os pés apoiados no chão e os quadris e joelhos flexionados a 90°. Os ombros ficaram posicionados aduzidos e em posição neutra para rotação, o cotovelo em 90° de flexão, antebraço e punho em posição neutra.

Os participantes fizeram o teste sempre com a mão dominante. Foi solicitado três manobras de preensão máxima, sempre com um minuto de descanso entre preensão, utilizando o dinamômetro da marca Jamar®. Os resultados foram apresentados em quilograma-força (Kg/f) com as médias aritmética das três medidas (Mathiowetz et al., 1985).

Sarcopenia

Para avaliar a massa muscular foi utilizada a equação de Lee et al. (2000), validada para população brasileira, que estima massa muscular esquelética apendicular (MMEA), sendo ela:

MMEA =0,2344 x peso + 7,80 x altura + 6,6 x sexo - 0,098 x idade + raça/etnia - 3,3.

Utilizou-se 0 (zero) para homens e 1 (um) para mulheres; -1,2 para asiáticos; 1,4 para negros e 0 (zero) para brancos. Desta maneira os valores foram ajustados pela altura ao quadrado e se estabeleceu o Índice de Massa Muscular Total (MMT/E²). Seguindo recomendações do estudo de Newman et al. (2003), foi utilizado como ponto de corte os valores de 6,37kg/m² para mulheres e 8,90kg/m² para homens (Newman et al., 2003).

Procedimentos

Todos que aceitaram participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os dados foram levantados por equipe multiprofissional composta por nutricionista, psicólogo e fisioterapeuta, devidamente treinados e padronizados para as técnicas de coleta e avaliação, com duração aproximada de duas horas.

Análise de dados

Os dados foram armazenados no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) Versão 24, e foram apresentados por meio de média, desvio padrão, mínimo e máximo.

A relação entre autoperceção de saúde, cognição e capacidade funcional em idosos octogenários foi avaliada a partir dos resultados obtidos pela Análise de Correspondência Múltipla (ACM), que é uma metodologia multivariada para a exploração de dados categóricos, análoga à análise, utilizada principalmente para verificar, de forma gráfica, relações entre categorias de variáveis. Nessa metodologia, as categorias das variáveis estudadas são representadas visualmente pelos mapas perceptuais, e sua correspondência é avaliada de acordo com a proximidade destas categorias (quanto mais próximas, maior a probabilidade de estarem associadas). No presente estudo, utilizou-se, ainda, o método de normalização simétrico, que é aplicado quando há interesse em saber as diferenças ou semelhanças entre as duas variáveis. A ACM permite estudar a relação entre mais do que duas variáveis nominais e representá-las em poucas dimensões. No presente estudo, optou-se por duas dimensões pelo princípio da parcimônia, pois as mesmas explicavam a maior parte da variância em cada análise. A ACM transforma os dados qualitativos associando-lhes quantificações ótimas (scores), as quais permitem não somente a sua representação gráfica, bem como a maior separação entre as categorias. As medidas de discriminação informam sobre as variáveis que mais contribuem para a definição de cada uma das dimensões, sendo estas as mais relevantes em termos de interpretação gráfica.

Na ACM a seleção é realizada, muitas vezes, com base na subjetividade do pesquisador e também no conhecimento teórico acerca do assunto analisado. Procurou-se identificar uma combinação de variáveis e categorias que apresentasse maior estabilidade quando representadas no espaço multidimensional e explicasse o maior percentual de variabilidade do conjunto de dados. Quanto mais próximas duas variáveis no gráfico, mais frequente a sua ocorrência conjunta. O método não permite estabelecer a significância estatística das associações nem avaliar o efeito independente de cada característica, porém combina as vantagens de métodos não lineares e dos multidimensionais (Pestana & Gageiro, 2008).

Foram selecionadas e categorizadas variáveis sociais, econômicas, demográficas e de saúde. A variável SPPB foi categorizada como Bom ou Mal desempenho; a variável FPM foi categorizada como normal ou alterada; a variável MEEM foi categorizada em presença e ausência de risco de demência; a variável autoperceção da saúde foi categorizada em boa e ruim; a variável AIVD foi categorizada como independente e dependente; a variável sarcopenia foi categorizada como presença ou ausência; e a variável “escolaridade foi categorizada em “analfabeto”, “Fundamental I”, “Fundamental II”, “Ensino Médio” e “Ensino superior”, conforme o quadro 1 abaixo:

Quadro 1 Variáveis selecionadas para análise e suas respectivas categorias. 

Legenda: SPPB=Short Physical Performance Battery; FPM=Força de preensão manual; MEEM=Mini exame do estado mental; APS=Autopercepção de saúde; AIVD=Atividades independentes de vida diária; AAVD=Atividades avançadas de vida diária.

Resultados

Observou-se uma prevalência de idosos do sexo feminino, com 73 (70,9%) mulheres e 30 (29,1%) homens. A idade média de todos os participantes foi de 82,7 anos com uma variação discreta entre os gêneros (82,9 anos para os homens e 82,6 anos para as mulheres). Em relação ao índice de massa corporal (IMC), a amostra estudada apresentou valor médio indicativo de sobrepeso (26,6 kg/m2) com variação discreta entre os gêneros (26,8 kg/m2 para os homens e 26,5 kg/m2 para as mulheres). As características de idade, massa corporal, estatura, IMC e escolaridade estão descritas na Quadro 2, separadas por gênero.

Quadro 2 Caracterização dos idosos longevos separados por gênero. 

Legenda: DP - Desvio padrão; min - mínimo; max - máximo; kg - quilograma; cm - centímetros; kg/m2 - quilograma por metro2; IMC -índice de massa corporal.

A maioria dos idosos avaliados (n=65) avaliam sua saúde como BOA, enquanto os demais (n=38) atribuíram a sua percepção de saúde como RUIM.

Na Quadro 3 abaixo está a descrição do número de idosos que apresentaram ou não alterações nos testes funcionais e cognitivos e a percepção de saúde.

Quadro 3 Caracterização dos idosos longevos pela autopercepção de saúde testes funcionais, cognitivos e de humor. 

Legenda: SPPB=Short Physical Performance Battery; FPM=Força de Preensão Manual; MEEM=Mini Exame do Estado Mental; AIVD=Atividades independentes de vida diária; AAVD=Atividades avançadas de vida diária.

Optou-se por duas dimensões uma vez que houve decréscimo dos autovalores a partir da dimensão 2, o que explicam 28,4% e 23,0% da variância. A opção por duas dimensões ocorreu pelo princípio da parcimônia, pois as mesmas explicaram a maior parte da variância em cada análise. A seleção das variáveis para o modelo final foi definida por meio das medidas de discriminação, isto é, aquelas próximas ou superiores aos valores de inércia da dimensão 1 (0,284) e da inércia da dimensão 2 (0,230). A quantificação das categorias das variáveis nas dimensões dos modelos ocorreu por meio de observação dos valores de suas coordenadas de centroides (CC) que permitem a construção da figura por dimensão e pelas cargas positivas e negativas de cada categoria da variável (Quadro 4) (Figura 1).

Quadro 4 Medidas de discriminação das variáveis e coordenadas dos centróides, nas dimensões (1 e 2) segundo as categorias do modelo final. 

*Valores em negrito referem-se às variáveis (e, por conseguintes, categorias) cujas medidas de discriminação foram próximas ou superiores aos valores de inercia da dimensão (0,284 e 0,230). Legenda: SPPB=Short Physical Performance Battery; FPM=Força de Preensão Manual; MEEM=Mini Exame do Estado Mental; AIVD=Atividade Independente de Vida Diária.

Legenda: Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVDi= Independente nas AIVDs; AIVDd= Dependente nas AIVDs); Autopercepção e Saúde (APSru= Autopercepção de saúde ruim; APSboa= Autopercepçãso de saúde boa); FPM= Força de Preensão Manual (FPMn= Força de preensão manual normal; FPMa= Força de preensão manual alterada); MEEM= Mini exame do estado mental (MEEMn= Mini exame do estado mental normal; MEEMa= Mini exame do estado mental alterado); Sarcopênia (SARCs=Sarcopênico; SARCn=Não sarcopênico); SPPB=Short Physical Performance Battery (SPPBbom= Bom desempenho; SPPBru= Ruim desempenho)

Figura 1 Relação entre as categorias das variáveis e formação de conglomerados entre as dimensões 1 e 2. 

Discussão

O principal achado do estudo é que idosos octogenários que apresentaram a autoperceção de saúde (APS) ruim, se associaram com a presença de sarcopenia, MEEM alterado, dependência nas AIVDs e escolaridade baixa, que vão de encontro ao conceito de saúde descrito pela OMS sendo o mais completo bem-estar biopsicossocial-cultural-espiritual, e não simplesmente a ausência de doenças, concordando com Moraes et al. (2010) onde a saúde do idoso está estritamente relacionada com a sua funcionalidade global, definida como a capacidade de gerir a própria vida ou cuidar de si mesmo. O idoso é considerado saudável quando é capaz de realizar suas atividades de forma independente e autônoma, mesmo que tenha doenças.

A presença de sarcopenia se associou com a APS negativa, uma vez que muitos idosos associam o seu bom estado de saúde com a prática de atividades físicas e, consequentemente, apresentam menor probabilidade de desenvolvimento da sarcopenia. No estudo desenvolvido por Paskulin e Vianna (2007) apesar da maioria dos idosos ter referido boa saúde, relataram serem portadores de doenças crônicas (dentre elas a sarcopenia) ou fazer uso de medicação sistemática, o que reforça a ideia de que a APS está mais relacionada às incapacidades desenvolvidas devido à sarcopenia do que a ser portador de uma doença crônica. Em estudo que investigou se a atividade física se associa com qualidade de vida e a APS, observou-se que idosos que os praticantes regulares obtiveram valores mais altos nos oito domínios do SF-36 do que os idosos que não realizavam atividade física, além de apresentarem maior satisfação com a sua saúde (Acree et al., 2006). Observa-se com isso que, tanto a função física quanto a APS são importantes preditores de mortalidade, e um estudo de Korokian et al. (2016) tem demonstrado essa correlação significativa entre o desempenho físico e baixos níveis de APS em idosos.

A dependência nas atividades instrumentais de vida diária é outro fator que leva os idosos a classificarem sua saúde como ruim, corroborando com Silva et al. (2017) que destacou que a APS positiva está intimamente relacionada com a independência funcional, o que favorece a realização das AIVDs. Uma pesquisa buscando identificar se as combinações de doenças crônicas, limitações funcionais e síndromes geriátricas podem predizer má APS mostrou que idosos com ≥68,5 anos, com dificuldade para caminhar várias quadras, sintomas depressivos e má APS, apresentavam pior APS em um período de dois anos. Já os longevos com ≥ 80,5 anos que apresentavam limitações tanto em AAVDs como em AIVDs, apresentavam APS ruim e tinham aumento do risco de morte nos dois anos seguintes (Brenowitz et al., 2014).

Os idosos longevos que apresentaram baixa escolaridade consideraram sua saúde como negativa. Essa correlação tem sido relatada em outros estudos com diferentes nacionalidades. No estudo de Rosa et al. (2003), idosos com nível mais baixo de escolaridade apresentam chance cinco vezes maior de ter dependência moderada/grave. Santos e Cunha (2013) observaram que a baixa escolaridade influencia diretamente no desempenho das AIVDs, e a falta destas tem relação direta em perda de autonomia e isolamento social. Outro estudo, com amostra representativa de 23 países, incluindo indivíduos de 16 a 65 anos, identificou que indivíduos com maior tempo de escolaridade e que apresentavam melhor habilidade cognitiva relatavam melhor APS (Borgonovi & Pokropek, 2016). Por outro lado, o maior número de idosos com baixa escolaridade avaliados em nosso estudo podem estar de acordo com estudos de base populacional (Borges et al., 2008; Chaimowicz, 1997; Verghese et al., 2003), mas podem estar relacionado também com o tipo de população estudada, frequentadores de centros de convivência para idosos de regiões economicamente desfavorecidas, confirmado pelo maior percentual de idosos analfabetos (n=11) e os que frequentaram apenas o ensino fundamental I (n=54). Cabe ressaltar ainda que há 80 anos atrás (ou mais) não existia obrigatoriedade, principalmente das mulheres, de frequentarem as escolas, o que justifica o número de analfabetos e semianalfabetos do nosso estudo.

A condição cognitiva que é a capacidade mental de compreender e resolver os problemas do cotidiano e constituída por um conjunto de funções corticais se associou a APS ruim, e atualmente é das maiores preocupações dos profissionais de saúde no mundo, consideradas como a maior “incapacidade” do idoso. Na amostra total, a APS negativa se associou ao diagnóstico de provável declínio cognitivo e/ou demência. Entretanto, os resultados estão em concordância com diversos estudos na literatura nos quais idosos com estilo de vida sedentária e menor participação em atividades comunitárias/sociais apresentaram maior índice de desenvolver quadros demenciais (Carvalho et al., 2011; Verghese et al., 2003; Wilson et al., 2002). Cabe ressaltar ainda que a utilização apenas de um teste de triagem de demência, limitaram a interpretação dos resultados e outros estudos são necessários para a confirmação da associação entre APS negativa e o declínio cognitivo dos idosos.

A APS neste estudo caracterizou-se de maneira geral como positiva (63,1%) o que é desejável, pois segundo Carvalho et al. (2012) é uma referência global para a qual a pessoa se considera capaz de identificar aspectos da saúde física, cognitiva e emocional. Indivíduos com percepção negativa do estado de saúde têm maior risco de morte, em comparação com as que relatam uma saúde positiva. A APS, portanto, vem sendo utilizada nas pesquisas por ser um forte indicador de mortalidade e declínio funcional e cognitivo (Kalache et al., 1987). Salientamos que os idosos deste estudo participam de grupos de convivência, que oferecem atividades física, atividades culturais, sociais, assistência médica, nutricional e psicológica que contribuem positivamente na saúde e percepção do idoso.

As limitações do estudo estão relacionadas a própria complexidade do conceito de saúde que é multifatorial e que envolvem bem-estar, condições biopsicossociais, culturais e espirituais. No entanto, buscamos rastrear por meio de ferramentas atuais, os diferentes domínios: cognitivo, funcional, presença de doença (sarcopenia) e escolaridade, que envolvem as grandes síndromes geriátricas e suas incapacidades. Além disso, os idosos longevos apresentam mais alterações sensoriais, principalmente cognitivas, auditivas e visuais que podem mascarar os resultados.

As principais implicações clínicas estão relacionadas a importância da realização da avaliação multidimensional do idoso, caso contrário, não será possível visualizar todos os seus problemas e as inter-relações entre eles. A visão fragmentada do idoso é, indiscutivelmente, uma das principais causas de polifarmácia e iatrogenia que tanto os prejudicam. Além disto, os achados nos mostram que há necessidade de intervenções específicas e interdisciplinares que podem ajudar a preservar a independência e autonomia dos idosos longevos.

Nossos achados reforçam a importância de olhar diferenciadamente para os longevos dentro da faixa etária dos idosos, pois apresentam necessidades diferenciadas. Ao mesmo tempo, os resultados desafiam os pesquisadores a buscar soluções para promover a manutenção das AIVDs, visto que tiveram forte influência na autoperceção de saúde e que ser longevo aumenta as chances de ter esse tipo de limitação.

A autoperceção de saúde dos idosos longevos é multifatorial e está relacionada com a presença de alterações funcionais que levam a dependência, baixa escolaridade e alterações cognitivas e presença de doença crônica como a sarcopenia.

Agradecimento

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Referências

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Recebido: 04 de Abril de 2019; Aceito: 08 de Maio de 2020

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