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Psicologia, Saúde & Doenças

Print version ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.19 no.2 Lisboa Aug. 2018

https://doi.org/10.15309/18psd190216 

A morte e o morrer no processo de formação do enfermeiro

Death and dying in the process of nursing education

Antônia Marília Praxedes1, Janieiry Lima de Araújo1, Ellany Gurgel Cosme do Nascimento1

1Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, CEP 59900-000, Pau dos Ferros/RN, Brasil.


 

RESUMO

O objetivo do presente estudo é desvelar os significados da morte e morrer vivenciados por 10 docentes e 22 discentes do Curso de Enfermagem, da Universidade do Estado do Rio grande do Norte. Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, com abordagem qualitativa. Emergiram quatro áreas temáticas desse estudo, sendo elas: Sensações e Sentimentos ao vivenciar o processo de Morte e Morrer; As experiências das práticas do ensino de enfermagem diante da morte e do morrer; A fé e a literatura como apoio encontrado para lidar com as situações de morte e morrer; e A formação de enfermagem e o preparo para vivenciar a morte e o morrer. Verificou-se que os discentes e docentes de enfermagem sentem-se despreparados para vivenciar os processos de morte e morrer no cotidiano de suas práticas de ensino e aprendizagem, evidenciando o pouco preparo que estes obtiveram ao longo de sua formação acadêmica para enfrentarem tais situações enquanto profissionais da área da saúde.

Palavras-chave: morte, atitude frente à morte, estudantes de enfermagem, enfermagem educação em enfermagem


 

ABSTRACT

The objective of this study is to unveil the meanings of death and dying experienced by 10 teachers and 22 students of the Nursing Course of the State University of Rio Grande do Norte. This is a descriptive, exploratory study with a qualitative approach. Four thematic areas of this study emerged, being: Sensations and Feelings when experiencing the process of Death and Dying; The experiences of nursing teaching practices before death and dying; Faith and literature as support found to deal with situations of death and dying; and Nursing training and preparation for experiencing death and dying. Results showed that the students and teachers of nursing feel unprepared to experience the processes of death and to die in the daily life of their teaching and learning practices, evidencing the little preparation that they obtained during their academic formation to face such situations as professionals of the Health area.

Keywords: death, attitude towards death, nursing students, nursing, education in nursing


 

Para a humanidade a experiência com a morte e o morrer é complexa de ser compreendida e aceita. Cada sociedade vê esses eventos de diversos olhares. Tal situação está intimamente ligada ao medo do desconhecido, expressado na concepção da finitude da vida, que traz grande temor e negação. Presente em todas as crenças, valores e culturas, a morte é um dos maiores enigmas que povoa o pensar da humanidade (Ribeiro, 2008).

O significado dado à morte e o morrer sofreu diversas mudanças nas diferentes sociedades. Tais modificações, no modo de encará-la, ocorreram de acordo com cada fase histórica da organização sociocultural humana. O processo morte/morrer não é apenas um acontecimento biológico, mas sim, um fato construído socialmente e historicamente (Menezes, 2004). A morte não é um drama unicamente pessoal, mas de uma comunidade que, súbita ou lentamente, vê um membro deixar de desempenhar um papel social definido. Um dos aspectos mais marcantes da morte é o impacto emocional que ela causa nos sobreviventes (Muniz, 2012).

Os estudos que abrangem a temática existem desde os primórdios da história da humanidade, as especulações sobre a verdade sobre o tema povoam o pensamento humano desde a Idade Média até a contemporaneidade. A morte e o morrer para o homem medieval eram vividos de modo pacífico, uma vez que o individuo se sentia acolhido pela comunidade e pelas crenças religiosas: a morte era um evento corriqueiro e familiar (Ariès, 2003).

Na sociedade moderna, a morte é um evento familiar, o seu entendimento remete a compreensão cultural das crenças de cada grupo social. Ser algo comum não a caracteriza como um acontecimento passivo, pelo contrário, o medo sobre os reais acontecimentos/sentimentos que a cercam fazem com que o homem adquira repulsa em relação à aceitação natural da morte (Menezes, 2004).

Com os avanços das ciências médicas, a morte se tornou um evento previsível e frequente. As repercussões geraram a negação e o isolamento social em torno do evento. O morrer passou a ser controlado pela medicina que busca incansavelmente o seu controle. Aos médicos, e demais profissionais, lhes foram atribuídos à capacidade, mediante os avanços tecnológicos das ciências, de diminuírem as taxas de mortalidade, consequentemente, a responsabilidade pelo prolongamento da vida. A morte deixa de ser um evento corriqueiro, natural, parte da vida existencial, para ser um evento de alteração patológico, advindo, por consequência, do acometimento por doença grave. O momento que marca o fim da vida sai do convívio familiar e sua ocorrência passa a ser compartilhada com terapeutas e cuidadores em ambiente hospitalar (Elias, 2001).

A concepção de morte e do morrer assumida pelos profissionais de saúde quando atuando nos ambientes hospitalares, local comum onde o evento morte ocorre. A necessidade do enfrentamento diante da terminalidade da vida é frequente para aqueles que cuidam dos que sofrem e vivencia o morrer, em especial, os profissionais da enfermagem, responsáveis direto pelo cuidado dos pacientes (Salomé, Cavali, & Espósito, 2009).

O cuidado de enfermagem não se constitui numa tarefa simples, a vivência com os processos de adoecimento e morte das pessoas, implica a necessidade de uma preparação teórica e prática baseada na aquisição de competências e habilidades que tornem os profissionais aptos a prestar um cuidado humanizado desde a concepção humana, o nascimento, o viver, o morrer e no pós-morte (Oliveira & Amorim, 2008).

Deste modo discutir a formação dos profissionais enfermeiros, diante do cuidado com o processo morrer e a morte em si, é garantir ao indivíduo seus direitos de cidadania e dignidade. Para que a assistência prestada seja de qualidade e humanizada é necessário instrumentalizar os estudantes, ainda em processo de formação, para lidar com o morrer, o que, por consequência, amenizaria os anseios e as dificuldades para prestar os cuidados de enfermagem e o preparo para a morte diante da efetivação das políticas de saúde que tratam diretamente do tema no Brasil (Ribeiro, 2008).

Diante do exposto, esta pesquisa teve como objetivo conhecer as concepções dos docentes e discentes sobre a formação do enfermeiro em se tratando do cuidado de enfermagem diante da morte e do morrer.

MÉTODO

Estudo exploratório, com abordagem qualitativa, desenvolvida no município de Pau dos Ferros/RN, localizado no Estado do Rio Grande do Norte, na Região Nordeste do Brasil. Situa-se na microrregião homônima e mesorregião do Alto Oeste Potiguar, há 410 quilômetros a oeste da capital do Estado, Natal (IDEMA, 2011). O local de estudo foi a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), especificamente, o Campus Avançado Profª. Maria Elisa de Albuquerque Maia (CAMEAM) situado nesta cidade.

Participantes

A amostra é constituída por 32 sujeitos pertencentes a 2 grupos:

Grupo 1: Docentes do curso de enfermagem CAMEAM/UERN.

Grupo 2: Discentes do curso de enfermagem CAMEAM/UERN.

Como critério de inclusão - Grupo 1: (1) Ser membro do quadro docente do Curso de Enfermagem. (2) Ter ministrado ou Estar ministrando as disciplinas “Estágio Curricular Supervisionado I, II, III e IV” desde a criação do Curso. Como critério de exclusão - Grupo 1: (1) Está afastado da função docente por qualquer motivo.

Ao final do refinamento da amostra pelos critérios inclusivos e exclusivos, estavam aptos para a realização da coleta de dados, 10 docentes.

Como critério de inclusão - Grupo 2: (1) Ser discente regularmente matriculado no Curso de Enfermagem do CAMEAM/UERN; (2) Estar matriculado nas disciplinas “Estágio Curricular Supervisionado III e IV”. Como critérios de exclusão - Grupo 2: (1) Alunos afastados das atividades acadêmicas devido atestado médico ou de outra natureza por ocasião da coleta de dados; (2) Impossibilidade de responder a entrevista em consequência de alguma doença temporária; (3) Alunos em processo de trancamento, movimentação interna ou abandono do curso.

Ao final do refinamento da amostra, pelos critérios inclusivos e exclusivos, estavam aptos para a realização da coleta de dados, 22 discentes.

Material

A entrevista individual foi o instrumento de coleta de dados utilizado. Para cada grupo um roteiro semiestruturado fora organizado para o melhor alcance dos objetivos da pesquisa.

Os questionamentos aos participantes giraram em torno dos seguintes pontos: os sentimentos envolvidos em lidar com a morte de pessoa próxima; as concepções e sensações sobre o processo de morte e morrer; o preparo para vivenciar a morte e o morrer; como a temática está sendo abordada no curso de graduação em enfermagem (processo ensino/aprendizagem); o preparo dos acadêmicos de enfermagem para o cuidar ao presenciar a morte/morrer e como os docentes reagem ao vivenciar o processo de morte-morrer.

Procedimento

A entrevista individual foi o instrumento de coleta de dados utilizado. Os questionamentos aos participantes giraram em torno dos seguintes pontos: sentimentos envolvidos em lidar com a morte de pessoa próxima; concepções e sensações sobre o processo de morte e morrer; preparo para vivenciar a morte e o morrer; como a temática está sendo abordada no curso de graduação em enfermagem (processo ensino/aprendizagem); preparo dos acadêmicos de enfermagem para o cuidar ao presenciar a morte/morrer e como os docentes reagem ao vivenciar o processo de morte-morrer.

A realização das entrevistas seguiu as fases: agendamento individual da entrevista com cada participante. O convite foi através de contato telefônico ou E-mail. No dia agendado pelo participante realizou-se a explicação dos objetivos, metodologia, riscos e benefícios da pesquisa. O local da gravação foi escolhido pelo sujeito. Este local seguro e confortável e possibilitou que a entrevista não fosse interrompida e, que somente o pesquisador e o entrevistado estivessem presentes.

Após o esclarecimento sobre o estudo, o participante assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE, atestando a participação voluntária do discente ou docente. Seguiu-se, assim a gravação das entrevistas com auxilio de minigravador digital.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da UERN, que avaliou sua adequação as normas brasileiras que regulamentam as pesquisas com seres humanos. O parecer consubstanciado foi emitido em 25 de Janeiro de 2013, sob o CAAE (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética) nº 10807112.7.0000.5294. Portanto, o estudo está em conformidade com a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

Análise de dados

A análise dos dados transcorreu através da “Análise Temática”, proposta por Minayo. Esta se processou de acordo com as quatro seguintes etapas: (1) Pré-análise; (2) Exploração do Material; (3) Tratamento dos Resultados e (4) Interpretação (Minayo, 2007).

Os resultados compilados dos depoimentos colhidos, sequencialmente à análise dos dados, fizeram surgir os seguintes temas de análise: 1) Sensações e Sentimentos ao vivenciar o processo de Morte e Morrer; 2) As experiências das práticas do ensino de enfermagem diante da morte e do morrer; 3) A fé e a literatura como apoio encontrado para lidar com as situações de morte e morrer e 4) A formação de enfermagem e o preparo para vivenciar a morte e o morrer.

RESULTADOS

Os discentes encontravam-se 68% (15) entre 20 à 25 anos e 32%(7) entre 25 à 35 anos. Os docentes estavam graduados há entre 4 a 9 anos 70% (7) e 30% (3) entre 10 a 17 anos. Com relação ao tempo de atuação como docente 50%(5) menos de 05 anos e 50% (5) entre 5 a 7 anos.

As concepções sobre a morte e o morrer dos discentes e docentes de Enfermagem, nos possibilitou melhor conhecer/entender o processo de formação do enfermeiro para lidar com a morte e o morrer.

Sensações e Sentimentos ao vivenciar o processo de Morte e Morrer

Dispõe sobre as sensações e sentimentos que vivenciaram ao enfrentar situações de morte e morrer ao longo das suas vidas. Aproximadamente em sua totalidade, observou-se que tais eventos são acompanhados por grande tristeza e perda. A morte e o morrer são vistos como situações carregadas de negatividade e revolta. Em geral, as pessoas não aceitam a morte o morrer.

Dos 10 docentes, 07 já passaram por situações de morte e morrer em suas vidas, vivenciadas com sentimentos de tristeza e negativismo. Para os discentes, as sensações e sentimentos se assemelham, dos 22 discentes 21 deles assumem que vivenciaram a morte e morrer em suas vidas.

De extrema tristeza, em primeiro momento, e de revolta pela questão da morte mesmo, aquele momento de negação (não, não acredito) e depois foi mais aquela revolta pela questão social. (DOCENTE A)

A minha principal sensação, além da pena, foi à sensação de não poder fazer nada, vê que quem esta ao seu redor vai sofrer, principalmente quem morava com essa pessoa que faleceu, vai sofrer tanto e você não pode fazer nada, sensação de impotência. (DOCENTE C).

[...] eu nunca me acostumo com o fato da terminalidade da vida. Eu sempre sinto o baque, e eu sempre me permito elaborar meu luto, na proporção e tempo certo do que deve ser. (DOCENTE J)

Tristeza, a falta de um apoio né, que nunca ninguém chegou pra mim e tentou me confortar. Eu sempre aguento a dor só, calado, então é um problema difícil [...] É uma angustia forte. (DISCENTE B).

[...] é uma sensação de impotência, é uma sensação de culpa mesmo, você acha que realmente você poderia ter feito alguma coisa quando você não pode e você quer entender. (DISCENTE D).

Tristeza, impotência [...] você vendo uma pessoa assim e você não poder fazer nada, eu me lembro de que eu chorei muito, demais. (DISCENTE E).

Angústia é o que se sente e, tipo quando você tenta imaginar que aquela pessoa não vai mais estar presente e principalmente quando a pessoa tem certo vínculo com você e você acaba se angustiando porque você vai ficar sem o convívio, sem aquilo que você tinha dela. É mesmo a questão da angústia e mais nada (DISCENTE F).

Primeiro a pessoa não aceita e depois você fica com aquela sensação de que poderia ter feito mais, assim, que poderia ter passado mais tempo com aquela pessoa, que você poderia ter dito mais alguma coisa, que você poderia ter convivido mais com ela. Aí você sente aquela sensação de tristeza, de não poder mais, de tomar certas atitudes que você queria ter, mas que não deu tempo.( DISCENTE T)

[...] quando você tem a sua primeira perca você fica triste e você às vezes pensa assim: será que se eu tivesse cuidado mais desse paciente ele tinha chegado à óbito? Será que realmente eu fiz tudo que tinha de ser feito praquele paciente? Será que eu negligenciei algum sintoma, algum sinal que ele tinha que eu não percebi que poderia ter me ajudado no diagnóstico mais preciso, um tratamento mais preciso? (DISCENTE L).

As experiências das práticas do ensino de enfermagem diante da morte e do morrer

Enfatiza as práticas de ensino de enfermagem diante da morte e do morrer, vivenciadas pelos docentes, e ainda, como os discentes tem encarado esses aprendizados durante sua formação. Informações captadas a partir da indagação: “Descreva o que tem sido para você vivenciar a morte e o morrer em sua prática docente?”. Os seguintes relatos surgiram:

Na minha prática eu vi poucas pessoas morrerem, vivenciar o processo de morrer eu vivenciei de duas apenas. Uma na minha época que ainda não era de formação era de estágio, que eu fiquei totalmente revoltada pelo descaso dos profissionais de saúde com o paciente [...]. E a segunda morte aconteceu agora, eu estava acompanhando uns alunos no estágio de Semiologia e Semiotécnica, e que eu vivenciei a mesma coisa, o mesmo sentimento de descaso, o médico não quis fazer o atendimento de emergência, o ambu não estava pronto, não tem carrinho de emergência, não tem medicação de emergência. (DOCENTE A).

No inicio quando eu comecei a trabalhar no hospital que onde se presencia mais, eu tive mais dificuldade. [...] Hoje em algumas situações eu já encaro com uma naturalidade maior. (DOCENTE E).

É algo que me incomoda. Se eu for contar para você a minha trajetória sobre o processo de morrer eu diria que na graduação, eu diria que eu me dava melhor com meus sentimentos em relação a esse processo. (DOCENTE G).

A gente vai vivenciando, amadurecendo. Existem situações que você fica sem saber o que fazer. (DOCENTE H)

Os discentes externaram suas percepções de maneira semelhantes as do grupo anterior, ficando evidente o sentimento de insatisfação com o cuidado de saúde prestado e impotência com o descaso com a vida humana. A morte não recebe um cuidado de saúde com dignidade e qualidade. Tais afirmações podem ser comprovadas nas falas a seguir:

[...] a sensação foi assim, uma perda estranha porque eu estava sentido que o paciente estava parado, estava preocupado, nervoso e ao mesmo tempo eu via alguns profissionais que não estavam nem aí, muito na rotina, conversando até sobre outros assuntos normais de economia, festas, compra de algum objeto. (DISCENTE A).

[...] só nesse estágio, que a gente está tendo agora, aqui no hospital eu presenciei dez falências. [...] todas foram muito importantes, porque eu vejo cada paciente aqui, se ele precisa da minha ajuda e eu vejo como se fosse eu naquela cama e tento dar o máximo de mim, mesmo não sendo bom em tudo, mas eu tento dar o máximo. (DISCENTE B).

[...] Achei que demorou o atendimento, o médico demorou a chegar, vieram chamar o médico aqui na urgência, aí eu fiquei na respiração com o ambu e o pessoal lá nas massagens, nas medicações, mas eu fiquei assim aérea, sem iniciativa. (DISCENTE E).

Nesse estágio eu não vivi menos de 20 óbitos não, [...] Eu senti apenas dó da pessoa desencarnando-se, mas ao mesmo tempo em que eu via a situação, o quadro clinico ao qual se encontrava o paciente, eu via como alivio também. (DISCENTE F).

É frustrante. [...] eu ajudei a empacotar e, é algo assim, que você fica inconfortável, a maneira que eles tratam o corpo como se fosse um saco de batatas. (DISCENTE J).

A fé e a literatura como apoio para lidar com as situações de morte e morrer

Embasado no questionamento de como tem buscado preparo para lidar com as situações de morte e o morrer de pacientes no cotidiano de suas práticas, como eles tem conseguido tal preparo.

O que foi percebido vem de concepções religiosas e de literaturas que abordam essas temáticas, Existem ainda, aqueles que acreditam que o preparo para lidar com a morte e o morrer, não vem de literaturas, mas que este, na realidade é singular de cada um, e varia de acordo com o modo de cada viver a vida. Como pode ser comprovado pelas falas a seguir:

Na verdade eu acho que esse preparo não vem de referencial bibliográfico. [...] na verdade eu acho que é muito a concepção que eu tenho de vida, o que eu acho da vida, o que eu acho da minha religião e do meu deus. (DOCENTE B).

Na verdade eu nunca parei para pensar nisso, mas eu sou católico fervoroso, muita fé em Deus e ai parte muito dessa espiritualidade, essa mudança, esse embate. (DOCENTE 3).

[...] a rotina do serviço foi quem me deu esse preparo, conversando com outros colegas a gente fala mais nessa situação. Confesso que algumas vezes pedir forças a Deus, uma ajuda para que possa passar por essas situações. (DOCENTE C).

Eu tenho uma formação católica desde sempre e a religião ajuda muito nisso, a fé ajuda muito nisso. E eu já li bastante a questão de como encarar a morte, eu já li sobre tanatologia. (DOCENTE D).

[...] acho que Deus dá conformidade naquela hora e dá os ensinamentos pra você seguir os passos o que tem que ser feito na hora. (DISCENTE A).

Esse preparo eu acho que é das minhas vivências em várias culturas diferentes, e minha vivência pessoal, minha criação. (DISCENTE C).

Eu acho na fé. [...] Acho que a fé é o principal. (DISCENTE D).

Me revoltei contra o ser humano, me revoltei contra Deus, contra aquela situação que eu não aceitava. (DISCENTE K).

Digamos que na bíblia, conceitos espirituais porque as pessoas sempre se mantêm convictas em alguma fé, sejam ateus ou católicas, seja como for, então eu acredito que ou Deus, ou santo, ou algum ser pode protegê-las, consolá-las e lidar com a situação. (DISCENTE F).

A Formação em Enfermagem e o preparo recebido para vivenciar a morte e o morrer

A contribuição da formação para lidar com a morte e o morrer, e o preparo dado por ela para enfrentar essas situações. Onde ficam evidenciados a insatisfação com o modo da temática morte é abordado na graduação. Fato que ficou evidenciado a partir desse questionamento: Você considera que a sua formação lhe deu preparo suficiente para lidar com a morte? De que forma?

[...] eu sempre percebi que a nossa formação ela é muito a quem daquilo que espera por a gente no serviço. [...] são pontuais, é uma aula de tanatologia aqui, é uma aula de humanização na assistência ali, é uma aula de espiritualidade aqui, mas não existe realmente uma formação de como você lidar com isso e também não sei como seria abordar isso dentro da enfermagem. [...] Mas passou longe de dizer que tive uma boa formação para lidar com a morte. (DOCENTE A).

A gente participou de uma oficina da discussão sobre morte. Lembro que foi feito até uma dinâmica para a gente entender a morte, a perda da família, a gente fez a técnica de cobrir o corpo, mas ela fez também a gente entender o que era a perda, ela fez entender o que era a perda de um ente nosso, quais os sentimentos quando a gente perde, sofrimento, saudade, dificuldade de aceitar. (DOCENTE C).

Nenhum! Foi abordada em uma disciplina que tinha o nome patologia geral morte, mas o aspecto fisiológico, fisiopatológico. (DOCENTE D).

Não. Eu acho que o processo de morrer não tem um período específico para ser trabalhado. Essa discussão ela precisa esta permeada em todas as disciplinas ou na maioria delas. (DOCENTE G).

No meu caso o preparo pra lidar com a morte foi acontecendo, eu nunca tive uma disciplina especifica sobre a morte. A prática me ensinou. Minha formação não deu preparo emocional e científico sobre isso não. (DOCENTE I).

A insatisfação com o modo com a qual a graduação aborda as temáticas morte e morrer propaga-se também para os discentes de enfermagem, que afirmam que se sentem despreparados para vivenciar tais eventos no cotidiano de suas práticas.

Os depoimentos dos discentes referem que a temática foi abordado em momentos de algumas disciplinas, mas que consideram as abordagens utilizadas na graduação insuficiente.

No processo de morte/morrer na minha formação teve alguns enfoques só, em algumas aulas sobre isso. (DISCENTE A).

[...] na faculdade a gente ver um lado humanizado muito forte, porém não explicam a psicologia e os tipos de reações, e os tipos de personalidade que a gente vai enfrentar aqui, falam uma coisa muito superficial. (DISCENTE C).

De jeito nenhum. Nós tivemos até certo treinamento, teve orientação de como lidar com a pessoa que morreu. Como é que prepara o corpo, como é que a gente deve fazer os procedimentos extremamente técnicos. (DISCENTE H).

Não! Assim, a universidade ela discute um pouco morte e o processo de morrer, a discussão é muito pouca, é muito incipiente. (DISCENTE J).

DISCUSSÃO

Ficam evidenciados nas falas dos entrevistados, tanto docentes, quanto discentes, que as sensações e os sentimentos que envolvem o processo de morte e morrer, são muitos negativos, tomados de muita tristeza, revolta, impotência e medo. Ademias, enfatiza-se que, mesmo com a postura defensiva, a negação e o distanciamento no que envolve as questões de morte e morrer, estes não conseguem banir os mais variados sentimento de pesar e reações humanas neste momento. O processo de morte e morrer são negados e a tratam como algo subsistente, como consequências se defrontam com os piores sentimentos ao vivenciar tais processos (Carvalho et al., 2006).

Apesar de a morte subsistir desde o princípio da humanidade, o processo morte e morrer tem sido motivo de aflição, agonia e desespero, já que mostra o quão susceptível, vulnerável e tênue é o estar vivo, ou seja, ser mortal, finito. É um processo simplesmente natural, universal e inevitável, mas mesmo assim o ser humano não suporta imaginar, pensar ou discutir sobre sua própria morte e acaba projetando-a no outro, tendo em vista a impossibilidade de conceber o mundo sem sua presença (Carvalho et al., 2006).

A revolta, o não aceitar, se faz presente em inúmeras falas, como sentimento predominante quando se vivencia o processo de morte e morrer. É perceptível a demonstração de sentimentos obscuros e de indignação, sobressaindo os sentimentos de angústia, tristeza, medo e impotência.

Enfrentar a morte/morrer é sempre uma tarefa difícil e angustiante para quem a vivencia, podendo ser mais ainda para quem a observa, pois a morte provoca rupturas profundas entre quem morreu e em quem continua vivendo. Por isso é necessário ajustes no modo de entender, perceber e de viver no mundo (Carvalho et al., 2006).

Deve-se pensar, discutir, dialogar sobre a morte e morrer, antes que, tenha se que defrontar com ela na vida. Se não for feito dessa maneira, irá lembrar-se brutalmente da própria finitude quando encarar estas situações (Kubler-Ross, 1987).

O discente de enfermagem é colocado diante de sua finitude, quando morre um paciente que estava sobre seus cuidados, o que pode causar sentimentos de estranheza e impotência, além disso, pode ser alvo da revolta dos familiares que perderam o ente querido, resultando em sentimentos de culpa e questionamentos relacionados aos cuidados prestados por ele (Silva & Silva, 2007).

Apesar de se tratarem de profissionais de enfermagem, de docentes e discentes de enfermagem, pessoas essas que estarão vivenciando e que já vivenciaram situações de morte o morrer de pacientes na rotina de suas práticas, para eles a morte/morrer ainda é um acontecimento desconfortável. É perceptível que eles não conseguem pensar, refletir, encarar a morte e o morrer de uma forma menos traumática, embora tenham a consciência que se trata de algo comum e natural, com qual deverão se acostumar devido às especificidades da enfermagem.

A sensação de impotência que surge decorrente de sua própria formação, ou seja, foram preparados para manter e recuperar a vida. Ao perceberem que estão perdendo o controle sobre a vida dos pacientes e que não conseguem preservá-la, sentem-se deprimidos e impotentes (Spíndola & Macedo, 1994).

Cada vez mais, estudos sobre morte/morrer comprovam que a justificativa do despreparo em lidar com tal fenômeno é conferida muitas vezes à formação acadêmica, e salientam ainda que a graduação continua a não preparar os profissionais para vivenciarem o processo de morte e morrer (Lunardi Filho et al, 2001).

Os profissionais de saúde passam por momentos de questionamento sobre a sua finalidade profissional (prática voltada para vida e recusa da morte), como visto nos depoimentos dos sujeitos dessa pesquisa, estes por sua vez manifestam sentimentos de insegurança, incapacidade, constrangimento, angústia, sofrimento, dor, culpa e procuram alguma falha nos procedimentos que a justifique (Oba, Tavares, & Oliveira, 2002).

A busca pelo preparo para lidarem com as situações de morte e morrer, não são efetivas na formação acadêmica, o apoio encontrado na religião, na fé e em Deus, como modo de auxílio para lidar com esses momentos. Deixam de lado o ser profissional de saúde e externam seu lado humano, aflorando suas concepções religiosas e culturais, no cuidado com a morte, expressam o desejo por uma intercessão divina.

O preparo na graduação nos cursos da saúde em especial os de enfermagem, é pautado em procedimentos extremamente técnicos. Onde a reflexão por parte dos alunos em relação à morte/morrer não são instigados e encorajados na academia. Tais afirmações mostram, o quão necessário é as escolas de enfermagem iniciarem o processo de mudança na preparação de praticantes apenas tecnicamente competentes, para profissionais que sejam capazes de lidar com seus próprios sentimentos e usá-los de modo deliberado e humanamente sofisticados (Bernieri & Hirdes, 2007).

O estudante de enfermagem ainda está sendo preparado com maior ênfase para lidar com a vida no que tange aos aspectos técnicos e práticos da função profissional. Há pouca ênfase em questões emocionais e na instrumentalização para o duelo constante entre a vida e a morte, no qual, muitas vezes, deve prestar assistência à pessoa para que tenha uma morte digna (Oba et al., 2002).

Percebe-se que o profissional de enfermagem desde a sua graduação, reconhece a dificuldade de lidar com a morte e o morrer no cotidiano de suas práticas, assim como, reconhecem a necessidade da academia abordar de maneira mais integral conteúdos que possibilitem uma maior reflexão acerca da temática e que viabilizem uma melhor maneira de lidar positivamente com essa questão. Como bem coloca Rinpoche (2004) o conhecimento sobre a morte, ajudar aos que estão morrendo e a natureza espiritual deste processo devem estar à disposição da sociedade. Devendo ser ensinados com profundidade nas escolas, faculdades e universidades, e especialmente, nas clínicas e hospitais-escola para médicos e enfermeiros (RINPOCHE, 2014)

Evidenciou que os docentes e discentes de enfermagem enfrentam dificuldades em vivenciar a morte e o morrer no cotidiano de suas práticas de cuidado, não se sentem preparados para vivenciar a morte e o morrer de seus pacientes e em sua vida cotidiana. Ao mesmo tempo observam-se poucos meios e instrumentos utilizados na graduação que abordem o tema difícil de ser discutida. Depoimentos intensos, repletos de emoção. Ao serem indagados sobre perdas de pessoas de seu convívio familiar e, até mesmo de pacientes, em suas práticas de ensino e/ou estágio. Sendo necessário por muitas vezes parar a entrevista para poder o entrevistado se recompor e continuarmos. Fato esse que ocorreu com grande parte dos entrevistados. As pessoas quando falam de assuntos que envolvem as sensações advindas da morte e do morrer do outro, seja no seu âmbito profissional ou familiar, estas são tomadas de grande sensibilidade.

Faz-se necessário, portanto, que a graduação em enfermagem seja o ponto de apoio que os estudantes necessitam para enfrentar com maior naturalidade as questões que envolvem a morte e o morrer. Para que estes se sintam preparados para lidar com o paciente na vida, assim como em sua morte, garantindo um cuidado de enfermagem qualificado.

Percebe-se a necessidade de incluir na grade curricular disciplinas que abordem com maior ênfase e mais diretamente as temáticas morte e morrer. Além de criação de grupos de extensão para abordar tais assuntos através de seminários. Para contribuir com o desenvolvimento de habilidades e competências para uma assistência além da técnica, mais humana e coletiva. Que se estenda o cuidado de enfermagem na morte aos familiares.

 

REFERÊNCIAS

Ariès, P. (2003). História da Morte no Ocidente: da Idade Media aos nossos dias. (Ediouro, Ed.) (1st ed.). Rio de Janeiro.

Bernieri, J., & Hirdes, A. (2007). O preparo dos acadêmicos de enfermagem brasileiros para vivenciarem o processo morte-morrer. Texto & Contexto - Enfermagem, 16(1), 89-96. doi: 10.1590/S0104-07072007000100011        [ Links ]

Carvalho, L. S., Oliveira, M. A. da S., Portela, S. C., Silva, C. A. da, Oliveira, A. C. P. de, & Camargo, C. L. de. (2006). A morte e o morrer no cotidiano de estudantes de enfermagem. Revista Enfermagem UERJ, 14(4), 551-557. Retrieved from http://bases.bireme.br/cgi-bin/wxislind.exe/iah/online/?IsisScript=iah/iah.xis&src=google&base=BDENF&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=14479&indexSearch=ID        [ Links ]

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Recebido em 25 de Janeiro de 2016/ Aceite em 23 de Outubro de 2018

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