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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.18 no.3 Lisboa dez. 2017

https://doi.org/10.15309/17psd180311 

Representações sociais do vitiligo elaboradas por Brasileiros marcados pelo branco

Social representations of vitiligo elaborated by Brazilians imprinted by the white

Emerson Araújo Do Bú1, Maria Edna Silva de Alexandre 1, & Maria da Penha de Lima Coutinho1

 

1 Programa de Pós-graduação em Psicologia Social. Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa- Paraíba, Brasil(dobuemerson@gmail.com) (edna_silva20@hotmail.com) (mplcoutinho@gmail.com)

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

Objetiva-se com o presente estudo apreender as Representações Sociais (RS) do Vitiligo elaboradas por pessoas que possuem tal afecção. Trata-se de um estudo misto, quantitativo e qualitativo, do tipo descritivo e exploratório, ancorado no aporte teórico da Teoria das Representações Sociais. Participaram da pesquisa 196 brasileiros com idades de 18 a 70 anos (M=38,85; DP=12,53), prevalentemente do sexo feminino (70,02%), membros de grupos do Facebook relacionados à temática do Vitiligo. Utilizou-se como instrumento de coleta de dados um questionário online com a pergunta: “Para você, o que é Vitiligo?”. Além desta, obteve-se informações referentes aos dados sóciodemográficos dos participantes que foram processados pelo software Statistical Package for Social Science for Windows – IBM SPSS; enquanto que, para a análise dos dados coletados por meio da referida pergunta, utilizou-se o software IRAMUTEQ, a fim de alcançar o(s) esquema(s) figurativo(s) das RS das pessoas com Vitiligo acerca da sua afecção, por meio da Classificação Hierárquica Descendente (CHD) e Análise de Similitude. A CHD considerou 74,49% do total das Unidades de Contexto Elementares do corpus denominado “Dimensões de compreensão do Vitiligo”. Deste, deu-se origem a dois subcorpora, os quais aglutinaram-se as Classes 1, 2 e 3, denominadas respectivamente de Aspectos biomédicos do Vitiligo, Aspectos psicodermatológicos do Vitiligo e Aspectos biológicos do Vitiligo. Em linhas gerais, percebe-se que os dados apresentam enfoques multifacetados de compreensão do Vitiligo, em que o conteúdo emergido por meio da fala dos atores sociais ancora o entendimento da afecção a um saber de ordem ora apenas dermatológico/biomédico, ora psicodermatológico.

Palavras-chave: vitiligo, representações sociais, IRAMUTEQ

 

ABSTRACT

This study aimed to understand the Social Representations (SR) of Vitiligo elaborated by people who have such affection. It is a quantitative and qualitative study, with the descriptive and exploratory type, anchored in the Theory of Social Representations. A total of 196 Brazilians aged 18 to 70 years (M = 38.85; SD = 12.53), with a prevalence of 70.02% female, members of Facebook groups related to the Vitiligo theme, participated in this study. An online questionnaire with the question: "For you, what is Vitiligo?", was used as an instrument of data collection. In addition to this, it was obtained information regarding the sociodemographic data on the participants that were processed by the software Statistical Package for Social Science for Windows - IBM SPSS; while the IRAMUTEQ software was used to analyze the data collected by the question aforementioned, in order to reach the SR of people with Vitiligo about their condition, using the Descending Hierarchical Classification (DHC) and Similitude Analysis. The DHC considered 74.49% of the total of the Elementary Context Units of the corpus called "Understanding Dimensions of Vitiligo". From this, two subcorpora were originated, and Classes 1, 2 and 3, named respectively Biomedical Aspects of Vitiligo, Psychodermatological Aspects of Vitiligo and Biological Aspects of Vitiligo, were combined. In general, it is noticed that the data present multifaceted approaches to understanding Vitiligo, in which the content emerged through the speech of the social actors anchors the understanding of the affection to a knowledge sometimes only dermatological/biomedical, sometimes psychodermatological.

Keywords: vitiligo, social representations, IRAMUTEQ

 

O Vitiligo constitui-se como uma afecção de etiologia complexa, caracterizando-se por provocar a perda de pigmentação da pele, com formação de acromias, oriundas da redução e/ou perda de função dos melanócitos (Rani et al., 2017). Muito embora o uso do termo para referir-se à ausência de coloração apenas tenha aparecido no primeiro século de nossa era, com a publicação do tratado De medicina (Sobre a medicina), escrito por Aurelius Cornelius Celsius (45 a.C - 25 d.C), sua descrição pode ser encontrada em textos médicos clássicos do segundo milênio antes de Cristo, assim como em livros sagrados de diversas culturas (Donata, Kesavan, & Austin, 1990; Gauthier & Benzekri, 2010; Njoo & Westerhof, 1997; Panda, 2005).

Nesse sentido, a partir de caracterizações de sintomas da afecção, encontram-se expressões que se remetem ao que hoje entende-se por Vitiligo (Gauthier & Benzekri, 2010). A primeira menção acerca desta reporta-se, mais especificadamente, a 2.200 anos a.C, em que, de acordo com a literatura do Irã, Tarkh-e-Tibble referiria-se a dois tipos de doenças que afetavam a cor da pele. Uma estaria associada ao aparecimento de manchas brancas e inchaços e a orientação terapêutica indicada relacionava-se ao abandono do indivíduo, enquanto que a outra manifestaria-se apenas com a mudança de cor da pele para o branco, o que alude às acromias que o Vitiligo provoca (Najamabadi, 1934).

Destacam-se também as expressões Kilasa, Sveta Khista e Charak, presentes no livro sagrado indiano Atharva Veda (1400 a.C), em que a palavra Kilasa, derivada do vocábulo kil, significaria branco; o termo Sveta Khista, também referia-se à cor branca, não obstante, desta vez, associava-se à afecção lepra, sendo traduzido assim como “lepra branca”; e, finalmente, a expressão Charak, comumente usada pelos aldeões da época, tinha o sentido semântico daquilo que se espalha, remetendo-se ao processo de progressão do Vitiligo (Donata, Kesavan, & Austin, 1990; Njoo & Westerhof, 1997; Prasad & Bhatnagar, 2003).

Já em 1960, estudos realizados por dermatologistas dos Estados Unidos com intuito de averiguar a nomenclatura Zora'at apresentada na Bíblia, utilizada para mencionar doenças que acometiam a pele, identificaram que a definição dada em alguns momentos para a doença lepra parece aproximar-se da caracterização médica do Vitiligo, como por exemplo, a presença de pelos brancos nas regiões de pele atingidas pela afecção (Goldman, Richard, & Moraites, 1966; Müller, 2005; Panda, 2005; Prasad & Bhatnagar, 2003). No capítulo 10 de Levíticos, versículo 34, por exemplo, as manchas brancas também são consideradas como um castigo de Deus de modo que: "(...) qualquer pessoa com este tipo de afecção de pele deve usar roupas rasgadas e ter o cabelo desgrenhado, deve ser chamado de impuro. Até que a doença persista, ele deve ser considerado praticamente imundo e viver sozinho fora do acampamento”.

Frente ao panorama histórico apresentado, percebe-se que, mesmo que o Vitiligo tenha sido reconhecido desde a antiguidade, este fora de maneira frequente e equivocada confundido com a lepra (Donata et al., 1990; Goldman et al., 1966; Müller, 2005; Njoo & Westerhof, 1997; Panda, 2005; Prasad & Bhatnagar, 2003), o que pode justificar o número ainda incipiente de estudos sobre a temática e, principalmente, o estigma/preconceito que as pessoas com Vitiligo sofrem no meio social.

O estigma, o preconceito, assim como a discriminação frente a pessoas com Vitiligo foram objeto de estudo de pesquisas desenvolvidas por Kent (1999); Sant'Anna, Giovanetti, Castanho, Bazhuni e La Selva (2003); Müller e Ramos (2004); Müller (2005); Lopes (2007); Menezes, López e Delvan (2010); Oliveira, Silveira, Oliveira e Nery (2012); Pahwa, Mehta, Khaitan, Sharma e Ramam (2013); e Do Bú, Alexandre, Scardua e Araújo (2017), mostrando que implicações negativas da afecção, além das dificuldades de estabelecer relações na dinâmica social, colocam-se no cotidiano dos indivíduos que a possuem. Dessa forma, “é possível sugerir que, mais do que uma doença de cunho eminentemente biológico, o Vitiligo agrega aspectos psicológicos e sociais, constituindo-se como uma doença psicossocial” (Do Bú et al., 2017, p. 7).

Em relação às manifestações dermatológicas, sabe-se que o Vitiligo pode se apresentar de forma localizada, segmentar ou generalizada/universal e seu diagnóstico ocorre por meio de exames clínicos ou de biópsias (Bonotis, Pantelis, Karaoulanis, Katsimaglis, Papaliaga, & Zafiriou, 2015; Issa, 2003; Sampaio & Rivitti, 1998; Steiner, Bedin, Moraes, Villas, & Steiner, 2004). As máculas esbranquiçadas manifestam-se em ambos os sexos, sem uma faixa-etária específica, tendo um caráter evolutivo instável (Bonotis et al., 2015).

No que se refere à etiologia do Vitiligo, observa-se que diversos fatores podem estar relacionados ao seu surgimento e progressão, podendo ser estes biológicos e/ou psicológicos. Dentre eles destacam-se: a presença de autoanticorpos que destruiriam os melanócitos; defeitos intrínsecos e extrínsecos dos próprios melanócitos; assim como, fatores de cunho emocional, como estresse e ansiedade e/ou predisposição genética (Antelo, Filgueira, & Cunha, 2008; Correia & Borloti, 2012; Do Bú & Coutinho, 2017; Rosa & Natali, 2009; Silva, Castoldi, & Kijner, 2011; Steiner et al., 2004). Assim, afirma-se que a causa do Vitiligo é complexa e ainda não consensual (Picardo & Taïeb, 2010), apresentando em pesquisas desenvolvidas uma média de ocorrência na população mundial que varia de 0,5 a 2% (Lerner & Nordlund, 1978; Rani et al., 2017; Taieb, 2000).

Por conseguinte, esse conjunto de fatores elucida características importantes relacionadas ao surgimento e progressão do Vitiligo, que não podem ser tratadas de forma isolada, mas a partir de um olhar que integra as implicações biológicas e psicológicas. Além dessas, ressalta-se também a necessidade de considerar as questões de cunho social, tendo em vista a conotação preconceituosa e discriminatória que, historicamente, perpassa os sujeitos portadores de Vitiligo, constituindo-se como um agravante para a saúde destes.

Nesse sentido, pode-se dizer que o Vitiligo não é apenas mais uma doença que compõe o quadro nosográfico das afecções de pele, mas é, sobretudo, um objeto gerador de Representações Sociais (RS), que servem como guias do comportamento frente a este. Por isso, acredita-se pertinente a adoção da Teoria das Representações Sociais (TRS), proposta por Moscovici (2012), para compreensão dos significados partilhados em relação ao Vitiligo por seus portadores. De acordo com este estudioso, as RS são conhecimentos não especializados que envolvem valores, percepções, opiniões, ideias e práticas que permitem com que as pessoas orientem-se em seu meio social, assim como produzam significados capazes de facilitar uma comunicação contextualizada, através de códigos que nomeiam e classificam o mundo material e social.

Morin (2004) indica que, considerando-se que as RS estão relacionadas a práticas e comportamentos, assim como, a atitudes específicas frente a problemas de saúde, o sentido que o sujeito atribui à sua afecção pode determinar seu posicionamento no que diz respeito o seu tratamento e consecutiva qualidade de vida.

Frente ao exposto e considerando-se a importância da Psicologia Social na análise detalhada do assunto, uma vez que esta evidencia as implicações do Vitiligo para além dos limites da própria pele, associando a esta condição uma vivência psicossocial, o presente estudo visa apreender as Representações Sociais do Vitiligo elaboradas por pessoas que possuem tal afecção.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo misto, quantitativo e qualitativo, do tipo descritivo e exploratório, ancorado no aporte teórico da Teoria das Representações Sociais, atendendo a princípios éticos de pesquisa com seres humanos, conforme a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) (Brasil, 2012).

Participantes

Concerne em uma amostra não probabilística, constituída por 196 brasileiros que possuem Vitiligo, com idades de 18 a 70 anos (M=38,85; DP=12,53), com prevalência de 70,02% do sexo feminino, membros de grupos da rede social Facebook relacionados à temática do Vitiligo. Destaca-se que se teve como critérios de inclusão na presente amostra: possuir Vitiligo; ser brasileiro; ser maior de 18 anos; assim como apresentar disponibilidade para participar da pesquisa de forma voluntária.

Material

Utilizou-se como instrumento de coleta de dados um questionário online com a pergunta: “Para você, o que é Vitiligo?”. Além desta, obteve-se informações referentes aos aspectos sociodemográficos dos participantes da pesquisa, como: sexo, idade, cor de pele e escolaridade. Dados alusivos ao tempo que os participantes possuem Vitiligo, assim como o local de exposição da(s) sua(s) mácula(s) esbranquiçada(s) também foram coletados. Na Tabela 1 do presente estudo, podem-se verificar, em porcentagens, tais dados.

Procedimento

Os dados sociodemográficos foram processados pelo software Statistical Package for Social Science for Windows – IBM SPSS (versão 21.0), realizando-se uma estatística descritiva (média, frequência e desvio padrão), que visa descrever as características da amostra pesquisada. Já para a análise dos dados coletados por meio da pergunta “Para você, o que é Vitiligo?”, utilizou-se o software IRAMUTEQ - Interface de R pour analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (Camargo & Justo, 2013; Ratinaud & Marchand, 2012), a fim de apreender as Representações Sociais das pessoas com Vitiligo acerca da sua afecção, por meio da Classificação Hierárquica Descendente (CHD) e de uma Análise de Similitude, que baseia-se na teoria dos grafos e auxilia na identificação da estrutura das representações. Ressalta-se que, para introdução dos dados no software, algumas variáveis relacionadas à caracterização dos participantes do presente estudo foram codificadas segundo o modelo descrito na Figura 1, a seguir:

 

 

 

RESULTADOS

Os dados sociodemográficos coletados por meio do questionário online revelaram que, como supramencionado, a eminência de participantes do presente estudo fora do sexo feminino (70,02%), na faixa etária entre 24 e 29 anos (35,72%), com cor de pele branca (51,52%), grau de ensino médio (34,18%), renda entre um e dois salários mínimos (32,66%), e residentes, em sua grande parte, no estado de São Paulo – Brasil (31,12%). No que tange ao tempo que os indivíduos possuem Vitiligo, ressalta-se o intervalo entre 1 dia e 5 anos (45,40%), possuindo-se a área de exposição do Vitiligo mais perceptível ao meio social (47,44%), como face, mãos, braços e pernas.

Classificação Hierárquica Descendente (CHD)

Os enunciados dos participantes sobre o Vitiligo, fruto da pergunta “Para você, o que é Vitiligo?”, quando submetidos à análise lexical por meio do IRAMUTEQ, constituíram um corpus com 196 Unidades de Contexto Iniciais (UCIs), totalizando 6.111 palavras, cujo número de 389 fora de palavras distintas. Destaca-se ainda que se fizeram evidentes 245 Unidades de Contexto Elementares (UCEs).

A Classificação Hierárquica Descendente (CHD), representada pelo dendrograma exposto na Figura 2, que deve ser lido da esquerda para a direita, considerou 74,49% do total das UCEs do corpus denominado “Dimensões de compreensão do Vitiligo”. Deste, originou-se dois subcorpus: à esquerda, o subcorpus designado “Dermatológica” gerou a Classe 3 (Aspectos biomédicos do Vitiligo), enquanto que, à direita, o subcorpus “Psicodermatológica”, subdividiu-se e aglutinou as Classes 2 (Aspectos psicodermatológicos do Vitiligo) e 1 (Aspectos biológicos do Vitiligo). Nesse sentido, as partições encerraram-se, uma vez que as classes apresentaram estabilidade.

 

 

A Classe 3 (Aspectos biomédicos do Vitiligo), com percentual das UCEs equivalente a 28,77%, foi a segunda mais representativa do discurso de participantes com cor de pele indígena, assim como de outros tons de pele (moreno e vitiligóide), com nível de escolaridade fundamental II e tempo que possui Vitiligo superior a 1 dia e inferior a 5 anos. Nesta classe, ilustrada em alguns recortes textuais a seguir, verificaram-se palavras no intervalo de χ² = 2,1 (Célula) a χ² = 101,1 (falta).

O Vitiligo é uma doença que se dá devido a falta de pigmentação na pele. Os melanócitos não dão conta de produzir os pigmentos necessários para coloração da pele;

O Vitiligo é a falta de melanina em células responsáveis para dar coloração a pele.

A Classe 2, intitulada “Aspectos psicodermatológicos do Vitiligo”, com menor percentual das UCEs (14,38%), apresentou palavras e radicais no intervalo de χ² = 4,1 (poder) a χ² = 91,9 (emocional), sendo relevante frente ao discurso dos participantes desta classe com pós-graduação. A seguir, encontram-se os segmentos de texto que representam tal classe:

O Vitiligo é a pior doença que ser o humano pode ter, é emocional, baixa a autoestima, o psicológico fica abalado;

O Vitiligo é a perda da autoestima, é uma doença que ocorre pela falta de melanina e abala muito o emocional do indivíduo;

O Vitiligo é uma doença relacionada ao psicológico, é uma doença emocional.

A terceira e última classe, Aspectos biológicos do Vitiligo, também aglutinada no subcorpus Aspectos psicodermatológicos do Vitiligo, fora a que mais reteve percentual de UCEs (56,85%), apresentando palavras/radicais no intervalo de χ² = 7,4 (doença) a χ² = 12,2 (autoimune), sendo representativa junto aos participantes de cor de pele branca. Os extratos que seguem apresentam o teor da classe:

Pra mim, o Vitiligo é uma doença autoimune e de predisposição genética;

O Vitiligo é uma doença que apenas me preocupa quanto ao sol;

O Vitiligo é uma doença autoimune que ataca a pele.

Análise de Similitude

A partir da Análise de Similitude (AS) ou de semelhança (conforme a Figura 3), que possibilitou localizar coocorrências existentes entre as palavras, indicando suas conexidades (Ratinaud & Marchand, 2012), observa-se que o termo Vitiligo organiza diferentes formas de sua compreensão, estando fortemente relacionado aos vocábulos doença, psicológica e/ou autoimune, melanina, pele, falta, autoestima, mancha (branca) e despigmentação. Percebe-se ainda, apesar de uma baixa coocorrência, que os termos abalar, problema, constrangimento, vergonha, incomodar, tristeza e horrível indicam aspectos psicossociais que perpassam a representação da afecção.

 

 

DISCUSSÃO

Os dados expostos apresentam os enfoques multifacetados de compreensão do Vitiligo, em que o conteúdo emergido por meio da fala dos atores sociais ancora o entendimento da afecção a um saber de ordem ora apenas dermatológico/biomédico, ora psicodermatológico. Em linhas gerais, percebe-se no discurso desses indivíduos a tentativa de transformar o saber reificado, mesmo que não consensual sobre o Vitiligo, em teorias do senso comum, a fim de atribuir sentido(s) para a afecção.

Não obstante, considerando-se as percentagens expostas na CHD e as coocorrências na AS no que tange a compreensão das dimensões da enfermidade e, sabendo-se que as formas como os indivíduos representam a afecção influenciará diretamente na conduta frente a esta (Moscovici, 2011), irrompem-se inquietudes na presente discussão frente a possíveis terapêuticas adotadas por estes atores sociais. Além disso, com base na AS disposta sobre os dados apreendidos, serão desenvolvidas reflexões acerca dos aspectos psicossociais que parecem se associar à representação do Vitiligo.

No que tange aos Aspectos biomédicos do Vitiligo, evidenciados pela classe 3 da CHD, representativa junto a participantes com cor de pele indígena, assim como de outros tons de pele (moreno e vitiligóide), com nível de escolaridade fundamental II e tempo que possui Vitiligo superior a 1 dia e inferior a 5 anos, destaca-se os extratos de discurso que objetivam a afecção como fruto da falta, ausência e/ou perda de produção de melanina e pigmentação. Ressalta-se, ainda, a provável relação entre a ocorrência do Vitiligo a uma fraqueza do corpo e suas células que, por não funcionarem de maneira eficiente e adequada, dariam vazão ao seu surgimento e progressão.

Este enredo semântico ancora-se ao que é tipicamente veiculado na literatura biomédica e consecutivamente em consultórios dermatológicos, em que profissionais da dermatologia, por vezes, fragmentam o processo de adoecimento da pele, vislumbrando-se apenas seus aspectos de ordem tópica (Bonotis et al., 2015; Issa, 2003; Sampaio & Rivitti, 1998; et al., 2004). Destaca-se que a AS ratifica tais questões, evidenciando-se, por meio de coocorrências, a provável relação entre Vitiligo, despigmentação e fatores dermatológicos.

A classe 1 (Aspectos biológicos do Vitiligo), mesmo estando aglutinada em um subcorpora distinto, aponta para uma aproximação da classe anteriormente discutida, em que seu campo imagético demonstra que os atores sociais, em sua maioria com cor de pele branca, encontram-se apropriados pelo discurso científico de que o Vitiligo é uma doença especificadamente autoimune. Salientam-se tais aspectos também na AS, em que o Vitiligo organiza com alta coocorrência os vocábulos doença e autoimune.

Sabe-se que representar socialmente um objeto é o ato de tornar compreensível aquilo que se apresenta importante a um indivíduo, em que, por meio de retroalimentações entre universos reificado e consensual, dá-se origem a condutas (Moscovici, 1984; Jodelet, 1984). Nesse sentido, atenta-se para o impacto da veiculação biomédica de que o Vitiligo apenas carrega em seu cerne aspectos biológicos frente à vida das pessoas que o possuem, as quais, por representarem a afecção com base em tal saber, acabam por agir em procura de tratamentos que apenas vislumbram seus aspectos biológicos.

A classe Aspectos psicodermatológicos do Vitiligo (classe 2), expressiva na fala de atores sociais com pós-graduação, teve seu conteúdo ancorado, dissensualmente às duas classes supramencionadas, no saber psicodermatológico, objetivando-se o Vitiligo como uma doença característica do ser humano, que pode possuir fatores emocionais em seu desencadeamento e progressão, sendo capaz de provocar abalos psicológicos no que se refere à autoestima do indivíduo. A Análise de Similitude avulta também de forma semelhante tais aspectos, afigurando reconhecer não apenas fatores bio/psicológicos da afecção Vitiligo, mas também psicossociais, aspectos estes que são emocionais e parecem abalar, constranger, incomodar e provocar tristeza.

Acredita-se que esta forma de representar o Vitiligo, transversalmente margeado por diversos fatores, sejam eles biológicos, psicológicos e sociais, pode estar relacionada ao nível de instrução dos indivíduos que substancialmente contribuíram para esta classe, dado que, de forma dissonante, os atores sociais que apenas possuíam o ensino fundamental II representaram o Vitiligo como sendo apenas perpassado por aspectos biomédicos (classe 3). Pode-se refletir ainda se a forma de representar dos pós-graduados relaciona-se à tradição de pesquisar que lhes é inerente, uma vez que, diferente dos outros indivíduos, investiga-se mais sobre a afecção, transpondo-se, por isso, fronteiras do saber puramente biomédico.

Nessa perspectiva, em um estudo de RS frente ao trabalho que teve por variável de controle o grau de escolaridade dos seus participantes, denotou-se que quanto maior a instrução dos indivíduos, maior também se apresentava o trabalho intelectual, índice de pesquisas e nível de leitura (Macêdo, Bendassolli, & Torres, 2017). Assim, acredita-se que tais achados também podem ser elucidativos para o presente estudo, ratificando as implicações do nível de instrução de uma pessoa em relação a sua disposição para o desenvolvimento de novas cognições.

Sublinha-se também que os vocábulos (abalar, problema, constrangimento, incomodar, vergonha, tristeza e horrível) organizados em torno do objeto representacional (Vitiligo) na AS evidenciaram aspectos psicossociais de estigma e preconceito, que podem ser enfrentados pelas pessoas que possuem a afecção. Estes processos discriminatórios são definidos como um modo de desprestígio ou desqualificação da pessoa com Vitiligo, uma vez que esta possui uma pele que difere do padrão de normalidade interposto pelo meio social (Goffman, 2008).

Isto se torna preocupante, uma vez que, no processo de formação das RS, oriundas das relações de negociações produzidas pela externalidade e interioridade do indivíduo e seu meio social (Moscovici, 1984, 2011, 2012), retroalimenta-se aspectos negativos à própria experiência de ser marcado pelo branco, com potencial produção de sentimentos de autodepreciação, culpa e vergonha, característicos no estigma internalizado ou na autoestigmatização.

Por conseguinte, reconhece-se que todas as pessoas são capazes de se apropriarem das teorias reificadas e assim formar teorias do senso comum, não obstante, sabe-se que o acesso a diferentes meios de comunicação, assim como o contexto social em que o sujeito está inserido, trará diferentes formas de representar um objeto (Moscovici, 2012). Sublinha-se que esta dimensão também pode ser observada no cerne do presente estudo, indicando que as diferentes formas de representar o Vitiligo, pode influenciar em como os indivíduos portam-se frente às terapêuticas que existem para a afecção.

Sabe-se que existem diversas estratégias de terapias, com enfoque exclusivamente biológico, possíveis e comumente indicadas na literatura biomédica para estimular a produção de pigmento nas áreas de pele em que o Vitiligo apresenta-se (Picardo & Taïeb, 2010). Porém, percebe-se por vezes ainda, uma terapêutica médica que nem mesmo se detém a aspectos orgânicos do Vitiligo, indicando-se à pessoa que possui a afecção o tratamento do “nem te ligo” (Do Bú & Coutinho, 2017; Nogueira et al., 2009; Sacramento, 2012). Com tais posicionamentos, que podem ser fruto da afecção ser assintomática (no biológico) e não provocar riscos para a sobrevivência de quem a possui, desconsideram-se diversas implicações, sobretudo psicológicas e sociais.

Distintivamente, a Psicodermatologia, oriunda da junção de dois núcleos de saber, Psicologia e Dermatologia, concebe o ser humano para além da dicotomia psique/corpo, tendo-se em vista ainda implicações sociais do adoecimento (Ludwing et al., 2008; Müller & Ramos, 2004; Sant'anna et al., 2003; Silva et al., 2011; Walker & Papadopoulos, 2005). Por conseguinte, apreende-se o ser humano de maneira holística e entende-se, assim, que o desencadeamento e progressão de doenças de pele envolvem questões biológicas, psicológicas e sociais (Ludwing et al., 2008; Müller & Ramos, 2004; Sant'anna et al., 2003; Silva et al., 2011).

No que se refere aos tratamentos que podem ser adotados e orientados pelo referencial teórico-prático da Psicodermatologia, ressaltam-se achados que apontam para a estabilização da progressão da afecção, nos quais, em alguns casos, a repigmentação das acromias ocorrera (Menezes et al., 2010; Müller & Ramos, 2004; Papadopoulos, Bor, & Legg, 1999; Sant'anna et al., 2003; Silva et al., 2011). Apesar de tais achados, o tratamento do Vitiligo ainda mostra-se um desafio, uma vez que há divergências entre pesquisadores da temática que tentam explicar a afecção e possíveis formas de estagnação e/ou combate à despigmentação da pele (Viana & Geremias, 2009).

Destarte, intervir na forma como as pessoas representam a afecção faz-se necessário, seja por meio de políticas públicas de saúde que visem disseminar uma comunicação acessível a toda população brasileira do que é o Vitiligo, incitando-se a busca por terapêuticas holísticas em seu tratamento, bem como promovendo a pele Vitiligóide como mais uma das múltiplas formas de apresentar-se ao mundo; seja na formação e práxis de dermatologistas e psicólogos brasileiros, uma vez que estes lidam/lidarão com pessoas que possuem a afecção, sendo responsáveis por um dos principais meios de comunicação frente ao diagnóstico e prognóstico da afecção junto à população.

Ratifica-se, assim, que os dados apresentados no presente estudo, mesmo sendo de caráter exploratório e tendo diferenças quanto ao percentual de sexo acessado, podem indicar a direção de novos estudos acerca da temática, considerando-se variáveis de controle como as fontes utilizadas por atores sociais com Vitiligo para obter informações sobre sua afecção. Além disso, enfatiza-se que a utilização de multifacetados aportes teóricos e metodológicos para apreender o fenômeno é necessária, uma vez que este se mostra complexo. Sugere-se, por exemplo, a teoria do núcleo central como foco de estudo, a qual admite, de acordo com Abric (1994), que toda Representação Social organiza-se em torno de um núcleo central, determinando-se, desse modo, seus aspectos significativos e de organização interna e permitindo, por exemplo, uma ordem e compreensão da realidade vivida por indivíduos com Vitiligo.

Considerando-se o poder explicativo da Psicologia Social frente à temática, que não resume-se a Teoria das Representações Sociais, sugerem-se estudos que relacionem ainda a teoria da Identidade Social para assimilação do presente fenômeno, visando-se apreender elementos identitários de grupos de pessoas com Vitiligo.

 

REFERÊNCIAS

Antelo, D. P., Filgueira, A. L., & Cunha, J. M. T. (2008). Aspectos imunopatológicos do Vitiligo. Medicina Cutânea Ibero-Latino-Americana, 36, 125-136.         [ Links ]

Viana, E., & Geremias, R. (2009). A caracterização do Vitiligo e o uso de plantas para o seu tratamento. (Monografia para conclusão do curso de Farmácia). Santa Catarina, UNESC.         [ Links ]

 

Endereço para Correspondência

Rua Damião José Rodrigues, nº 1261, Bodocongó - Campina Grande/Paraíba - Brasil. CEP: 58430-470. Telefones: +55 83 9 9869-5629. E-mail: dobuemerson@gmail.com

 

Recebido em 17 de Julho de 2017

Aceite em 09 de Outubro de 2017

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