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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.18 no.2 Lisboa ago. 2017

https://doi.org/10.15309/17psd180227 

Repercussões emocionais da exenteração pélvica feminina: revisão da literatura (2003-2013)

Emotional impact of female pelvic exenteration: a review of literature (2003-2013)

Sílvia Abduch Haas1,4,*, Daniela Centenaro Levandowski2,5, & Antônio Nocchi Kalil2,3,6

 

1Centro de Câncer - Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil.

2Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil.

3Hospital Santa Rita - Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil.

4e-mail: silvia.haas@santacasa.tche.br.

5e-mail: danielal@ufcspa.edu.br.

6e-mail: ankalil@terra.com.br

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

A exenteração pélvica (EP) é uma técnica cirúrgica radical, indicada para tumores avançados de colo de útero e reto, dentre outros. Nesse estudo realizou-se uma revisão sistemática da literatura, com foco em artigos científicos publicados na última década (2003-2013) sobre as repercussões emocionais da EP para a população feminina. Foram localizados 59 artigos nas bases PsycINFO, PubMed, LILACS e SciELO, usando como descritores “exenteração pélvica”, “fatores emocionais”, “sexualidade”, “depressão” e “ansiedade”. Destes, seis artigos (cinco empíricos e um de revisão de literatura) foram considerados para análise, baseada no tema, objetivos do estudo, metodologia e principais resultados e conclusões. Predominou o delineamento quantitativo, com o emprego de instrumentos estruturados em pacientes alemãs, norte-americanas, egípcias e dinamarquesas. Quanto ao tema, destacou-se a qualidade de vida. Os principais achados e conclusões referem-se ao abalo emocional vivido por essas mulheres devido às alterações da imagem corporal após a cirurgia, principalmente pelo uso das ostomias.

Palavras-chave: exenteração pélvica, sexualidade, depressão, ansiedade.

 

ABSTRACT

Pelvic exenteration (PE) is a radical surgery mostly indicated for advanced cancers of uterus, cervix, and rectum, among others. In this study, a systematic review of the literature was carried out, focusing on scientific papers published in the past decade (2003-2013) about emotional repercussions of PE for female population. A total of 59 articles were found on PubMed, LILACS, SciELO and PsycInfo databases, using the following descriptors: “pelvic exenteration”, “emotional factors”, “sexuality”, “depression” and “anxiety”. Six articles (five empirical and one literature review) were considered for analysis, based on the theme, objectives, methodology, main results, and conclusions. A quantitative research design was predominant; data were collected using structured instruments with German, American, Egyptian and Danish patients. Emphasis was given to quality of life. Main findings and conclusions refer to emotional impact experienced by these women because of changes in their body image after surgery, which included the use of ostomies.

Keywords: pelvic exenteration, sexuality, depression, anxiety.

 

A Exenteração Pélvica (EP) é uma cirurgia oncológica de grande porte, que pressupõe um longo período de hospitalização (Costa, Teixeira, & Lupinacci, 2008; Garza, Wilson, & Behbakht, 2009). Em se tratando de mulheres, esta técnica cirúrgica radical abrange a remoção de órgãos pélvicos, como o útero, os ovários e a vagina (Carter et al., 2004). A indicação para este procedimento ocorre em 78% dos casos de tumores primários avançados de colo do útero ou recidivados (Franco, 2008). No Brasil, esse é o terceiro tipo de tumor mais frequente na população feminina, sendo a quarta causa de morte dentre este público (INCA, 2014a).

A EP tem o intuito de oferecer sobrevida mais prolongada e melhor qualidade de vida aos pacientes. Nos casos de câncer de reto primário localmente avançado, o índice de sobrevida depois de cinco anos pode chegar a 60%, superando em muito a estimativa de 5% de sobrevida no mesmo período para pacientes submetidos somente a tratamentos radio e quimioterápicos (Carter et al., 2004; Costa et al., 2008). Tais índices demonstram, portanto, que a cirurgia, quando bem indicada, pode prolongar a vida dos pacientes. A EP também pode ser indicada em alguns casos de tumores de ovário, vulva, endométrio, vagina, reto, bexiga, próstata, melanomas e sarcomas pélvicos, sendo contra-indicada em casos de câncer metastático (Franco, 2008).

Ao longo dos anos, esta intervenção vem sendo aprimorada, o que permitiu a redução da mortalidade cirúrgica para menos de 5%. Assim, com o avanço das técnicas e dos cuidados no pós-operatório, a EP tem mostrado sua eficácia no âmbito curativo em neoplasias pélvicas avançadas e/ou para recidivas pélvicas isoladas. As taxas de morbidade, mortalidade e a sobrevida tem se apresentado semelhantes tanto para mulheres mais jovens quanto entre aquelas acima de 65 anos (Franco, 2008).

Dependendo do tipo de doença e do avanço da mesma, pode haver maior ou menor sequela ao corpo da paciente após a cirurgia. A EP Posterior acomete o reto, o útero e a parede posterior da vagina, sendo necessário o uso de bolsa de colostomia. Já na EP Anterior, os órgãos comprometidos são a bexiga e o útero. Visando à continuidade intestinal, é utilizada, em alguns casos menos comprometidos pelo câncer, a EP Supra-elevador, preservando então a porção distal do reto e o diafragma urogenital (Hypólito da Silva, 2007). Por fim, a EP também pode ser chamada de Estendida no caso da ressecção de estruturas associadas, como o intestino delgado, as partes moles e o segmento do púbis, incluindo ou não a vulva (Franco, 2008).

Devido à peculiaridade do processo, a candidata deverá passar por uma seleção criteriosa para a cirurgia e ficar aos cuidados de uma equipe multidisciplinar. Tanto ela quanto o cônjuge (se houver) devem estar orientados sobre os aspectos que envolvem o procedimento e os cuidados com as possíveis ostomias (urinária e/ou intestinal), procurando-se também identificar o desejo de realização de uma neovagina (Franco, 2008). Cabe à equipe médica transmitir, de forma clara, objetiva e gradual, as informações sobre as consequências do procedimento (Turns, 2001). Nessa perspectiva, Wright e colaboradores (2006) reforçam a importância de uma comunicação clara entre equipe e pacientes sobre os efeitos colaterais e as possíveis sequelas da cirurgia, já que aproximadamente 75% das mulheres sofrerão efeitos colaterais físicos e enfrentarão um longo período de recuperação.

Em função das características do procedimento e de suas sequelas, é comum as pacientes apresentarem problemas psicológicos, inclusive referentes à sexualidade (Carter et al., 2004; Pusic & Mehrara, 2006; Rezk et al., 2013; Turn, 2001). Contudo, Cesnik e colaboradores (2013) não encontraram, entre mulheres com câncer de mama e mastectomizadas de Ribeirão Preto/SP, um padrão de resposta pré-estabelecido em relação às repercussões dessa condição na sexualidade. Esse achado demonstra que a experiência de doença e tratamento é singular a cada paciente.

De qualquer modo, mulheres diagnosticadas com câncer de colo de útero tendem a experimentar sentimentos de desesperança, dúvidas e ideação suicida (Maldonado et al., 2011). De fato, o diagnóstico do câncer tem um impacto psicológico importante. Além disso, quando ocorre uma internação, sentimentos de abandono e isolamento podem emergir, devido ao rompimento de laços afetivos e profissionais (Moraes, 2003). Assim, as dificuldades emocionais que perpassam a descoberta do câncer não se restringem à internação e à cirurgia, podendo ser evidenciados ao longo de todo o tratamento (Huff & Castro, 2011).

No caso de pacientes submetidas à EP, destaca-se a necessidade de elaboração da dor pela amputação de partes do corpo que são tradicionalmente símbolos da feminilidade (Neme & Bredariolli, 2010), como a vagina e o útero, por exemplo. Em função disso, a sexualidade e a imagem corporal são atingidas, tornando-se foco de incertezas e sofrimento, o que pode acarretar prejuízos psicossociais (Hawighrst-Knapstein et al., 2004). Dessa forma, mulheres submetidas à EP podem se encontrar deprimidas e angustiadas e apresentar diminuição das atividades sexuais, da satisfação e da excitação sexual (Andersen & Hacker, 1983).

Muitos desses sentimentos e repercussões podem estar vinculados à presença de uma ostomia (intestinal e/ou urinária), que se constitui em uma cirurgia para a construção de um novo trajeto para a saída da urina (urostomia) e das fezes (colostomia ou ileostomia; INCA, 2014b). Tal procedimento gera mudanças no estilo de vida da pessoa e de seus familiares, caracterizando uma invasão da intimidade física e psicológica. Conflitos e desorganização mental, bem como alteração nas relações sociais e profissionais (Menezes, 2008; Paula, Takahashi & Paula, 2009), podem emergir, além de prejuízos nas relações conjugais (Carter et al., 2004; Huff & Castro, 2011).

A insatisfação com o corpo parcialmente desfigurado e a perda do controle indicada pela presença das ostomias podem acarretar diminuição da auto-estima e isolamento social. Uma vez que estes sentimentos, pensamentos e temores sejam identificados por profissionais especializados, as pacientes, seus parceiros e seus familiares poderão ser auxiliados na busca de estratégias para o manejo dessa situação, que promovam uma melhor adaptação e reabilitação (Paula et al., 2009).

Diante do exposto, o presente estudo objetivou realizar uma revisão sistemática da literatura, com foco em artigos científicos publicados na última década (2003-2013) sobre as repercussões emocionais da EP para mulheres. Artigos científicos, em sua maioria, abordam situações clínicas relativas à EP, enfocando questões médicas, tais como a casuística da enfermidade, a descrição dos métodos cirúrgicos e relatos de casos operados. Todavia, as repercussões emocionais desse procedimento podem ser intensas. Assim, esse mapeamento da literatura poderá auxiliar as equipes de saúde na qualificação da assistência às pacientes e seus parceiros.

 

MÉTODO

Realizou-se uma consulta (maio/2014), às bases de dados LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde), PubMed/Medline (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online), SciELO (Scientific Eletronic Library Online) e PsycINFO, na qual foram empregados, de forma combinada, os seguintes descritores, em português e inglês: exenteração pélvica, fatores emocionais, sexualidade, depressão e ansiedade. Nessa consulta, buscou-se localizar artigos científicos publicados entre 2003 e 2013, em inglês, português e espanhol, com acesso na íntegra.

A partir dessa consulta, foram encontrados 59 registros, todos em língua inglesa, nas plataformas Lilacs e PubMed/Medline. Nenhum registro foi localizado nas outras bases. O Quadro 1 apresenta esse processo de busca, considerando as bases consultadas e os seus respectivos registros.

 

 

Dos 59 registros localizados, 46 referiam-se a artigos que se encontravam fora do período de publicação estipulado, restando 13 registros para análise. Após a leitura dos títulos, foram descartados três registros devido à repetição ou duplicidade, e quatro devido ao título, pois o tema fugia do escopo (relação médico-paciente após o tratamento do câncer). Restaram, então, seis artigos para análise. A Figura 1 ilustra as etapas do processo de seleção dos artigos.

 

 

Dentre os seis artigos restantes, cinco eram empíricos e um de revisão da literatura. Eles foram lidos na íntegra e analisados em relação: ao tema, aos objetivos, à metodologia e aos principais resultados e conclusões. Em seguida, foi feita uma análise global do material selecionado, buscando suas particularidades e semelhanças.

 

RESULTADOS

Dentre os artigos empíricos localizados, Hawighorst-Knapstein e colaboradores (2004) avaliaram prospectivamente o impacto do tratamento do câncer genital na qualidade de vida (QV) e na imagem corporal de mulheres alemãs, a fim de determinar as necessidades terapêuticas das pacientes antes e depois da EP. Este estudo considerou pacientes com câncer de mama e câncer cervical. Essas últimas (n =129), realizaram a EP ou o procedimento de Wertheim, que é menos mutilador que a EP, já que envolve somente a exenteração de uma pequena parte superior da vagina, embora também sejam ressecados o útero, os paramétrios e os linfonodos. Por isso, esse procedimento preserva as funções sexuais das pacientes.

As participantes foram avaliadas no período pré-operatório, quatro e 12 meses após a cirurgia. Para a avaliação da QV e da imagem corporal, foram empregados o EORTC QLQ (European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality-of-Life Questionnaire) e o CARES (Cancer Rehabilitation Evaluation System), considerando cinco dimensões: saúde física, saúde psicossocial, status conjugal e sexual e interação com a equipe médica.

Os autores referem que, em ambos os grupos, os problemas sexuais foram os que mais impactaram a QV, com destaque para as pacientes que não haviam realizado nenhuma cirurgia reconstrutiva e aquelas que foram submetidas à quimioterapia e radioterapia adjuvante. Em ambos os grupos, a atração física, a autoconfiança e as preocupações com a imagem corporal pioraram significativamente no período pós-operatório, apresentando um declínio no decorrer do tratamento. Por sua vez, as preocupações das pacientes com as famílias persistiram no tempo, caracterizando-se, juntamente com o medo da recidiva, como um dos aspectos mais importantes relativos à QV.

As diferenças na QV no período pós-operatório entre as pacientes dos dois grupos (EP x Wertheim) podem ser explicadas, de acordo com os autores, pela possibilidade de reconstrução. Mulheres com uma ostomia ou nenhuma mostraram uma QV aceitável, mas aquelas com duas ostomias apresentaram uma redução significativa no escore de QV global. Desse modo, o uso de bolsas coletoras mostrou-se um aspecto importante, já que foi observada uma diferença significativa na imagem corporal dessas últimas pacientes. De modo geral, os resultados apontam que, para a QV futura das pacientes, é importante, na medida do possível, não só oferecer uma cirurgia reconstrutiva, mas também integrar aspectos psicossociais na avaliação e na assistência realizada no pré-operatório, oferecendo suporte dessa natureza durante todo o tratamento médico.

No mesmo ano, Carter e colaboradores (2004) conduziram um estudo em Nova Iorque, no qual revisaram as preocupações de mulheres que realizaram a EP, para esclarecer as áreas a serem enfatizadas em um futuro estudo prospectivo sobre QV. Participaram deste estudo 11 mulheres com histórico de câncer ginecológico e que haviam realizado EP total nos últimos quatro anos. Dessas, seis participantes foram entrevistadas por telefone, momento no qual foi solicitado que falassem sobre seus sentimentos em relação à cirurgia. Através da análise dos seus relatos, emergiram preocupações com a recuperação, complicações cirúrgicas e médicas, a ostomia, o suporte social, a sexualidade, a exposição e o medo da recidiva.

Os achados da investigação indicaram um decréscimo da atividade e do interesse sexual e dificuldades com a imagem corporal. Embora nenhuma paciente tenha se arrependido frente à cirurgia, e todas tenham recebido informações sobre o pós-operatório, destaca-se a surpresa pela lentidão da recuperação. Durante esse processo, tristeza e depressão apareceram em 67% das participantes, e quase todas apresentaram culpa em relação a sentirem-se um fardo para as suas famílias.

Os autores observaram também uma resistência das mulheres para revelar informações sobre o processo exenterativo. Todas expressaram relutância em falar sobre a cirurgia e o impacto do seu corpo em sua rede familiar e social. Apenas uma sentiu-se confortável para deixar um membro da família (adulto) e um filho verem as mudanças em seu corpo. As razões citadas pelas mulheres para este desconforto foram vergonha e medo da rejeição e de serem estigmatizadas. Nessa perspectiva, cinco das seis mulheres relataram uma auto-imagem negativa, considerando as mudanças corporais, em especial as ostomias. Entretanto, mesmo sentindo-se desconfortáveis, todas cuidaram de suas ostomias. Apenas uma delas desejou mais suporte em relação a isso.

O medo da recidiva do câncer apareceu com maior intensidade nas participantes que apresentavam um pós-operatório mais recente, o que correspondia à metade do público pesquisado. De modo geral, Carter e colaboradores (2004) apontaram que o estudo corrobora a literatura, que indica uma depressão mais intensa no período de recuperação e, como tema mais relevante, o impacto negativo da EP na sexualidade, particularmente a diminuição do interesse sexual.

Embora esse estudo traga uma contribuição importante para a compreensão e a assistência dessas mulheres, demonstrando a relevância de uma avaliação cuidadosa das candidatas à EP por uma equipe multiprofissional, os próprios autores mencionam como uma limitação a inclusão de pacientes em diferentes etapas do pós-operatório (Carter et al., 2004). Assim, estudos futuros deveriam padronizar essa variável.

Mais recentemente, em um estudo de caso, Garza et al. (2009) relataram o procedimento cirúrgico de EP total em uma paciente americana de 43 anos, com diagnóstico de adenocarcinoma grau III. No mesmo momento cirúrgico foi realizada a construção da neovagina, uma neobexiga e uma anastomose colorretal (reconstrução do trânsito colorretal), pois a paciente apresentou motivação para a técnica não invasiva, não desejando o uso das ostomias. Após 42 meses do diagnóstico, a paciente encontrava-se livre de doença, sexualmente ativa e com as funções excretoras preservadas.

Conforme os autores, com os avanços nos cuidados médicos e nas técnicas cirúrgicas, os índices de taxa de sobrevivência em 5 anos apresentam-se superiores a 50%. Com isso, a QV de pacientes candidatas à EP total tem se tornado uma área de interesse para estudo. Contudo, Garza e colaboradores (2009) destacam que o tipo de procedimento empregado com essa paciente não é indicado rotineiramente para os casos de câncer ginecológico. Embora, de modo geral, as pacientes demonstrem preferência por técnicas alternativas às ostomias, nem sempre é possível indicar uma conduta mais preservadora e menos agressiva, pois esta requer cuidados especiais, para os quais as pacientes tem que apresentar motivação. De qualquer forma, percebe-se que os profissionais tem buscado considerar a QV das pacientes, indicando, caso a caso, técnicas que acarretem menos danos físicos e emocionais.

Neste sentido, Pusic e Mehrara (2006) realizaram uma revisão de literatura abordando os tipos de reconstrução vaginal em pacientes oncológicas. Muito embora esse foco da revisão, os autores demonstraram preocupações com as questões emocionais, motivo pelo qual esse artigo também foi considerado para análise.

No Egito, Ellafandi e colaboradores (2007) realizaram um estudo prospectivo com 10 mulheres (entre 38 e 41 anos) sexualmente ativas e com carcinoma invasivo, objetivando avaliar a reconstrução vaginal com retalho pendiculado de aumento maior, combinado com uma tela de vicryl, após a EP anterior. Para averiguar os efeitos deste procedimento, foi utilizado um questionário sobre a frequência das atividades sexuais, presença de dor, inflamação e sangramento após o ato sexual. Neste follow-up, apenas sete pacientes relataram atividades sexuais uma vez por semana e facilidade de penetração. As demais não responderam os questionários. Os autores consideraram esta técnica como confiável, apresentando bons resultados clínicos, inclusive em relação à atividade secretória característica da vagina normal. Também apontaram que uma vagina muito pequena e estreita afeta a vida de mulheres, podendo causar problemas psicológicos especialmente naquelas mais jovens.

Por sua vez, também Love e colaboradores (2013), em um estudo realizado na Dinamarca, consideraram a necessidade da reconstrução vaginal, visando à preservação da atividade sexual. Os autores examinaram a função sexual de 30 mulheres que realizaram cirurgia pélvica extensiva com colpectomia e reconstrução vaginal simultânea com uso de retalho miocutâneo de reto abdômen vertical, por meio de uma revisão retrospectiva de registros médicos e da aplicação do Questionário de Escolhas de Função Sexual Vaginal nas pacientes, para avaliar a função sexual. Vinte e seis participantes (87%) responderam o questionário. Destas, 50% relataram vida sexual antes da cirurgia e, após o procedimento, a manutenção do desejo de contato físico e do desejo sexual. Contudo, algumas pacientes apresentaram dor e secura vaginal, vagina alargada, vagina estreita, incontinência, falta de parceiro, ou parceiro doente. Verifica-se que, mesmo com bons resultados do ponto de vista médico e clínico, as técnicas acarretam algumas sequelas psicológicas, que devem ser consideradas. Nessa direção, os autores salientam a importância da informação para as pacientes que vivenciam este tipo de cirurgia.

Segundo os estudos revisados por Love e colaboradores (2013), as equipes médicas tem, como principal objetivo, manter preservadas a função sexual e a imagem corporal das mulheres com câncer. Nesse sentido, todos os casos exigem uma avaliação pormenorizada e uma decisão que não pode ser generalizada, já que a escolha da técnica depende das características da paciente e do tipo e tamanho da lesão apresentada. Por exemplo, em pacientes sem condições de continuar as atividades sexuais, devido à idade avançada ou acometimento da doença, a reconstrução do canal vaginal pode ser desconsiderada. No entanto, a imagem corporal distorcida e a falta de prazer sexual representam um importante desafio. Além disso, existe a necessidade de lidar com o estresse psicológico do diagnóstico do câncer, com o tratamento e o medo da recidiva.

Em função disso, Pusic e Mehrara (2006) referem a psicoterapia pré e pós-operatória para auxiliar as pacientes, ressaltando a relevância de uma abordagem multidisciplinar para o cuidado. Nessa perspectiva, a presença de um psicólogo ou terapeuta sexual torna-se essencial. Mesmo contando com adequado suporte, essas pacientes e seus parceiros enfrentam um desafio importante, visto que muitas daquelas que se submetem à cirurgia de reconstrução vaginal apresentam uma diminuição significativa na função sexual, a qual parece ser decorrente não apenas de causas físicas, mas também psicológicas.

 

DISCUSSÃO

O presente estudo objetivou realizar uma revisão sistemática da literatura, com foco em artigos científicos publicados na última década (2003-2013), que envolvessem as repercussões emocionais da EP para a população feminina. A partir da consulta à literatura, foi possível perceber uma escassez de estudos atuais que privilegiaram esse tema, o que acarretou na consideração de seis artigos para análise, sendo cinco deles empíricos.

Dentre os artigos analisados, em relação ao tema, destaca-se que os quatro estudos (Carter et al., 2004; Garza et al., 2009; Hawighorst-Knapstein et al., 2004; Pusic & Mehrara, 2006) tiveram como foco a QV. Reforça-se a necessidade de novas pesquisas sobre os fatores emocionais vinculados à EP, visto que a QV é um conceito muito amplo, que abrange o bem estar físico, mental e social, estando sujeito à percepção subjetiva individual (Bertan & Castro, 2009). Além disso, devido à intensidade e à amplitude das repercussões psicossociais desse procedimento, verificada na literatura, outros aspectos emocionais merecem ser investigados, como ansiedade, depressão, satisfação conjugal e estratégias de enfrentamento. Esses aspectos, em alguma medida, auxiliariam na compreensão dos níveis de QV desse público.

Nos estudos analisados, outro tema relevante foi o impacto da EP na imagem corporal das pacientes, devido às mudanças físicas que acarreta. Três estudos salientaram a dificuldade das pacientes no manejo e na aceitação das ostomias, destacando-se como fator estressor o uso de mais de uma bolsa coletora. A insatisfação das pacientes em relação a essas bolsas acarreta grande impacto na sua QV, tanto no período pré quanto pós-cirúrgico. Assim, sugere-se a realização de estudos longitudinais para avaliar a adaptação das pacientes à nova realidade corpórea, incluindo as ostomias.

Um terceiro tema que se destacou nos estudos revisados foi o medo da recidiva da doença. Este foi apontado como um dos principais aspectos que abalam as pacientes submetidas à cirurgia de EP. Particularmente, quanto mais recente o diagnóstico, mas intenso seria esse medo. Para estudos futuros, fica notória a necessidade de avaliar as pacientes recentemente diagnosticadas. Entende-se que esse tema não é restrito à indicação/realização da EP, mas sim que faz parte do cotidiano de pacientes oncológicos (por exemplo, Hodges & Humphris, 2009; Humphris et al., 2003; Skaali et al., 2008). Percebe-se a relevância de novos estudos para melhor conhecer tanto pacientes indicadas quanto submetidas à EP.

Também se percebeu um destaque nos estudos analisados para a neovagina, salientando-se a preocupação com a manutenção da atividade sexual das pacientes, tanto quanto possível. As técnicas atuais permitem a reconstrução do canal vaginal, possibilitando uma vida sexual. Dessa forma, esse tem sido um foco de estudo.

No que tange à metodologia, devido ao escasso número de estudos localizados sobre o tema, sugere-se que tanto o delineamento quantitativo como o qualitativo sejam empregados em futuras investigações. Os registros localizados mostraram uma tendência ao uso de questionários e instrumentos fechados para a avaliação dessas mulheres. Contudo, devido ao pequeno número de pacientes submetidas a esse tipo de procedimento radical e bastante especializado, bem como à necessidade de avanços na compreensão das vivências emocionais e psicológicas pré e pós-cirúrgicas, incentiva-se a realização de estudos qualitativos, baseados em entrevistas abertas, por exemplo. Estas permitirão investigar as fantasias e percepções frente à mutilação dos órgãos genitais, as vivências e sentimentos em relação à sexualidade e capacidade reprodutora, bem como a (in)satisfação com a autoimagem e a imagem corporal. Da mesma forma, permitirão conhecer os medos e as dúvidas dessas pacientes sobre a percepção de si mesmas e frente às relações familiares e conjugais. Estudos dessa natureza devem ser realizados em diferentes contextos, uma vez que as investigações aqui analisadas retrataram a realidade norte-americana e européia.

É fundamental, para as equipes de saúde, conhecer os aspectos emocionais que permeiam cada paciente indicada e submetida a esta modalidade de ressecção cirúrgica. Conhecer os seus desejos e anseios, traumas e medos, questionamentos e funcionamento psíquico e familiar, permitirá à equipe aproximar-se e assistir essas pacientes, possibilitando uma maior QV frente aos tratamentos atuais e futuros.

Os achados do presente estudo lançam subsídios importantes nessa direção. Diante dos mesmos, verifica-se a possibilidade de, diante de um momento de crise como o diagnóstico e a cirurgia de EP, as pacientes apresentarem uma depressão reativa, esperada para situações de doença e hospitalização, ou desenvolverem um quadro ansioso, de intensidade variada. Em virtude disso, os estudos analisados destacaram a importância da atuação de uma equipe multiprofissional, para o acompanhamento e o apoio à paciente e sua família no período pré e pós-cirúrgico.

Em termos de técnica, a psicoterapia, o suporte psicossocial e os atendimentos em equipe foram as estratégias de assistência mencionadas para essa clientela nos estudos revisados. Contudo, é importante refletir sobre o tipo de assistência que melhor supriria as demandas e necessidades emocionais dessas pacientes. Assim, sugere-se que a eficácia e a efetividade de tratamentos psicoterápicos no período pré e pós-operatório seja avaliada. Mais especificamente, é necessária a avaliação de pacientes antes da internação e em seguimento ambulatorial, e não somente durante a hospitalização.

Ainda em relação à assistência, importante destacar que a EP é um procedimento que requer muitas orientações e avaliações dos médicos, psicólogos e demais membros da equipe multidisciplinar. Assim, considera-se que, mesmo aquelas mulheres que apresentem um bom suporte familiar, uma satisfatória estruturação psíquica e a ausência de desordens emocionais, poderiam se beneficiar do acompanhamento de uma equipe de saúde mental, diante dos desafios vivenciados desde a descoberta do câncer até a decisão pela EP e sua posterior recuperação.

Ao final do estudo, é oportuno apontar uma limitação dos termos descritores utilizados para as consultas. Outros termos poderiam ser empregados em estudos futuros, visto que a EP apresenta-se em maior quantidade em publicações médicas, nas quais há um destaque para as técnicas cirúrgicas. De todo modo, o presente estudo apontou lacunas da produção científica brasileira e internacional nessa área de investigação, indicando possíveis caminhos para profissionais que se interessam em melhor compreender e cuidar de mulheres que enfrentam um procedimento cirúrgico dessa magnitude.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 06 de Setembro de 2014

Aceite em 01 de Fevereiro de 2017

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