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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.35 Lisboa jun. 2016

 

ESTUDOS

O “Jardim de Sophia” - uma fantasia espacial inspirada na obra literária de Sophia de Mello Breyner Andresen

Ana Catarina Antunes *, Paulo Farinha Marques**

* Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Portugal, ana.catarina.antunes@gmail.com

** Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, Porto, Portugal, pfmarques@fc.up.pt


 

RESUMO

Este artigo propõe fazer uma apresentação do projeto Jardim de Sophia, espaço onde Sophia de Mello Breyner Andresen passou muitos momentos da sua infância, atualmente Jardim Botânico do Porto.

Neste projeto procurou-se criar uma narrativa especial, que apela aos sentidos através da identificação objetiva das marcas do passado, numa fixação de identidades que realça os lugares simbólicos associados aos espaços de memória e às narrativas e poesia de Sophia.

Palavras-chave: Sophia de Mello Breyner Andresen, Jardim Botânico do Porto, simbologia literária.

 

ABSTRACT

This article presents the project “Sophia’s Garden”, the place where Sophia de Mello Breyner Andresen spent many moments of her childhood, currently Botanical Garden of Porto.

In this project we sought to create a special narrative that appeals to senses, through an objective

identification of the marks of the past, which highlights the symbolic places associated with memory spaces and Sophia’s narratives and poetry.

Keywords: Sophia de Mello Breyner Andresen, Botanical Garden of Porto, literary symbology.


 

Introdução

A obra de Sophia de Mello Breyner Andresen celebra a beleza das coisas elementares. É uma obra que assinala uma ideia de poesia como acontecimento (Lopes, 2004), muito seduzida por uma certa dimensão épica, com um discurso de uma singular limpidez e transparência. A importância da sua obra resulta de um original cruzamento de um discurso literário de forte conceptualização imagética (Guimarães, 2005) com uma elegante e concreta enunciação de pensamentos pela palavra, narrativas muito poéticas, e, ao mesmo tempo, muito concretas.

O Jardim de Sophia assenta numa construção ficcional dos espaços da casa dos avós paternos, nos quais Sophia passou muitos momentos da sua infância e que inspiraram a sua obra. A Quinta do Campo Alegre é atualmente o Jardim Botânico do Porto. O presente artigo tem como principal objetivo evidenciar o efeito incitador da narrativa poética de Sophia na criação de uma narrativa técnica que instruiu a representação ficcional e simbólica de um conjunto de espaços do Jardim Botânico do Porto.

Estas duas narrativas, a poética e a técnica, que se misturam e se confundem no Jardim de Sophia, levam-nos a organizar o presente texto em duas partes.

Na primeira parte, apresenta-se uma breve nota sobre o mundo de infância de Sophia, com o propósito de nos ajudar a melhor compreender os ambientes e “espaços a cuja ordem subjaz uma lógica do maravilhoso – com a presença de fadas, anões, animais humanizados e transformações mágicas” (Gomes, 2007, p. 2), que povoam, de forma explícita ou alusiva,  a sua obra poética e ficcional, particularmente as narrativas que escreveu para crianças.

Na segunda parte, de cariz mais técnico, do âmbito da arquitetura paisagista, sintetizam-se os aspetos principais do projeto Jardim de Sophia, uma fantasia espacial inspirada na obra literária de Sophia de Mello Breyner Andresen, que reflete, prioritariamente, sobre o patamar envolvente da casa. Aqui são indicados os princípios que orientaram a proposta e as principais tipologias de intervenção ao nível dos espaços e da vegetação. Para ilustrar as intervenções técnicas preconizadas no projeto, optámos por não trazer imagens e representações visuais dos resultados, mas sim a poesia de Sophia. Assim, para cada espaço foi selecionado um poema que foi inspirador e que, em simultâneo, é representativo da intervenção técnica.

O MUNDO DE INFÂNCIA DE SOPHIA E O JARDIM BOTÂNICO DO PORTO

O mundo de infância de Sophia.

Sophia de Mello Breyner Andresen (Figura 1) nasceu na cidade do Porto a 6 de novembro de 1919, filha de João Henrique Andresen e de Maria Amélia de Mello Breyner. Faleceu com 84 anos, no dia 2 de julho de 2004, em Lisboa.

 

 

As suas raízes dinamarquesas remontam ao seu bisavô paterno, Jan Heinrich Andresen (1826-1894), oriundo da ilha de Oevenum nas Frísias Orientais, que, embarcado à aventura (Pereira, 1985), chegou um dia ao Porto e “amou desde o primeiro momento a respiração rouca da cidade, o colorido intenso e sombrio, o arvoredo murmurante e espesso, o verde espelhado do rio” (Andresen, 2001, p. 86) e nunca mais abandonou a cidade. Aqui viveu, tornando-se um industrial e comerciante de vinho do Porto de reconhecido sucesso. A figura deste bisavô era uma presença ativa no mundo infantil de Sophia, embora ela nunca o tenha conhecido diretamente (Pereira, 1985).

Sophia teve uma infância passada entre o Porto e a praia da Granja. No Porto, a casa onde passou muitos momentos da sua meninice foi, sobretudo, a casa da Quinta do Campo Alegre. Esta casa, que se encontrava num território fabuloso, era para Sophia um palácio, “O da minha infância para mim o primeiro / Tinha sido construído no século passado (e pintado a vermelho)” (Andresen, 2004, p. 21).

Esta era a quinta dos avós paternos, João Henrique Andresen Júnior (1861- 1900) e Joana Lehmann Andresen (1861-1937), adquirida em 1895 ao capitalista brasileiro João da Silva Monteiro, tendo permanecido na posse da família até 1949. No conto Saga, onde ficciona a história do bisavô, Sophia descreve a quinta, cujos terrenos desciam  até aos cais de saída da barra, do seguinte modo:

Entrava-se pela quinta, pelo lado dos campos, por um portão de ferro que, depois de o passarmos, ao fechar-se batia pesadamente. Em frente surgia a casa, enorme, desmedida, com altas janelas, largas portas e ampla escadaria de granito, abrindo em leque. Na parte de trás, corria uma longa varanda debruçada sobre os roseirais do poente. (...) Tudo na casa era desmedidamente grande desde os quartos de dormir onde as crianças andavam de bicicleta até ao enorme átrio para o qual davam todas as salas e no qual, como Hans dizia, se poderia armar o esqueleto da baleia que há anos repousava, empacotado em numerosos volumes, nas caves da Faculdade de Ciências por não haver lugar onde coubesse armado. (...) (Andresen, 2001, pp. 100, 102, 106 e 107).

Naquela época, a quinta do Campo Alegre era “um paraíso de vistas e vegetação, descendo em socalcos até ao rio, lá muito em baixo” (Cunha,  1949, p. 58), ocupando um lugar de destaque na cidade do Porto (Figura 2). A família Andresen concluiu o processo de renovação da casa e dos jardins iniciado por João da Silva Monteiro, introduzindo alterações significativas. Nos jardins, com o apoio do jardineiro paisagista Jacinto de Matos, consolida o seu traçado, constrói acasa ecampo de ténis, renova o bosque efaz um grande investimento nas coleções de plantas, enriquecendo a coleção já existente (Marques, n.d.).

 

 

Os registos de Elisa Andresen Guimarães, tia de Sophia, acrescentam algumas notas do culto e carinho especial que João e Joana Andresen tinham pelos seus jardins. Mandavam vir todos os anos do estrangeiro bolbos e rizomas de junquilhos, íris, lírios, tulipas e crocos para os jardins e nas estufas mantinham uma coleção única de avencas, além de várias plantas ornamentais exóticas, e ainda ananases e bananas. Foi também nos terrenos do Campo Alegre onde pela primeira vez se cultivou, pelo menos em larga escala, o muguet. Para além das plantas ornamentais, existiam inúmeras árvores de fruto, principalmente cerejeiras de diferentes variedades, e cultivavam-se também morangos que eram afamados na cidade (Guimarães, 1950).

Foi nesta quinta, hoje Jardim Botânico do Porto e Galeria da Biodiversidade, que Sophia passou muitos momentos da sua infância e juventude na companhia dos irmãos e primos.

À questão colocada por Eduardo Prado Coelho, numa entrevista realizada em 1986, sobre a importância das casas, tanto nos contos como na poesia, Sophia refere: “Tenho muita memória visual e lembro-me sempre das casas, quarto por quarto, móvel por móvel e, lembro-me de muitas casas que desapareceram da minha vida, como por exemplo, a casa dos meus avós que foi leiloada, vendida, as coisas dispersas...” (Coelho & Marques, 1986, p. 60). E de seguida acrescenta, “Eu tento ‘representar’, quer dizer ‘voltar a tornar presentes’, as coisas de que gostei e é isso o que se passa com as casas; quero que a memória delas não vá à deriva, não se perca” (Coelho & Marques, 1986, pp. 60-61).

Num texto inédito, divulgado em 2012, na revista LER, escrito originalmente com a intenção de publicar as suas memórias, Sophia diz: não era propriamente a casa da minha avó que eu ia mas à quinta que a rodeava – os maravilhosos jardins, os buxos, as rosas, as camélias, as glicínias, os muguets – os altíssimos plátanos do parque e os seus troncos onde estavam inscritas iniciais e datas e, às vezes, desenhados os corações de todos os namorados da família, as suas penumbras verdes na Primavera e no Verão, a luz doirada do Outono e o chão juncado de folhas, o desenho dos ramos nus no céu frio de Inverno, o cheiro intenso e húmido da terra, do lago e dos musgos – o pomar, o ténis, as hortas, os tanques, o pinhal, os campos – tudo isto era para mim um mundo inesgotável de contínua descoberta (Andresen, 2012, p. 37).

Noutros depoimentos e entrevistas, Sophia dá-nos nota de que os momentos passados neste ambiente permanecem muito presentes na sua memória, com influências decisivas na sua obra. Inspiraram, em particular, as florestas e jardins dos contos para crianças e também a natureza e árvores da sua poesia. Mas é nas histórias para crianças que são mais evidentes. Escritas originalmente para os filhos, mas que nos anos 1950/1960 ela haveria de nos contar a todos, são recorrentes as referências a certos espaços quase mágicos, como o mar, a praia, a casa, o jardim e a floresta (Gomes, 2007).

A Quinta do Campo Alegre, com uma “casa desmesurada, cheia de gente mas também cheia de lugares vazios e quartos desabitados e fechados (...), aparece, assim como o jardim, o parque, o pinhal e a quinta” (Andresen, 2012, pp. 38-39), em muitos dos poemas e contos que Sophia escreveu    ao longo dos anos. É a casa de Hans do conto Saga, um dos palácios do Minotauro referido no poema com o mesmo nome, o jardim do Rapaz de Bronze e o cenário do conto A Floresta. A estas histórias, acrescentamos ainda o poema As Rosas, que diz: “Quando à noite desfolho e trinco as rosas”, sobre o qual Sophia esclarece:

Isto é absolutamente verdade: eu ia para o jardim da minha avó colher rosas, a minha avó já tinha morrido e era um jardim semi-abandonado, colhia camélias no Inverno e rosas na Primavera. Trazia imensas rosas para casa, havia sempre uma grande jarra cheia delas em frente da janela, no meu quarto. E depois eu desfolhava e comia as rosas, mastigava-as. No fundo era a tentativa de captar qualquer coisa a que só posso chamar a alegria do universo, qualquer coisa que floresce (citado em Vasconcelos, 1991, p. 10).

O Jardim Botânico do Porto. No ano de 1937, o Professor Américo Pires de Lima (1886-1966), então Diretor do Instituto de Botânica da Universidade do Porto, perante o valioso legado da arte dos jardins, ao estilo dos jardins de Oitocentos, pela vasta coleção de camélias e restante património vegetal, entendia que a propriedade da Quinta do Campo Alegre “constituía já um belo embrião de Jardim Botânico” (Lima, 1949, p. 8). Com grande empenho e afinco, propõe à Universidade do Porto a sua aquisição, para aí instalar o jardim botânico, a qual, “após nada menos de doze anos de porfiados esforços, foi finalmente adquirida pelo Estado” (Lima, 1949, p.  30).

Foi então, em 1952, instalado na Quinta do Campo Alegre o Instituto de Botânica Dr. Gonçalo Sampaio: Laboratório e Jardim Botânico. Nesse mesmo ano, para realizar o projeto de adaptação da quinta de recreio a jardim botânico, foi contratado o arquiteto paisagista Karl Franz Koepp, de nacionalidade alemã que, com Pires de Lima, desenvolveu um conjunto de ações de requalificação que proporcionaram, para além do grande enriquecimento em espécies botânicas, a criação de espaços ajardinados modernos, ajustados às novas funções da propriedade (Andresen, n.d.).

Com mais de quatro hectares, o Jardim Botânico do Porto apresenta espaços muito diversificados e distingue-se, no contexto da cidade do Porto, pela multiplicidade de oferta. Para além do carácter científico-pedagógico, singulariza-se pela sua forte carga histórico-literária, bem como pela função recreativa, enquanto jardim de utilização pública. Durante muitas décadas, a casa da Quinta do Campo Alegre foi a sede do Departamento de Botânica da Faculdade de Ciências, que continuou a promover o acréscimo das espécies botânicas do jardim. No ano de 2001, neste mesmo Departamento de Botânica, iniciou-se o ensino de Arquitetura Paisagista.

No início da década de 2000, decorridos 50 anos após a instalação do jardim botânico na Quinta do Campo Alegre, consciente do desajuste das suas funções enquanto espaço de apoio ao trabalho científico, de divulgação do conhecimento, de sensibilização ambiental e também de fruição estética, foi iniciado o “Projecto de Conservação e Valorização do Jardim Botânico da Universidade do Porto”. Com o objetivo de requalificação das condições estruturais e funcionais adequadas para a sua utilização enquanto espaço de ensino e visita pelo público, bem como a valorização do património vegetal, o jardim botânico sofreu uma profunda reestruturação. As ações preconizadas atuaram ao nível da composição morfológica, do conforto, da segurança e da sustentabilidade. Contemplaram-se também a criação das condições estruturais e funcionais para a renovação e reorganização das coleções botânicas, a valorização do carácter histórico e o reforço da identidade cultural e simbólica.

Na sequência deste trabalho surgiu o projeto Jardim de Sophia, que teve como objetivo restituir a memória e fantasia ao espaço, através da recriação das fábulas da autoria de Sophia.

O JARDIM DE SOPHIA

Os lugares do Jardim Botânico com significado histórico-literário, bem como a estrutura morfológica da propriedade, traçam de imediato o Jardim de Sophia (Figura 3). Este integra parte dos jardins históricos provenientes do traçado original de João da Silva Monteiro, continuados por João e Joana Andresen, aos quais se acrescentam os da autoria de Karl Franz Koepp.

 

 

O conjunto constitui um amplo espaço que envolve a casa principal, formando um extenso patamar que se debruça sobre o atual arboreto e sobre a vista a poente que se estende até ao mar. Correspondem a 30% de uma área de quatro hectares e a 10% do que era a quinta original com doze hectares, até à interrupção pela construção dos acessos da Ponte da Arrábida, no início da década de 1960.

É neste espaço que se cruzam e sobrepõem intervenções de diferentes tempos, resultando hoje num mosaico de jardins, cada um com características específicas. Os mais notáveis apresentam-se circunscritos por sebes de camélias talhadas, diferenciando-se de acordo com o carácter morfológico, o carácter funcional e a tipologia da vegetação presente. São eles o Jardim dos Jotas, o Jardim do Roseiral e o Jardim do Peixe ou da Espargueira, assim denominados, no sentido poente-nascente. Estes três jardins encontram-se ladeados, a nascente, pelo Jardim do Xisto, onde os anteriores proprietários tinham o campo de ténis e, a poente, pelo Jardim das Suculentas, ambos construídos de acordo com o projeto de Koepp.

O lado norte, que corresponde aos jardins da frente da casa principal, é marcado por unidades arbóreas, sub-arbóreas e arbustivas de grande diversidade florística, muito evocativas do gosto do final do século XIX, início do século XX. São aqui denominados Jardim dos Bosquetes. Ao lado da fachada nascente da casa, encontra-se um jardim com um elemento de água central que enriquece e induz a sua possível fantasia; trata-se de um lago com uma estátua de metal encimada por um repuxo, a qual nos remete para a iconografia de um dos contos de Sophia mais conhecidos, e que assim nos impeliu a chamar-lhe Jardim do Rapaz de Bronze.

Junto à fachada poente desenvolve-se um outro espaço arborizado no qual se destacam duas árvores notáveis: um liquidâmbar (Liquidambar styraciflua) e um carvalho roble (Quercus robur); estes exemplares cobrem quase toda a área deste espaço, também rematada a poente por uma sebe alta de Camellia japonica. O liquidâmbar deve ser um dos maiores e mais bem formados exemplares que existem na cidade. A localização do carvalho roble em frente a uma janela da casa sugere um dos mais importantes momentos do conto de Sophia O Rapaz de Bronze, quando a personagem Gladíolo sobe a um dos ramos para espreitar a festa que decorre na casa; por esta razão decidiu chamar-se a este espaço Jardim do Carvalho do Gladíolo.

Linhas orientadoras da proposta de intervenção. A proposta aqui apresentada pretende fazer sobressair o conteúdo literário do espaço, bem como destacar alguns cenários vivos que aparecem referidos nos textos de Sophia, sobretudo aqueles que focam explicitamente a Quinta do Campo Alegre. O Jardim de Sophia será legitimado através de subtis intervenções, que recriam espacialmente ambientes e passagens das narrativas de Sophia. São elas O Rapaz de Bronze, uma quase-fábula poética protagonizada pelas flores de um jardim e por uma estátua viva (Gomes, 2007), e A Floresta, onde são visíveis o elogio da natureza e o encontro com o maravilhoso, apresentando-se como uma história que, para além de ser lida, pode também ser ouvida, vista, cheirada, sentida e saboreada (Ramos, 2005); bem como poemas que nos despertam para uma contemplação atenta da natureza.

A ficcionização da plataforma central da Quinta do Campo Alegre levou-nos à identificação de entidades e lugares com significado histórico-literário, que se encontram representados por plantas, elementos construídos e espaços. Exemplos disso são o já mencionado Carvalho do Gladíolo, existente no jardim lateral poente, ligado à personagem Gladíolo, e o elemento escultórico do lago existente no jardim lateral nascente, que se associa à personagem Rapaz de Bronze (que na realidade não é um rapaz mas sim uma rapariga de ferro... provavelmente uma amiga do rapaz de bronze!...). Outros exemplos referem-se à Clareira dos Plátanos (O Rapaz de Bronze) e ao Jardim dos Anões (A Floresta). A identificação destas entidades e lugares suscita novas oportunidades de percursos temáticos e experiências paisagísticas, onde as valências botânicas e histórico-literárias se explicam e afirmam mutuamente. Esta articulação acrescenta valor ao Jardim Botânico. Em termos explícitos, a proposta apresenta uma reflexão sobre a redefinição e melhoramento da rede de caminhos, nomeadamente a criação de novas ligações da entrada principal aos espaços mais interiores do Jardim dos Bosquetes, novos caminhos para o recém-criado Jardim dos Anões, novos caminhos em torno da rocheira do Jardim do Xisto e novos caminhos de remate para o Jardim do Peixe. Estes novos percursos desejam aumentar as oportunidades de acesso, circulação e passeio, facilitando ainda determinadas ações de manutenção da estrutura verde, tornando mais próximos e visitáveis os espaços que anteriormente ficavam no interior de grandes canteiros.

Em relação à estrutura verde, pretende-se igualmente atualizar e melhorar as coleções botânicas presentes, usando o carácter histórico-literário como estratégia orientadora para a definição de novas coleções e para reforçar as já existentes.

Principais tipologias de vegetação. A proposta de vegetação para o Jardim de Sophia visa o reforço do seu carácter histórico-literário. As tipologias de vegetação indicadas integram a seleção de flores convidadas para a Festa das Flores, relatada no livro O Rapaz de Bronze, bem como outras coleções que recriam os ambientes dos jardins do Porto de Oitocentos. Também se aproveita este projeto para reforçar e enriquecer o conteúdo florístico da área de intervenção, numa perspetiva de criação e valorização de pequenos habitats de qualidade natural e cultivada, os quais podem simultaneamente contribuir para estimular a diversidade biológica e sensorial dos lugares. Descrevem-se de seguida as propostas apresentadas para o conjunto de jardins mencionados atrás, que formam o Jardim de Sophia.

Jardim dos Bosquetes

 O Palácio

Era um dos palácios do Minotauro

— O da minha infância para mim o primeiro —

Tinha sido construído no século passado (e pintado a vermelho)

Estátuas escadas veludo granito

Tílias o cercavam de música e murmúrio Paixões e traições o inchavam de grito

Espelhos ante espelhos tudo aprofundavam Seu pátio era interior era átrio

As suas varandas eram por dentro Viradas para o centro

Em grandes vazios as vozes ecoavam Era um dos palácios do Minotauro

O da minha infância — para mim o vermelho

Ali a magia como fogo ardia de Março a Fevereiro A prata brilhava o vidro luzia

Tudo tilintava tudo estremecia De noite e de dia

Era um dos palácios do Minotauro

— O da minha infância para mim o primeiro — Ali o tumulto cego confundia

O escuro da noite e o brilho do dia Ali era a fúria o clamor o não-dito Ali o confuso onde tudo irrompia

Ali era o Kaos onde tudo nascia. (Andresen, 2004, p. 21)

O Jardim dos Bosquetes ou da Frente, em conjunto com o Jardim do Rapaz de Bronze, contém alguns dos espaços mais interessantes do conjunto, no que diz respeito a grandes árvores exóticas, formando um grupo dramático de copas caprichosas que se projetam no céu. Para além de uma atenção constante que o património arbóreo deve merecer, de modo a facilitar a sua manutenção durante esta fase de ciclo adiantado, a restante estrutura verde, adaptada a uma sombra forte, deve manter revestimento herbáceo de Ophiopogon japonicus, na maior parte da área.

Em pequenas clareiras menos ensombradas devem localizar-se as manchas de Agapanthus africanus, reunidas em duas grandes unidades, abandonando a atual tendência de as fragmentar em pequenos núcleos que se espalham pelos jardins. Deve tentar-se que as manchas tenham núcleos homogéneos de flores azuis e brancas, para acrescentar maior diversidade sensorial durante a época de floração. Noutro espaço, menos ensombrado, deve criar-se uma mancha de Bergenia cordifolia, aproveitando os exemplares que se encontram debaixo da sebe de camélias do lado norte do Jardim dos Jotas. Como enriquecimento futuro, sugere-se ainda a criação de manchas de Hedera helix (cultivares de folha variegada)e fetos persistentes (tipo Polystichum setiferum). Um núcleo de Convalaria majalis (muguet) adicionaria, certamente, algum interesse ao espaço e à evocação do gosto e hábitos de um passado gentil, ainda afrancesado, de fatos com flores na lapela.

Bordadura mista em redor da casa

 O Jardim e a Casa

Não se perdeu nenhuma coisa em mim. Continuam as noites e os poentes

Que escorreram na casa e no jardim, Continuam as vozes diferentes

Que intactas no meu ser estão suspensas. Trago o terror e trago a claridade,

E através de todas as presenças

Caminho para a única unidade. (Andresen, 2003b, p. 40)

Uma das intervenções previstas, que se antecipa mais transformadora da situação existente, consiste na criação de uma bordadura mista em crescimento semilivre, nos canteiros contíguos à casa. Esta tipologia de intervenção pretende recriar uma formação herbáceo-arbustiva inspirada nos “mixed borders” de Gertrude Jekyll, aproximadamente contemporâneos do núcleo histórico do Jardim Botânico. A sua composição florística será instruída com espécies autóctones e cultivadas, mencionadas na obra literária de Sophia, com particular destaque para aquelas mencionadas no conto O Rapaz de Bronze.

Desde já se antevê uma composição de aparência informal, ao nível dos estratos florísticos mais baixos, na qual os maciços se articulam num jogo de contrastes texturais e cromáticos, com interesse ao nível da floração e da folha; este revestimento “almofadante” será pontuado por elementos sub-arbóreos de folha persistente e copa estreita ou média estreita, que ocuparão no canteiro posições correspondentes aos espaços entre as janelas da casa. Para além do muito amado cipreste (Cupressus sempervirens sempervirens), talvez seja interessante recorrer ao azevinho (Ilex aquifolium), ao teixo de copa estreita ou irlandês (Taxus baccata “fastigiata”) e eventualmente ao azereiro (Prunus lusitanica). Como preciosidade nativa a introduzir no Jardim Botânico, escolhe-se este espaço de destaque para acolher um ou dois maciços Acer monspessulanum (zelha).

Jardim dos Anões

 Floresta

Entre o terror e a noite caminhei

Não em redor das coisas mas subindo Através do calor das suas veias

Não em redor das coisas mas morrendo Transfigurada em tudo quanto amei.

Entre o luar e a sombra caminhei: Era ali a minha alma, cada flor

— Cega, secreta e doce como estrelas — Quando a tocava nela me tornei.

E as árvores abriram os seus ramos Os seus ramos enormes e convexos

E no estranho brilhar dos seus reflexos Oscilavam sinais, quebrados ecos

Que no silêncio fantástico beijei. (Andresen, 2003a, p. 64)

O Jardim dos Anões é um espaço recém-inventado baseado em ambientes descritos em algumas passagens do conto de Sophia A Floresta, no qual também se desenharam novos caminhos curvilíneos. Para acentuar esta iconografia, será criado um pequeno bosque, onde se poderá desenvolver uma coleção de bétulas ou vidoeiros, plantadas em núcleos homogéneos de Betula celtiberica (vidoeiro), Betula utilis var. jacquemontii (bétula dos Himalaias), Betula papyrifera (bétula da América). Estes maciços serão plantados em alta densidade, formando microbosquetes que estimulam a sensação de um espaço de fantasia infantil. Ocasionais pontuações de azevinho (Ilex aquifolium, Ilex aquifolium “Argentea Marginata” e Ilex aquifolium “Aurea Marginata”), Erica arborea, Juniperus communis e Pinus sylvestris rematarão a ambiência do Norte. O revestimento do solo será feito a partir de uma coleção de heras de folha grande (tipo Hedera canariensis) e folha pequena (Hedera helix, H. helix “Adam”, H. helix “Eva”, H. helix “Gold Heart”, entre outras).

Jardim dos Jotas

Jardim verde e em flor, jardim de buxo Onde o poente interminável arde Enquanto bailam lentas as horas da tarde. Os narcisos ondulam e o repuxo,

Voz onde o silêncio se embala, Canta, murmura e fala

Dos paraísos desejados,

Cuja lembrança enche de bailados

A clara solidão das tuas ruas. (Andresen, 2003a , p. 20)

As sebes de buxo-anão, em conjunto com as sebes altas de Camellia japonica, definem a estrutura verde principal deste espaço;  manifestam-se num desenho forte que remete para as iniciais dos nomes dos últimos proprietários privados da quinta; encontram-se em razoável estado e conservação. Neste jardim, a plantação do interior dos canteiros pode ser significativamente melhorada, através do recurso a herbáceas vivazes floríferas, cuja floração ocorra acima da altura das sebes de buxo; este aspeto atualmente não é cumprido porque as espécies utilizadas são, na sua maioria, bolbosas cujos elementos florais ficam abaixo da sebe de buxo, não sendo, portanto, vistas à distância, como é desejável.

Assim, o interior dos canteiros deveria acolher uma coleção de bolbosas e herbáceas vivazes de pé alto, com interesse florífero desde o fim do inverno até ao início do outono. Ao nível das bolbosas, deve ser dada atenção prioritária a coleções de Narcissus sp. (narcisos e junquilhos, sobretudo junto ao canteiro das entradas do topo norte), Iris sp. (lírios holandeses e Iris xiphium) Lilium sp. (açucenas), Gladiolus sp.  (gladíolos e espadanas), Gypsophila sp. (gispofila) com eventual pontuação das nativas Paradisea lusitanica e Asphodelus lusitanicus. No que diz respeito às herbáceas vivazes, a utilizar em complemento com as bolbosas, para garantir a continuidade florífera do jardim ao longo do intervalo de tempo indicado, salientam-se as espécies de Leucanthemum sp. (malmequeres vivazes, salazares), Papaver orientale (papoilas vivazes), Rudbeckia sp., Echinacea sp. e Aster sp.

 Jardim do Roseiral

 As Rosas

Quando à noite desfolho e trinco as rosas É como se prendesse entre os meus dentes Todo o luar das noites transparentes, Todo o fulgor das tarde luminosas,

O vento bailador das Primaveras, A doçura amarga dos poentes,

E a exaltação de todas as esperas. (Andresen, 2003a, p. 17)

O roseiral é o espaço mais imediatamente visto da casa e constitui o jardim central de entre o conjunto dos jardins que integram este grande patamar. É, por isso, um espaço muito exposto que requer atenção imediata, sobretudo ao nível da qualificação da estrutura verde. O jardim é atualmente formado por canteiros debruados a magras e descontínuas sebes de buxo-anão, sendo o interior preenchido por rosas de cultivares, maioritariamente modernas, as quais não se encontram identificadas nem evidenciam qualquer critério de espacialização explícito, para além da mistura das cores, aparentemente ao acaso. Estas, no entanto, cumprem um elevado efeito cromático, a partir de florações que se estendem do meio da primavera até ao outono, aspeto muito notado e registado. O solo dos canteiros é revestido por um inerte de aspeto estranho, devendo por isso ser revista esta opção.

O carácter exposto ao público, a imediata ligação à casa e os próprios sucessos das tipologias de roseiras preexistentes conduziram à decisão de centrar a intervenção neste espaço na criação de uma criteriosa e bem identificada coleção de roseiras de cultivares modernas, com floração contínua e preferencialmente perfumada, do tipo híbridas perpétuas, híbridas de chá e floribundas; o solo deverá ser revestido com alinhamentos de alfazemas de escapo florífero baixo, tipo Lavandula “Hidcote”; pontuações ocasionais de girassol podem ocorrer como intervenções anuais efémeras. As sebes de buxo-anão devem ser refeitas de modo a constituírem uma delimitação contínua, explícita e consistente.

Jardim do Peixe

Aquelas que exaltadas e secretas À janela espreitaram inquietas O rumor do poente nas estradas, Julgaram vir de ti essa passagem Contida na beleza da paisagem. Solitárias mordendo a sua fome Percorrem o silêncio dos jardins

E vão gritando às sombras o teu nome. (Andresen, 2003b, p. 37)

O Jardim do Peixe, ou da Espargueira, sofre alterações no seu traçado de modo a tornar-se mais interessante ao percurso e menos exigente em manutenção. Assim, surgem caminhos contidos ao longo das sebes de camélia, os quais diminuem os canteiros existentes, e o canteiro central perde as sebes, convertendo-se num prado cortado à base de Bellis perenis (margaridas, boninas) e Chamaemelum nobile (camomila), podendo também evoluir para um prado de tomilhos rastejantes (tipo Thymus caespititius); uma coleção de bolbos baixos, de primavera e outono, acrescerá o seu interesse: Crocus sp., Colchium sp. e Merendera pyrenaica. Os buxos que debruam o canteiro central poderão ser reutilizados na colmatação de falhas existentes neste jardim ou noutros.

Os canteiros laterais e os que rematam os topos norte e sul do jardim manterão as sebes de buxo-anão e o interior deve acolher uma coleção de espécies arbustivas e subarbustivas resistentes ao talho e por isso interessantes para formar elementos de topiária: Rosmarinus officinalis (alecrim), Myrtus communis (murta), Teucrium fruticans (mato-branco), Diosma ericoides (alecrim do Norte), Viburnum tinus (folhado ou laurestim), Rhamnus alaternus (sanguinho das sebes) e Pistacia lentiscus (aroeira). Por entre os arbustos podados em meia-laranja surgirá, em jeito de colmatação, uma coleção de rosas de espécies nativas (tipo Rosa canina ou Rosa sempervirens), rosas antigas (tipo Rosa gallica, rosa damascena, Rosa alba ou Rosa centifolia) e eventualmente rosas decumbentes (tipo Rosa “Dorothy Perkins” ou Rosa “Albéric Barbier”).

Para dar verticalidade e algum dramatismo, será introduzida uma ou outra pontuação de ciprestes ou teixos de copa estreita, talhado em coluna.

Jardim do Xisto

 O Jardim

O jardim está brilhante e florido Sobre as ervas, entre as folhagens, O vento passa, sonhador e distraído, Peregrino de mil romagens.

É Maio ácido e multicolor, Devorado pelo próprio ardor, Que nesta clara tarde de cristal Avança pelos caminhos

Até os fantásticos desalinhos Do meu bem e do meu mal.

E no seu bailado levada Pelo jardim deliro e divago, Ora espreitando debruçada Os jardins do fundo do lago, Ora perdendo o meu olhar Na indizível verdura

Das folhas novas e tenras Onde eu queria saciar

A minha longa sede de frescura. (Andresen, 2003a, p. 13)

Este jardim é provavelmente o mais bem desenhado do conjunto e aquele que retém alguma qualidade contemporânea, sobretudo no que se refere ao espaço e às oportunidades de percurso, estadia e reunião de grupos mais alargados de visitantes. Neste espaço, para além do enriquecimento da coleção de plantas aquáticas e da margem, presentes nos lagos centrais, propõe-se ainda uma revisão da plantação dos canteiros da orla com roseiras arbustivas modernas (tipo Rosa rugosa) e roseiras tapizantes (tipo Rosa “Grouse”).

O espaço ocupado pelo jardim de pedras, agora desafogado e com novas oportunidades de percurso também desenhadas no âmbito deste projeto, poderá acolher uma pequena coleção de urzes (Erica sp., Calluna sp., Daboecia cantabrica), alguma mistura de Cistus salvifolius e Cistus psilosepalus (estevas pequenas de flor branca) de Halimium sp. (sargaças) e de Lavandula luisieri (rosmaninho pequeno). Estas formações subarbustivas podem ser conduzidas em conjuntos de maciços arredondados nos espaços mais quentes, com exposição sul e poente.

Jardim do Rapaz de Bronze

Devagar no jardim a noite poisa E o bailado dos seus passos

Liberta a minha alma dos seus laços

Como se de novo fosse criada cada coisa. (Andresen, 2003a, p.72)

Este espaço, cujo traçado oitocentista parece ter sido alterado pelo risco modernizador de Koepp, sobretudo ao nível dos caminhos, mantém uma fonte central com a já referida estátua feminina que evoca o Rapaz de Bronze. É novamente um espaço muito sujeito à ficção, que se encontra relativamente estabilizado em termos de estrutura verde. Assim, deve aqui manter-se a maior parte da vegetação arbórea e arbustiva existente, bem como o revestimento herbáceo de Ophiopogon japonicus como seu núcleo de sombra de Aspidistra elatior.

Um núcleo de quatro Rhodondendron sp., arbustos de grande porte, deve ser transplantado para outro local do jardim, pois onde se encontra não contribui para a leitura e fruição do espaço, podendo vir a enriquecer outro ponto. Uma mancha de Clorophytum comosum deve ser redesenhada e a espécie substituída por Juniperus sabina tamariscifolia.

 Jardim do Carvalho do Gladíolo

Há jardins invadidos de luar

Que vibram no silêncio como liras. Segura o teu amor entre os teus dedos Neste jardins de Abril em que respiras.

A vida não virá — as tuas mãos Não podem colher noutras a doçura Das flores baloiçando ao vento leve.

Fosse o teu corpo feito de luar, Fosses tu o jardim cheio de lagos, As árvores em flor, a profusão

Da sua sombra negra nos caminhos. (Andresen, 2003a, p. 66)

Novo espaço de ficção suportado pelo conto O Rapaz de Bronze, o qual deverá manter tanto quanto possível o revestimento vegetal com ajustamentos pontuais. Estes ajustamentos devem incidir especialmente sobre o revestimento herbáceo, o qual deve ser revisto, mantendo a mesma qualidade florística mas com uma nova disposição espacial. Todas as manchas devem ser redesenhadas, mantendo-se monoespecíficas. Assim, as manchas de Agapanthus africanus devem ser unificadas e reduzidas a uma só mancha com cerca de metade da atualmente existente, a mancha de Clivia miniata, reforçada na parte mais sombria do jardim (lado norte), a mancha de Acanthus mollis, unificada e aumentada, a mancha de Vinca difformis, reforçada e tornada mais explícita, havendo o mesmo procedimento para a mancha de Primula vulgaris. A mancha de Hemerocallis citrina deve também ser reforçada e mantida aproximadamente na posição onde está.

Novas manchas de Bergenia cordifolia, de Fragaria vesca e de Ajuga reptans devem ser adicionadas. A primeira tem de se situar em zonas de luz, no lado sul do jardim e as duas últimas podem ocupar zonas de sombra; a Ajuga reptans liga particularmente bem com a Primula vulgaris; pela sua pequena dimensão, estas espécies ocuparão as zonas mais próximas dos caminhos.

Claro que também se propõe um núcleo de gladíolos de jardim de flor escarlate, em frente à janela da fachada poente da casa, voltada para o carvalho roble.

Conclusão

Na obra de Sophia, as casas e os jardins que habitou são frequentemente rememorados e enaltecidos, pois esses espaços fazem parte da sua biografia, como a própria afirma. Aqui, os acontecimentos ganham relevo – os encontros e desencontros, o arrebatamento do amor e a sua ansiedade, o êxtase e a felicidade, são expressos, física e poeticamente (Bonafim, 2010), numa descrição muito límpida.

Foi esta narrativa poética, também muito literal, concreta e objetiva, sobre os espaços e os elementos que os ocupam, que sugeriu a concepção técnica do projeto de arquitetura paisagista no Jardim de Sophia.

Inspirado na presença e na narrativa poética desta mulher singular, o Jardim de Sophia é, por excelência, o espaço de reforço da componente literária do Jardim Botânico do Porto, a par da componente histórica e botânica, contribuindo para o explícito enriquecimento iconográfico, espacial e florístico do patamar central do jardim botânico, facilitando o acesso à dimensão mais poética desta paisagem.

 

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