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Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher

versão impressa ISSN 0874-6885

Faces de Eva. Estudos sobre a Mulher  no.32 Lisboa  2014

 

ESTUDOS

A preparação das iguarias na festa do Sagrado Coração de Jesus: a divisão sexual e social do trabalho no Cariri rural cearense

Ariza Maria Rocha1

Professora na Universidade Regional do Cariri - URCA desde 2003 arizarocha2000@yahoo.com.br


RESUMO

A partir de bases histórico-etnográficas, abordo, no presente texto, a divisão sexual e social do trabalho na preparação das iguarias da festa do Sagrado Coração de Jesus no Cariri cearense. Pretendo possibilitar uma compreensão do saber-fazer das iguarias tomando como base as narrativas de 25 famílias residentes nas cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, Ceará, Brasil. Nos depoimentos, os entrevistados relatam a influência de Padre Cícero Romão, como grande divulgador da festa, por volta do ano de 1898, festa que resiste até aos dias atuais. O estudo permite compreender o papel da comida como aglutinador e apresentar a hierarquização, poder e divisão social e sexual dos papéis dos gêneros no seio familiar.

Palavras-chave: divisão sexual; trabalho; gênero; iguarias; Cariri cearense.

 

ABSTRACT

From a historical ethnographical basis, we aim to examine the gender division of labor in the preparation of delicacies at the party of the Sa-cred Heart in Cariri Cearense. We also seek to more fully comprehend these delicacies according to the narratives of 25 families living in the Brazilian cities of Crato, Juazeiro do Norte and Barbalha, Ceará. When interviewed, these families highlighted the influence of Padre Cícero Romão as a significant propagandist of the event beginning in 1898 and persist into the present. This study ultimately explains this and other influences while elucidating how food can serve as a uniting factor of hierarchy, power, and the social division of gender roles in the family.

Keywords: sexual division; work; gender; delicacies; Cariri Cearense.

 

Este texto pretende abordar as práticas alimentares na festa do Sagrado Coração de Jesus, na região do Cariri, especialmente nas cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, região mais conhecida como CRAJUBAR. Para tanto, foram entrevistadas 25 famílias2 , no período de 2011-2012, que narraram as memórias, o saber-fazer e os papéis de cada membro familiar nos preparativos de tal festividade. Nesta direção, pretendo apresentar a divisão sexual e social do trabalho dos participantes no preparo das iguarias do evento, bem como possibilitar uma compreensão do saber-fazer das iguarias a partir de bases histórico-etnográficas.

 

O Cariri e a Festa do Sagrado Coração de Jesus

O Vale do Cariri está situado na região do Araripe, ao Sul do Estado do Ceará, e possui a segunda maior concentração populacional do Ceará, com 577 mil habitantes (7,1% da população total). O polo dinâmico da região é o CRAJUBAR, formado pelas cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, locais onde se desenvolveu a investigação. No Cariri, segundo Figueirêdo (2004, p. 24), a devoção ao Sagrado Coração de Jesus de Roma foi disseminada pelas mãos de Padre Cícero Romão (1844-1934), religioso de grande popularidade no nordeste brasileiro que se destacou na vida social, política e religiosa, e que trouxe, em 1898, uma imagem do Coração de Jesus, até hoje velada na Igreja Nossa Senhora das Dores, também conhecida como Matriz de Juazeiro do Norte.

O clérigo, na época, encarregou uma beata de difundir a devoção no seio das famílias caririenses conforme os preceitos da romanização da Igreja Católica no Brasil. As orientações do sacerdote para a “reza do santo” eram que: “naquele momento festivo, não celebrassem sozinhas, mas que convidassem os parentes, amigos e vizinhos tornando-se também um ato de confraternização” (Figueirêdo, 2004). E assim, a festa tem sido comemorada entre as famílias da região.

A devoção é originária de uma visão de Santa Margarida Maria de Alacoque (1647-1690), na cidade de Paray-le-Monial, na França, quando Jesus apareceu-lhe numerosas vezes de 1673 até 1675, com o coração em chamas, e pediu-lhe que celebrassem uma festa para honrar seu coração. Na aparição, em favor das pessoas devotadas ao Divino Coração, Jesus Cristo fez as seguintes promessas:

 

“Dar-lhes-ei todas as graças que precisarem para o seu estado;

Dar-lhes-ei a paz no seio da família;

Consolá-los-ei em todas as suas aflições;

Servir-lhes-ei de refúgio durante a vida e na hora da morte;

Espalharei abundantes bênçãos sobre todas as suas empresas;

Os pecados encontrarão no meu Coração a fonte de misericórdia;

Tornarei fervorosas as almas pacíficas;

As almas fervorosas se elevarão com rapidez a uma alta perfeição;

Abençoarei também as casas em que a imagem do meu Sagrado Coração estiver exposta e venerada;

Darei aos padres o dom de comover os corações mais endurecidos;

As pessoas que propagarem esta devoção terão os seus nomes inscritos no meu Coração e dele nunca se apagarão; todos os que comungarem a primeira sexta-feira, nove meses seguidos, prometo a graça da perseverança final; não morrerão na minha desgraça nem sem receber os sacramentos, e meu Coração se tornará seu asilo seguro na última hora.” (Cerimonial para entronização dos Sagrados Corações de Jesus e Maria, p. 1)

 

Na esperança do cumprimento das promessas acima, as famílias têm-se reunido em um dia significativo como, por exemplo, batizado, votos matrimoniais do casal, aniversário etc., para renovar a fé, agradecer as bênçãos e estreitar os laços familiares em um encontro que transmite rituais, valores e saberes da coletividade.

Conhecida também por “entronização”, a festividade tem essa denominação quando a família recebe pela primeira vez a imagem do Coração de Jesus e a fixa na parede para que componha o altar. Segundo os fundamentos da renovação dos votos católicos é pela entronização que a família, vizinhos e convidados restituem os laços com os mandamentos de Cristo e da Igreja. Tal prática conta com a aprovação dos Papas Pio X, Bento XV, Pio XI e Pio XII.

Após a entronização da imagem, a família passa a realizar, anualmente, a renovação dos votos sempre na mesma data. A importante ocasião solicita que alguns preparativos antecedam a festa, como, por exemplo, pintura, limpeza e ornamentação da casa e dos quadros com flores artificiais (rosa e azul), contatar a rezadeira para ministrar as orações e, principalmente, a preparação da comida que será servida aos convidados, ou seja, prepara-se o “de comer” para fazer a merenda e o almoço ou o jantar.

Relatos de alguns entrevistados apontam que, no tempo de Padre Cícero, era comum oferecer apenas café com bolachas aos convidados. No entanto, tal prática passou por mudanças, apesar de algumas comidas, com raras exceções, não desaparecerem completamente do cardápio familiar. Neste seguimento, outrora ofereciam-se sequilhos com aluá3, chá, café com bolo (puba4, milho, entre outros), hoje, servem-se refrigerantes com salgadinhos. Já a refeição principal teve poucas mudanças. O comum era servir o porco de diversas formas, juntamente, com galinha assada e cozida, arroz, farofa de cuscuz, bolinha de porco e de carne, etc. Nos dias de hoje, há famílias oferecendo lasanha. No entanto, o importante é destacar que há um banquete que vai do mais simples ao mais requintado em que a “convivialidade manifesta-se sempre na comida compartilhada” (Carneiro, 2003, p. 3).

Os principais pontos de destaque da festa são os rituais religiosos e a prática alimentar apoia-se na cultura da região transmitidos pelos conhecimentos das rezadeiras ou dos “tiradeiros” e das mãos prendadas das cozinheiras, pois, são elas que possuem os saberes culinários e a técnica do preparo e nesse cenário encontram-se os valores e a divisão dos papéis sociais e sexuais da referida festividade.

 

O ritual da festa: rezas e comidas

No Brasil, desde o período colonial, as festas, independentemente do grupo social, giravam em torno das datas comemorativas da Igreja e, muitas vezes, eram consideradas como a única forma de diversão e confraternização do povo. Assim entendida, a festa de renovação não foge à lógica por se tratar de uma reunião que acontece em uma celebração dos cristãos, em atitude de fé e dos mistérios da fé anualmente nas residências. Sua organização ocorre através de regras, símbolos e práticas que englobam o momento da oração e da confraternização e que traduz a essência, o comportamento, os sentimentos e as intenções do grupo que faz a festa. Há também a transmissão de uma linguagem, uma memória e uma mensagem (Guimaraes, 1992, pp. 143-157), traduzida pelas orientações da Cartilha da Renovação, e que se inicia fixando o quadro ou imagem do Sagrado Coração de Jesus em um lugar de honra da casa, de preferência na parede da sala de estar da família.

O próximo passo é a preparação do “trono” ou “altar” para ser abençoado pelo padre. Trata-se de um pequeno santuário com uma mesa ou uma prateleira coberta com um tecido branco, também chamado de “toalhas do Santo”, bordado com as iniciais SCJ, ou seja, Sagrado Coração de Jesus, ornamentado com flores artificiais cor de rosa e azul, um copo de água benta e velas acesas, conforme ilustra a foto abaixo:

 

 

Assim são os altares típicos das famílias no Cariri. No entanto, a decoração depende da devoção familiar e dos meios económicos. Também é comum encontrar, ao lado da imagem do Sagrado Coração de Jesus e de Maria, a imagem de outros santos.

A entronização (elevação da imagem do Coração de Jesus ao trono) e a renovação desses votos ocorrem embaladas com cânticos, preces, leituras do Evangelho e exprimem um desejo concomitante com uma ideia, sentimento, pensamento e ação que dialogam com a divindade. Mauss explica que:

 

“De todos os fenômenos religiosos, mesmo os considerando apenas de fora, é a oração que apresenta imediatamente a impressão de vida, riqueza e complexidade. Ela possui uma história maravilhosa: parte de baixo, e ascende gradualmente até a cimeira da vida religiosa. Infinitamente flexível, assume as formas mais variadas, alternadamente adorativas e vinculativas, humildes e ameaçadoras, secas e abundantes em imagens, imutáveis e variáveis, mecânicas e mentais. Preenche os papéis mais diversos: aqui é um pedido brutal, lá uma ordem, noutro lugar um contrato, um ato de fé, uma confissão, uma súplica, um elogio, um Hosana. Ás vezes, uma mesma espécie de orações tem passado sucessivamente por todas as vicissitudes: quase vazia na origem, encontra­‑se um dia cheia de sentidos; em outro, quase sublime no início, se reduz gradualmente a um salmo mecânico” (1909, p. 774).

 

É costume, ainda, soltar fogos durante toda a festa, principalmente no início, para anunciar aos vizinhos e parentes que moram distante que a festa vai começar. Importante não esquecer que, após aproximadamente uma hora, o final das preces é aclamado pelos participantes com uma sonora exclamação: “Viva!”.

Começa, então, a segunda parte: oferecer aos participantes a comida que foi preparada com tanto esmero e capricho para a ocasião. Trata­‑se de uma comida especial que escapa ao cardápio do dia­‑a­‑dia. Os entrevistados idosos5 contaram que padre Cícero recomendava tal prática alimentar com o propósito de recuperar as forças dos convidados que ficavam exaustos após uma hora de oração, além do fato de que muitos familiares vinham de locais longínquos para participar do momento festivo.

A fartura e a diversidade são características da festa. São servidos pratos de carne de porco, galinha assada e galinha capoeira, bolinha de carne de porco, arroz, feijão, macaxeira6 assada, farofa de cuscuz, entre outros. Na merenda encontram­‑se os bolos (milho, puba, macaxeira, fofo), salgados, sequilhos acompanhados com café, suco, aluá e refrigerante. Assim, não só um ritual religioso é celebrado, mas também de comensalidade, conforme esclarece DaMatta: “Na mesa, realmente, e através da comida comum, comungamos uns com os outros num ato festivo e certamente sagrado. Ato que celebra as nossas relações mais que nossas individualidades” (DaMatta, 1986, p. 62).

Mais que alimentar­‑se, o ato de comer junto com os familiares, amigos e parentes representa “o primeiro sinal de pertencimento ao grupo” (Montanari, 2008, p. 158) e, ainda, revela­‑se a identidade de um povo “entendida como elemento dinâmico plasmado pelo fluir da história por meio das trocas entre culturas” (Montanari, 2008, p. 206). Logo, a comida é um veículo de identidade cujas tradições culinárias revelam as práticas e o saber, mas também os aspectos econômico, cultural, social, lúdico e religioso do local.

Sintetizando, a festa é marcada pela seguinte composição: a oração, os preparativos para a refeição (o jantar ou almoço) e, por último, a comida servida após as preces. Monsenhor Ágio explica que: “Há o lado religioso que é a devoção ao Sagrado Coração de Jesus e também o lado social da festa, onde a família congratula com os familiares e amigos”7. Dito de outra forma, a festa reúne as dimensões do sagrado e do profano. A respeito do caráter profano, Guimaraes explica que se trata dos “aspectos lúdicos, de recreação, danças coletivas, manifestações literárias e folclóricas. Em outras palavras, profano aqui significa o que é diferente do religioso católico oficial” (Guimaraes, 1992, pp. 143­‑157). Nessa direção, é possível compreender o papel da comida não só como aglutinador de identidade, como também, através da comida, a possibilidade de conhecer o sistema culinário do local, e, principalmente, a divisão de tarefas dos homens e mulheres no contexto dessa prática cultural.

Após as orações, a dona da casa convida os participantes para o banquete. Segundo Eckstein, “em uma religião, os alimentos podem contribuir para três finalidades: comunicar com Deus; demonstrar fé por meio da aceitação das diretrizes devidas relacionadas à dieta; desenvolver disciplina por meio do jejum” (apud. Contreras e Gracia, 2011, p. 177). No caso da Festa de Renovação, o alimento enquadra­‑se no contexto de comunicação com Deus. No entanto, tomando o quadro de Baas, Waefield & Kolasa (Contreras e Gracia 2011, p. 127) como referência, constata­‑se que não há apenas uma função inserida nessa prática, pois, segundo os autores, as funções socioculturais da alimentação podem ser:

 

 

A partir do quadro supracitado, o alimento servido na Festa de Renovação, além das funções mencionadas, pode ser não apenas o momento de satisfazer a fome e nutrir o corpo, por razões explicadas anteriormente, mas também o momento de iniciar e manter relações pessoais e de negócios através da inserção dos familiares, vizinhos, amigos e a presença dos convidados dos amigos. Assim, a natureza e a extensão das relações sociais são reveladas antes, durante e depois da festa.

O cardápio comunica a cultura alimentar, bem como as condições econômicas, o meio ambiente, o clima, os saberes e os fazeres das mulheres e dos homens. Pela ação compartilhada com os parentes, vizinhos e conhecidos de um grupo ligado às raízes do lugar e à religião, o ato litúrgico proporciona o desenvolvimento de atividades comunitárias a exemplo rezar, preparar a festa e comer junto aos parentes.

 

Divisão sexual e social do trabalho no preparo das iguarias culinárias

A compreensão da divisão sexual e social durante os preparativos para a festa de renovação no Cariri cearense está presente nas narrativas das famílias imbuídas de destaques significativos desta prática cultural. Antes, porém, convém explicar que, da relação entre os sexos, surgiu a divisão sexual do trabalho, ou seja, a masculinização e a feminização das tarefas, funções e profissões, pois:

 

“Como todo agir humano, essas tarefas femininas dependem da ordem cultural: diferem, de uma sociedade à outra, sua hierarquia interna e seus modos de proceder; de uma geração à outra, numa mesma sociedade e de uma classe social à outra, transformam­‑se as técnicas que presidem essas tarefas, como também as regras de ação e os modelos de comportamento que dizem respeito a elas” (Giard, 2011, p. 218).

 

Assim, reportando aos tempos da caverna, a partir do momento em que a mulher, por questões biológicas (gravidez, amamentação, menstruação etc.) deixou de seguir a tribo, ela passou a assumir as tarefas ligadas à reprodução, ou seja, cozinhar, cuidar dos filhos, dentre outras, enquanto o homem encarregou­‑se do abastecimento de provisões destinadas à sobrevivência do grupo, ou seja, divisão do trabalho ditada pelas condições biológicas. Tal pensamento encontrou, com o passar do tempo, apoio e ressonância nas vozes masculinas sobre a condição feminina de ser o sexo frágil, emotivo8 e inferior ao homem e como tal precisava ser controlado por regras, normas, disciplinamento, manuais de conduta e higienização física e moral.

Neste sentido, o princípio de separação (trabalhos diferentes para cada sexo) e o princípio hierárquico (o trabalho masculino ‘“vale” mais que um trabalho de mulher”) (Hirata e Kergoat, 2007, p. 600) atendem à divisão social do trabalho. Além do mais, surge daí a representação social de cada gênero a partir das características físicas, emocionais e psicológicas do que se consideram ser homem e ser mulher em cada sociedade (Stancki, 2003, p. 12). Não obstante, é no seio familiar que se encontra o primeiro espaço de construção de gênero por ser o primeiro contato com o mundo exterior, sendo esses os que traduzem as convenções, a cultura e os valores do que a menina e o menino devem fazer, brincar e trabalhar.

Após os esclarecimentos iniciais, situarei a divisão social e sexual nas narrativas e, consequentemente, as representações sociais da mulher e do homem do meio rural. Entre os exemplos, está o depoimento de D. Maria9:

 

“Era miúda quando começou a participar da festa. A quantidade vale do número de convidados. Primeiro serve­‑se o almoço: um porco, quinze galinhas, arroz etc. Depois da reza, oferece, nos dias de hoje, a merenda com refrigerante e bolo de puba, mas, antes era quatro balaios de sequilhos. Depois que minha mãe faleceu passou­‑se a comemorar a festa no dia das mães, mas, quando ela estava viva, todos acordavam as 4:00 horas da manhã para fazer os sequilhos. Era o meu pai que se encarregava de fazer o forno encostado na parede, que era mais rápido no cozimento, em média em cinco minutos, mas, hoje não faz mais isso não, morreu a dona da casa não fica mais a mesma coisa”.

 

No registro deste discurso, D. Maria recordou os sabores jamais esquecidos por estarem presentes na memória que despertou não só a recordação nostálgica da infância, como também a representação do papel do homem. Neste caso, o serviço do pai está associado à habilidade e à força física de preparar o fogo para a montagem da trempe no cozimento das iguarias. A ausência da mãe reflete a quebra na rotina familiar cujas atividades são associadas à “manutenção dos bens do lar e a conservação da vida dos membros da família” (Giard, 2011, p. 218).

O papel da mulher em cuidar dos filhos, marido e da casa reflete a formação feminina ao longo dos tempos. Por exemplo, no Brasil, encontramos registrado na obra de José da Silva Lisboa, o Visconde de Cayru (1903), cujas palavras traduzem a concepção masculina do lugar social da mulher, ou seja, “o cuidado da sua família é seu maior deleite; a isso aplica todo o seu cuidado, e a decência e frugalidade se admira na sua morada” (Lisboa, 1903, p. 71). Alerto que esse pensamento acompanhou não só a sociedade moderna europeia10, como também a cultura indígena brasileira11, considerando as diferentes camadas sociais, o tempo e a sociedade.

Fruto do pensamento de uma época, a educação feminina era voltada desde o Brasil colônia à instrução com fins utilitários e práticos ao casamento, como, por exemplo, prendas domésticas e trabalhos manuais. Mesmo séculos à frente, esse tipo de formação respingava nos estabelecimentos educacionais, como, por exemplo, as Escolas Normais do país, também conhecidas por volta da década de 1920 como “espera marido”. A propósito, ser professora, enfermeira e cozinheira eram atividades bem vistas socialmente para o trabalho remunerado.

Assim entendido, o trabalho social foi associado à divisão sexual de tarefas com separação de atividades para homens e mulheres, hierarquização de poder, autoridade masculina, representação social do trabalho consoante as características próprias de cada sexo (razão, emoção, percepção, objetividade, força física etc.). Neste contexto, no cotidiano doméstico, particularmente no meio rural do Cariri, mas não exclusivamente, havia e ainda há tarefas de incumbências femininas, como, por exemplo, as tarefas domésticas que são atividades rotineiras e não­‑remuneradas ocasionando a invisibilidade do trabalho doméstico.

A respeito do trabalho da mulher, Sr. José (73 anos), um dos entrevistados, reconhece que: “o serviço do homem é pesado, mas o da mulher é muito mais, porque [além de cozinhar, cuidar da casa, dos filhos e do marido] têm que moer milho, pilar o arroz”. A invisibilidade do trabalho feminino deprecia atividades como a de cozinhar, pois:

 

“Exige uma memória múltipla: memória de aprendizagem, memória dos gestos múltipla: memória de aprendizagem, memória dos gestos vistos, das consistências […]. Exige também uma inteligência programadora: é preciso calcular com perícia o tempo de preparação e de cozimento, intercalar as sequências umas às outras, compor a sucessão dos pratos para atingir o grau de calor desejado no momento adequado. A receptividade sensorial também intervém: mais que o tempo teórico de cozimento indicado na receita, o que informa sobre a evolução do cozimento e sobre a necessidade de aumentar ou diminuir o calor é o cheiro que vem do forno. Aqui também entra a engenhosidade que cria artifícios: como aproveitar os restos para dar a impressão de que se trata de um prato completamente diferente? Cada refeição exige a capacidade inventiva de uma mini estratégia pra fazer mudança, por exemplo, quando falta um ingrediente ou não se dispõe do utensílio próprio para uma determinada receita. […]. Portanto, entrar na cozinha, manejar coisas comuns é pôr a inteligência a funcionar, uma inteligência sutil, cheia de nuanças, de descobertas iminentes, uma inteligência leve e viva que se revela sem se dar a ver, em suma, uma inteligência bem comum.” (Giard, 2011, p. 219)

 

Em contrapartida, no que diz respeito às tarefas domésticas, os homens encarregavam­‑se, predominantemente, do trabalho na roça, do preparo da trempe e da matança dos animais, como por exemplo a do porco. Assim, mulheres e homens são inseridos em diferentes afazeres domésticos, tornando­‑se úteis e produtivos em função do lugar social e sexual que lhes são imputados e, mesmo que a igualdade entre os gêneros12 seja maior do que as gerações passadas, ainda persiste uma relação assimétrica entre o masculino e o feminino.

Em seguimento, nos preparativos, a dona da residência é quem decide a quantidade, os temperos e o preparo da comida, as tarefas de cada membro familiar, a convocação da rezadeira, a limpeza da casa, móveis e quintal, a recepção e o servir dos convidados e, no final, a reorganização da casa. A entrevistada D. Maria (80 anos) afirma:

 

“As mulheres que se colocavam a disposição. Arrumavam a cozinha varrendo, lavando e preparando os alimentos, depois essas mesmas mulheres ficavam para lavar a louça e arrumar a casa, tinham pessoas que ficavam conversando até bater o sono. Tudo era lavado desde cadeiras, até mesas, armários­‑baús que eram utilizados para guardar roupas e eram cobertos com papel de presente (...) nas vésperas da reza minhas filhas vêm me ajudar a lavar a casa, os panos da cama, espanar os móveis, varrer os terreiros, os homens ficam trabalhando em como matar animais (porco, carneiro). Depois da festa, minhas filhas me ajudam a deixar tudo de volta nos lugares lavados e limpos. Os convidados para o almoço são os filhos, as noras, os genros, netos e bisnetos, a reza é para quem queira participar”.

 

Segundo algumas narrativas, a hora de servir o alimento também era marcada pela divisão sexual, ou seja, nas festas de outrora, a comida era servida por ordem de importância ou pela hierarquização, aos homens, às mulheres e, por último, às crianças. Nos dias de hoje, a comida fica na mesa esperando as pessoas se servirem. Caso fosse uma refeição, todos se sentavam diante da mesa e cada um se servia.

E o serviço do homem? O trabalho masculino está associado ao plantio do roçado, à preparação da terra, à colheita, ao cuidar, ao armazenar o alimento da família para o ano todo, separar uma parte para vender e comprar outros mantimentos não produzidos na propriedade. O agricultor familiar13 planta mandioca, feijão, milho, arroz, hortaliças, frutas, plantas medicinais e mantém uma pequena criação de animais domésticos como, por exemplo, porcos e galinhas.

A matança do porco também é um exemplo de serviço masculino e há toda uma ciência para matar o “bacurin”, conforme as explicações de D. Maria (80 anos):

 

“O porco é morto com uma machadada na perto da orelha, depois a sangria (artéria do pescoço) do porco é furada e o sangue é colhido em uma panela para fazer o chorrisco. Daí o porco é colocado em uma pedra para a retirada de seus pêlos, onde se joga uma água fervente sobre a pele do animal passando logo em seguida uma faca raspando­‑os, enquanto isso as mulheres preparavam o chorrisco e algumas partes como o mocotó e a cabeça do porco, a única coisa que não se aproveitava era o focinho e a passarinha (tripa avermelhada entre as vísceras). Os ossos eram triturados e colocados no mungunzá e no feijão, as tripas eram lavadas e escaldadas com limão, vinagre e depois eram salgadas e torradas no óleo, eu mesma preparava”.

 

No entanto, cabia à mulher a tarefa de tratar do porco o que, todavia, não impedia o auxílio do homem. Muitas vezes, a responsabilidade cabia às mulheres jovens da família. A respeito do trato do animal, D. Maria, outra entrevistada, narrou:

 

“O porco é criado em um chiqueiro feito com varas das matas aqui perto, ele fica no terreiro de casa, é vacinado e tudo. Ele é alimentado com milho, caldo de feijão e restos de comida como também puim de arroz (massa branca que fica sobre o grão de arroz assim que é descascado). De seis meses em diante já dá pra pegar o porco capa e engordar no chiqueiro até chegar o dia do abate, em quanto meu marido podia ele mesmo matava o porco, mas como ele não pode mais a gente chama uma pessoa e dá 1quilo do porco de agrado pra ele”.

 

Depois da matança havia a distribuição da carne aos vizinhos e, se sobrasse, havia o processo da conserva, ou seja, conforme a explicação do Sr. José consistia em “retalhava, salgava, arrumava uma corda para pendurar para secar e enxugar”14. A divisão da carne era calculada pelos dedos, assim, cortava­‑se “dois dedos de toucinho”.

A primeira parte cortada era o rabo que era separado para ser assado e comido por aqueles que estavam trabalhando. A tripa era a mais disputada para comer com farinha. Depois, lavava­‑se o intestino. As vísceras, também chamada de “miúdos” pelo sertanejo, a exemplo da orelha, fígado, bofe e coração eram servidos no almoço, após escaldar. A papada era utilizada no feijão e no mungunzá15. A cabeça era a primeira a ser cozinhada, juntamente com o mocotó16. A banha do porco era armazenada em garrafas para o consumo da família, ou seja, usava­‑se para fritar a comida, carne, ovo e até mesmo no cabelo para deixá­‑lo sedoso. Para acompanhar o cozimento da carne era preciso, também, fazer o tempero com as sementes de urucum17, cheiro verde, alho, pimenta moída e extraída do próprio quintal.

Destaco que, outrora, era mais valorizada a partilha da carne de porco com parentes, vizinhos e compadres e comadres do que a venda, prevalecendo, assim, o sistema de troca de comida, ou seja, aquele que matava o porco reservava e oferecia partes da carne medida pelo grau de afinidade. Como retribuição, quando chegasse a vez do vizinho, oferecia­‑se a mesma prenda na mesma quantidade e qualidade para não desagradar e perder a amizade do vizinho. A partilha também acontecia com outros mantimentos, a exemplo do jerimum (abóbora), legumes e frutas

Para além dessas tarefas, encontramos a representação do papel masculino e feminino na concepção do Monsenhor Ágio (94 anos). Segundo ele, o dono da casa é quem tinha e ainda tem a obrigação de dirigir a festa, pois “é ele que deve proceder”, ou seja, presidir e conduzir as orações, pois cabe ao homem plantar a devoção no lar, daí sua responsabilidade de colocar a devoção no ponto central do seio familiar.

No entanto, o sacerdote explica que “geralmente, nos sítios, povoados, onde não tem padre ou o dono da festa não soubesse ler, ou estivesse impedido de ministrar a reza, quem “puxaria” a oração e a consagraria era a tiradeira”. De acordo com o sacerdote, “qualquer pessoa pode ser rezadeira18 na festa, o padre é para benzer a imagem e o altar”. O ofício de “tirar a reza” era realizado pela tiradeira (rezadeira) ou pelo tirador (rezador), embora, em números menores, encontram­‑se também homens que são tão respeitados quanto as rezadeiras.

Já em relação ao saber­‑fazer do preparo das iguarias da festa, destacamos o aluá, bebida feita pelas mulheres para o dia da festa. Trata­‑se de uma bebida fermentada feita, preferencialmente, a partir do abacaxi devido a facilidade ao acesso à fruta. D. Maria narra o modo de fazer:

 

“Lava o abacaxi, descasca e coloca a casca em uma vasilha com água e cobre, no outro dia com mais ou menos 24 horas ele solta um cheiro característico ai ele está pronto para ser servido. Os abacaxis geralmente eram do quintal de casa mas quando faltava a gente comprava”19.

 

O êxodo rural resultante da questão da seca levou para as cidades de Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha alguns hábitos alimentares que permanecem, no entanto, outros se modificaram nas Festas de Renovação. As transformações chegaram à mesa. Se antes era costume servir aluá, sequilhos, bolos e até um almoço, hoje, vê­‑se o predomínio dos refrigerantes e de outras comidas consideradas práticas nas comemorações em torno da mesa familiar. Este tipo de comportamento foi considerado por Montanari o “paradoxo da globalização” (2008, p. 145).

Hoje, em muitas casas, de um modo geral, a louça foi substituída por pratos descartáveis, o bolo é comprado na padaria e encomendam­‑se os salgadinhos. E quando a família oferece a refeição, essa se restringe aos mais próximos. Há uma variação no cardápio: vatapá, lasanha, creme de galinha, bolo, macarrão, feijão, bolinhas de carne e de galinha salada de verdura e salpicão20. A bebida deixou de ser o café, chá ou suco para passar a ser o refrigerante ou a cajuína21.

Do mesmo modo, não podendo ser diferente, as transformações também chegaram à divisão sexual e social de gênero na família, pois é difícil atribuir hoje a mesma delimitação configuracional da visão biológica, pois observei que, em muitas famílias rurais, o trabalho feminino ganha novos contornos em que a negociação das atividades e tarefas estão sendo redefinidas, no entanto, não queremos dizer com isso que tais práticas desapareceram, apenas estão surgindo outras configurações (Hirata e Kergoat, 2007) em que “é possível a conciliação entre o igual e o diferente, enquanto resultado de questionamento e de novas proposições dos interlocutores nessa situação” (Quinteiro, 2003, p. 66).

No Brasil, outros estudos abordaram a divisão de tarefas por gênero em festas sagradas, como, por exemplo, o trabalho de Albuquerque em “Mulheres Tupinambá e os saberes da fermentação na Amazônia Colonial”. No entanto, o lugar da mulher no preparo da Festa de Renovação do Cariri ainda não foi estudado, daí destaco a relevância deste estudo para compreender, a partir da culinária, a situação feminina na sociedade brasileira com características, ainda predominante, patriarcal, hierárquica e balizada pela Igreja.

 

Referências Bibliográficas

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Notas

1Doutora em Educação pela Universidade Federal do Ceará – UFC (2008).

2 A amostra tem o seguinte perfil: homens e mulheres na faixa etária de 21 a 93 anos, moradores do meio rural e da cidade, religiosos, rezadeiros (as) e frequentadores das renovações.

3 Cascudo define o aluá, ou aruá, da seguinte forma “bebida de milho cozido, arroz ou cascas de abacaxi, fermentada. Adoça­‑se com rapadura. Aluá, aruá, por metátese”. Cascudo, Luiz da Câmara. O Bom Paladar é dos Ricos ou dos Pobres? Separata da Revista de Etnografia N. 4, Museu de Etnografia e História. Junta Distrital do Porto, Imprensa Portuguesa­‑Porto, [1964b].

4 A puba é uma massa extraída da mandioca fermentada e utilizada na produção de bolos, biscoitos e diversas outras receitas típicas do norte­‑nordeste brasileiro.

5 Das 25 famílias participantes, o membro familiar mais novo tinha 21 anos e o mais idoso tinha 93 anos.

6 A macaxeira é uma espécie de mandioca que pode ser utilizada para alimento.

7 Entrevista realizada pela autora no dia 23 de Julho de 2012.

8 Mais informações em Maria da Conceição Quinteiro, 2003 “Igualdade de Gênero na Família”, Faces de Eva, 9, Lisboa, pp. 59­‑66.

9 Para preservar o anonimato dos entrevistados foram dados nomes fictícios aos participantes.

10 Há uma vasta bibliografia sobre a condição feminina na Europa, como, por exemplo: Maria Irene Vaquinhas, As Mulheres no Mundo Contemporâneo. História Comparada, Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2006; Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, Vivências no Feminino. Poder, Violência e Marginalidade nos séculos XV a XIX, Lisboa, Tribuna da História, 2007; María Luisa Candau Chacón, Disciplinamiento Católico e Identidad de Género. Mujeres, Sensualidad y Penitencia en la España Moderna, Manuscritos, vol. 25, Madrid, 2007; História das Mulheres no Ocidente, direcção de George Duby e Michelle Perrot, vol. 3, (Do Renascimento à Idade Moderna), coordenação de Arlette Farge e Natalie Zemon Davis, tradução revista por Maria Helena da Cruz Coelho e Leontina Ventura, Porto, Afrontamento, 1994; François Lebrun, A Vida Conjugal no Antigo Regime, tradução de Carolina Queiroga Ramos, Lisboa, Rolim, 1983; Rafaella Sarti, Casa e Família. Habitar, Comer e Vestir na Europa Moderna, tradução de Isabel Teresa Santos, Lisboa, Estampa, 2001, entre outros.

11 Sobre o papel da mulher indígena no Brasil, cf. Maria Betânia Barbosa Albuquerque, Mulheres Tupinambá e os saberes da Fermentação na Amazônia Colonial, Texto apresentado no IV Encontro Internacional de História Colonial, Belém, 3 a 6 de setembro de 2012. Disponível em http://www.ifch.unicamp.br/ihb/Textos/MBBAlbuquerqueMulheresTupinamba.pdf. Acesso no dia 14 de Novem­bro de 2013.

12 Mais informações em Maria da Conceição Quinteiro, Igualdade de Gênero na Família […].

13 Chamo de agricultor familiar aquele proprietário de pequenas terras que conta com a mão de obra familiar para o trabalho e gestão da produção de subsistência.

14Entrevista realizada pela autora no dia 23 de novembro de 2012.

15Trata­‑se de uma comida muita apreciada na região feita a partir da mistura do milho, feijão, toucinho, linguiça calabresa, carne de charque, cebola, alho, toucinho, coentro, sal e pimenta.

16Trata­‑se das patas, sem o casco, cozidas.

17Condimento preparado à base de sementes dessecadas e trituradas de urucu (planta).

18Os ofícios da rezadeira e do rezador constituem um saber popular que atravessa gerações. Os rezadores são os responsáveis por “tirar” as orações e rezar para “curar” de mal olhado, quebrante, etc. Tal prática reporta a tempos longínquos da contribuição do índio curandeiro e do africano no Brasil. No entanto, recuando mais no tempo, é possível encontrar a presença das rezadeiras na Idade Média. Mais informações em Manuel Fernández Álvarez, Casadas, Monjas, Rameras y Brujas. La Olvidada Historia de la Mujer en el Renacimiento, Madrid, Espasa Calpe, 2002.

19Entrevista realizada pela autora no dia 24 de novembro de 2012.

20No Brasil, o salpicão é uma mistura de legumes com frango desfiado.

21Na região, a cajuína trata­‑se de um refrigerante a base do caju, diferente da cajuína do Piauí que é produzido a partir do suco do caju.