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Psicologia

versão impressa ISSN 0874-2049

Psicologia vol.36 no.1 Lisboa jun. 2022  Epub 30-Jun-2022

https://doi.org/10.17575/psicologia.1808 

Artigos Originais

Vinculação aos pais e as aspirações de vida na adolescência: O efeito mediador da sintomatologia depressiva

Attachment to parents and adolescent life aspirations: The mediating effect of depressive symptoms

Catarina Pinheiro Mota1  2 
http://orcid.org/0000-0003-1814-7425

Tatiana Ferreira1 

Mónica Costa1  2 
http://orcid.org/0000-0001-8999-8695

1 Departamento de Educação e Psicologia, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro - UTAD. Portugal.

2 Centro de Psicologia da Universidade do Porto - CPUP. Portugal.


Resumo

A literatura sugere que a qualidade relacional na díade pais-filhos poderá assumir-se como fator de risco ou protetor na formulação e projeção de aspirações de vida e no desenvolvimento de sintomatologia psicopatológica de natureza depressiva. O objetivo do presente estudo prende-se com a análise do papel da qualidade da vinculação aos pais no desenvolvimento de aspirações de vida de adolescentes, testando o efeito mediador da sintomatologia depressiva na associação anterior. A amostra foi constituída por 1326 participantes, com idades entre os 12 e os 18 anos. Os resultados sugerem que as dimensões da vinculação aos pais predizem diferencialmente as aspirações de vida intrínsecas e extrínsecas e a sintomatologia depressiva. Verifica-se ainda que a sintomatologia depressiva apresenta um efeito mediador positivo na associação entre a qualidade do laço emocional ao pai e as aspirações de vida extrínsecas. Os resultados foram discutidos à luz da teoria da vinculação e da autodeterminação.

Palavras-chave: Vinculação aos pais; Aspirações de vida; Sintomatologia depressiva; Adolescentes

Abstract

The literature suggests that the relational quality of parent-child dyad may be assumed as a risk or protective factor in the development and projection of life aspirations and development of psychopathologic symptoms of depressive nature. The present study aims to analyze the role of quality of attachment to parents in the development of life aspirations of adolescents, testing the mediating effect of depression in the previous association. The sample consisted of 1326 participants, aged between 12 and 18 years. The results suggest that the dimensions of attachment to parents differentially predict the intrinsic and extrinsic life aspirations and depressive symptoms. It also notes that depressive symptoms have a positive mediator effect on the association between the quality of the emotional bond to the father and extrinsic life aspirations. The results were discussed in the light of the theory of attachment and self-determination.

Keywords: Attachment to parents; Life aspirations; Depressive symptoms; Adolescents

De acordo com a teoria da vinculação (Ainsworth, 1969; Bowlby, 1988), a qualidade da relação afetiva estabelecida entre a criança e as figuras parentais, cuidadores ou outros significativos, constitui-se um fator importante na trajetória desenvolvimental do ser humano. Especificamente, o estabelecimento de relações de vinculação com as figuras significativas permite a transmissão à criança e, mais tardiamente, ao adolescente, de sentimentos de proteção, segurança e confiança na exploração do Self, dos outros e do mundo que a rodeia. Neste sentido, o estabelecimento de laços de vinculação desempenha um papel relevante no crescimento e desenvolvimento físico, bem como no processo de maturação emocional da criança (Bowlby, 1988).

Bowlby (1988) atribui à predisposição inata do ser humano em estabelecer laços afetivos, intensos, duradouros e estáveis, e relações de proximidade com as figuras significativas (incondicionalmente aceitantes, contentoras e responsivas), a denominação de sistema de vinculação. De acordo com a perspetiva de Bowlby (1988), pode ser preconizada a existência de dois padrões de vinculação - vinculação segura e vinculação insegura - que predizem diferencialmente a qualidade dos laços e relações de afetividade, bem como o desenvolvimento pessoal da criança ao longo do ciclo vital. Uma vinculação segura pode ser conceptualizada como o estabelecimento de relações emocionais de proximidade entre a criança e as figuras significativas. Este tipo de vinculação assenta no estabelecimento de uma relação entre a criança e as figuras de vinculação baseada na confiança, segurança, proximidade, suporte emocional e proteção, o que permite à criança a construção de representações positivas de si e dos outos, bem como o desenvolvimento da sua individualidade de modo autónomo, mediante sentimentos de compreensão, valorização, confiança e competência (Bowlby, 1988). Assim, segundo Bowlby (1988) a perceção, por parte da criança, das figuras de vinculação como bases seguras, ou seja, como figuras capazes de lhe transmitirem confiança e segurança e às quais pode recorrer e confiar na presença de situações de stress, é promotora de um desenvolvimento psicoafectivo mais equilibrado e adaptativo. Por oposição, um padrão de vinculação inseguro resulta de relações com as figuras significativas pautadas pela desconfiança, dependência, ansiedade de separação, inibição e carência afetiva. Estas crianças detêm maior propensão ao desenvolvimento de uma estrutura frágil do self e a uma perceção do mundo desvalorizada, desconfiada e/ou ambivalente, tornando-as mais vulneráveis a perturbações de natureza psicopatológica (Bowlby, 1988).

Bartholomew e Horowitz (1991), baseados nos estudos de Bowlby e Ainsworth, propõe um modelo bidimensional. Este modelo assenta em quatro protótipos de vinculação - protótipo seguro, protótipo preocupado, protótipo desinvestido e protótipo amedrontado - que variam em função da representação positiva ou negativa que o jovem desenvolve acerca do seu Self e dos outros, tendo por base os padrões de vinculação que desenvolveu no período infantil com as figuras significativas, os seus modelos internos dinâmicos e a sua perceção da acessibilidade e disponibilidade do outro.

O protótipo seguro é característico de indivíduos que patenteiam uma representação interna positiva de si e dos outros, o que permite um envolvimento emocional, assente na confiança e segurança, com outras pessoas. Percecionam os acontecimentos de vida transatos e presentes como oportunidades para instigar a aprendizagem e o conhecimento, não se acatando na procura de apoio dos outros em situações ansiogénicas. Estes sujeitos tendem a ser autónomos e ativos no estabelecimento de relações sociais e na procura de novos laços afetivos marcados pelo envolvimento e intimidade. O protótipo preocupado refere-se a sujeitos que detêm representações negativas de si próprios e positivas dos outros. As suas relações caracterizam-se por uma procura excessiva de proximidade, aceitação dos outros e elevada necessidade de atenção, associados a sentimentos de falta de valoração pessoal (baixa autoestima e autoconfiança). O protótipo desinvestido assenta em representações positivas de si e negativas do outro. Sujeitos com este tipo de protótipo desvalorizam as relações pessoais e apresentam baixo envolvimento e proximidade emocional. Detêm a perceção da existência de uma imagem negativa de si por parte dos outros, apesar de se mostrarem, aparentemente, indiferentes à avaliação dos mesmos e apresentarem autoconfiança moderada a elevada. Sujeitos com este protótipo não procuram estabelecer relações de proximidade nem contestam a separação, adotando como estratégias de resolução de problemas a resistência e evitamento. Por último, o protótipo amedrontado resulta da combinação de um modelo negativo de si próprio e dos outros. São sujeitos com uma estrutura interna marcada pela insegurança e vulnerabilidade, embora manifestem vontade de proximidade, não obstante evitarem relações mais próximas por receio da rejeição (Bartholomew & Horowitz, 1991).

Ao longo do desenvolvimento da criança, as experiências relacionais que esta vai estabelecendo com as figuras significativas são integradas numa organização interna, o que conduz ao desenvolvimento de modelos internos dinâmicos (internal working models). Estes modelos são entendidos como mapas cognitivos e esquemas afetivos que o indivíduo constrói acerca do self, do seu comportamento, dos outros e do mundo, orientando a trajetória de vida futura do indivíduo (Bowlby, 1988). Apesar de construídos no período infantil, os modelos internos dinâmicos não permanecem inalteráveis, sendo os mesmos construídos, reconstruídos e ativados no decurso do processo desenvolvimental do sujeito. A ativação destes modelos ao longo do ciclo vital permite ao indivíduo adaptar-se aos diferentes acontecimentos de vida e contextos com os quais se vai confrontando ao longo do seu desenvolvimento, contribuindo, de igual modo, para as escolhas pessoais realizadas e expetativas face ao futuro que os jovens realizam (Bowlby, 1988).

Vinculação aos pais e aspirações de vida e sintomatologia depressiva dos adolescentes

A forma como cada jovem organiza, interpreta, antecipa, planeia e delineia os seus projetos de vida, decorre de acordo com os supracitados modelos internos dinâmicos. A literatura aponta que a maior parte dos jovens, a partir da adolescência, começa a desenvolver planos e projetos de vida (e.g., Bilde et al., 2011; Griggs, 2017; Kintrea et al., 2011; Schoon & Lyons-Amos, 2016). Alguns autores apontam que os objetivos/aspirações de vida estão fortemente relacionados com uma variedade de fatores pessoais, sociais e ambientais (e.g., Hendricks et al., 2015). As metas traçadas pelos adolescentes espelham a fase desenvolvimental em que se encontram, marcada pela formação da sua identidade (e.g., Griggs, 2017; Stoyles et al., 2015). Enquanto contexto social e relacional, a família surge com especial contributo nos planos, orientações e interesses futuros do adolescente (e.g., Johnson & Hitlin, 2017; Kintrea et al., 2011; McGinley & Evans, 2020), sendo, por tal, relevante perceber o papel das figuras parentais no desenvolvimento das aspirações de vida intrínsecas e extrínsecas do mesmo. Relativamente às aspirações de vida intrínsecas (e.g., afiliação, saúde física, autoaceitação e comunidade), a literatura aponta-as como inerentemente gratificantes e diretamente relacionadas com a satisfação das necessidades psicológicas básicas de competência, autonomia e vinculação (Haivas et al., 2012; Ryan & Deci, 2017; Ryan et al., 2016; Ryan & Ollendick, 2018). Em contrapartida, as aspirações de vida extrínsecas, tais como o sucesso financeiro, a popularidade e a imagem, estão mais relacionadas à obtenção de sinais externos de valorização, como recompensas e avaliações positivas por parte dos outros e menos associadas à satisfação das necessidades psicológicas básicas (Ryan & Deci, 2017; Ryan et al., 2016; Ryan & Ollendick, 2018). Por oposição, as aspirações extrínsecas podem assumir-se como bastante motivadoras, desempenhando, por vezes, uma função substituta das necessidades psicológicas básicas (Ryan & Deci, 2017; Ryan et al., 2016; Ryan & Ollendick, 2018). Nestes casos, as aspirações de vida extrínsecas acabam por promover a sensação de satisfação pessoal, ainda que superficial, no indivíduo, não proporcionando, porém, o sentimento geral de bem-estar alcançado com a real satisfação das necessidades psicológicas básicas de autonomia, competência e vinculação (Haivas et al., 2012; Ryan & Deci, 2017; Ryan et al., 2016; Ryan & Ollendick, 2018). Alguns autores apontam que as aspirações intrínsecas estão significativamente associadas a sentimentos de vitalidade, ao passo que as aspirações extrínsecas se relacionam à ocorrência de sintomatologia psicopatológica, principalmente ansiedade, depressão e somatização (Moulton et al., 2015; Ryan et al., 2016; Ryan & Ollendick, 2018), enquanto outros apontam a existência de uma relação dos comportamentos de risco associados à saúde com as aspirações de vida extrínsecas, além de predizerem significativa e negativamente a perceção dos jovens quanto ao apoio e autonomia proporcionado pelos pais (e.g., Johnson & Hitlin, 2017; McGinley & Evans, 2020). Ainda outros autores sugerem que tanto as aspirações de vida intrínsecas como as extrínsecas podem contribuir para o bem-estar do adolescente (e.g., Davids et al., 2017; Rijavex et al., 2011; Ryan & Deci, 2017; Ryan & Ollendick, 2018).

Face ao exposto, os projetos de vida do adolescente, particularmente aquilo que este aspira para si num tempo futuro, são reciprocamente afetados pelos seus subsistemas relacionais, particularmente pela relação emocional estabelecida com as figuras parentais (Johnson & Hitlin, 2017; McGinley & Evans, 2020).

A adolescência é a etapa desenvolvimental de onde emerge a diferenciação de papéis da figura de vinculação e do self e o confronto do jovem com diversas tarefas psicológicas (separação psicológica das figuras parentais e a construção da autonomia e da personalidade) (Fleming, 2004). Esta fase do desenvolvimento marca a transição da infância para a idade adulta e acarreta várias mudanças, assim como a necessidade de reorganização e reestruturação do indivíduo sob o ponto de vista biológico, social, cognitivo e emocional, constituindo-se um período suscetível ao desenvolvimento de problemas de saúde psicossociais e mentais, particularmente depressão (e.g., Jakobsen et al., 2012; Griggs, 2017; McGinley & Evans, 2020; Moulton et al., 2015).

Uma vinculação segura tem vindo a ser negativamente relacionada com vários indicadores de mal-estar psicológico (e.g., Nunes & Mota, 2018). Por sua vez, uma vinculação insegura poderá estar na etiologia de diversas limitações emocionais, nomeadamente dificuldades em regular e expressar emoções e comportamentos (e.g., Mota et al., 2021; Nunes & Mota, 2017, 2018; Shewark & Blandon, 2015).

Alguns estudos corroboram que a qualidade da relação com as figuras parentais se relaciona com níveis baixos de problemas de internalização e externalização, bem como um melhor ajustamento e menores índices de depressão nos adolescentes (e.g., Fuentes-Balderrama et al., 2022; Laible et al., 2000; Nunes & Mota, 2018; Nunes et al., 2021). Por sua vez, jovens que desenvolveram perceções negativas de si e do mundo associadas a uma vinculação insegura, apresentam uma maior incidência de problemas de internalização, nomeadamente depressão (e.g., Cruz et al., 2014; Jakobsen et al. 2012; McGinley & Evans, 2020).

Partindo do facto de que a qualidade da vinculação aos pais se mostra muito importante na autonomia e crescimento pessoal dos jovens (Bowlby, 1988), podemos perceber que aqueles cuja qualidade relacional com as figuras de vinculação lhes permitiu desenvolver modelos internos de maior segurança são aqueles que estão mais disponíveis para pensar sobre a sua realização pessoal adaptativa, recriando objetivos e aspirações pessoais (e.g., Fuentes-Balderrama et al., 2022; Ryan & Deci, 2017). Pelo exposto, e dada a escassa evidência empírica que estuda esta relação, importa analisar o papel da qualidade da vinculação aos pais no desenvolvimento das aspirações de vida, atendendo ao efeito que a sintomatologia depressiva pode desempenhar no processo de formação das aspirações de vida.

Objetivo geral

O presente estudo tem como principal objetivo analisar o papel preditor da vinculação aos pais no desenvolvimento de aspirações de vida de adolescentes, bem como testar o efeito mediador da sintomatologia depressiva na associação anterior.

Método

Participantes

No estudo participaram 1326 adolescentes portugueses, 730 (55.1%) do sexo feminino e 596 (44.9%) do sexo masculino com idades compreendidas entre os 12 e os 18 anos (M = 15.23; DP = 1.70). Em termos de escolaridade, 438 adolescentes (33%) frequentam o terceiro ciclo do ensino básico e 888 jovens (67%) frequentam diferentes anos e cursos profissionais e científico-humanísticos do ensino secundário.

No que concerne às figuras parentais, a idade do pai situa-se entre os 29 e os 78 anos de idade (M = 45.85, DP =5.86), enquanto a idade da mãe se situa entre os 30 e os 77 anos de idade (M = 43.66, DP = 5.40). A escolaridade de as ambas figuras parentais vai desde o 1.º ano de escolaridade do ensino primário até ao Doutoramento, respetivamente para o pai: Ensino primário: 267 (20.1%), Ensino básico: 609 (45.9%), Ensino secundário: 266 (20.1%), Licenciatura/Doutoramento: 133 (10%), e a mãe: Ensino primário: 233 (17.6%), Ensino básico: 575 (43.4%), Ensino secundário: 279 (21%), Licenciatura/Doutoramento: 196 (14.8%).

Instrumentos

O Questionário sociodemográfico foi construído no sentido de obter informações alusivas a dados pessoais dos participantes como a idade, sexo e situação escolar. Foram ainda solicitadas informações do sistema familiar, particularmente, das figuras parentais no que concerne à idade, escolaridade, profissão e estado civil.

O Questionário de Vinculação ao Pai e à Mãe (QVPM; Matos & Costa, 2001) é um questionário de autorrelato desenvolvido para avaliar as representações de vinculação que os adolescentes têm face a cada uma das suas figuras parentais. Este instrumento é composto por 30 itens, distribuídos por três dimensões: a Qualidade do laço emocional (QLE) - “Eu e os meus pais temos uma relação de confiança”; a Ansiedade de separação (AS) - “Só consigo enfrentar situações novas se os meus pais estiverem comigo”; e a Inibição da exploração e individualidade (IEI) - “Os meus pais estão sempre a interferir em assuntos que só têm a ver comigo”. As opções de resposta para cada item variam segundo uma escala de Likert de 6 pontos entre “Discordo totalmente” (1) e “Concordo totalmente” (6). Para a presente amostra, os valores de alpha de Cronbach foram: QLE pai = .93; QLE mãe = .89; AS pai = .85; AS mãe = .83; IEI pai = .79; IEI mãe =.80. O instrumento assume valores de alpha de Cronbach de .86 para o pai, .81 para a mãe e escala completa de .91.

A Escala de Depressão do Centro de Estudos Epidemiológicos (CES-D; Radloff, 1977 adaptada por Gonçalves e Fagulha, 2003) é um instrumento de autorrelato desenvolvido para avaliar a sintomatologia depressiva na população geral, colocando enfase na componente afetiva da depressão e assumindo a premissa da existência de um continuum entre o funcionamento normal e as formas graves de depressão. Trata-se de um instrumento composto por 20 itens. As opções de resposta para cada item variam segundo uma escala de Likert de quatro pontos entre “Nunca ou muito raramente” (0) e “Com muita frequência ou sempre” (3), correspondentes à frequência com que o sintoma foi vivenciado na semana antecedente à aplicação da escala, enfatizando a atualidade do sintoma e a avaliação subjetiva que o sujeito faz do mesmo (Radloff, 1977). O valor de alpha de Cronbach é de .89.

O Aspirations Index (AI; Grouzet et al, 2005; adaptado por Costa et al., 2020) trata-se de um questionário de autorrelato concebido para avaliar as aspirações de vida do indivíduo. Este instrumento é composto por 47 itens, distribuídos por onze dimensões que contemplam aspirações de vida extrínsecas e intrínsecas, a saber: sucesso financeiro (4 itens - e.g. item 32 “Eu serei bem-sucedido(a) financeiramente.”), imagem (e.g. “Eu irei conseguir a aparência que desejo.”), popularidade (e.g. “O meu nome será conhecido por muitas pessoas diferentes.”), autoaceitação (e.g. “Eu sentir-me-ei bem quanto às minhas capacidades”), afiliação (e.g. “As pessoas serão afetuosas comigo e eu com elas.”), comunidade (e.g. “Eu vou ajudar as pessoas que precisam, sem pedir nada em troca.”), a saúde física (e.g. “Eu estarei relativamente livre de doenças.”), espiritualidade (e.g. “Eu encontrarei crenças religiosas ou espirituais que me ajudarão a dar sentido ao mundo.”), conformidade (e.g. “Irei ao encontro das expectativas da sociedade em que vivo”), hedonismo (e.g. “Eu terei uma ótima vida sexual.”) e segurança (e.g. “Terei poucas ameaças à minha segurança pessoal.”) (Grouzet et al., 2005). As opções de resposta para cada item variam segundo uma escala de Likert de 9 pontos entre “Nada importante” (1) a “Extremamente importante” (9). Os valores de alpha de Cronbach foram: sucesso financeiro = .76; imagem = .81; popularidade = .69; autoaceitação = .81; afiliação = .78; comunidade = .64; saúde física = .73; conformidade = .55; espiritualidade =.89; hedonismo = .61; segurança = .60. Os valores de consistência interna do instrumento para as variáveis compósitas (utilizadas na testagem da mediação) das aspirações de vida intrínsecas (e.g. espiritualidade, comunidade, afiliação, autoaceitação, saúde física e segurança) e aspirações de vida extrínsecas (e.g. conformidade, popularidade, imagem, sucesso financeiro e hedonismo) é .90 para ambas as tipologias de aspirações de vida. O valor de alpha de Cronbach para avaliação da “importância atribuída” às aspirações de vida é .93.

Procedimento

A presente investigação apresenta um cariz metodológico transversal, uma vez que o conjunto de medições foi realizado num único momento. O presente estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto e pela Direção Geral da Educação que permitiu a aplicação de inquéritos/realização em meio escolar. Procedeu-se, de seguida, ao contacto direto e pessoal com instituições escolares do Ensino Básico e Secundário, selecionadas aleatoriamente e distribuídas geograficamente na região norte de Portugal, com vista à colaboração no presente estudo. Em cada escola, foi realizada uma reunião de esclarecimento com o Diretor(a), a quem foi requerida a autorização para recolha de dados em contexto escolar, bem como clarificados os objetivos e aplicações práticas da investigação. Depois de aceite a participação na investigação foram entregues aos alunos entre os 12 e os 18 anos de idade o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, por forma a cumprir as exigências éticas, legais e deontológicas da participação em investigações de âmbito psicológico, nomeadamente questões alusivas à confidencialidade, anonimato dos dados e direito à participação voluntária. Note-se que integraram o estudo, apenas os participantes, cujas figuras parentais ou o Encarregado de Educação, assinaram o referido Termo. A recolha de dados realizou-se entre novembro de 2015 e janeiro de 2016, em 11 escolas do ensino básico e secundário nas turmas do 7.º ao 12.º ano. O preenchimento dos questionários decorreu em contexto de sala de aula, na presença do professor e da investigadora responsável, tendo demorado 45 minutos. Importa ainda destacar a existência de duas versões do protocolo de investigação, com inversão dos questionários de autorrelato, com vista a evitar enviesamentos nas respostas devido ao fator cansaço e respostas aleatórias.

Estratégia de análise de dados

Numa fase inicial, realizou-se a limpeza preliminar da amostra, excluindo-se questionários inadequadamente preenchidos e incompletos. De seguida, foi garantido um mínimo de 10% de missings por instrumento e realizada a deteção dos outliers com o intuito de identificar elementos cujas respostas se poderiam distanciar, de modo significativo, da média amostral, comprometendo a média e desvio padrão da amostra (Marôco 2007). A identificação dos outliers univariados teve por base a ponderação da nota Z-score (< 3 ou >3), e dos outliers multivariados a distância de Mahalanobis (Marôco, 2007). Foi ainda testada a normalidade da distribuição dos dados, considerando a simetria <3 e a curtose < 8-10 (Marôco, 2007). Os dados foram analisados com recurso ao programa estatístico SPSS - Statistical Package for Social Sciences, versão 20.0. Foram ainda criados protótipos de vinculação mediante uma análise de clusters, considerando o modelo bidimensional preconizado por Bartholomew (Bartholomew & Horowitz, 1991). Efetuaram-se ainda, como resposta aos objetivos do estudo, mediações com recurso ao método de Bootstraping, através do programa AMOS, versão 23.0 (MacKinnon et al., 2004; Kline, 2015). O modelo explicativo da mediação encontra-se representado na Figura 1.

Figura 1 Modelo conceptual teórico representativo do efeito mediador da sintomatologia depressiva na relação entre a vinculação aos pais e as aspirações de vida. 

Resultados

Efeito da vinculação aos pais nas aspirações de vida: Papel mediador da sintomatologia depressiva

No sentido de perceber o efeito preditivo da vinculação aos pais nas aspirações de vida e o papel mediador que a sintomatologia depressiva desempenha nesta relação, procedeu-se à realização de um modelo de equações estruturais resultante de uma combinação de modelos de path analyses com variáveis latentes.

No modelo inicial referente à vinculação ao pai e à mãe e às aspirações de vida intrínsecas e extrínsecas, constata-se vários efeitos de predição. Verificava-se que a dimensão ansiedade de separação à figura paterna (β= -.10) prediz negativamente as aspirações de vida intrínsecas, ao passo que a mesma dimensão, quando associada à mãe, prediz positivamente as aspirações de vida extrínsecas (β=.19). A dimensão qualidade do laço emocional prediz positivamente as aspirações de vida intrínsecas (β pai=.10; β mãe=.32) e extrínsecas (β pai=.12). A dimensão inibição da exploração e individualidade à mãe prediz, também, positivamente as aspirações intrínsecas (β=.11) e extrínsecas (β=.17).

Após a introdução da variável mediadora sintomatologia depressiva (SD) e com recurso ao procedimento de Bootstraping, verifica-se a existência de uma mediação parcial e de efeitos indiretos no modelo. No que concerne ao pai, no modelo final, verifica-se que o efeito direto inicial da qualidade do laço emocional ao pai sobre as aspirações de vida extrínsecas perde magnitude (βinicial=.12; βfinal=.09), denotando a existência de uma mediação parcial positiva (β=.044; IC 90% [.03;.06]). Importa referir que não se verificou, contudo, qualquer efeito mediador da sintomatologia depressiva na associação vinculação à mãe e aspirações de vida intrínsecas e extrínsecas (Figura 2).

Para além da mediação parcial, encontram-se também efeitos indiretos no modelo. Constatou-se que as dimensões ansiedade de separação (AS) e inibição da exploração e individualidade (IEI) ao pai exercem um efeito indireto negativo sobre as aspirações de vida extrínsecas (AS PAI: β = -.02, IC 90% [-.03; -.01]; IEI PAI: β = -.03, IC 90% [-.04; -.02]). Deste modo, apesar do efeito direto inicial entre ansiedade de separação ao pai (AS PAI) e aspirações extrínsecas (AE) e inibição da exploração e da individualidade ao pai (IEI PAI) e as aspirações extrínsecas (AE) não se mostrar significativo, foi possível verificar a existência de um efeito indireto na relação AS PAI - SD- AE e IEI PAI- SD- AE (Figura 2).

No que respeita aos índices de ajustamento do modelo final, estes encontram-se adequados, (χi 2 (9) = 27.56, p =.001, Ratio = 3.06; CFI =.99, GFI =.99, RMR =.01, AGFI=.98, NFI=.99, IFI=.99, RMSEA =.03).

Figura 2 Modelo representativo do efeito mediador da sintomatologia depressiva na relação entre a vinculação aos pais e as aspirações de vida. 

Discussão

O objetivo do presente estudo consiste na análise do efeito preditivo da vinculação aos pais nas aspirações de vida e o papel mediador que a sintomatologia depressiva desempenha na relação anterior. Verificaram-se predições negativas da dimensão ansiedade de separação à figura paterna nas aspirações de vida intrínsecas, e predições positivas da ansiedade de separação à figura materna nas aspirações de vida extrínsecas. Constata-se, deste modo, que as relações marcadas pelo medo de separação ao pai e à mãe podem contribuir, de modo diferencial, para uma leitura menos promissora das aspirações de vida. Isto é, uma maior ansiedade de separação ao pai associa-se a uma menor valorização de aspirações de vida intrínsecas, ao passo que uma maior ansiedade de separação à figura materna associa-se a mais aspirações de vida extrínsecas. Assim, a perceção do indivíduo relativamente à vivência de experiências de ansiedade e medo de separação da figura materna parece predispor o mesmo à valorização de aspirações de vida como o sucesso financeiro, imagem, popularidade e conformidade (Deci & Ryan, 2008; Haivas, et al., 2012; Ryan & Deci, 2017; Ryan et al., 2016; Ryan & Ollendick, 2018). A valorização de aspirações de vida extrínsecas poderá assim decorrer da necessidade de os jovens continuarem a projetar um Self inseguro e dependente que necessita de obter recompensas externas, elogios sociais e avaliações positivas por parte dos outros, refletindo o sentimento de insegurança sobre si próprio (Deci & Ryan, 2008; Ryan & Deci, 2017; Ryan et al., 2016; Ryan & Ollendick, 2018). Por sua vez, níveis superiores de ansiedade de separação à figura paterna parecem associar-se a uma menor valoração de aspirações intrínsecas, ou seja, a um menor interesse dos jovens por aspirações inerentemente gratificantes, suscetíveis de satisfazer as necessidades psicológicas básicas e a realização pessoal (Davids et al., 2017; Rijavex et al., 2011; Ryan & Deci, 2017; Ryan & Ollendick, 2018). Deste modo, uma maior ansiedade de separação ao pai associa-se a uma diminuição da satisfação com a vida, o que poderá suscitar que as relações demarcadas pelo medo de separação ao contribuírem para uma menor confiança e autoestima do jovem, são passíveis de ocasionar uma definição menos promissora de um projeto de vida (e.g. Fuentes-Balderrama et al., 2022).

A dimensão inibição da exploração e individualidade à mãe prediz, também, positivamente as aspirações intrínsecas e extrínsecas. Nesta medida, uma maior retração e controlo materno no processo de separação e individuação do jovem, poderá levá-lo a procurar mais aspirações pessoais, independentemente da sua natureza, por forma a libertar um possível Self inibido e retraído e alcançar a sua autorrealização pessoal. Este resultado não era expectável uma vez que restrições ao desenvolvimento da individualidade podem fazer com que o indivíduo não se sinta tão confiante para o estabelecimento de aspirações de vida, tendendo a não acreditar tanto nas suas capacidades e, consequentemente a investir menos no seu projeto de vida, levando a uma menor satisfação com o seu processo vivencial.

A dimensão qualidade do laço emocional deteve um efeito preditor positivo nas aspirações de vida intrínsecas, para ambas as figuras parentais, e extrínsecas, para a figura paterna. Poucos estudos têm atribuído atenção ao estudo da relação entre as aspirações de vida e os estilos de vinculação às figuras parentais (Deci & Ryan, 2008; Haivas, et al., 2012; Ryan & Deci, 2017; Ryan et al., 2016; Ryan & Ollendick, 2018), todavia os resultados indicam que relações de qualidade emocional a ambas as figuras parentais estão associadas a aspirações de vida intrínsecas, apontadas pela literatura como aquelas que têm relação direta ao bem-estar e ajustamento psicológico (Deci & Ryan, 2008; Ryan & Deci, 2017; Ryan & Ollendick, 2018). Por outro lado, uma qualidade da vinculação ao pai parece associar-se mais a aspirações extrínsecas como a imagem, sucesso financeiro e a popularidade, associadas a um menor ajustamento emocional e a uma maior necessidade de aprovação externa.

Os resultados também mostram que a sintomatologia depressiva prediz negativamente as aspirações de vida extrínsecas, não exercendo qualquer valor predito sobre as aspirações de vida intrínsecas. Assim, quanto mais intensa for a presença de sintomatologia de natureza depressiva no jovem menor será a sua valorização de aspirações de vida extrínsecas, como a imagem, o sucesso financeiro e a popularidade (Cruz et al., 2014; Jakobsen et al. 2012; McGinley & Evans, 2020). A presença de sintomatologia depressiva predispõe o jovem para uma baixa autoestima, um autoconceito negativo, bem como para um baixo locus de controlo interno e fraca perceção de competência para alcançar objetivos significativos (e.g. Pinto, et al., 2015). Deste modo, uma vivência depressiva assente numa conceção depreciativa do self e do mundo poderá espoletar nos jovens um menor interesse por questões relativas à aparência física, à fama, ao dinheiro e a práticas hedonistas (Cruz et al., 2014; Jakobsen et al. 2012; McGinley & Evans, 2020). Assim, na presença de um quadro clínico depressivo, poderá verificar-se menor motivação para atribuir importância a aspirações de vida extrínsecas, que apenas promovem o seu bem-estar superficial e que não se constituem internamente gratificantes para o Self (Davids et al., 2017; Rijavex et al., 2011; Ryan & Deci, 2017; Ryan & Ollendick, 2018).

Por último, a análise do papel mediador da sintomatologia depressiva sugere a existência de efeitos indiretos negativos entre a ansiedade de separação e a inibição da exploração e individualidade ao pai e as aspirações de vida extrínsecas. Deste modo, de acordo com os resultados, é possível perceber que a existência de relações afetivas de escassa qualidade com a figura paterna pautada pela elevada ansiedade de separação, controlo e inibição da expressão do self, quando associada à presença de sintomatologia depressiva, exerce um efeito preditivo negativo nas aspirações de vida extrínseca (e.g. Cruz et al., 2014; Jakobsen et al. 2012; McGinley & Evans, 2020). Deste modo, práticas parentais pautadas pela ansiedade de separação e pelo controlo e proteção excessiva do jovem são passíveis de contribuir para uma perceção pobre e inadequada dos cuidados parentais, bem como para uma representação pessoal e do mundo negativa, capaz de reduzir o interesse e a importância atribuída pelo jovem a aspirações de vida extrínsecas (Davids et al., 2017; Rijavex et al., 2011; Ryan & Deci, 2017; Ryan & Ollendick, 2018).

Constata-se ainda a existência de uma mediação parcial positiva da sintomatologia depressiva na associação entre a qualidade do laço emocional ao pai e as aspirações de vida extrínsecas. Este resultado dá relevância à qualidade da relação com a figura paterna na formação das aspirações de vida do jovem, e no seu desenvolvimento emocional salutar. Esta questão reverte a imagem de que a figura paterna se relaciona essencialmente à função educadora e disciplinadora, marcada por códigos frequentemente rígidos e repressivos (e.g. Ahnert & Schoppe-Sullivan, 2020; Cabrera et al., 2018; Malonda et al., 2019). Assim, adolescentes que reportam a existência de relações afetivas ao pai, assentes na qualidade do laço emocional e na transmissão de segurança, confiança e apoio, tendem a estabelecer relações de vinculação ao pai com qualidade, predispondo o jovem ao desenvolvimento de menor sintomatologia psicopatológica (Bowlby, 1988; Jakobsen, et al., 2012; Malonda et al., 2019). Por sua vez, o reconhecimento da figura de vinculação paterna como disponível e responsiva gera um sentimento de segurança no jovem, estimulando-o a valorizar e a manter a exploração de si e do mundo (Bowlby 1988), facto passível de promover a crença nas capacidades pessoais do jovem para delinear e valorizar aspirações de vida extrínsecas com especial interesse. Os indivíduos tendem a evidenciar uma maior confiança em relação ao futuro quando as relações afetivas com as figuras parentais assumem um cariz seguro, associadas à satisfação e realização pessoal no seio de um ambiente afetivamente estável (e.g. Deci & Ryan, 2008; Haivas et al., 2012; Perlin et al., 2007; Ryan & Deci, 2017; Ryan et al., 2016; Ryan & Ollendick, 2018).

Além do exposto, verifica-se a preservação do efeito direto da relação com a figura materna, sendo que a ausência da mediação poderá dever-se à maior estabilidade e natureza mais segura desta relação e ao papel da mãe na cultura portuguesa como a principal figura de vinculação e de procura de segurança e conforto (e.g. Monteiro et al., 2008). A ausência de mediação para as aspirações intrínsecas poderá decorrer da existência de relações de vinculação aos pais de qualidade, duradouras e intensas, passíveis de se constituírem um importante preditor das aspirações intrínsecas dos jovens, independentemente da vivência de experiências psicopatológicas depressivas.

Implicações práticas, limitações e pistas futuras

A construção deste trabalho teve como ponto de partida o interesse pessoal pelas aspirações e objetivos de vida, pelo desenvolvimento emocional do adolescente, bem como pelo papel e o contributo das figuras significativas na projeção e estruturação das aspirações vivenciais futuras dos jovens. A relevância deste estudo parece assentar no cariz inovador do mesmo, dada a escassez de investigações nacionais e internacionais que abordam a associação das variáveis em estudo, especialmente no que concerne à relação da vinculação aos pais e as aspirações de vida. Deste modo, pretende-se contribuir para a reflexão e para uma compreensão mais sistémica e integrativa do papel que as relações afetivas precoces podem assumir nas aspirações de vida dos jovens. Além do exposto, a relevância da qualidade da relação com o pai, sugerida pelos resultados, reforça a importância de existirem mais e melhores investimentos relacionais e emocionais da figura paterna com os filhos, facto que parece ser descurado na cultura portuguesa dada a maior preponderância e estabilidade atribuída ao papel da figura materna. Seria relevante a promoção de programas de intervenção parental, com ênfase no envolvimento e valorização da figura paterna. Por outra parte, este estudo permite reforçar recomendações face à promoção da igualdade na parentalidade, quer em situações de partilha de tarefas e responsabilidades, como nos direitos ao cuidado dos filhos. O estudo eleva a importância da qualidade da vinculação aos pais na definição das aspirações de vida dos jovens, assim como enfatiza as implicações da vinculação no desenvolvimento de sintomatologia depressiva nos jovens. Neste sentido, aguarda-se que os resultados obtidos e as conclusões formuladas possam contribuir para uma maior consciencialização face ao desenvolvimento e ajustamento psicológicos dos jovens. Programas de prevenção face à saúde mental dos jovens devem ser reforçados aquando do seu percurso desenvolvimental, particularmente nas fases de transição e decisão ao longo da adolescência e jovem adultícia.

São de ressaltar algumas limitações do estudo, entre as quais a sua natureza transversal, o que impede a atribuição de relações de causa-efeito das variáveis em estudo. Como uma outra limitação pode considerar-se o recurso a instrumentos de autorrelato passíveis de enviesamentos pelo risco de resposta por desejabilidade social ou sem reflexividade pessoal. Além do referido, podem ser apontadas como limitações a esta investigação o facto da amostragem do estudo ser recolhida apenas no norte de Portugal e a própria indefinição de constructo de aspiração de vida, dado que se encontra muito convergente e associada às conceções de metas, objetivos e valores de vida, o que dificulta a clarificação do constructo em análise. Como outras limitações citam-se: o facto do instrumento de Aspirations Index, usado para a aferição das aspirações de vida, poder não ser representativo ou incluir todas as aspirações de vida que o sujeito pode almejar; a extensa dimensão do protocolo de investigação, passível de ocasionar respostas aleatórias ou condicionadas pelo fator cansaço; e a escassa literatura empírica recente sobre a articulação das variáveis em estudo.

Em termos de pistas futuras, atendendo à etapa desenvolvimental da adolescência, seria importante contemplar outras variáveis relacionais como a qualidade da relação com os irmãos, o grupo de pares e o par amoroso na definição e concretização das aspirações de vida do jovem. Seria também relevante optar-se por estudos de caráter longitudinal, com vista a perceber se as aspirações de vida variam em função da idade dentro de cada período de desenvolvimento, bem como clarificar se a atribuição de uma maior importância a uma aspiração de vida prediz a sua concretização futura. De modo a consolidar os resultados desta investigação, era de todo oportuno o desenvolvimento de mais investigações científicas, em contexto português, com vista a identificar e clarificar os conteúdos das aspirações futuras de adolescentes, bem como o grau de importância em que essas mesmas aspirações são visadas.

Por último, seria pertinente que investigações futuras analisassem os efeitos diferenciais das aspirações de vida intrínsecas e extrínsecas no bem-estar psicológico, clarificando o contributo que cada aspiração, a nível individual e conjunto, assume no desenvolvimento psicoafectivo (des)adaptativo do indivíduo. Seria ainda importante considerar diferentes contextos e condições sócio-culturais e económicas em trabalhos futuros que relacionem as variáveis em estudo, especialmente as aspirações de vida.

Declaração de contribuição de autoria credit

Catarina Pinheiro Mota: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Software; Supervisão; Validação; Visualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição. Tatiana Ferreira: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Metodologia; Redação do rascunho original. Mónica Costa: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Software; Supervisão; Validação; Visualização; Redação do rascunho original.

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Recebido: 03 de Setembro de 2021; Aceito: 15 de Abril de 2022

Morada para correspondência: Catarina Pinheiro Mota, Departamento de Educação e Psicologia - Universidade de Trás-Os-Montes e Alto Douro, Quinta de Prados, 5001-801, Vila Real, Portugal. E-mail: catppmota@utad.pt

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