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Psicologia

versão impressa ISSN 0874-2049

Psicologia vol.24 no.1 Lisboa  2010

 

O envelhecimento humano e as novas configuraçães familiares: o idoso como provedor

Human aging and the new familiar configurations: The old person as a supplier

 

Virginia Coutinho Areosa1; Leonia Capaverde Bulla2

1Psicóloga, Docente da Universidade de Santa Cruz do Sul/UNISCBrasil. E-mail: sareosa@unisc.br

2Assistente Social, Docente da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/PUCRS-Brasil

 


RESUMO

A tendência atual de ampliação do número de pessoas na faixa etária acima de 60 anos, fenômeno conhecido como envelhecimento populacional, vem transformando o perfil das famílias brasileiras. Geralmente, os idosos eram vistos como seres dependentes, mas, nos últimos anos, essa tendência está se modificando e uma nova realidade está surgindo. Para entender as modificações que vêm ocorrendo dentro das famílias e sua relação com o envelhecimento populacional, relacionaram-se algumas variáveis que fizeram parte de uma pesquisa qualitativa e são trazidas agora para discussão neste artigo. Esta pesquisa teve como recorte o “idoso provedor” que através do benefício da previdência social (aposentadoria e pensões) é o mantenedor de sua família, em um município de médio porte do interior do Rio Grande do Sul. Os resultados apontam para uma velhice que é heterogênea, com diferenças marcantes em relação a gênero e com novos arranjos familiares que se formam a partir da questão econômica.

Palavras-chave: desenvolvimento humano, configurações familiares, idoso provedor


ABSTRACT

The current trend of increasing the number of people aged over 60 years, a phenomenon known as aging population, has transformed the profile of Brazilian families. Generally, the elderly were seen as dependent beings, but in recent years, this trend is changing and a new reality is emerging. To understand the changes that are occurring within families and their relationship with the aging population, some variables that were part of a qualitative search were analysed and are now brought for discussion in this article. This research has cut out the “old provider” that through the benefit from social security (retirement and pensions) is the keeper of the family in a medium-sized city of Rio Grande do Sul. The results point to an old age profile that is heterogeneous, with marked differences in relation to gender and new family arrangements that were derived from the economic issue.

Keywords: human aging, family settings, old provider


 

Introdução

O estudo da gerontologia é um desafio e como se trata de uma temática interdisciplinar em sua gênese, pressupõe analisar uma gama de aspectos fundamentais para a compreensão do fenômeno do envelhecimento humano, como as condições de vida, as relações familiares, o contexto social, as relações de gênero, as políticas sociais, entre tantos outros.

Muitas pesquisas vêm colaborando nos últimos tempos para o entendimento do processo de envelhecimento e vemos que a Gerontologia Social, como área do conhecimento, ganha força e novos adeptos a cada ano. Algumas temáticas estudadas nessa ótica são as estruturas sociais e familiares, que prescrevem uma série de funções e comportamentos para homens e mulheres, como próprias ou naturais de seus respectivos gêneros e de suas idades. Estas expectativas refletem um conjunto de crenças e valores sociais que a pessoa introjeta e que, por lealdade ao grupo, vai assumindo como suas (Fleck e Wagner, 2003).

A crença social de que o idoso é um estorvo e que não tem mais utilidade dentro da sociedade é um dos fatores que contribui para a violência familiar e para os sentimentos de desvalia e desamparo dos próprios idosos agredidos. Existem várias formas de violência em relação à pessoa idosa: violência psicológica, violência física, negligência e uma forma de violência que é menos visível, que é a exploração econômica do idoso, ou seja, a utilização da aposentadoria ou pensão sem a autorização prévia do idoso. E os estudiosos salientam o fato de que a invisibilidade da violência se dá muitas vezes pela falta de consciência social, uma vez que o idoso não se percebe como vítima (Grossi e Arsego, 2001).

Temos que assinalar que a família, através da história, tem sido reconhecida como a célula fundamental da organização social, aquela que tem inclusive fundado as demais instituições criadas pelo homem e, sem dúvida, que tem caminhado de mãos dadas com a história da humanidade. As relações estabelecidas na família em que se nasce são as mais importantes e representam a base para os comportamentos futuros. Ao nos darmos conta de que as origens da família remontam às origens da humanidade, temos que atentar para as diferenças conceituais que foram imperando em cada época, de acordo com fatores sócio-culturais, econômicos, demográficos, etc. Esse entendimento é fundamental para compreender os tipos de família e casamento que se constituíram e as relações de gênero que se estabeleceram a partir desta formação.

Osório e Valle (2002), falando sobre o papel da família, afirmam que ela é, e continuará sendo, “um laboratório de relações humanas no qual se testam e aprimoram os modelos de convivência que ensejem o melhor aproveitamento dos potenciais humanos para a criação de uma sociedade mais harmônica e promotora de bem-estar coletivo” (p. 18).

Ao se falar em família, hoje, devem-se considerar as mudanças que ocorrem na sociedade, como estão se construindo as novas relações humanas e mais, como as pessoas estão cuidando de suas vidas familiares. As trocas intersubjetivas na família não podem ser vistas isoladamente. As mudanças que ocorrem no mundo afetam a dinâmica familiar como um todo e, de forma particular, cada família, conforme sua composição histórica e o seu pertencimento social.

Em uma cultura como a nossa, a Brasileira, que valoriza o homem como o poderoso provedor da família, é desconcertante a situação em que a mulher, ou mesmo filhos adolescentes, consigam trabalho e remuneração mais facilmente do que o “chefe” da família. E o que acontece quando o chefe da família é o idoso? Quando a aposentadoria passa a ser a única ou principal fonte de renda de toda a família? Hoje estamos construindo uma nova representação da velhice e uma nova identidade do idoso, o que se opõe a um tradicional discurso de velhice passiva. Esse fato pôde ser observado em pesquisa sobre as representações sociais de idosos no município de Santa Cruz do Sul, onde os resultados mostraram que o idoso encontra-se mais ativo (reforçando a importância da autonomia e da independência), possui uma representação mais positiva da velhice (Areosa, 2004) e é apontado neste artigo pelos resultados desta pesquisa sobre o idoso provedor (Areosa, 2008).

 

Metodologia

Esta pesquisa buscou a compreensão das relações que se estabelecem entre dois grupos sociais distintos, os idosos provedores e seus familiares dependentes, no município de Santa cruz do Sul, interior do Rio Grande do Sul. A pesquisadora teve a pretensão de compreender mais a fundo esses dois universos, com suas nuances e peculiaridades, e para isso entrevistou 68 participantes, 34 idosos provedores e 34 familiares dependentes desses idosos (esposas, companheiros, filhos, netos, etc). Para tanto fez uso de duas entrevistas, uma com os idosos e outra com um de seus familiares, que se dispuseram a participar da pesquisa e ambas foram analisadas com base na técnica da análise de conteúdo (Bardin, 2004). A expressão ‘configurações familiares’ é aqui utilizada como sinônimo de arranjos familiares e quer se referir a todas as composições de família que foram encontradas ao longo desta pesquisa, ou seja, pessoas que vivem juntas na mesma residência, com algum grau de parentesco em uma situação relacional. Embora se esteja tratando o termo por ‘arranjos familiares’, a unidade trabalhada é o domicílio, tal como foi definido pelos censos demográficos.

Utilizaram-se como recorte para esta pesquisa as famílias de idosos de diferentes contextos sociais, que fazem uso dos serviços da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, tanto no campus da UNISC como nos 21 grupos de convivência cadastrados junto da universidade, sendo um estudo qualitativo, embora sejam utilizados alguns procedimentos quantitativos em relação à criação de um perfil dos entrevistados. Foram incluídos na amostra, pelos critérios previamente estabelecidos (ser autônomo e independente, ter mais de 60 anos, viver de aposentadoria ou pensão, ser chefe de família) todos os idosos que estavam nessas condições. Não foram incluídos na amostra os idosos que recebiam o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que é um auxílio dado pelo governo aos idosos sem remuneração. O número final dos participantes que fizeram parte desta fase da pesquisa foi determinado por uma amostra selecionada pelo critério da saturação, em que foram sendo entrevistados os participantes enquanto foram surgindo fatos novos. No momento em que as entrevistas começaram a se repetir, sem trazer qualquer conteúdo novo, suspendeu-se a coleta de dados.

Após aprovação do Comitê Científico do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUCRS e do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Santa Cruz do Sul/ UNISC (Of. Nº270/05), iniciaram-se os contatos telefônicos com os idosos, previamente selecionados através de um cadastro junto à universidade, para marcar os encontros. As entrevistas foram realizadas, na sua maioria, nas residências; no entanto, alguns idosos, bem como familiares, sugeriram que as entrevistas fossem na universidade (UNISC) e outros familiares preferiram que fossem no seu local de trabalho. Assim, as entrevistas foram realizadas conforme a disposição do participante, no ambiente escolhido por ele. Estas buscaram conhecer o perfil do idoso, quantos familiares dependentes, possibilidade de tomada de decisões e relacionamento familiar e social.

 

 

Resultados do estudo

 

Em relação à categoria estado civil, a amostra de chefes de família em sua maioria é de casados (47%), porém já se percebem algumas diferenças significativas na forma como estão se organizando, por exemplo, as mulheres que ficaram viúvas (35,2%). O grande número de viúvos na verdade é de mulheres, pois são as mulheres que normalmente permanecem nesta situação, enquanto os homens recasam após a viuvez (Heredia, 2000). Debert (1999) aponta para o fato de que, muitas vezes, a viuvez é um momento de independência e realização, através do qual as mulheres conseguem realizar ações e sonhos que antes não podiam realizar, pela condição de estarem casadas.O percentual de divorciados é bem maior do que a literatura revela em relação a esta população (12%) de idosos separados ou divorciados, o que pode estar ligado ao fato de esta ser uma amostra de chefes de família, característica que mostra a independência de seus integrantes.

Na pesquisa do Idoso no Rio Grande do Sul, publicada em 1997, entre os 6.241 idosos pesquisados, 79,8% viviam com familiares (CEI/RS, 1997). Em 2000, segundo dados do censo, encontraram-se 61,5% das mulheres residindo com filhos e outros parentes, enquanto apenas 8,9% dos homens encontram-se nesta situação (IBGE, 2002). Autores como Camarano e Pasinato (2002) e Ortiz (2005) constataram, também, que as mulheres possuem mais capacidade de agregar e acolher familiares e que as redes familiares das mulheres não se esgotam na família nuclear, havendo diversos arranjos familiares.

Em relação às categorias de pessoas com quem moram os idosos, verificou-se nesta pesquisa que 30% vive com o cônjuge e com filhos e 20,4% com filhos e filhos e netos (9%); há ainda um percentual significativo que mora com os netos (11,3%). Em comparação aos percentuais em nível de Brasil temos, segundo a Síntese de Indicadores Sociais (2007), a família unipessoal correspondendo a (13,2%), o casal sem filhos (22,3%), morando sem filhos e com outros parentes (10,7%), morando com ao menos um filho menor de 30 anos (23,7%), morando com todos os filhos maiores de 30 anos (20,8%).

Osório e Valle (2002) apontam que são vários os fatores que afetam a família de hoje, sendo alguns deles a maior incidência das separações conjugais e as correspondentes reconstruções familiares, a crise da autoridade dos pais, a instabilidade profissional e a insegurança financeira dos responsáveis pela manutenção do lar, a sobrecarga com o atendimento a progenitores senis, os fracassos escolares dos filhos, a falta de perspectiva no mercado de trabalho para os jovens, a alienação pelas drogas e o aumento da violência urbana.

A tendência à convivência familiar é um forte traço cultural do Estado gaúcho e da população pesquisada. Verifica-se, também, que os idosos provedores vêm (9,1%) sustentando e morando com outros parentes que são sobrinhos, genros, irmãos, voltando ao modelo de família extensa apontado pelos autores. Através dos resultados, percebe-se que o modelo de família nuclear, pai, mãe e filhos sustentados pelo pai (30%), ainda é forte, porém entrou mais um elemento a ser sustentado, o neto (20,3%), tornando-se mais uma geração dependendo do mesmo provedor. O que agrava a questão social no Brasil.

Para Triadó e Olivares (2005) o papel do avô mudou com o prolongamento da vida. As famílias tendem a conviver entre várias gerações, o que gera um sentimento maior de reciprocidade. Salientam que entre os idosos autônomos e independentes estão os avôs de hoje que auxiliam filhos e netos e começa-se a falar no fenômeno da intergeracionalidade.

Para tentar visualizar melhor os arranjos familiares que foram encontrados, elaborou-se o Quadro 1, mostrando como estão configuradas as famílias pertencentes a este estudo. Dividiram-se assim, os integrantes da amostra em três grandes categorias em relação ao sustento familiar: 1º Idosos que sustentam seus familiares – são os únicos provedores do núcleo familiar. 2º Idosos que repartem sua renda – são os provedores principais, mas o cônjuge ou outro familiar também possui alguma renda. 3º Idosos que ajudam familiares – esta categoria não é de completo sustento, a ajuda pode ser mensal, porém não pagando todas as despesas dos familiares, assim como pode ser esporádica a familiares de outro núcleo, que não more com o idoso.

Com relação às novas configurações familiares, o que esta pesquisa detectou foi que 69,3% dos homens idosos da amostra sustentam seus familiares, um índice um pouco acima do nacional que se encontra, segundo o IBGE 2006, em torno de 65%. Como se visualiza através do Quadro 1, aparece um número expressivo de mulheres sustentando ou repartindo sua renda com familiares (76,2%), como provedoras. O achado mais significativo foi que nas configurações familiares dessas mulheres, o conceito de família nuclear é ampliado para uma gama maior de parentes. Aparece também o papel da avó cuidadora que assume o cuidado dos netos, enquanto os filhos trabalham ou quando se separam, inclusive financeiramente.

Na amostra que fez parte da pesquisa vêem-se, por exemplo, mulheres sustentando irmãos, sobrinhos, genros (23,8%) o que não foi verificado em famílias chefiadas por homens. Também, não se verificou homens ajudando familiares que não moram no mesmo domicílio. A Síntese de Indicadores Sociais 2007, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revela que o número de mulheres chefes de família cresceu 79% entre 1996 e 2006, passando dos 26% entre as que possuem mais de 60 anos. O número de homens chefes de família aumentou 25% nesses dez anos. Confirma-se o papel agregador da mulher também nesta pesquisa, com idosas sustentando ou ajudando a sustentar suas mães, irmãos(ãs), sobrinhos(as), sobrinhos-netos(as), além de filhos(as), genros/noras e netos(as).

Em relação às atividades exercidas pelos indivíduos da amostra ao longo de sua vida profissional, verificou-se uma predominância entre os profissionais liberais (29,9%) e os industriários (17,6%), o que chama atenção, pois temos uma amostra predominantemente feminina. Normalmente, as amostras de idosas são compostas em sua maioria por donas de casa, e aqui isso não ocorre, pois elas representam um percentual pequeno (14,7%) dentre as mulheres da amostra (62%).

Verifica-se então uma mudança significativa em relação a este perfil e o encontrado muitas vezes na bibliografia sobre as mulheres de terceira idade. Aqui se tem uma maioria de mulheres que foram profissionais e hoje se encontram aposentadas, ou seja, um perfil diferenciado daquele apontado por Beauvoir (1981) da mulher dependente social e economicamente de seu marido. Isto já reflete uma mudança importante, que vai repercutir sobre as novas configurações familiares.

O Quadro 2 mostra a situação atual dos indivíduos pesquisados: 15 mulheres que têm as atividades domésticas como principal atividade, não se considerando como aposentadas. É claro que, se continuam com a responsabilidade de provedoras econômicas e cuidadoras do núcleo familiar, não se vêem como aposentadas.

 

 

Discussão dos resultados

 

Em relação aos papéis desempenhados pelo idoso junto ao núcleo familiar e às diferenças que possam existir em função da categoria gênero, o que se percebe através da fala dos familiares é na maioria das vezes o que a literatura aponta, ou seja, o papel da mulher ligado ao cuidado e às atividades domésticas. Os familiares atribuem às mulheres idosas este papel de cuidar, não aos homens idosos. E, quando as mulheres não conseguem dar conta de todas as atividades que necessitam exercer simultaneamente, ainda se sentem culpadas. Há autores como Velásquez (2005), inclusive, que apontam para o desgaste das mulheres que passam por essa situação e falam do estresse do “ninho superlotado”, com a superposição de papéis assumidos por estas mulheres.

Veja-se a titulo de ilustração o que diz o familiar 14 “Ela faz trabalhos manuais e cozinha muito bem. Até um ano atrás se fazia todo domingo churrasco na mãe. Agora é mais de vez em quando, duas vezes no máximo por mês, daí vão todos os filhos e netos”. E o familiar 15 diz que “Ela faz tudo pra mim, se eu não tivesse ela seria muito difícil, iria passar fome, não ter roupa passada”.

Para Louro (1999), isso ocorre, pois o casamento e a maternidade até o início do século passado eram vistos como etapas femininas fundamentais, e constituíam-se na verdadeira carreira das mulheres. A autora afirma ainda que “qualquer atividade profissional será considerada como um desvio dessas funções sociais, a menos que possa ser representada de forma a se ajustar a elas” (Louro, 1999, p. 26). Assim, a mulher segue desempenhando o papel que a sociedade espera dela, sem grandes transformações e conflitos familiares.

Também fica claro, na fala dos familiares, que a maioria possui uma visão positiva da figura feminina como sendo ativa, com o potencial de unir a família e de se atualizar com o passar do tempo. Para Ortiz (2005) a mulher idosa de hoje construiu sua imagem associada à manutenção da vida privada, à reprodução e educação dos filhos e aos cuidados de subsistência do lar, considerando essas tarefas como responsabilidade sua, mas também, como atividades de lazer, e continua exercendo-as mesmo após a aposentadoria. A autora diz que os homens, após a aposentadoria, participam mais das tarefas de manutenção da casa, mas não necessariamente das atividades tidas como femininas. Com relação à jornada média semanal despendida em afazeres domésticos, verifica-se que as mulheres trabalham mais que o dobro dos homens nessas atividades (24,8 horas), segundo dados do IBGE (2007).

Na PNDA realizada em 2006, somente metade dos homens realizava afazeres domésticos (51,4%), enquanto nove (9) em cada dez (10) mulheres tinham essa atribuição. Para as mulheres, a saída para o mercado de trabalho não implica em deixar tais atividades. Pelo contrário, a participação das mulheres ocupadas nesses afazeres é ainda maior (92%). Entre 1996 e 2006 os homens aumentaram sua participação nas tarefas domésticas em 7 p.p, passando de 44,4% para 51,4%. Neste período, o aumento da participação masculina no Estado da Bahia foi o maior, ao passar de 28,3% para 52%. O estado com a maior participação de homens em tais atividades, no entanto, foi o Rio Grande do Sul (69,9%), sendo que na Região Metropolitana de Porto Alegre esse percentual foi ainda maior, atingindo o nível de 74,2% (IBGE, 2007).

Apesar disso, em relação à figura paterna e masculina, percebe-se em algumas entrevistas uma visão, de certa forma negativa e muitas vezes associada à bebida, ao jogo ou a doenças, havendo uma comparação com os papéis desempenhados pela figura feminina/mãe. As crenças têm sido definidas a partir de aspectos religiosos, morais, cognitivos e pessoais e incluem uma série de interpretações relacionadas ao componente emocional do que está certo ou errado. Desta forma, estão relacionadas ao conjunto de pressupostos que a família define com relação ao que é correto ou não, e com isto, o que deve ser obedecido por seus componentes (Fleck e Wagner, 2003).

O entrevistado 2, por exemplo, afirma que “A mãe tem uma cabeça maravilhosa para quem tem 71 anos. Até expressões de gurizada ela usa. Totalmente diferente da relação que eu tinha com o pai. O pai era muito severo e não aceitava erro”. O familiar 16, comenta “Nós passamos muito trabalho por causa do meu pai, era doente e bebia”. O entrevistado 6 relata que “O pai vai todos os dias jogar cartas”.E o familiar 3 diz o seguinte “Meu pai, que abandonou a família, faz um ano que não vem e eu não procuro por ele. Minha mãe trabalhava fora e sustentava a família. Ela lava toda roupa da filha e da neta”.

E, apesar do estudo se referir a uma amostra de terceira idade, já se percebe algumas inversões nos papéis desempenhados por homens e mulheres, tendência que deve se acentuar nos próximos anos com o fenômeno da diminuição da natalidade e da entrada maciça da mulher no mercado de trabalho. O que os familiares que participaram desta pesquisa apontam é o fato de que algumas mulheres-mães já cuidavam das finanças da família, sustentavam a casa, ou mesmo, eram mais severas e autoritárias que a figura masculina com seus filhos.

Para Velázquez (2005), hoje nas interações afetivas, a mulher tem o direito a ser a provedora econômica única ou principal, delegando sem culpa as funções instrumentais e domésticas, em muitos casos ao companheiro homem. Este é um fenômeno moderno que modifica os clássicos papéis de gênero e que possibilita o exercício dos direitos afetivos a ambos, homem e mulher, sem conotação negativa, podendo aproveitar de outras funções que antes eram vedadas a cada um dos sexos. E pelas estatísticas, o Rio Grande do Sul será protagonista nessa mudança de papéis, pois possui a menor taxa de natalidade, de mortalidade infantil e a maior esperança de vida, além da maior participação masculina em atividades domésticas (IBGE, 2007).

 

 

Considerações finais

 

Esta pesquisa teve a pretensão de contribuir para o estudo de uma faceta do envelhecimento, trazendo como recorte o “idoso provedor” que através do benefício da previdência social (aposentadoria e pensões) é o mantenedor de sua família, em um município de médio porte do interior do Rio Grande do Sul. Pretendeu também chamar atenção para uma velhice que é heterogênea, com diferenças marcantes em relação a gênero e apontar os novos arranjos familiares que se formam a partir desta questão econômica.

Uma limitação deste estudo deveu-se a não ter separado os participantes por classe social ou renda, o que poderia ter apontado diferenças significativas em termos de divisão da renda do familiar idoso com seus dependentes e, de como isso interfere nas relações familiares.

 

Referências

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